20.10.24

Não é azul, mas é bem original

 


Vaso de porcelana, 1908.
Fanny Garde (para Bing & Grøndahl).


Daqui.

A segurança dos jornalistas

 

«Não existe democracia sem cidadãos informados e sem instituições que estruturem as intermediações no funcionamento da sociedade. No tempo presente, o direito à informação é espezinhado, cultiva-se a opacidade, e está a “normalizar-se” a morte de jornalistas que tentam informar-nos a partir de teatros de guerra e conflito, que proliferam. (…)

Os média tradicionais (sem dúvida importantes) sofrem a influência dos outros. Além disso, estão sujeitos a pressões vindas da estratégia ultraliberal que marca a ação política, do clima belicista que acentua análises dicotómicas entre o bem e o mal, dos negócios do mercado onde se movem atores influentes da geopolítica com objetivos diametralmente opostos. E, a volúpia do imediatismo é tentação fatal. (…)

A Comunicação Social está em estado periclitante que ameaça a democracia. A melhoria das condições de trabalho dos jornalistas e uma melhor utilização da digitalização e de novos média são duas medidas estruturais indispensáveis.»


O país cor-de-rosa do congresso laranja

 

Nilson Garrido

«O congresso do PSD reunido este fim-de-semana em Braga criou uma realidade paralela. Era preciso afastar as ameaças e os desafios com que está condenado a sobreviver, ou não haveria lugar para a festa do regresso ao poder. De Luís Montenegro ao mais anónimo dos militantes, todos se empenharam em contrariar a fragilidade que marcou o primeiro meio ano de vida do Governo. A minoria absoluta da sua base de apoio parlamentar, o estouro da bipolarização entre a esquerda e a direita que levou à fragmentação, as dificuldades internas e externas com que se confronta na recta final da discussão do orçamento, foram deliberadamente escondidas no armário das prioridades. No seu primeiro dia, o Congresso do PSD transformou-se numa história amena, cor-de-rosa, sobre a qual o Governo constrói uma história de sucesso e extrai a fé que necessita para acreditar no cumprimento da legislatura.

A base desta convicção e desta história está na interpretação que o PSD faz da sensibilidade das pessoas sobre estes seis meses de mandato. Vários oradores o disseram e Sebastião Bugalho, a nova estrela do partido que agora tem cartão de militante, disse-o de forma ainda mais clara: “Saiam à rua e perguntem aos portugueses se é a mesma coisa o Governo do PS e o Governo do PSD.” Mesmo que as sondagens tenham registado nas últimas semanas uma tendência favorável ao PSD, nenhum estudo prova o grau de apoio que o congresso garante ter por parte dos cidadãos. Não havendo factos, o PSD precisa de fé. E, de ministros a militantes anónimos, fé é coisa que não falta.

Para legitimar essas narrativas, o PSD socorre-se da teoria das probabilidades. O Governo que está a promover “a maior transformação do país dos últimos oito anos”, como a definiu o ministro das Finanças Miranda Sarmento, só pode merecer respeito, admiração e, vai daí, apoio por parte dos portugueses. A tónica das mudanças, as medidas que permitiram sarar feridas abertas nas escolas, nas forças de segurança e defesa ou nos enfermeiros só podem merecer a gratidão da sociedade. “Dizem que fizemos o mais fácil”, notou Luís Montenegro, para depois perguntar: “Se é assim, por que é que os outros não o fizeram?” Ou, de uma forma mais explícita, “o Governo começou bem e o país está a rever-se no seu trabalho”, como apontou o ministro Manuel Castro Almeida.

Mas se o mérito pela mudança que faz a diferença entre o suposto reformismo do PSD e a alegada inércia do anterior Governo é de todo o partido e do Governo no seu todo, há nesta apologia de um país feliz e grato um destinatário especial: Luís Montenegro. Ao longo do dia, vários congressistas empenharam-se em criar o altar do líder providencial que trouxe de novo o partido à esfera da governação. Alguns vêem nele os méritos humanistas de Francisco Sá Carneiro, o sentido de Estado de Francisco Pinto Balsemão, o reformismo de Cavaco Silva. Entre todos, Paulo Rangel foi o mais expressivo no elogio ao líder. “Tem sido um privilégio” trabalhar com ele, “vê-lo crescer todos os dias”, notar que é cada vez mais “a força tranquila da mudança”.

Juntando todos os nós – a suposta adesão dos portugueses, a proclamada energia reformista e a elogiada liderança do primeiro-ministro –, o congresso chegou de forma natural à quarta grande mensagem, para dentro e para fora: o PSD é por estes dias, garantem, o grande factor de estabilidade política no país. “O nome da estabilidade é o primeiro-ministro de Portugal”, diria Manuel Castro Almeida, uma tese repetida por muitos outros oradores.

Neste país de tons suaves liderado por um homem indiscutível e focado em mudar o país, não couberam as realidades do contexto político. Não há lugar para o imbróglio que se pressente nas negociações do orçamento na especialidade, para as coligações negativas que colocam o Governo num eterno fio da navalha ou para as ameaças da Madeira ou dos Açores, outra vez dispostos a cobrar caro pela aprovação das contas do Estado. O dia era de festa, e no espírito do congresso não cabiam ansiedades. Não se sabe o que o encontro reserva para o seu último dia, mas uma coisa é certa: quando a realidade da política voltar, já na segunda-feira, o PSD lá terá de regressar à penosa tarefa de governar em minoria.»