16.2.13

Faria hoje 88 anos

Democracia tipo «Big Brother»?



Na sua crónica semanal no Público (sem link), Pacheco Pereira parte do famigerado caso da exigência de facturas ao consumidor, e das hipotéticas mulas a serem aplicadas por agentes do fisco em caso de não existência das mesmas, para sublinhar os perigos ligados ao número crescente de situações em que o percurso e a vida dos cidadãos pode ser seguida, ao milímetro e ao minuto, em nome da eficácia do sistema e, neste caso concreto, do combate à evasão fiscal. O seu texto tem, aliás, um título bem sugestivo: «O número que está tatuado nos braços dos portugueses: o número de contribuinte.»

A questão vem de longe, foi largamente discutida antes do lançamento do Cartão de Cidadão quando os seus opositores invocavam uma norma que vem do tempo de Salgado Zenha e que impede que cada cidadão corresponda a um único número. Onde isso já vai, vários números continuamos a ter e a generalização do uso da tecnologia veio tornar a existência do número de cidadão mais ou menos inócua.

Mas vale a pena ler parte do que Pacheco Pereira vem lembrar já que, ao contrário do que tacitamente parecemos (ou desejamos..) crer, a democracia-não-totalitária não é um dado adquirido. Bem longe disso...

«Infelizmente a indiferença cívica é o pano de fundo de muitos abusos e a sociedade e o Estado que estamos a construir são os ideais para uma sociedade totalitária. Se uma nova política aparecer – e para quem preza a liberdade esse risco existe sempre –, não precisa de fazer nenhuma lei nova, basta usar os recursos já disponíveis para obter toda a informação sobre um cidadão que queira perseguir. (...)

E é exactamente porque o combate à evasão fiscal falha, ou porque a economia está morta, ou porque os Montes Brancos são mais numerosos do que todas as montanhas dos Alpes, dos Andes, do Himalaia, que se assiste a uma espécie de desespero fiscal que leva o Estado (os governos) a entrar pela liberdade e individualidade dos cidadãos comuns de forma abusiva e totalitária. Digo totalitária, mais do que autoritária, porque a tentação utópica de “conhecer” e controlar a sociedade e os indivíduos através da monotorização de todas as transacções económicas é de facto resultado de mente como a do Big Brother.» 
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E faz muito bem



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Autofagia? Canibalismo?

15.2.13

No poder, pela força ou pelo embuste



«Uma sociedade torna-se totalitária quando a respectiva estrutura se torna manifestamente artificial, isto é, quando a respectiva classe dirigente perdeu a sua função mas consegue manter-se agarrada ao poder pela força ou pelo embuste. Uma sociedade assim, por muito tempo que persista, nunca pode dar-se ao luxo de se tornar tolerante ou intelectualmente estável. (…) Porém, para sermos corrompidos pelo totalitarismo, não é obrigatório que vivamos num país totalitário.»

George Orwell, Livros & Cigarros

A kiss is just a kiss

Não há luz, só túnel



Por José Reis, professor da Faculdade de Economia na Universidade de Coimbra, Público de hoje (sem link.)

«As hipóteses de ignorância, fanatismo ideológico, convicção cega de que as finanças públicas são tudo, servilismo político ou comportamento aluado parecem frágeis para explicar a sequência fria, sistemática, encadeada, de deliberações sobre a economia portuguesa que a conduziram ao óbvio: à paralisia, à depressão, à miséria, ao abandono.

Mas os dados sobre uma realidade negra somam-se. O desemprego ontem, o produto interno bruto (PIB) hoje, o investimento amanhã. Enfim, a desconstrução da economia, da sociedade, das expectativas. Qual é a surpresa, se tudo se montou para que assim fosse? É preciso lembrar que em 2010, em Portugal, o crescimento foi 1,6%?

Já não é de crise que se trata. É de outra coisa. Crise, dizem os eruditos e lembramo-nos muitos de nós, é uma situação de passagem para outra fase, uma transição em que há mudança, mas não se desconstrói tudo, abrindo-se sempre um caminho. Aqui não há passagem para lado nenhum. É um estado em si mesmo: o empobrecimento pelo empobrecimento, a redução absurda do que somos, do que temos. Já nem a frase “desvalorização interna”, que fez época, parece fazer sentido. É muito mais do que isso.

