22.10.24

Um governo a jogar com o tempo

 

Gerardo Santos

«A decisão de Pedro Nuno Santos de viabilizar o orçamento tem a grande vantagem de dar tempo a quem precisa dele, a Luís Montenegro e a si próprio, mas não é certo que contribua para que o país recupere o tempo perdido. Há um certo desencanto à direita e um lamento à esquerda com um orçamento que não é nem carne nem peixe e que, por certo, não é o tal instrumento que o governo prometia para mudar estruturalmente a economia portuguesa – tanto assim que a previsão do crescimento do PIB apresentada em Bruxelas está um terço abaixo do prometido em campanha. A AD faz o mal e a caramunha, governando como quem sabe que tem de ir a eleições a meio do caminho ao mesmo tempo que responsabiliza a oposição por fazer oposição.

Habitualmente, os governos avançam com as medidas mais duras no início da legislatura para abrirem os cordões à bolsa na segunda metade, antes de irem a votos, mas o actual executa como se estivesse na fase final do anterior, beneficiando da folga que os socialistas tinham preparado para o que seria o seu próprio bodo mais perto das eleições. Por ser assim, Miranda Sarmento comprou tempo em Bruxelas para jogar com o tempo que já tinha conseguido da oposição.

Estando todos à espera da decisão do PS, não se deu muita atenção ao facto do governo já ter negociado com a Comissão Europeia uma subida da despesa líquida que é em 2025 e 2026 mais do dobro do que nos dois anos seguintes. A AD estava disponível para ir a eleições no próximo ano, confiando que seria a maior beneficiada dessa antecipação, mas prefere usar o tempo para alargar a sua base social de apoio à procura de uma maioria mais confortável.

A intervenção do líder do PS, explicando demoradamente as razões pelas quais deveria votar contra o orçamento, antes de anunciar que o viabilizava com uma abstenção, foi “violenta” porque pré-anuncia o voto contra nos orçamentos seguintes. Nada que não esteja previsto no plano de gestão do tempo por parte de Montenegro, que ficará numa situação bastante mais parecida com a que deu uma maioria absoluta a Cavaco Silva, governando com orçamento próprio e aparecendo como vítima de uma crise política que um novo presidente terá de resolver.

É bem possível que o Chega acabe por ter a mesma sorte que o PRD em 1987 e para que isso aconteça Montenegro não perde tempo. No encerramento do congresso, para lá de mais uns anúncios, surgiu um tipo de discurso mais à direita que levou Ventura a queixar-se de que lhe estão a roubar as bandeiras. O líder do PSD tem o mais queria, tempo para conquistar eleitores que fugiram para o Chega e que valorizam uma atitude mais dura em relação à imigração e ao que chamam ideologia de género. Será que o eleitorado do centro se vai sentir bem acompanhado? Só o tempo dirá!»


0 comments: