26.10.24

Mudança da hora?

 


Relógio de bolso Arte Nova. «Plojoux Geneve», cerca de1910.
René Lallique.

Daqui e não só.

José Cardoso Pires

 


26 anos sem ele.

26.10.1969 – As primeiras eleições do marcelismo



 

Há 55 anos realizaram-se as primeiras eleições legislativas do marcelismo e muitos acreditaram que a tal «primavera» anunciada iria permitir que o processo eleitoral se passasse mais normalmente do que no passado, ou seja, com um mínimo de liberdade e de decência. Não foi o caso, como é sabido.

Apesar da velha querela de ir ou não às urnas, a oposição foi a votos – com resultados bastante modestos porque todo o processo foi marcado, uma vez mais, pela manipulação e pela arbitrariedade do governo. Concorreu-se em duas frentes – CDE e CEUD –, depois de um longo processo de alianças e dissidências. As divergências giravam, não só mas fundamentalmente, à volta do processo para escolha de nomes para candidatos. A CEUD propunha uma escolha em «perfeita paridade», feita a nível das duas Comissões, a CDE, mais «basista», defendia «uma concepção de representatividade construída a partir “de baixo”, devendo por isso os candidatos a deputados ser apenas a resultante da aplicação sistemática do princípio electivo em todos os escalões, a partir da base» (Comunicado da CDE, publicado em alguns jornais de 11 de Setembro de 1969.)

A cisão acabou por acontecer, apesar de muitas tentativas para a evitar, mais ou menos convictas conforme os intervenientes, e consubstanciadas em múltiplas e longuíssimas sessões. No que se refere a Lisboa, lembro-me de uma delas (terá sido a última?), relativamente restrita, que se realizou em casa de Salgado Zenha. José Tengarrinha e Mário Sottomayor Cardia (que, tacitamente, representavam o PCP) foram os mais empenhados em manter a unidade, desdobrando-se em sucessivas propostas de conciliação. Sem sucesso.

P.S. – Alguns podem estar interessados em conhecer, ou relembrar, o «Resumo do programa político da Comissão Democrática Eleitoral do Distrito de Lisboa».

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Queixa-crime contra André Ventura e Pedro Pinto

 


A Petição pode ser lida AQUI e assinada AQUI.

A ideologia que se mostra e a que se esconde

 


«A disciplina de Cidadania tem ideologia? Não é outra coisa do princípio ao fim. Das questões de género aos direitos humanos e aos princípios constitucionais, tudo é ideologia. Querer tirar da disciplina a parte relativa às questões sexuais e da identidade de género é ideologia.

A antiga ministra da Saúde, ao colocar o serviço público acima do sector privado, actuou por motivos ideológicos? Sim. Os que a criticaram por isso, defendendo que parte dos recursos que o Estado recebe dos contribuintes vá para o sector privado da saúde, têm ideologia? Têm. Os que, nos actuais conflitos nos bairros periféricos, defendem a outrance as polícias têm ideologia? Têm. Os que, pelo contrário, falam das condições socioeconómicas em que vivem os habitantes, num gueto no qual a cor da pele gera atitudes racistas e um mais fácil carregar no gatilho da polícia, têm ideologia? Têm. Os que acusam os “outros” de ter ideologia têm ideologia? Têm e não é pouca.

Não é por aqui que vamos a algum lado. Este tipo de acusações que implicam que “ter ideologia” menoriza o discurso ou as posições de alguém é uma consequência da diabolização da política que durante 48 anos fez a censura do Estado Novo. O que está implícito na acusação é que as soluções apresentadas “por ideologia” são más e que o que seria bom é que fossem apenas avaliadas por critérios tecnocráticos, o que, na prática, significa por outra ideologia. Pensar que, em democracia, a política (outra maneira de falar de ideologia) “suja” as decisões é essencialmente antidemocrático e é um argumento muito comum nas ditaduras, que se colocam acima da vulgaridade do confronto político por um qualquer princípio superior, de carácter nacional, social, de classe, ou… ideológico.

A referência que fiz à censura do Estado Novo e ao seu rastro, muitos anos depois de ter acabado, é objectiva, porque, naquela, a ideia da diferença é maldita, a favor do elogio do “consenso” como regra. Uma frase de Cavaco Silva (que cito de cor) traduz esta concepção: “Duas pessoas com a mesma informação chegam às mesmas conclusões.” Não é verdade. Há a tenebrosa ideologia, mas também as diferenças de experiência, os interesses, a proximidade com os temas, tudo aquilo que constitui a mundovisão pessoal ou de grupo.