O assunto não é apenas português, bem se sabe. O centro da Europa afunda-se igualmente. A ideia deslumbrada de que só era preciso corrigir os nossos vícios, pois só nós fugíamos à regra, não tinha caminho para fazer. Nem cá, nem lá. O desígnio exportador como salvação era fruto desse moralismo sem base.

Alguém continuará a dizer-nos que isto é para preparar a retoma? Alguém ainda vem com a estafada metáfora da luz ao fundo do túnel? O que é claro é que é preciso destruir o túnel, porque ele não comporta luz, não tem saída. Como é que isso se faz? Com o inverso do que tem sido feito. Investimento público regenerador. Sanear os bancos para que deixem de se alimentar a si mesmos e financiem a economia. Regresso à economia real criadora de riqueza, emprego e bem-estar. Repartição justa do rendimento valorizando a procura interna que relance a economia.» 
 (O realce é meu.)
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É amanhã


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Com dedicatória a quem tem vocação para adjunto de inspector do fisco



«O Estado quer cobrar impostos aos comerciantes e ainda bem porque também mos cobra. Mas essa relação é de casal (Estado e comerciante) e não é de ménage à trois comigo à força. Quer dizer, o Estado pode tentar conquistar-me, dando incentivos (p. ex., as faturas pedidas diminuindo os meus impostos) e eu posso, ou não, deixar-me conquistar. Não posso é ser punido por não fazer o que só incumbe ao Estado, zelando, e ao comerciante, cumprindo. Esta história de multas a clientes à porta dos cafés é um abuso inaudito. E não é por ela revelar a impotência do Estado que deixa de ser um abuso.»

Ferreira Fernandes

14.2.13

Economia Portuguesa: Propostas com Futuro


(Para ler em  formato maior, clicar AQUI)

(Recebido por mail com pedido de divulgação.)

16 de Fevereiro, á partir das 9:30 
Fundação Gulbenkian (Auditório 2) 

A conferência constituirá um momento privilegiado de apresentação pública e debate dos resultados do trabalho que tem sido desenvolvido pela Rede Economia com Futuro, enriquecido pela discussão e reflexão tidas no âmbito dos seminários temáticos que decorreram durante o mês de Janeiro de 2013.

No apelo de Abril de 2011 que fundou a Rede Economia com Futuro e levou à realização da Conferência “Economia Portuguesa: uma Economia com Futuro” (30 de Setembro de 2011), alertava-se para o desastre que o “resgate” que acabara de ser anunciado poderia provocar. Passado um ano e meio, os resultados deste “resgate” estão à vista e são amplamente reconhecidos. Importa agora, face à devastação económica e social do país, procurar vias de saída e propostas capazes de impedir o declínio e a dependência de Portugal no quadro de uma União Europeia dual e em risco de desagregação.

Espera-se com a conferência dar um contributo que qualifique o debate público acerca das alternativas em presença e clarifique as escolhas necessárias para a superação da crise.

A conferência será aberta ao público, mas por motivos logísticos pedimos a inscrição prévia através da página de Internet da Rede Economia com Futuro. Aqui poderá encontrar, também, o Programa da Conferência que vem reproduzido abaixo Caso não possa estar presente poderá seguir o desenrolar dos debates neste mesmo site ou no site da Fundação Calouste Gulbenkian
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Precisa-se: evangelizador



Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje, sobre a renúncia do Papa, vista de Portugal. O português ideal para chefe da Igreja? João César das Neves, sem dúvida. Mas há outras lições a serem tiradas:

«Será Vítor Gaspar católico? Deus queira que sim. Gaspar também parece cansado. Ninguém tem olheiras tão fundas se anda a descansar o suficiente. E aparenta estar fisicamente fraco. É manifesto que lhe custa falar. Aquele tom pausado é o mesmo com que, nos filmes, os moribundos dão recados importantes aos amigos e à família. Nas mesmas condições, o Papa renunciou.»

Na íntegra AQUI.
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Importam-se de repetir?



Tenham esperança porque talvez um dia alguém diga O MESMO a propósito de Vítor Gaspar. (Será isto o «custo o que custar»?)
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Respeitinho


@João Abel Manta

«A repressão é a resposta para a minoria que não respeita os sinais, as regras explícitas ou implícitas, as rotinas do enquadramento, da submissão, da conformação à ordem estabelecida. Para a maioria que é levada a obedecer, basta que se saiba que a repressão existe e que actua sobre os infractores (O realce é meu.)
Fernando Rosas, Salazar e o poder 

Este parágrafo foi escrito a propósito do passado mas ainda se aplica aqui e agora – e de que maneira. Velhos e novos temos ainda nos genes vestígios de um respeitinho e de um espírito de submissão salazarentos, bem alimentados por meio século de censura, e que estão sempre prontos a entrar em acção quando um poder mais musculado deles sabe tirar partido. 
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Facturas, custe o que custar?


