14.12.19

Nuno Brederode Santos - seriam 75, hoje


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14.12.1962 – Uma pesada condenação de Portugal na ONU



No fim do ano de 1962, a Assembleia Geral da ONU insiste nas condenações da política colonial portuguesa em várias resoluções, com especial destaque, pela sua dureza, para a 1807, aprovada precisamente em 14 de Dezembro por 82 votos contra 7 (Bélgica, França, Portugal, Reino Unido, África do Sul, Espanha e EUA) e 13 abstenções (onde se incluíam os restantes membros do «grupo NATO»).

Qual o seu âmbito?

– A Portugal, cuja atitude condenava, porque contrária à Carta, pedia a adopção das seguintes medidas:
a) Reconhecimento imediato do direito dos povos dos seus territórios não autónomos à autodeterminação e independência;
b) Cessação imediata de todos actos de repressão e retirada das forças, militares e outras, utilizadas com tal fim;
c) Amnistia política incondicional e liberdade de funcionamento dos partidos políticos;
d) Início de negociações, na base da autodeterminação, com os representantes autorizados, existentes dentro e fora do território, com o fim de transferir os poderes para instituições políticas livremente eleitas e representativas da população;
e) Rápida concessão de independência a todos os territórios, de acordo com as aspirações da população;

– A Estados membros dirigia um duplo convite, no sentido de pressionarem o governo português e de não lhe concederem qualquer assistência que favorecesse a repressão;

– À Comissão de Descolonização pedia a máxima prioridade ao problema dos territórios portugueses;

– Ao Conselho de Segurança, que, caso não fossem acatadas esta e as anteriores resoluções da Assembleia, tomasse medidas para Portugal se conformar às suas obrigações de Estado membro. 


Portugal manteve-se inabalável e a guerra continuou. Hoje, sabemos o resto da história. 
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Frei Tomás e a revalorização salarial



«A abordagem do governo enquanto entidade patronal aos aumentos salariais na função pública é contraditória da iniciativa do governo enquanto parceiro na regulação do mercado de trabalho de revalorização salarial ao longo desta legislatura.

O Primeiro-Ministro anunciou logo nos primeiros dias de governo uma ofensiva para alcançar uma repartição mais equitativa do crescimento económico", impondo "melhorar os rendimentos de quem trabalha". Coerentemente, procedeu a um aumento de 5,8% do salário mínimo. Mais, o Governo foi à concertação social iniciar pela primeira vez em vinte anos um debate que visa assumidamente a valorização dos salários pela "fixação de referencial médio para atualização dos salários convencionais com (i) diferencial face à evolução esperada da produtividade e inflação; e com (ii) convergência com a média da EU relativamente ao peso dos salários no PIB.

No documento de abertura da negociação, o Governo apresentou mesmo aos parceiros sociais o cálculo da valorização salarial que resultaria da incorporação das variações esperadas da produtividade e da inflação: aumentos salariais anuais de 2,7% em 2020, 2,9% em 2020 e em 2021 e 3,2% em 2023.

Ficou por apresentar o cálculo da correção necessária para cumprir o critério da convergência com o peso dos salários no PIB na média da União Europeia. Num estudo para o observatório das crises e das alternativas, o economista José Castro Caldas deu uma ajuda para pensar a ordem de valores a considerar, ao calcular que, para que a parte dos salários no PIB regressasse numa legislatura ao valor que tinha em 2009, a valorização salarial teria que atingir os 4% em média anual. Muito provavelmente este cálculo aproxima-se da realidade por defeito, dado o efeito que tal valorização salarial teria na procura interna e, portanto, no crescimento do PIB. Mas também ninguém disse que os objetivos anunciados pelo Governo têm que ser conseguidos numa legislatura e pode até ser realista que se estendam por um prazo mais prolongado. É o tipo de questões que um acordo na concertação pode e deve negociar.

O Primeiro-ministro defendeu também a valorização salarial dos jovens qualificados. Os baixos salários de ingresso no mercado de trabalho são um acelerador da migração de jovens quadros e a iniciativa visa reter o potencial económico que deriva do nosso sistema de qualificações e que se perde quando o saldo migratório de quadros é negativo.

Por todos os sinais dados, o Governo enquanto ator da regulação do mercado de trabalho quer que esta seja a legislatura da revalorização salarial. Mas, enquanto maior patrão da economia portuguesa, o Estado acaba de anunciar a intenção exatamente oposta.