Outra variante deste modo de pensar é a alusão de que uma determinada posição corresponde “aos superiores interesses da nação”, abundantemente utilizada quando da actual discussão do Orçamento. Na verdade, não há uma interpretação pacífica, tecnocrática, não ideológica, apolítica do que são esses “superiores interesses”. Esta e muitas outras frases comuns (demasiado comuns, porque são lugares-comuns) fazem parte do discurso político corrente, muito pobre aliás, e devem ser julgadas como volitivas ou de apropriação subjectiva ou colectiva de algo que se considera um “bem”, neste caso os “interesses nacionais”. Significa isso que o discurso político nas suas afirmações é puramente subjectivo e não comporta objectividade? Não, significa apenas que também em política a ideia de que os “prognósticos só se fazem no fim do jogo” é a mais prudente para as coisas mais gerais.

Os detractores da ideologia, no seu sentido comum, são aqueles cuja ideologia não pode ser enunciada, tem de permanecer escondida, porque isso significaria colocarem-se a si próprios como defensores de uma parte, que seria equivalente com a dos “outros”, e isso chamaria a atenção para a motivação em ideias, interesses, visões do mundo, que perderiam nessa revelação a superioridade de não serem espelhares, com as dos “outros”. O que eles pensam é “eu critico a ideologia porque a não tenho, o que eu digo transporta a superioridade política, técnica, de saber e neutralidade, desprovida de interesses, que os 'outros' não têm”. Embora não saibam, estão mais próximos da crítica de Marx aos sucessores de Hegel, que também considerava a ideologia uma visão “invertida” do mundo, alheia à “realidade” que ocultava a relação entre o mundo ideal e o mundo real. São apenas reaccionários à direita que atacam o “ter ideologia” como um mal? Este tipo de pensamento vai muito para além da direita, mas encontra-se também à esquerda, no PS por exemplo, com modo de pensar e frases absolutamente idênticas. Por favor, deixem-se destes lugares-comuns profundamente… ideológicos.»


25.10.24

Ânforas

 


Destinos, Mulheres, Teia de Aranha, Teplitz, Chéquia, 1902-1903.
Eduard Stellmacher.

Daqui.

𝐌r. 𝐂avaco, Good night and good luck

 


Aquele senhor que teve o país na mão durante uns dez anos escreve hoje um artigo de Opinião no Público. Não divulgo o texto, mas este excerto diz tudo. A dicotomia esquerda-direita é «uma velha divisão totalmente ultrapassada»? Ai sim? O seu partido está a cavalo no muro? Disfarça bem.


A direita decidiu: o 25 de Novembro agora é igual ao 25 de Abril

 

«Então é assim: a maioria de direita existente na Assembleia da República determinou que, a partir de agora, o 25 de Novembro vai ser comemorado com as mesmas honras de Estado do que o 25 de Abril. É tudo igual, tirando a duração dos discursos de cada partido, ligeiramente mais pequenos. Fala o presidente da Assembleia da República, o Presidente da República encerra a sessão. O ex-presidente Ramalho Eanes e a família de Mário Soares, dois protagonistas essenciais da data, foram convidados.

É preciso também lembrar que, se é para comemorar o 25 de Novembro a sério, todos os militantes membros do Grupo dos Nove ou suas famílias (caso já tenham falecido) também têm que ser convidados. Em primeiro lugar, Vasco Lourenço, que é presidente da Associação 25 de Abril, e não fundou nenhuma Associação 25 de Novembro, apesar de ter tido um papel fundamental na data. E Rodrigo Sousa e Castro. E a família de Melo Antunes.

Duvido que isto vá acontecer, porque o que a maioria de direita quer fazer é apenas um ajuste de contas, 50 anos depois, com o 25 de Abril. Não é a História que lhes interessa, mas uma espécie de "vingança" contra uma data relativamente à qual muitos elementos da direita nunca se sentiram confortáveis.»

Ana Sá Lopes


Montenegro e o discurso que faz nascer inimigos

 


«Odair Moniz foi baleado por um polícia e morreu e as circunstâncias em que, na sua família e círculo de próximos, se acredita que tal ocorreu geraram ondas de indignação e levaram para a rua pessoas que provocaram desacatos, causaram danos e transtornaram a vida dos seus vizinhos e dos polícias incumbidos da preservação da ordem. Num país onde os números provam a sobrerrepresentação de pessoas negras e pobres nas estatísticas da violência policial, não é indiferente a circunstância de Odair o ser (ou ter sido, porque hoje, infelizmente, a pessoa que era ou que poderia vir a ser deixou de existir).

À indignação dos seus próximos não é seguramente alheia a convicção que têm de que a reação policial terá sido desproporcional e injusta numa sucessão de momentos (já foi desmentido que Odair conduzisse um carro furtado, as notícias também já informam que o polícia que o baleou terá reconhecido que ele não empunhava qualquer arma branca, circularam gravações de imagem e voz que fizeram supor que não foi prestado imediatamente o socorro devido, família e amigos enlutados afirmam que polícias não identificados e sem mandado arrombaram a porta da casa onde choravam a sua perda e os intimidaram ou agrediram).