@Gui Castro Felga

No seguimento do que aqui escrevi, já há proposta de pin...


Trata-se, portanto, de uma manobra para amedrontar os mais fracos, já tão assustados com tudo o que lhes cai em cima, que nada querem ou podem arriscar. O que aliás foi bem visível em entrevistas de rua exibidas nos telejornais (com algumas honrosas excepções, diga-se de passagem).

P.S. – A propósito, ler Ferreira Fernandes: Bicas, perdão, dicas para fugir à multa e Francisco José Viegas: No Estado, o absurdo não paga imposto? .
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13.2.13

Salazar e o poder



Um excelente livro e duas excelentes intervenções de José Pacheco Pereira e do autor, Fernando Rosas, na sessão de lançamento. Uma hora bem utilizada: 

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Alemães, muito melhores que os Maias em previsões



Parece que na Alemanha não se fala de outra coisa, a notícia chegou-me por este post da Helena Araújo e é de facto notável: um calendário berlinense com cartoons, que foi impresso em Agosto de 2012, tem esta imagem para o dia 10 de Fevereiro de 2013, véspera da data em que o Papa anunciou a sua renúncia ao cargo.

O Papa ganha um qualquer Totoloto e exclama: «Santíssimo... Amanhã despeço-me!»

Já chovem comentários de toda a ordem, desde a hipótese de a decisão do Papa ter sido influenciada pelo calendário, até ao que dá o título a estes post... 

E quem continua mais ou menos em estado de choque é editor que trabalha há 30 anos no dito calendário: «Quando vi os jornais e ouvi a rádio na segunda-feira, fiquei verdadeiramente assustado!» Não é caso para menos ... 
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Nem que o Espírito Santo descesse em Belém!


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Polícias nos querem, desobedientes civis nos terão



O Jornal de Negócios informa hoje que «Todos os consumidores finais estão obrigados a garantir que a generalidade dos comerciantes e prestadores de serviços lhes passem uma factura. Se não receberem no acto da compra, e não a exigirem, podem ser multados. (...) Dar o número de contribuinte não é obrigatório, mas nome e morada podem sê-lo.»

Aparentemente, a coima varia entre os 75 e os 2000 euros.

Será que estas luminárias não sabem que o civismo não se decreta nem se educa com ameaças? E vão pôr em cada esquina um polícia? Ou esperam que os clientes da tasca vão a correr denunciar o vizinho que não pediu o papel pelo bagaço que bebeu?

Mas há que ver sempre o lado positiva das coisas. Ao contrário de muitos, até fico cheia de esperança: se cada português consciencializar que é já um desobediente civil, e que continuará a sê-lo (alguém tem dúvidas?), talvez isto esteja na origem de um excelente passo em frente para que se envolva em acções mais consistentes que apeiem estes governantes incompetentes e impeçam que outros mais ou menos semelhantes venham a substituí-los.

Soubesse eu fabricar badges e este já estaria na forja.

Internacional quê? (2)



Vale a pena ouvir esta intervenção (aqui na íntegra) de Beatriz Talegón, secretária geral das Juventudes Socialistas de Espanha na Europa e da União Internacional das Juventudes Socialistas, na recente reunião da Internacional Socialista, que teve lugar no Estoril.
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12.2.13

Nuno Bragança



Desde esta manhã que sabia que um dos meus amigos fazia anos hoje, sem conseguir de modo algum identificá-lo. A agenda do telemóvel não me ajudou, o Facebook ainda menos, mas a memória acordou agora mesmo: o Nuno Bragança infelizmente não faz, mas faria hoje 84 anos. 

Fui então à procura do que em tempos escrevi e insisto que me é absolutamente impossível imaginá-lo com tal idade porque ele morreu com 56 e eu o «fixei» na casa dos trinta ou quarenta. De uma colheita anterior à minha, foi sempre reconhecido por todos como de vintage absolutamente excepcional, mesmo antes, bem antes, de A Noite e o Riso por aí aparecer com estrondo. 