A proposta do Governo para o aumento salarial no setor público tem em conta apenas a inflação. O Estado-patrão não prevê considerar nenhuma das dimensões da revalorização salarial que o Estado-parceiro na regulação do mercado de trabalho propôs ao país. Não acomoda nenhuma participação dos trabalhadores do setor Estado no aumento da produtividade, não tem nenhuma referência ao ritmo de convergência com a UE, não inclui nenhuma medida de diferenciação positiva dos trabalhadores qualificados em início de carreira.

Um otimista dirá que, ao fim de uma década de congelamento nominal, portanto de perda anual do poder de compra dos trabalhadores da administração pública esta proposta de congelamento real dos salários é até um passo em frente.

Um realista salientará que na situação das contas públicas não há ainda margem para valorizações salariais como as que se estão a propor para o conjunto da economia.

Ambos terão razão. O que choca não é que o Governo assuma que, como uma empresa em situação difícil, terá que fazer a revalorização salarial mais devagar, talvez adiá-la, introduzi-la apenas parcialmente, ao ritmo das possibilidades. Ninguém quer o Estado em risco de bancarrota. O que perturba é que o Estado, que é um grande empregador e um grande empregador de jovens qualificados, necessários a que possa produzir serviços públicos de qualidade não reflita nas suas propostas nenhum dos elementos do discurso do Primeiro-Ministro, nem da iniciativa na concertação social, nem sequer para explicar publicamente porque não está em condições de adotar plena ou parcialmente à sua própria prática patronal o que recomenda aos patrões do setor privado. Com esta abordagem, o Governo enfraqueceu muito significativamente a sua credibilidade na concertação.

Porque haviam os patrões de levar a sério o que diz Frei Tomás? Porque deverão os trabalhadores do setor público aceitar que são um sub-universo ao qual se não aplicam as ambições de revalorização salarial propostas pelo governo ao país?

PS. Este artigo carece de uma declaração de interesses. Na parte da minha vida profissional em que trabalho para o Estado como Professor Convidado do ISCTE-IUL tenho interesse na política salarial do governo e enquanto sindicalizado no SINTAP tenho interesse na posição que esse sindicato venha a tomar face à proposta do governo

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13.12.19

Costa/Centeno – tão amigos que são/eram




Confrontado com as críticas do primeiro-ministro, o gabinete do presidente do Eurogrupo deixa claro, que Mário Centeno não tem comentários a fazer.

Com estas declarações, António Costa assume abertamente que o governo não está satisfeito com o trabalho que o presidente do Eurogrupo, mas nega divergência com o ministro das finanças.
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«Papá, já sou Património da Humanidade!»



Caretos de Podence elevados a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO.
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Delação premiada é convite à mentira



«O debate sobre a delação premiada é dos mais difíceis de se fazer no espaço público. Porque soa bem a ideia de poder prender facilmente um corrupto. Mas a delação premiada tem dois problemas: ela mina a credibilidade do processo e cria injustiça relativa. Quando à primeira, é a mais fácil de explicar: nós ficamos satisfeitos com os que são apanhados no caminho, raramente nos recordamos que para isso há criminosos que se safam ou veem as suas penas muitíssimo reduzidas. Só porque foram mais espertos. E isto levanta problemas de equidade na administração da Justiça.

Mas é a segunda questão que me preocupa. A delação premiada é um convite à mentira. Se alguém que foi apanhado percebe que se safará ou verá a sua pena reduzida se incriminar outro, não hesitará em fazê-lo, seja ele culpado ou inocente. A não ser, claro, que confiemos na honestidade do criminoso. E se sentir que incriminar aquele para o qual recaem as suspeitas e as investigações levará a esse prémio não deixará de apontar para aí. Sobretudo se houver uma pressão social ou política para isso. Num país onde a qualidade da investigação não é famosa, a probabilidade de delação premiada se tornar na principal forma de investigação da corrupção é enorme. E as delações com fotografia transformar-se-ão, não tenho dúvida, numa coisa corriqueira. A probabilidade de se salvar o culpado e se prender o inocente é grande.

Quem sabe mais sobre o processo conduzido por Sérgio Moro do que as parangonas sensacionalistas consegue perceber para onde isto nos leva. E como o resultado será a tragédia a que assistimos no Brasil: metade do país acredita que Lula é corrupto, a outra metade não acredita numa condenação que se baseou, em grande parte, na delação de corruptos que sabiam para onde tinham de apontar o dedo. Uma desconfiança na Justiça que mina, tanto como a corrupção, a credibilidade do sistema.

Pelo contrário, a justiça portuguesa está a julgar um ex-primeiro-ministro que chegou a conquistar uma maioria absoluta e, tirando meia dúzia de indefetíveis, nem os que criticam muitas coisas no nosso Ministério Público deixam de acreditar que o julgamento se fará com base em factos. Qualquer condenação de José Sócrates deverá ser aceite, mesmo pelos seus antigos apoiantes, como justa. Porque o nosso sistema não convida à mentira e à manipulação política. E é por isso que mais vale fazer difícil e bem, do que fácil e mal.

Nada tenho contra o que existe hoje na lei, que dá algum ganho a quem faça a denúncia nos primeiros 30 dias depois do ato criminoso. Posso acreditar num verdadeiro arrependimento. Tirar esse prazo da lei muda tudo, aproximando-nos do caos brasileiro. Um sistema como o do Brasil, que fez da Justiça palco de confronto partidário, do Ministério Público palco de jogadas políticas e de criminosos instrumento de acusações pré-definidas e sem necessidade de provas minimamente sólidas, será uma catástrofe para o país e para a Justiça. E nada fará contra a corrupção, por encher de suspeitas as investigações.

Não é por acaso que representantes de juízes e de advogados já mostraram a sua oposição e o presidente do Sindicato do Ministério Público bateu as palmas de contente. A concentração de poder nos procuradores seria absoluta e a investigação quase dispensável.

Perante a sensibilidade deste tema, que é sempre aproveitado por todos os demagogos que têm o nariz apontado para o primeiro atalho que lhes apareça à frente, é irresponsável a forma como o Governo lançou o debate para a praça pública. Ainda por cima à revelia do grupo parlamentar que o suporta, num tema de exclusiva responsabilidade da Assembleia da República. Estratégias sérias no combate à corrupção, que devolvam ao país a confiança no Estado, exigem seriedade à prova de bala. Quando é o Governo a atirar tiros para o ar, sem saber o que anda a fazer, só podemos temer asneira. O problema é que o Governo é liderado por um partido que se sente, por causa de Sócrates, desconfortável no tema. E todos os agentes da Justiça, que lutam por poder entre si, o sabem.»

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Santana Lopes nunca desilude



O «Joker» de Martin Scorsese… Com violinos de Chopin como banda sonora, certamente.
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12.12.19

Portugal e emissões associadas a transportes marítimos



Anda tudo a barafustar contra os Cruzeiros que atracam em Lisboa (há quem defenda que deviam ser proibidos…), quando o principal problema é que “Portugal é o 5.º país europeu com maiores emissões associadas ao transporte marítimo de combustíveis fósseis (25%)”.

«“As emissões dos navios que abastecem em Portugal é equivalente à poluição das oito cidades portuguesas com mais carros registados”, que se localizam nas áreas de Lisboa, Porto e Braga, alertou a ZERO num apelo à UE para que integre a navegação no comércio europeu de licenças de emissão.»

(Daqui)
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Aumentos de 0,3%? Vergonha alheia…



Esta senhora, agora ministra, sempre me provocou urticária. Claro que a culpa disto não é dela, mas prestar-se a esta fantochada não abona a seu favor.
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Os extremos tocam-se? (II)



«A tese de que os “populismos” engordam graças ao apoio daqueles que Hilary Clinton chamava os “deploráveis”, que, de tão culturalmente incapazes, perderam a batalha da globalização e, na sua raiva, votavam antes numa esquerda demagógica e populista e agora votam na direita populista, é de um simplismo preguiçoso e demagógico. Este gasto discurso de que “os extremos se tocam” (António Barreto repete-o todas as semanas nas páginas deste jornal), de que comunistas e fascistas são iguais e que, por o serem, dividem entre si o apoio dos politicamente “incompetentes”, é parte do (ainda mais velho) discurso liberal elitista de que a cidadania é, não um exercício efetivador de direitos, mas um processo de inculcação, no final do qual a maioria da sociedade (as classes populares, isto é, os que trabalham mas que não devem sequer decidir sobre o trabalho que fazem) adotam os valores e a mundivisão das elites, reconhecendo-lhes o direito ao governo da sociedade; isto é, os pobres aprendem a acreditar no que os ricos deles pensam, reconhecendo a inferioridade inerente à sua “incompetência”.

Antes de mais, o erro de crer que o mapa do voto da extrema-direita reproduz o do voto comunista e/ou da esquerda radical decorre de uma perceção irrealista de que os operários vota(va)m quase todos à esquerda, como se todos fizessem efetivamente uma opção política de classe, como se não houvesse voto de direita no mundo operário e, sobretudo, no eleitorado popular do mundo rural. Os estudos de sociologia eleitoral da extrema-direita que não se limitam a procurar nos dados da realidade confirmação para o preconceito elitista de que os trabalhadores pouco escolarizados passaram de um extremo ao outro, têm mostrado como a extrema-direita se enraiza sempre nos setores da pequena burguesia ameaçados de perda de estatuto socioeconómico (pequenos proprietários, assalariados pessimistas), atraindo numa segunda fase o voto punitivo de segmentos do mundo suburbano desindustrializado, sobretudo entre os precários sem enquadramento sindical e que recusam a identidade política construída à esquerda pelas gerações operárias mais velhas. Em França, o mais estudado dos casos de país com extrema-direita e PC fortes, é evidente a não coincidência dos territórios de implantação de um e outro setores, com a antiga Frente Nacional a disputar o voto tradicional da direita em regiões ricas (Leste, Côte d’Azur) e deprimidas (resto da Provença, mundo rural) e a fracassar onde o PCF era mais forte (região parisiense, Maciço Central e Limousin, salvo no Norte desindustrializado).

A precariedade, o medo permanente do desemprego, da deslocalização, da desqualificação, instalou-se no mundo do trabalho ao mesmo tempo que se procurou impor a ideia da irreversibilidade das grandes escolhas económicas que aceleraram o crescimento da desigualdade e da pobreza. O resultado lógico foi a abstenção de velhos e jovens trabalhadores (sobretudo destes), agravada pelas crises das esquerdas – a de grande parte dos partidos comunistas, que já começara antes da implosão dos regimes do socialismo real mas que se agravou com esta; e a da social-democracia, velozmente a caminho do mesmo neoliberalismo que a expulsou do poder nos anos 80 e que levaria à sua bancarrota política nos anos 2010. A crise dos sistemas de representação tem obrigado a que voltemos a estudar a desigualdade social como fator decisivo no comportamento político. O caso britânico é dos mais reveladores: depois de o foco ter sido colocado durante muitos anos na quebra da participação eleitoral, os estudos dos últimos anos verificaram que “as desigualdades de classe relativamente à participação eleitoral cresceram significativamente”, a tal ponto que se tornaram mais visíveis no campo da participação que no da opção política (Heath, 2016). Neste sentido, “a mudança principal [no comportamento eleitoral das classes trabalhadoras] não é tanto a reemergência do voto de classe mas do não-voto de classe” (Evans&Tilley, 2017), isto é, da abstenção de classe. Para só falar de duas cidades, compare-se os 32% de abstenção nas últimas eleições na freguesia lisboeta com mais alto rendimento médio (Belém) com os 50% em Camarate, Unhos e Apelação (Loures); ou os 31% em Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde e os 44% em Campanhã (Porto).

Afinal, o problema não é de extremos: é de desigualdade. É de fazer com que quem se sente injustiçado desista de procurar justiça.»

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11.12.19

Nuno Brederode Santos



No próximo dia 20, serão lançadas as Crónicas publicadas por NBS no Expresso, entre 1974 e 2001.

(Clicar na imagem para ler melhor.)
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A «piralha» de Bolsonaro



A fotografia foi tirada em Lisboa e nem há selfie com Marcelo! O mundo de pernas para o ar…
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A geringondeira, a equação madeirense em todo o seu mistério



«As reuniões desta terça-feira do Ministro das Finanças com os partidos são uma obrigação institucional e uma maçadora e inútil representação. De há muitos anos que são escusadas, com este governo e com os anteriores. É pura perda de tempo, não se discute nada nem se fica a saber o que seja. Mas as desta terça-feira têm uma particularidade saborosa: falta o PSD-Madeira que, a fazer fé em nutridas notícias, seria aposta do Governo para negociar o Orçamento. Como o Expresso revelou, Albuquerque já se reuniu com Costa e Centeno e as negociações prosseguem a bom ritmo desde então. Em qualquer caso, a principal notícia dos últimos dias sobre a questão orçamental vai ganhando contornos de mistério.