A dor e a indignação não legitimam a violência e, confrontados com os episódios de que fomos espetadores, a prioridade devia ser o restabelecimento da paz. No contexto que se conhecia, a única forma de contribuir para a paz era assegurar que num Estado de Direito não se admite a vingança privada porque a justiça se aplica a todos. Que o processo criminal foi instaurado e os suspeitos constituídos arguidos, que os processos disciplinares estão em curso e que as pessoas sob investigação foram afastadas das funções estritamente policiais. Que todas as vidas têm o mesmo valor.

Não foi esse, porém, o discurso de muitos políticos. Ventura, depois de já ter afirmado publicamente que o polícia que baleou e matou Odair Moniz devia ser condecorado, entusiasmou-se consigo próprio na reunião plenária da Assembleia da República e justificou a declaração pretérita – "O polícia que matou Odair atravessou-se por todos nós, deu o corpo às balas por todos nós". Não se lembrou sequer de que foi outro o corpo trespassado por uma bala e que foi outra a vida perdida.

O líder parlamentar do PSD, no mesmo plenário, proclamou que, em princípio, “as forças e serviços de segurança deste país atuam dentro do quadro da legalidade e é com eles que nós estamos, é a eles que queremos fazer o nosso reconhecimento e prestar a nossa gratidão”. Não lhe ocorreu que o contexto era especialmente desadequado à escolha de um lado, a não ser que o lado escolhido fosse exclusivamente o da defesa do Estado de Direito.

Um deputado do CDS-PP, partido que também suporta o Governo, foi ainda um pouco mais longe. Referindo-se ao polícia que baleou Odair Moniz, considerou que naquela situação o Estado de Direito era ele. É uma afirmação particularmente chocante num momento em que todos sabemos que correm processos de cariz criminal e disciplinar para avaliar se a sua atuação foi lícita ou se, pelo contrário, foi criminosa e, por isso mesmo, contrária ao Estado de Direito.

Não se vê como possam proclamações desta índole contribuir para a paz e para uma restauração rápida da ordem e da segurança. Como possam ajudar a conter a indignação dos que se manifestam, por vezes com uma violência que é inaceitável. Assim como parece particularmente incompreensível que o primeiro-ministro de um dos países mais seguros do mundo tenha escolhido adotar como prioridade um discurso político-criminal de “combate sem tréguas” à criminalidade ou de “mão pesada”, quase réplicas do que já ouvimos pela boca de líderes da direita populista, com péssimos resultados até em outros contextos geográficos. Todos achamos que a criminalidade deve ser prevenida e reprimida, mas é duvidoso, para dizer o mínimo, que o melhor caminho seja o da eleição de inimigos dentro das nossas próprias comunidades.

Não há nada de novo neste discurso político-criminal, hiperbolizado em séries como The Boys, de Eric Kripke. Ouvimo-lo e temos a sensação de que regressámos aos anos 80 do século passado e que estamos num encontro de consultores do Presidente Reagan. O mundo divide-se em bons e em maus, porque não há heróis sem vilões. Quem se quer apresentar como salvador, precisa de inimigos. Não há Super-Homem sem Lex Luthor, nem Batman sem Joker. Os políticos populistas precisam de inimigos e precisam que os seus inimigos tenham rosto.

Pelo contrário, o que se acha (e aquilo que confirmam os estudos internacionais sobre os países onde morrem mais polícias e onde mais civis são mortos pela polícia) é que a proteção das nossas forças e serviços de segurança pressupõe uma cultura de legalidade e de respeito que vale para todos – respeito pelos nossos agentes das forças e serviços de segurança e respeito por todos os cidadãos com quem quotidianamente lidam. Cidadãos, sempre. Todos eles. Cidadãos e nunca inimigos.»


24.10.24

Um belo elevador

 


Obra de ferro forjado, Hotel Hermitage Monte-Carlo, Mónaco, 1890-1896.
Arquitectos: Nicolas Marquet, com a participação de Gustave Eiffel.

Daqui.

«Se disparassem mais a matar»

 


Continuem a deixar o Chega «brincar» na AR e verão o trambolhão que todos apanhamos.

Boa tarde e boa sorte

 


Ouvi esta manhã alguém responsável da PSP dizer que seriam necessários mais 1 000 agentes no distrito (ou na Área Metropolitana de Lisboa) para uma acção eficaz e justa. Sem isso, podem sempre tentar esvaziar o mar num buraco na areia.

Ler ESTA notícia.

Rosa Parks morreu num 24 de Outubro

 


Rosa Parks morreu em 24 de Outubro de 2005, com 92 anos. Era costureira, vivia em Montgomery e apanhava todos os dias o mesmo autocarro. A história é conhecida: no dia 1 de Dezembro de 1955, a parte da frente do mesmo, reservada a passageiros brancos, já não tinha nenhum lugar vago e o condutor ordenou que Rosa se levantasse e cedesse o seu. Recusou e foi presa, facto que desencadeou uma reacção em cadeia, nomeadamente o boicote dos autocarros de Montgomery durante um ano.

