17.2.10

Sobre uma Candidatura Anunciada


Um texto de Miguel Serras Pereira

Como é óbvio, ao escrever o post que a Joana aqui publicou esta manhã, não previa a candidatura concreta de Fernando Nobre, nem esperava que aparecesse tão rapidamente qualquer coisa do mesmo teor. No entanto, a candidatura agora anunciada confirma, talvez melhor do que qualquer outra peripécia, a análise que fiz.
Sugeri assim que o artigo de Mário Soares, ontem no Diário de Notícias, tinha por objectivo, menos apoiar Sócrates e o seu governo do que travar o passo à candidatura de Alegre. Do mesmo modo, sugeri que a Petição - aparentemente sem destinatário, como assinalou a Joana - que sucedeu à ideia de manifestação na Fonte Luminosa falava sobretudo para dentro do PS, de modo a tirar a legitimidade a qualquer discordância e a calar Alegre. Seja como for, eis algumas considerações que o novo facto parece justificar.

1 - O pré-candidato é incómodo para o BE (pesca no seu eleitorado), quase tanto como para Alegre: muitas sensibilidades político-ideológicas que Alegre poderia atrair ficarão desconcertadas, sendo para mais de prever que Nobre faça também, e de certo modo mais autorizadamente do que Alegre, invocando o seu apartidarismo, o discurso da independência relativamente aos partidos e do espírito cívico.

2 - O PCP, que a candidatura de Alegre incomodava já visivelmente, terá agora de se resignar, depois do alívio que será poder apresentar sem demasiados problemas um candidato próprio na primeira volta, a apoiar na segunda volta ou Alegre, ou Nobre, contra Cavaco ou outro candidato que una os eleitorados PSD e CDS.

3 - A candidatura de Nobre é incómoda também para os alegristas e outros sectores críticos do PS e da sua área. Torna-lhes praticamente impossível impor Alegre como candidato unânime ou quase-unânime do partido e arredores- a menos que consigam, por exemplo, convocar a muito curto prazo um congresso extraordinário para destituir Sócrates e votar o apoio oficial do partido a Alegre, ainda que fazendo ao mesmo tempo recuar internamente os “alegristas” mais incondicionais.

4 - É duvidoso que a actual direcção do PS possa fazer de Nobre o candidato oficial do partido. Mas é natural que nos próximos tempos surjam as vozes que já se opunham ao apoio a Alegre a recomendar a nova alternativa – vozes que serão agora mais audíveis e numerosas. É manifesto que estas movimentações – acompanhadas pelo apelo a cerrar fileiras em torno de Sócrates – terão por resultado reforçar a lógica e a dinâmica do efeito cumulativo da Petição-sem/com-destinatário e da tomada de posição de Soares, que desde já, como aqui escrevi esta manhã, "beneficia e dá voz aos que no PS tentavam fazer gorar-se a candidatura de Alegre, considerando que o seu sucesso, ainda que relativo, comprometeria mais o seu controle sobre o partido do que uma vitória de Cavaco".

5 - Assim, a menos que a “oposição democrática” e “ social-democrata contra a Terceira Via”, mas não “soarista”, do PS logre impor uma mudança de direcção ao partido e o apoio à candidatura de Alegre em termos que a não façam perder os apoios extra-partidários já logrados ou prováveis, a candidatura de Nobre só será cómoda – como expediente táctico – para quem no PS prefere Cavaco a Alegre, e, sobretudo, para o próprio Cavaco e a sua área, apostados em recentrar o regime de modo a reforçar os seus traços oligárquicos e dirigistas. Para o que parecem contar com apoios decisivos – activos e por omissão – da actual direcção do PS, cujos grandes passos em frente na “musculação” da “autoridade do Estado” e do reforço das prerrogativas das “competências” e da “objectividade económica” se mostram ansiosos por continuar.

Ressalva: Ocorre-me agora outra hipótese ainda, improvável, mas interessante e que gostaria de ver discutida por gente que no Bloco, em torno de Alegre e noutros lugares menos em foco me é próxima. Aí vai:
Suponhamos que os apoiantes da primeira hora de Alegre, o BE, vários democratas independentes, incluindo alguns até ao momento críticos da atitude de Alegre, e o próprio Alegre, anunciavam que retiravam a sua candidatura em benefício da de Fernando Nobre, mediante a aprovação de uma carta de princípios suficientemente anti-messiânica e “participativa” (ou seja, em termos esquemáticos: desvalorizando q.b., sem vocábulos bombásticos, razoavelmente e solicitando a capacidade de juízo das pessoas comuns, a “chefia do Estado” e valorizando inequivocamente a “democracia dos próprios cidadadãos”).
Seria ou não uma maneira de tirar o tapete à Terceira Via, ao pior do “soarismo”, à reciclagem autoritária do regime visada pela direita?
Seria ou não credibilizar os movimentos pela cidadania activa que tanta falta nos fazem?
Seria ou não afirmar a necessidade de outra maneira de fazer política, começando a praticá-la, onde menos seria de esperar – isto é, no quadro de umas presidenciais?

35 comments:

Joana Lopes disse...

Miguel, estou cheia de dúvidas.

Totalmente de acordo quanto à situação difícil em que o BE fica agora. Se já tinha muitas vozes internas contra a adesão a Alegre, serão muitas mais agora.