Errando pelos mesmos meios oposicionistas, os destinos juntaram-nos também em casa de amigos comuns, onde passámos longas semanas de férias – nos tais anos sessenta que por cá também foram loucos, em plena Serra da Arrábida, sem electricidade e quando um gira-discos a pilhas, vindo da América, fez figura do mais sofisticado robot. Um pouco mais tarde, viria a acampar, no sentido estrito da palavra, no minúsculo apartamento em que o Nuno viveu vários anos em Paris. Confirmo o que a lenda conta: saía de casa por volta das cinco da manhã para escrever durante algumas horas, antes de iniciar mais um dia de trabalho. 

Para a História ficou sobretudo o escritor e o excelente documentário U Omãi Qe Dava Pulus, de João Pinto Nogueira. Eu registo também o católico resistente, boémio e espartano, fundador de O Tempo e o Modo, membro do MAR (Movimento de Acção Revolucionária), colaborador das Brigadas Revolucionárias, o conspirador por feitio e por excelência – neste caso não tanto A Noite e o Riso, antes Directa e Square Tolstoi
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Ratzinger, o progressista de antanho



Com um raio que atacou o Vaticano e o anúncio da resignação de Bento XVI, assistimos ontem ao início de uma telenovela que só terminará certamente daqui a mais de um mês, quando fumo branco anunciar que há um novo chefe para a Igreja. Entretanto, estamos já em pleno Toto-Papa, sobem as cotações nos mercados de apostas e os jornalistas exultam.

Mas talvez valha a pena recuar umas décadas na vida do futuro ex-Papa.

Como é sabido, houve uma clara retracção a nível de Roma nos anos que se seguiram ao encerramento do Vaticano II, que teve lugar em 1965. Mas o que é menos conhecido é que existiu então um fortíssimo movimento de teólogos que não se conformaram com os factos e que reivindicaram o seu direito à liberdade de pensamento e de expressão dentro da Igreja. Exprimiram-no num documento publicado simultaneamente num jornal italiano e num outro alemão, em 16 de Dezembro de 1968: «Declaração sobre a liberdade e a função dos teólogos na Igreja». O texto chegou a 1.360 assinaturas, mas os promotores foram 38 – os principais e mais avançados teólogos ligados ao Concílio, entre os quais... Joseph Ratzinger. (Não é fácil encontrar o referido documento, mas os interessados podem lê-lo aqui.)

Trata-se de um ataque muito violento contra a Congregação para a Doutrina da Fé, a mesma que foi presidida muito mais tarde por Ratzinger até ser eleito papa (onde ganhou a alcunha de «rottweiler de Deus»), com uma descrição pormenorizada de muitas exigências, quanto a modo de funcionamento e a direitos considerados fundamentais. Um pequeno excerto para se ver o «tom»:

«Os teólogos abaixo-assinados vêem-se constrangidos e na obrigação de chamar abertamente e pela mais grave forma a atenção para o facto de a liberdade dos teólogos e da teologia ao serviço da Igreja, reconquistada pelo Segundo Concílio do Vaticano, não dever ser hoje posta em perigo. [...] Pretendemos que se respeite a nossa liberdade todas as vezes que, pela palavra ou por escrito, comunicamos as nossas convicções teológicas fundamentadas e o fazemos pela aplicação do melhor do nosso saber e da nossa consciência.»

Quando e porquê se retraiu o ainda actual Papa? Hans Küng, um velho compagnon de route e, mais tarde, epicentro de fortes divergências, pensa que Ratzinger se assustou muito com as repercussões do Maio de 68 e que terá iniciado aí a sua «involução».

Talvez mas julgo que não só. Já o escrevi dezenas de vezes e repito: «Com a distância que o tempo cria, parece hoje evidente que o Concílio não desiludiu por acaso ou por engano. O que se passou foi que a Igreja, ao mais alto nível, recuou, num sábio exercício de sobrevivência. A pesada pirâmide sobreviveu a um terramoto – abanou, mas não ruiu. A grande diferença em relação ao que se passou muito mais tarde numa outra pirâmide, a da União Soviética, foi que a Igreja resistiu quando percebeu que estava ameaçada. Durante o Concílio, também ela arriscou uma glasnost, uma abertura à sua maneira. Iniciou então um tímido aggiornamento, mas travou-o a tempo de não deixar que ele se transformasse em perestroika

Como muitos outros, Ratzinger entrou nesta onda, a partir do final da década de 70, e nunca mais fez marcha atrás. Muito pelo contrário. E destes quase oito anos de reinado, apesar de algumas iniciativas talvez louváveis, ficará a marca de um triste e nocivo conservadorismo, no início de um século, que tanto teria beneficiado de rasgos de audácia e de coragem de uma pessoa inegavelmente inteligente e culta e com a projecção universal que a função lhe concedeu.

A sua despedida, em latim, no ano da graça de 2013, foi mais do que simbólica: falou para dentro e só uma jornalista o entendeu.
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Manhã houve

Carta a minha mãe sobre o SNS e outras coisas em Portugal




Este texto de Teresa Pizarro Beleza (Público, 10 de Janeiro de 2013) percorre o Facebook, e também alguns blogues, de forma TRUNCADA, o que tem «desesperado» a autora. Na sequência de vários pedidos que recebi, aqui fica.

Longas são as estradas da Síria, curta é a piedade dos homens. Vendo-me tão pobre e tão só, os cães viriam ladrar-me às portas dos casais. Decerto Jesus morreu; e com ele morreu, uma vez mais, toda a esperança dos tristes" Eça de Queiroz, O Suave Milagre (adaptado).

Julgo que nos tornamos verdadeiramente adultas no dia em que perdemos a nossa mãe. Ou talvez quando nos tornamos nós próprias mães, não tenho bem a certeza. Uma coisa eu sei, ou julgo saber: a única coisa que verdadeiramente não podemos deixar de ensinar aos nossos Filhos é a compaixão. E esse é o sentimento que me parece mais notoriamente longínquo da vida pública portuguesa e europeia neste tempo cinzento em que o homo homini lupus volta a ser o mote declarado da economia, da política e, suponho que não tarda muito, do próprio direito. A "mão invisível" de Adam Smith (A Riqueza das Nações) está cada vez mais trôpega, ou mais ineficiente, ou se calhar cada vez mais escorregadia, quem sabe se untada. A desigualdade social e a desigualdade económica aumentam na razão directa da progressiva privatização do património público, seja este a companhia aérea nacional, vulgo TAP, e a correspectiva prestadora de serviços aeroportuários, dita ANA, o banco do Estado (Caixa Geral de Depósitos), os transportes (depois da Rodoviária Nacional, a CP), ou seja, o fornecimento de serviços e bens essenciais como a electricidade (EDP, REN), a água (Águas de Portugal), a televisão (RTP), ... ou a Saúde.

Uma das maiores transformações sociais, demográficas e económicas em Portugal depois da Revolução de Abril de 1974 decorreu da criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), por Lei da Assembleia da República, em Setembro de 1979 (Lei nº 56/79, de 15 de Setembro, sendo ministro da Saúde António Arnault). 

O Art. 64º da Constituição da República, apesar de muito alterado face à versão originária de 1976 - desde logo, o SNS passou a ser apenas tendencialmente gratuito ("tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos"), coisa que hoje talvez já nem se possa dizer que seja, face à subida em flecha do valor das taxas moderadoras, cada vez mais imoderadas -, continua a garantir a todos os cidadãos e cidadãs "o direito à protecção da saúde", "realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral". 

Muito recentemente, declarações de algumas pessoas com responsabilidades políticas ou institucionais desencadearam a discussão em torno da subsistência e orientação do SNS, designadamente no que respeita ao controlo na utilização de recursos inevitavelmente escassos e finitos. As despesas com a Saúde tornaram-se um peso incontrolável, claramente mal distribuído e pior aproveitado. 

11.2.13

@ Menin@ Dança?



14 de Fevereiro - 17h30 - Largo Camões, Lisboa

Ana Gomes, Deputadas da AR e várias ONGs dançam pelo fim da violência contra as mulheres.

Por iniciativa da eurodeputada socialista Ana Gomes, o evento "@ menin@ dança?" vai juntar Deputadas à Assembleia da República, organizações não-governamentais e outras personalidades, esta quinta-feira, 14 de Fevereiro, para dançar pelo fim da violência contra as mulheres. A iniciativa, integrada na campanha mundial levada a cabo pela organização VDay, que pretende juntar mil milhões de pessoas pelo mundo inteiro a dançar para exigir o fim das violações, da mutilação genital feminina, do tráfico de mulheres, do incesto, do assédio sexual e de todas as formas de violência contra as mulheres, decorre a partir das 17h30 no Largo Camões em Lisboa e consiste na apresentação de uma coreografia que acompanha e reflecte o conteúdo da música tema da campanha 'Break the Chains'.