Mas não se tratou de um impulso isolado: há muito que Rosa se recusava a entrar nos autocarros pela porta traseira e que era activista em outras causas, nomeadamente na luta pelo direito ao voto. Ficou ligada, para sempre, juntamente com Luther King e tantos outros, à luta pela emancipação dos negros, sendo muitas vezes qualificada como «the first lady of civil rights» ou «the mother of the freedom movement».

A conquista de direitos humanos fundamentais nunca está garantida, é necessário lutar para que não seja aniquilada.



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Felizmente para Rangel, longe vão os tempos de Galamba

 


«Longe vão os tempos em que o país mediático entrava em modo monotemático porque assessores se desentendiam com violência. Em que um desaguisado entre um ministro e o seu assessor para a TAP levava a exigências de demissão do primeiro-ministro e o Presidente da República a falar de crise.

A notícia de insultos do Ministro dos Negócios Estrangeiros a dois militares, a quem chamou "burros” e “camelos”, acrescentando que "isto, com os militares, é sempre a mesma merda" ainda poderia passar como um pequeno escândalo. Compreende-se a irritação do irascível Paulo Rangel por não poder receber, na pista, onde se filmava o acontecimento, os portugueses vindos do Líbano na pista. Falhava no desígnio deste governo, que é a propaganda.

Mais complicado é Paulo Rangel ter levantado a voz, em público e num momento oficial, ao general Cartaxo Alves, Chefe de Estado Maior da Força Aérea, e ter-se recusado a cumprimentar, enquanto as câmaras filmavam, o coronel Abel Oliveira, comandante de Figo Maduro.

A notícia é de 4 de outubro e andou a ganhar pó no submundo da imprensa, como se houvesse uma espécie de pudor em incomodar o governo com questões menos estruturais. Imaginem a novela que seria se, no anterior governo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, que nem sequer tutela as Forças Armadas, dissesse que "com os militares é sempre a mesma merda" e levantasse a voz ao CEM da Força Aérea, em público.

Isto não é apenas um episódio desagradável entre pessoas com responsabilidades públicas. Ao humilhar e desrespeitar um oficial superior aos olhos dos seus subordinados, a birra do ministro pôs em causa, através do exemplo, a hierarquia e a disciplina militar.

15 dias depois, a CNN lá pegou na coisa. No Congresso do PSD, confrontou o ministro e ele, despreocupado e sorridente, disse que nem ia comentar o assunto, porque o sentido de Estado que lhe faltou naquele episódio o impedia de o fazer. Que não contassem com ele para alimentar esta novela, disse o homem que, na oposição, nunca perdeu um episódio de novela nenhuma, ultrapassando quase sempre os seus companheiros de partido no arrojo e demagogia.

Confrontado com o tema, o ministro da Defesa perdeu o ímpeto que lhe deu quando, rodeado de militares, prometeu devolver Olivença a Portugal, e disse que não ia comentar o tema quando estava a celebrar Camões. Não incomodem um intelectual com assuntos de porteira.

Do Presidente da República, que não perdeu a oportunidade de espetar todas as farpas no caso entre Galamba e o assessor, nem uma palavra. Apesar de ser, para quem não se lembra, chefe supremo das Forças Armadas e isto ter, ao contrário de grande parte do que costuma comentar, tudo a ver com ele.

Ontem, o primeiro-ministro considerou tudo isto uma “tonteria”, não esclareceu nada (como nunca faz) e diz que se têm de esforçar para abalar Rangel. O ministro não tem explicações a dar porque… não tem.

Com 29%, a arrogância deste governo está, ao fim de seis meses, nos píncaros das maiorias absolutas de Cavaco. Com o beneplácito de boa parte da comunicação social, que interiorizou um estado de graça que não devia contar para o jornalismo e está a deixar que se transforme numa inimputabilidade política. Repito: esta notícia era conhecida das redações há quase 15 dias.

As conferências de imprensa com direito a pouquíssimas ou nenhumas perguntas, o desrespeito assumido e galhofeiro do primeiro-ministro pelos jornalistas... nada chega para acordar a comunicação social de um torpor que, só em esforço, reage. É provável que quase uma década de PS no governo tenha levado a alguma fadiga. Mas seria bom, recuperados de meio ano de pausa, voltar ao escrutínio de quem governa. A sua falta tende a levar descontrolo. E isto está a acontecer demasiado depressa.»


23.10.24

“Nestes bairros esquecidos, o Estado só entra de shotgun e capuz”

 



23.10.1956 - A «Revolução Húngara»



 

A chamada «Revolução Húngara» começou numa terça-feira, 23 de Outubro de 1956, no centro de Budapeste, com uma manifestação de milhares de estudantes que tentaram ocupar a rádio para transmitirem as suas exigências: fim da ocupação soviética e a implantação de um «verdadeiro socialismo». Foram detidos e quem do lado de fora exigia a sua libertação foi alvejado pela polícia a partir do interior do prédio.

Espalhada a notícia, a revolta alastrou primeiro a toda a cidade de Budapeste e depois ao resto do país, provocou a queda do governo e a sua substituição. Mas em 4 de Novembro deu-se a invasão pelas tropas do Pacto de Varsóvia e a resistência não durou mais de seis dias.

Pouco mais de duas semanas, portanto, que se saldaram por duas dezenas de milhares de mortos e por um verdadeiro êxodo de cerca de 200.000 húngaros, sobretudo jovens, que fugiram do país e pediram asilo um pouco por toda a Europa e também na América, do Norte ao Sul. Conheci uns tantos na Universidade de Lovaina, uns anos mais tarde.

Hoje a Hungria tem um dos governos mais sinistros da União Europeia. Os estudantes de 56 são agora velhos ou já morreram. Gostava bem de saber o que pensam disto tudo os meus amigos Eva, Nicholas e Elisabete, mas perdi-lhes o rasto. 

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A culpa terá sido das aulas de cidadania?

 


25 de abril é a data fundadora onde todas as outras cabem

 


«Sem o consenso dos deputados ou sequer dos obreiros da data, a Assembleia da República aprovou a realização de uma sessão solene do 25 de Novembro no Parlamento, nos mesmos moldes da cerimónia do 25 de Abril. Só com os votos da direita, que nem sequer liderou politicamente o golpe.

Já aqui escrevi, mais do que uma vez, sobre esta trôpega tentativa de querer equiparar o 25 de abril ao 25 de novembro. Uma tentativa que vale de pouco. Não há votação parlamentar que substitua a memória coletiva, apesar do Estado poder moldá-la. Não é por acaso que não há festa popular no 25 de novembro e ela tem uma inédita persistência e dimensão de protesto e ausência de tutela oficial, no 25 de abril.

Não me filio na guerra cultural em torno da memória do 25 de novembro. Terei, nesta matéria, uma posição isoladamente desapaixonada.

Acho que os excessos posteriores ao 25 de abril, sobretudo durante o PREC, eram inevitáveis depois de meio século de ditadura. E até necessários, garantindo que algumas das conquistas políticas e sociais, conseguidas na rua e não oferecidas pelo Estado, fossem mais firmes do que noutros países. O respeito que o poder político tem pelo direito à manifestação é um exemplo quase sem paralelo na Europa. O caracter revolucionário da instituição da nossa democracia garantiu-nos, na minha opinião, um regime democrático mais sólido do que em Espanha, por exemplo. Uma das poucas áreas intocadas por abril foi a Justiça e ainda hoje pagamos essa fatura.

O 25 de Novembro foi necessário perante um processo revolucionário que não só se estava a afunilar numa vanguarda minoritária e cada vez mais isolada do país, como até estava a perder o controlo da força revolucionária mais significativa, o PCP. O papel passivo dos comunistas perante o golpe de Novembro está estudado, mas ainda é pouco claro. Seja como for, o 25 de novembro, não sendo uma data popular e não estando no centro das autobiografias dos seus próprios autores (que gostam de ser lembrados, antes de tudo, como homens de abril), faz parte do processo de democratização. Esta minha posição não é nova. Escrevia-a há mais de 20 anos.

Ainda assim, equiparar o 25 de novembro ao 25 de abril é absurdo. O 25 de abril é uma data fundadora. Não temos duas para agradar a quem teve o azar de ficar mal na fotografia da primeira. Nessa data fundadora, incluem-se, como é habitual nestes processos, outras tantas, onde se encontram todas as contradições de processos conturbados: o 25 de novembro, mas também o 11 de março ou o 28 de setembro. Todas elas fazem parte do processo democratizador que o 25 de abril, data que une quase todo o país, faz a síntese. 25 de abril que é o de 1974, mas também o de 1975 (eleições para a Assembleia Constituinte) e o de 1976 (primeiras eleições legislativas). Nela estão contidos todos os passos da construção da nossa democracia constitucional, a que poderíamos acrescentar a extinção do Conselho da Revolução, em 1982.

A questão é mais simples do que parece: parte dos derrotados do 25 de novembro quer reconquistar a data que perdeu. É que não foi só a extrema-esquerda e o PCP que foram derrotados. Foram os que desejavam iniciar uma revanche e um recuo democrático, ilegalizando partidos e perseguindo parte da esquerda. No dia 26 de novembro, os líderes políticos do golpe (próximos do PS, não de quem quer celebrar a data) travaram este ímpeto antidemocrático, pela voz de um herói quase esquecido, apesar de ser uma preparação dos capitães de abril: Ernesto Melo Antunes.

Esta equiparação absurda pretende dar a parte da direita (não incluo os fundadores do PSD, que, apesar de o fazerem por dentro, participaram na oposição da Ala Liberal ao regime) um papel que ela não teve. E essa direita vai até aos inimigos do 25 de abril, como o Chega.

Como todas estas guerras culturais, também esta tem objetivos no presente. O principal é, equiparando meio século de ditadura a uns meses de PREC, equiparar os representes desses momentos históricos. Só assim conseguem começar a normalizar o Chega, fundamental para o conjunto da direita se o nosso sistema partidário não mudar. Entretanto, empurram-nos para intermináveis guerras culturais que nos afastam dos debates económicos e sociais que deveriam ajudar a definir quem é alternativa a quem. Os debates onde a extrema-direita se sente sempre menos confortável. Isto, como as aulas de cidadania (lá irei na sexta-feira) é muito mais útil para eles.»


22.10.24

Copos?

 


Vasos de vidro floriforme, Museu de Arte Chrysler, Norfolk, Virginia. Início do século XX.
Tiffany Studios.

Daqui.

Cativa-me que eu gosto

 



22.10.1921 – Georges Brassens

 


Georges-Charles Brassens nasceu há 103 anos, em Saint-Gély-du-Fesc, um porto de pesca francês banhado pelo Mediterrâneo. Aos 18 foi para Paris, regressou às origens quando a capital francesa foi bombardeada em 1940, mas para lá voltou poucos meses depois para mergulhar na leitura de grandes clássicos: Baudelaire, Verlaine, Victor Hugo...

Ainda durante a guerra, foi forçado a trabalhar numa fábrica na Alemanha, mas acabou por fugir e manteve-se escondido em Paris até ao fim do conflito. No início dos anos 50 fez umas incursões sem grande sucesso em cafés parisienses, mas foi avançando e, em 1972, viu editados 11 álbuns, acompanhados de um livro com todos os seus textos e poemas.

Com várias doenças pelo meio, acabou por morrer de cancro poucos dias depois de fazer 60 anos.

Entretanto, vai resistindo através de muitas gerações de fãs incondicionais e nunca é dispensável recordá-lo.








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Um governo a jogar com o tempo

 

Gerardo Santos

«A decisão de Pedro Nuno Santos de viabilizar o orçamento tem a grande vantagem de dar tempo a quem precisa dele, a Luís Montenegro e a si próprio, mas não é certo que contribua para que o país recupere o tempo perdido. Há um certo desencanto à direita e um lamento à esquerda com um orçamento que não é nem carne nem peixe e que, por certo, não é o tal instrumento que o governo prometia para mudar estruturalmente a economia portuguesa – tanto assim que a previsão do crescimento do PIB apresentada em Bruxelas está um terço abaixo do prometido em campanha. A AD faz o mal e a caramunha, governando como quem sabe que tem de ir a eleições a meio do caminho ao mesmo tempo que responsabiliza a oposição por fazer oposição.

Habitualmente, os governos avançam com as medidas mais duras no início da legislatura para abrirem os cordões à bolsa na segunda metade, antes de irem a votos, mas o actual executa como se estivesse na fase final do anterior, beneficiando da folga que os socialistas tinham preparado para o que seria o seu próprio bodo mais perto das eleições. Por ser assim, Miranda Sarmento comprou tempo em Bruxelas para jogar com o tempo que já tinha conseguido da oposição.

Estando todos à espera da decisão do PS, não se deu muita atenção ao facto do governo já ter negociado com a Comissão Europeia uma subida da despesa líquida que é em 2025 e 2026 mais do dobro do que nos dois anos seguintes. A AD estava disponível para ir a eleições no próximo ano, confiando que seria a maior beneficiada dessa antecipação, mas prefere usar o tempo para alargar a sua base social de apoio à procura de uma maioria mais confortável.

A intervenção do líder do PS, explicando demoradamente as razões pelas quais deveria votar contra o orçamento, antes de anunciar que o viabilizava com uma abstenção, foi “violenta” porque pré-anuncia o voto contra nos orçamentos seguintes. Nada que não esteja previsto no plano de gestão do tempo por parte de Montenegro, que ficará numa situação bastante mais parecida com a que deu uma maioria absoluta a Cavaco Silva, governando com orçamento próprio e aparecendo como vítima de uma crise política que um novo presidente terá de resolver.

É bem possível que o Chega acabe por ter a mesma sorte que o PRD em 1987 e para que isso aconteça Montenegro não perde tempo. No encerramento do congresso, para lá de mais uns anúncios, surgiu um tipo de discurso mais à direita que levou Ventura a queixar-se de que lhe estão a roubar as bandeiras. O líder do PSD tem o mais queria, tempo para conquistar eleitores que fugiram para o Chega e que valorizam uma atitude mais dura em relação à imigração e ao que chamam ideologia de género. Será que o eleitorado do centro se vai sentir bem acompanhado? Só o tempo dirá!»


21.10.24

François Truffaut morreu num 21 de Outubro




François Truffaut nasceu em Paris em 1932. Morreu muito cedo, em 21 de Outubro de 1984, mas deixou-nos 26 filmes que o mantêm connosco. Com uma infância atribulada, que acaba por retratar parcialmente em Les quatre cents coups, Truffaut fundou um cineclube aos 15 anos e foi rapidamente descoberto por André Bazin que viria a ter uma influência decisiva na sua carreira, introduzindo-o junto dos grandes nomes da época e nos celebérrimos «Cahiers du Cinéma». Tornou-se um dos principais representantes da «Nouvelle Vague» francesa e, nesses tempos áureos do cinema francês, era sempre com ansiedade que se aguardava a estreia de um novo título.