A primeira hipótese para interpretar este mistério é que é uma farsa, a negociação em curso não leva a lado nenhum. Conhecendo a Quinta da Vigia, é plausível que seja uma encenação para conseguir uns dinheiros, uma especialidade jardinista & herdeiros. Sendo assim, seria lógico que Albuquerque a alimentasse, no vazio do que parece ser a preparação política do Orçamento, mas já é mais difícil de compreender por que razão o Governo a permite, com o seu silêncio desde que a coisa foi publicada.

A segunda hipótese é que este projeto de acordo esteja mesmo a avançar. O problema é que uma “geringondeira” com o PSD-Madeira de Albuquerque, mais o PAN e o Livre, parece uma equação arriscada: todos teriam não só que votar a favor do Orçamento, como teriam que fornecer ao Governo a garantia de obediência em todos os votos na especialidade, tendo portanto que votar contra alguns dos seus próprios compromissos eleitorais. Não vejo como o PAN se colocaria nessa posição. Para o Governo, seria uma aposta de elevadíssimo risco: cheira a esturro, não dá nenhuma estabilidade para o futuro, não é apreciado pela sua base de apoio, ajuda monumentalmente os partidos de esquerda e, se a estratégia do PS é criar uma crise política para eleições dentro de dois anos, levantaria o véu muito cedo e aumentaria o desgaste durante demasiado tempo.

Ou seja, se houver uma negociação com o PSD-Madeira, o resultado será sempre incerto e penoso; se há mas não é a sério, então o simples facto de se alimentar a dúvida demonstra que a confusão desta semana final de preparação do Orçamento é gerada pela falta de agenda do Governo. As consequências não são poucochinho: os parceiros do acordo da legislatura anterior foram o alvo do PS na campanha eleitoral e agora são confrontados com uma negociação orçamental de última hora em modo Daniel Campelo. Se, como o Expresso escrevia no sábado, ainda houver reuniões de Costa com Catarina e com Jerónimo, não consigo imaginar que esta farsa ajude a criar um diálogo razoável.

Alguns têm escrito que este ambiente de precipitação é o resultado de escusada antecipação na apresentação do Orçamento, que podia ter esperado mais um mês. Talvez, mas isso é sempre um detalhe, dado que o ministro é o mesmo e a equipa também, podia ter o trabalho técnico já pronto. O problema é outro: é que o PS concluiu dos resultados eleitorais que estava em posição de força e por isso pode fazer o que quiser (mesmo que não saiba o que quer). Sugiro, pelo contrário, uma outra leitura diametralmente oposta: o PS ficou mais fraco com o resultado eleitoral, só que ainda não percebeu. A prova está à nossa vista. O Governo, que há dois meses achava que podia governar como se tivesse maioria absoluta, estará agora a deixar-se encurralar num conciliábulo com o PSD-Madeira ou, pior, com receio de o recusar mesmo que tal seja somente uma jogada.

Na verdade, o PS podia ter aproveitado a sua subida eleitoral para alcançar uma posição dominante mas, se era isso que pretendia, falhou. Prometeu um acordo de palavra com o PCP, que seria um parceiro “estável” e “confiável”, bastava um aperto de mão e não são precisos papéis – uma técnica de amesquinhamento desse partido, desvalorizando as suas posições e conduzindo, como seria de esperar, a uma reação contrária e enérgica depois do resultado eleitoral. Não há nenhum acordo de palavra, nem podia haver. Admitiu um acordo escrito com o Bloco para depois renegar a sua palavra, embora explicando que assim em negociação caso a caso a coisa iria bem – está-se a ver no que dá, não existindo um acordo com objetivos para quatro anos, que organize a relação entre o Governo e outros partidos em torno de metas comuns, o risco de ser vencido no Parlamento em medidas concretas é exponencialmente maior. É mesmo caso para dizer que o Governo criou um incentivo para que isso aconteça, como poderá ocorrer em temas em que a maioria da população nem hesita sobre o que é útil para o país. A possibilidade de jogo melodramático fica prejudicada. Não se demite um governo se o Parlamento aprova a exclusividade de médicos no Serviço Nacional de Saúde, pois não?