Associaram-se à campanha as ONGs portuguesas APAV-Associação de Apoio à Vítima, a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a ILGA - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero, a Amnistia Internacional, a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta, a Companhia do Chapitô, entre outras.

O evento "@ menin@ dança?" é público e todas as pessoas que se queiram manifestar e dançar pelo fim da violência contra as mulheres poderão juntar-se. Bastará estar no Largo Camões, Quinta-feira, dia 14 de Fevereiro, pelas 17h30.

Página na internet da campanha OneBillionRising 
Página na internet da organização VDay


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Com um dia de atraso



... porque Bertolt Brecht nasceu em 10 de Fevereiro de 1898.

Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis.






Elogio da Dialéctica

A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o meu começo


Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos


Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nós
De quem depende que ela acabe? Também de nós
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.

Sofrimento



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Reforma com ou sem duodécimos?



E também CES (Contribuição Extraordinária de Soidariedade)?

Papa Bento XVI resigna, deixa cargo a 28 de Fevereiro.

Eu sabia que chegaria a vez de concordar com César das Neves



Foi hoje e isso aconteceu com as primeiras seis linhas, inteirinhas, da sua crónica semanal no DN:

«Somos a geração que está a destruir Portugal. Daqui a décadas, aqueles que viverem nos escombros do que foi Portugal olharão para trás e culpar-nos-ão da sua situação. Apesar do nosso hábito pedante de condenar épocas antigas por males que lhes assacamos, as acusações que um dia ouviremos nunca as pudemos atribuir aos antigos.
Na sua amargura, os futuros terão dificuldade em acreditar que, apesar do desvario, tivéssemos momentos de lucidez e vislumbre da futura destruição.» 

Eu a pensar que o homem tinha sido bafejado pelas luzes do além, e que se preparava para ir para as ruas gritar contra a troika, mas não: afinal aquilo que está a aniquilar o país «é a destruição da família e a extinção da natalidade», já que «nos cinco anos desde 2007 já houve mais de 80 mil abortos, cerca de dez vezes os soldados portugueses mortos nos 14 anos de Guerra Colonial».

O genocídio continua galopante, diz ele, e eu temo que esteja a dar ideias a Gaspar: uma taxazita de 100% no IRS para quem não fizer crianças enquanto a troika por cá andar. Julgo que Gaspar se está nas tintas para as angústias de César das Neves (como está para as nossas), mas who cares: era mais uma fatia para os milhões que lhe faltam e que irá buscar aos nossos bolsos!

Andam loucos à solta e a comunicação social dá-lhes palco. Essa é que é essa. 
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10.2.13

Ele aí está



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PS: reunião «rápida e indolor»



Azar dos Távoras, o documento começou por se chamar «Portugal Primeiro», nome da moção com que Passos Coelho foi consagrado líder do PSD em 2010 (les grands esprits se rencontrent...), e apressadamente renomeado como conimbricense.

Já fiz uma primeira leitura do texto (que está aqui, ainda antes de crismado) e se é isto que resultou da recente tragédia, não da Rua das Flores mas do Largo do Rato, e dos acertos estratégicos entre Seguro e Costa, estamos conversados e a Terra continua a girar à volta do Sol como até agora.

E assino por baixo o que Miguel Sousa Tavares escreveu ontem no Expresso: «Numa eventual sondagem que perguntasse aos portugueses: “para primeiro-ministro prefere Passos Coelho, António José Seguro ou outro”, o outro ganharia esmagadoramente.» Só que esse outro, confirmou-se hoje, não será António Costa. E daí?...
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Esteve fria a noite



(Cartoon de António no Expresso de ontem)
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A simplicidade de um povo



A propósito da recente demissão de Annette Schavan, ministra da Educação alemã, acusada de plágio numa tese de doutoramento:

«Ora, se é verdade que demasiados alemães se apropriam das teses alheias, não está garantido que o vício seja exclusividade teutónica. Se políticos alemães são apanhados nesse pecadilho e os dos outros países nem tanto, talvez seja porque os alemães adoram policiar os textos académicos. Há vários sites que ajudam nessa caça. Enfim, em tese, um povo complicado... Como é difícil explicar-lhes a simplicidade de um povo onde só se demite um ministro quando ele faz corninhos no Parlamento.»

Ferreira Fernandes