Foi um dos meus cineastas de referência. Quando Paris era a nossa praia de liberdade, vi Baisers Volés três vezes seguidas, sem sair da sala.

Entre muitos inesquecíveis: Baisers Volés (1968) e Les quatre cents coups (1959):





Last but not the least, esta canção inesquecível de Jules et Jim:


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A militarização da UE traz segurança?

 



A Paz não pode ser uma língua morta

 




Viriato Soromenho-Marques

A vitória do Chega no Congresso do PSD

 


«Fazer a bancada do Chega passar de 50 deputados para 5 é um objectivo patriótico, partilhado por todos aqueles que não se revêem nos discursos xenófobos do partido português irmão de Marine Le Pen.

É verdade que o Chega foi buscar muita da sua votação ao praticamente extinto CDS (a AD deu ao partido uma nova vida a que a solidão de uma candidatura autónoma o condenaria) e aos votos que já foram do PSD. Também foi buscar à abstenção.

Como se recuperam estes votos? A questão é difícil, mas o discurso de Luís Montenegro no final do congresso foi um exemplo de como a direita tradicional está a tentar desesperadamente diminuir a votação do Chega à conta de comprar bandeiras perigosas – o discurso anti-imigrante, o discurso reaccionário contra as “aulas de cidadania de facção”, o discurso securitário.

A estratégia não é de hoje. Apesar de todos os números que são apresentados sobre a necessidade profunda de imigrantes em Portugal, Luís Montenegro tem-se gabado de que, desde que é Governo, o número de pedidos de autorização de residência diminuiu. Não sei como são as conversas do primeiro-ministro com os representantes do patronato, assustadíssimos com as políticas anti-imigração, mas tinha curiosidade em saber.

No Governo, considera-se que esta estratégia pode colher votos a prazo no eleitorado do Chega e que Luís Montenegro a faz sem pôr em causa os princípios constitucionais. O problema é que, não tendo evidentemente o discurso xenófobo de André Ventura, o primeiro-ministro toca-o e dá-lhe uma vitória.

Em que é que as aulas de cidadania não são propriamente constitucionais, como o primeiro-ministro sugeriu no seu discurso? Por lá se admitir a existência de famílias diversas? Mas isso é totalmente constitucional. Trata-se simplesmente de ir buscar uma das principais bandeiras do Chega, a que aliás o outrora muito liberal Pedro Passos Coelho já tinha recorrido no discurso de apresentação do já famoso “livro da família”.

O discurso anti-imigração começa por ser bastante anti-cristão (é interessante ver como tantos alegados católicos não se revêem na doutrina da Igreja neste domínio). É também antipatriótico: até aos anos 70, Portugal foi um país de emigrantes e não dos emigrantes qualificados que o Governo agora tanto diz acarinhar. Eram pessoas que fugiam da fome e da pobreza, e eram muitas vezes humilhados e ofendidos nas terras de destino, tal como os imigrantes que hoje chegam a Portugal. Qualquer discurso anti-imigrantes é um insulto à memória deste país, mas a extrema-direita e agora a direita – às vezes tão ciosa dos nossos “heróis nacionais” – nem se apercebe disso.

A extrema-direita pode ganhar tudo, mesmo que o Chega venha a diminuir substancialmente a votação em próximas eleições. O Chega é um exemplo da transumância entre a direita tradicional e a direita populista: tanto André Ventura como muitos dos seus dirigentes vieram do CDS e do PSD. O problema é que agora pode ocorrer em sentido inverso, com a AD a captar o discurso do Chega.

A nível europeu, já estamos a assistir à contaminação total das ideias da direita radical pelo establishment. O recente encontro do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, trabalhista, com a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, para discutir imigração, foi um exemplo. Starmer é um óbvio flop nesta como em outras matérias: combateu a “política Ruanda” do governo conservador e agora aconselha-se com Meloni.

A classe política tem de fazer uma reflexão profunda sobre as razões do Chega ter atingido os 50 deputados. Saquear-lhes as bandeiras, contaminando o discurso social-democrata com a retórica da extrema-direita, é uma estratégia que apavora.»


Foi assim...

 


20.10.24

Não é azul, mas é bem original

 


Vaso de porcelana, 1908.
Fanny Garde (para Bing & Grøndahl).


Daqui.