Sobra um último mistério: quem é o responsável do governo que quer esta negociação com o PSD-Madeira ou, não o desejando, aceita ainda assim alimentar a atoarda?»

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10.12.19

Saudades?


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Entretanto na Argélia




Mais uma manifestação contra as eleições presidenciais que têm lugar no dia 12.
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Na direita, é isto que está a dar



Que acabem numa ilha de onde até os pinguins já tenham fugido.

(Não sei o que o homem diz no artigo, é só para pagantes.)
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Não são apenas umas quantas maçãs podres



«No dicionário, corrupção também se define como degradação, adulteração ou decomposição. Aos poucos a corrupção vai desviando recursos públicos, condicionando pequenas decisões políticas e grandes decisões de Estado, vai dando má fama à política e minando a confiança nas instituições públicas.

Sabemos que há a pequena e a grande corrupção e que a fronteira entre o crime e o favor, ou a "cunha", nem sempre é fácil de delinear e menos ainda de investigar ou julgar. É nesta névoa de fronteiras difusas que encontramos a porta giratória, onde o que entra público sai privado, e nunca se sabe em nome de quem são tomadas as grandes decisões do país. Até que ponto a política de energia foi corrompida pela EDP? E as obras públicas pela Mota-Engil? E a política de telecomunicações pelo BES? O que sabemos é que o fluxo de ex-ministros PS/PSD/CDS de e para estas empresas foi intenso, e que essa é só a forma mais visível da porta giratória.

Foi por compreender que a corrupção é como um caruncho que escava fundo na estrutura da democracia - um problema do cesto, mais do que de umas quantas maçãs podres -, que o Bloco se empenhou tanto na denúncia destes casos. Mas também fez propostas: períodos de nojo alargados para ex-governantes, exclusividade dos deputados, um regime forte de incompatibilidades, mais exigência na declaração e fiscalização dos rendimentos e património, criminalização do enriquecimento injustificado. Algumas destas propostas, como a criação de uma entidade para a transparência, foram recentemente aprovadas, outras não.

Ontem o Governo anunciou a criação de um grupo de trabalho para definir uma estratégia de combate à corrupção. De pouco vale dizer que vem tarde. O mais importante é que venha e que seja célere na produção de resultados. Para já, a maior parte das propostas anunciadas - em particular a separação dos megaprocessos - parece ir na direção certa. Há, no entanto, uma proposta preocupante. Como nos mostra o regime brasileiro e o uso do sistema judicial por Sérgio Moro para favorecer Bolsonaro, a delação premiada - ou seja, a possibilidade de fazer acordos sobre a dimensão da pena de arguidos que denunciam terceiros - é uma ideia perigosa: declarações forjadas ao sabor da estratégia de associações criminosas e denúncias forçadas pela ameaça de duras penas, tudo se presta a fazer da Justiça um negócio ou mesmo uma arma para tramar os adversários políticos. Não, Justiça é outra coisa.

Finalmente, devemos nunca esquecer que a Justiça é também um serviço público. Mais eficácia e dedicação no combate à corrupção exigem mais meios, mais recursos, mais financiamento. Depois de anunciada a prioridade, que o combate à corrupção não acabe engavetado, também ele, no Ministério das Finanças.»

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9.12.19

Também em Lisboa



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Brexit? Isto tem piada



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Presépio 2019



Pesebre de iglesia en California ilustra la separación de familias migrantes en la frontera.
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A máquina de fabricar estrangeiros



«O debate sobre a lei da nacionalidade está de volta. Em Portugal as posições sobre este tema posicionam-se num contínuo direita-esquerda em que quanto mais à direita estiverem os protagonistas mais preponderância se dá ao jus sanguini, o princípio de que os portugueses são os filhos dos portugueses e quanto mais à esquerda estiverem mais se defende o jus solis, o princípio de que são portuguesas as pessoas que nascem em Portugal. Como sempre, ao centro procura-se a justa proporção entre os dois princípios. Mas estará desta vez o centro a ser virtuoso?

Pode defender-se contra o jus solis que nenhum país da União Europeia o adota como princípio puro. O que não surpreende dado que o jus sanguini vem da tradição germânica e de uma ideia de povo como ancestralidade. E essa ideia de ancestralidade como identidade nacional casa bem com o pensamento conservador europeu, que sempre assentou numa visão da mudança social como perda.