A segurança dos jornalistas

 

«Não existe democracia sem cidadãos informados e sem instituições que estruturem as intermediações no funcionamento da sociedade. No tempo presente, o direito à informação é espezinhado, cultiva-se a opacidade, e está a “normalizar-se” a morte de jornalistas que tentam informar-nos a partir de teatros de guerra e conflito, que proliferam. (…)

Os média tradicionais (sem dúvida importantes) sofrem a influência dos outros. Além disso, estão sujeitos a pressões vindas da estratégia ultraliberal que marca a ação política, do clima belicista que acentua análises dicotómicas entre o bem e o mal, dos negócios do mercado onde se movem atores influentes da geopolítica com objetivos diametralmente opostos. E, a volúpia do imediatismo é tentação fatal. (…)

A Comunicação Social está em estado periclitante que ameaça a democracia. A melhoria das condições de trabalho dos jornalistas e uma melhor utilização da digitalização e de novos média são duas medidas estruturais indispensáveis.»


O país cor-de-rosa do congresso laranja

 

Nilson Garrido

«O congresso do PSD reunido este fim-de-semana em Braga criou uma realidade paralela. Era preciso afastar as ameaças e os desafios com que está condenado a sobreviver, ou não haveria lugar para a festa do regresso ao poder. De Luís Montenegro ao mais anónimo dos militantes, todos se empenharam em contrariar a fragilidade que marcou o primeiro meio ano de vida do Governo. A minoria absoluta da sua base de apoio parlamentar, o estouro da bipolarização entre a esquerda e a direita que levou à fragmentação, as dificuldades internas e externas com que se confronta na recta final da discussão do orçamento, foram deliberadamente escondidas no armário das prioridades. No seu primeiro dia, o Congresso do PSD transformou-se numa história amena, cor-de-rosa, sobre a qual o Governo constrói uma história de sucesso e extrai a fé que necessita para acreditar no cumprimento da legislatura.

A base desta convicção e desta história está na interpretação que o PSD faz da sensibilidade das pessoas sobre estes seis meses de mandato. Vários oradores o disseram e Sebastião Bugalho, a nova estrela do partido que agora tem cartão de militante, disse-o de forma ainda mais clara: “Saiam à rua e perguntem aos portugueses se é a mesma coisa o Governo do PS e o Governo do PSD.” Mesmo que as sondagens tenham registado nas últimas semanas uma tendência favorável ao PSD, nenhum estudo prova o grau de apoio que o congresso garante ter por parte dos cidadãos. Não havendo factos, o PSD precisa de fé. E, de ministros a militantes anónimos, fé é coisa que não falta.

Para legitimar essas narrativas, o PSD socorre-se da teoria das probabilidades. O Governo que está a promover “a maior transformação do país dos últimos oito anos”, como a definiu o ministro das Finanças Miranda Sarmento, só pode merecer respeito, admiração e, vai daí, apoio por parte dos portugueses. A tónica das mudanças, as medidas que permitiram sarar feridas abertas nas escolas, nas forças de segurança e defesa ou nos enfermeiros só podem merecer a gratidão da sociedade. “Dizem que fizemos o mais fácil”, notou Luís Montenegro, para depois perguntar: “Se é assim, por que é que os outros não o fizeram?” Ou, de uma forma mais explícita, “o Governo começou bem e o país está a rever-se no seu trabalho”, como apontou o ministro Manuel Castro Almeida.

Mas se o mérito pela mudança que faz a diferença entre o suposto reformismo do PSD e a alegada inércia do anterior Governo é de todo o partido e do Governo no seu todo, há nesta apologia de um país feliz e grato um destinatário especial: Luís Montenegro. Ao longo do dia, vários congressistas empenharam-se em criar o altar do líder providencial que trouxe de novo o partido à esfera da governação. Alguns vêem nele os méritos humanistas de Francisco Sá Carneiro, o sentido de Estado de Francisco Pinto Balsemão, o reformismo de Cavaco Silva. Entre todos, Paulo Rangel foi o mais expressivo no elogio ao líder. “Tem sido um privilégio” trabalhar com ele, “vê-lo crescer todos os dias”, notar que é cada vez mais “a força tranquila da mudança”.

Juntando todos os nós – a suposta adesão dos portugueses, a proclamada energia reformista e a elogiada liderança do primeiro-ministro –, o congresso chegou de forma natural à quarta grande mensagem, para dentro e para fora: o PSD é por estes dias, garantem, o grande factor de estabilidade política no país. “O nome da estabilidade é o primeiro-ministro de Portugal”, diria Manuel Castro Almeida, uma tese repetida por muitos outros oradores.

Neste país de tons suaves liderado por um homem indiscutível e focado em mudar o país, não couberam as realidades do contexto político. Não há lugar para o imbróglio que se pressente nas negociações do orçamento na especialidade, para as coligações negativas que colocam o Governo num eterno fio da navalha ou para as ameaças da Madeira ou dos Açores, outra vez dispostos a cobrar caro pela aprovação das contas do Estado. O dia era de festa, e no espírito do congresso não cabiam ansiedades. Não se sabe o que o encontro reserva para o seu último dia, mas uma coisa é certa: quando a realidade da política voltar, já na segunda-feira, o PSD lá terá de regressar à penosa tarefa de governar em minoria.»