Mas devemos perguntar-nos se a Europa neste ponto é uma boa fonte de inspiração para Portugal. As dificuldades levantadas à aquisição de nacionalidade por imigrantes de segunda geração está em todo o continente associada a fenómenos de desfiliação social de que não há motivos para orgulho e de que a radicalização de jovens islâmicos de bairros desfavorecidos é apenas um extremo num contínuo de pobreza e exclusão social que passa por tentar manter barreiras artificiais e assimetrias de estatuto social entre pessoas nascidas, educadas e (não) entrando no mercado de trabalho no mesmo país, que se discriminam por algo que não foram elas que produziram - a nacionalidade e o estatuto residencial dos seus pais.

Em matéria de integração social de imigrantes os EUA e o Canadá são muito melhores exemplos. Têm proporcionalmente muito mais imigrantes que a Europa, gerem contingentes muito volumosos de imigrantes ilegais e conseguem que a segunda geração seja um problema social e político muito menos grave. Há muitas razões que concorrem para isso. Mas o facto de adotarem o jus solis puro, de considerarem nacional quem nasce no país, independentemente do estatuto dos seus pais, está entre as razões para esse sucesso.

Acresce que só nas fake news do PNR e do seu irmão político Chega é que Portugal é um país a sofrer grande pressão imigratória. Temos um nível baixo de imigrantes e saldo migratório negativo. E mesmo a relutância dos refugiados que chegam à Europa em dirigir-se a Portugal nos diz que a construção de um súbito movimento turístico de massas para obter a nacionalidade portuguesa é apenas real em delírios de direita e protofascistas. Como argumento para discutir a nacionalidade faz lembrar os que se opunham à despenalização do consumo de drogas em Portugal porque todos os drogados da Europa se mudariam para cá. Passaram duas décadas e não aconteceu, pois não?

Mas a questão primordial atual é a de que a nossa lei da nacionalidade afeta hoje sobretudo jovens nascidos no seio de famílias com fortes ligações a Portugal. Os seus pais podem até ter chegado há pouco. Mas têm cá, muitas vezes há décadas, grande parte da sua família alargada. A grande maioria das comunidades estrangeiras em Portugal é constituída por pessoas com fortes laços históricos com a cultura portuguesa. E os novos imigrantes não deram ainda nenhum sinal de constituir um problema social, de gerar tensões sociais significativas.

Há mais razões para temer que o insucesso da política de inclusão social de pessoas desfavorecidas, a vulnerabilidade à pobreza, a segregação espacial e social possa gerar a prazo problemas crescentemente mais graves com a segunda geração do que para recear uma invasão de imigrantes grávidas. E face a esses riscos sociais reais, por contraponto aos do imaginário da direita, uma lei da nacionalidade que continue a condicionar a nacionalidade à condição dos pais é um sério erro e um sinal de medo de uma sociedade que começa a desenvolver fenómenos de racismo e xenofobia que não queremos ver florescer.

Se, como dizem as notícias, o PS não apoiar a adoção do jus solis na lei da nacionalidade, ao contrário do que propõem o BE, o PCP, o PAN, os Verdes e o Livre, não estará a ser uma força política moderada, mas ponta de lança de uma visão conservadora da sociedade europeia que alimentou germes de ódio. Estará a alimentar de novo uma perigosa máquina de fabricar estrangeiros na sua própria terra.»

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8.12.19

Pessoas estúpidas



Claro que há pessoas estúpidas. Pessoas estúpidas que chamam estúpidas a outras que são ou que não são estúpidas. Mas depois há a Helena Matos que não é estúpida, mas que é simplesmente má como as cobras – que não são estúpidas.
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Esperemos que os herdeiros ganhem em tribunal




«A Universidade de Lisboa quer alienar em hasta pública a Casa Ventura Terra, na Rua Alexandre Herculano, um edifício classificado e doado há cem anos pelo arquiteto, num testamento em que diz: “muito desejo que não seja vendido”. Herdeiros vão impugnar em tribunal.»

«O edifício (…) passaria a ser propriedade das Escolas de Belas de Arte de Lisboa e Porto, e o rendimento deste deveria ser destinado a bolsas de estudo: “para evitar (...) quanto possível que rapazes ou mesmo meninas pobres, não sigam por falta de recursos pecuniários uma carreira artística para a qual se reconheça vocação.”
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Pim Pam Pum



«Com o ar sorridente e disciplinado de quem nunca tem dúvidas, o sr. Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, disse há dias que ainda não sabe se vai haver um Bacalhau Story Centre ou um Centro da História do Bacalhau. Acrescentou mesmo, um pouco enfadado: “Temos de ver se o nome fica em inglês ou português”.

É uma dúvida que quase o eleva a um personagem de Shakespeare, o incomparável Hamlet. Nada que admire. Deve, ou não, um museu, ou outra coisa qualquer, ter o nome em inglês, para atrair mais turistas, ou em português, já que qualquer dia não há alfacinhas em Lisboa? A resposta, para o sr. Medina, parece ser óbvia: A seguir, para atrair mais turistas, e eles se sentirem em casa, como se estivessem no seu sofá com chinelos de feltro e a comer pipocas, deve Lisboa passar a designar-se como Lisbon ou Lisbonne? Há, claro, o reverso desta medalha de chumbo: se Portugal não tem orgulho na sua própria língua, é porque considera que é uma cultura periférica, chata e dispensável. O desprezo pela língua portuguesa é o mesmo que desprezar a Cultura nacional.

Ninguém parece ter-se indignado com a dúvida existencial do sr. Medina. Afinal estamos cercados de Websumits e de Black Fridays. Mas a simples dúvida faz-nos recordar que lá por fora a Unesco promulgou o Dia Mundial da Língua Portuguesa e que se tenta que o português seja língua de trabalho da ONU.

Quando abrimos os braços ao inglês como exemplo de “modernidade”, está tudo explicado como a nossa pretensa elite olha para uma cultura milenar. Como não falava, Harpo Marx usava uma buzina para se exprimir. Todos percebiam melhor as suas emoções do que quando se escutam, nestes dias líquidos, muitos dos que se contorcem a ensaiar exasperantes bocejos sobre a Cultura.

O que dizem fica a meio termo entre uma buzina, uma sirene e um martelo pneumático. Depois do ruído fica-se sempre com a noção de que eles próprios estão perdidos no seu labirinto. A importância que o sector político devota à Cultura ficou plasmado nos seus programas e nos debates eleitorais das últimas eleições: um imenso vazio de ideias. Nada que admire. A xaranga continuou e está instalada, como uma comédia do velho Parque Mayer: só os “compères” são outros.

Recentemente, na Assembleia da República, assistiu-se a mais um dos cativantes debates sobre a Cultura nacional. Poder e oposição, decidicaram-se ao clássico jogo da cabra-cega, em que um dos participantes, de olhos vendados, procura adivinhar onde estão os outros e quer agarrá-los.

Aqui, numa comovente alteração de regras, estavam todos com os olhos vendados. Hipnotizados pelo “desígnio nacional”, uma macumba em que se julga que com 1% do OE se resolverão os males da Cultura. Enfeitiçados, todos olham para a Cultura apenas como um dote. Isto é, um bolo-rei de subsídios. O fundamental não se discute, mas também o que se pode esperar? As ideias originais não existem, as que se debitam são emprestadas, e o subsídio é uma agradável e fácil sopa dos pobres.

Que importa que não haja uma política para o livro (para apoiar a edição face a uma complexa e predatória distribuição) num contexto onde a leitura é cada vez mais um reduto de resistentes? Para quê discutir a autonomia de museus que vivem à míngua de tostões? Porquê gastar tempo a trocar ideias fortes sobre uma estratégia integrada do audiovisual, que lhe possa abrir novas fronteiras? Isto, entre tantas outras coisas estruturantes.

Desenganem-se os optimistas: a distribuição de subsídios é que garante clientelas. É ela a única política cultural indígena. Costuma dizer-se que a avestruz, quando se vê em perigo, afunda a sua preciosa cabeça na terra. Fica com a ilusão de que, se ela não vê, também não será vista. A generalidade dos partidos políticos comporta-se perante a Cultura da mesma forma que uma avestruz: enterram a sua cabeça, abanam as asas, e esperam que elas se transformem em notas de euro em contacto com o vento. Todos têm medo da Cultura. E, assim, preferem brincar à cabra-cega.»

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