Mas a grande incógnita hoje é saber o que fará o PS. Para mim, é absolutamente óbvio que FN é o candidato de Soares – aquele que conseguiu depois de várias tentativas, de há muito denunciadas nos jornais. Uma vez mais, de certa maneira e ironicamente, o PS terá de escolher entre Alegre e… Soares. Ou poderá não apoiar nenhum candidato? Não creio…

Por fim: será que a soma MA + FN à 1ª volta pode fazer mais ou menos o pleno da «esquerda» (porque evita abstenção por anti-corpos contra MA), evitando a vitória imediata de Cavaco? Há quem o defenda.

Agora a tua «ressalva»: claro que tem pés para andar – ou teria tido porque pode ser tarde. O PS, sabendo os problemas que Alegre levanta internamente (e mais levará se for PR com Sócrates PM), deveria, do seu ponto de vista, ter identificado, em tempo útil, um candidato «aceitável» pelo BE e mesmo pelo PCP, que forçasse MA a desistir de avançar. Atirar esse papel para o Bloco e afins, como sugeres, parece-me uma tarefa ciclópica…

Miguel Serras Pereira disse...

Joana,
concordo com as tuas dúvidas, com muitas delas, ou partilho-as contigo.
O que acontecer ou não dentro do PS e na sua área poderá ser muito importante. Mas o mesmo vale, de certo modo, também para o BE - tanto mais que os apoiantes mais entusiásticos de Alegre no seu interior conseguiram fazer do apoio a Alegre um facto consumado, passando por cima do alargado debate interno que se democraticamente se impunha.
Nota stambém que eu declaro a hipótese da minha ressalva improvável. Mas trata-se de afirmar uma maneira de conceber o que é fazer política e de um exercício mental saudável.
A propósito, faltam dois parágrafos no meu post - os que seriam os dois últimos. Acrescento-os porque tornam mais claro o que digo e viso:

"Seria ou não credibilizar os movimentos pela cidadania activa que tanta falta nos fazem?
Seria ou não afirmar a necessidade de outra maneira de fazer política, começando a praticá-la, onde menos seria de esperar – isto é, no quadro de umas presidenciais?"

A discussão continua. Um abraço

miguel

Joana Lopes disse...

Sorry, já lá pus os dois parágrafos que faltavam.
Aguardemos. Devem estar a começar dezenas de divagações sobre o tema. Por enquanto, ainda está tudo a discutir a PT e os Mários Crespos...

Miguel Serras Pereira disse...

Camarada Joana,
nunca será suficientemente louvada a tua prontidão. Vejo que já actualizaste o meu post! Tanta hospitalidade para com um foragido! Ponham os olhos nisto, camaradas!

msp

Joana Lopes disse...

Só mais uma coisa: vamos certamente assistir a discursos contra «os políticos», o que é perigoso.

E já agora: um percurso «humanitário» será suficiente para se ser PR?

Miguel Serras Pereira disse...

A tod@s @s interlocutor@s:

o Tiago Mota Saraiva publicou no 5dias um post chamado A Vingança de Soares que coincide em larga medida com o que a Joana e eu aqui temos estado a dizer.
http://5dias.net/2010/02/17/a-vinganca-de-soares/

msp

Pedro Viana disse...

Sempre achei que a presença de vários candidatos "credíveis" à Esquerda, capazes de "cobrir" as principais "sensibilidades" de Esquerda, era a melhor receita para impedir a vitória de Cavaco logo na 1a volta. Foi assim que quase tal foi conseguido nas últimas eleições presidenciais. Contra este raciocínio é argumentado que uma pulverização de candidaturas à Esquerda numa 1a volta dificulta a necessária união em torno do candidato de Esquerda que passar à 2a volta. E que retira um possível dinamismo de vitória a uma candidatura unificadora. São argumentos válidos, mas continua a parece-me mais provável a re-eleição de Cavaco na 1a volta contra Manuel Alegre sozinho do que na 2a volta contra Manuel Alegre num cenário de múltiplos candidatos de Esquerda na 1a volta. Obviamente, isto quer dizer que seria "bem-vindo" um candidato "oficial" do PCP. Que me parece agora ainda mais inevitável, pois perdeu força a acusação de que um candidato do PCP iria contribuir, indirectamente, para a eleição de Cavaco, ao enfraquecer Manuel Alegre.

Não acredito que o BE retire o apoio a Manuel Alegre, ou que a direcção do PS decida não o apoiar explicitamente. Seria espantoso se o fizesse. Seria maravilhoso se o fizesse. Seria um autêntico tiro no pé que com elevada probabilidade levaria a uma recomposição da Esquerda, e à fragmentação do PS. Seria o culminar da estratégia do BE. A candidatura de António Nobre tem o inconveniente claro para a direcção do BE de dar um rosto àqueles que no BE contestam o apoio do BE a Manuel Alegre. Mas por outro lado eleva a "dívida" de Manuel Alegre para com a actual direcção do BE, que permanece com ele mesmo contra parte do seu partido e eleitorado.

A candidatura de Fernando Nobre, e de alguém apoiado pelo PCP, têm também a vantagem de reforçarem a mensagem da Esquerda. Porque teremos então, previsivelmente, 3 candidatos em campanha, com presença assegurada nos media, a proclamarem os valores da Esquerda. Contra um envergonhado Cavaco, que nunca foi capaz de discursos densos do ponto de vista ideológico. Entre os valores de Esquerda que serão defendidos é expectável a defesa duma maior participação dos cidadãos na vida política, pelo menos por Manuel Alegre. Porque já o tinha feito na anterior campanha presidencial, e porque é previsível que Fernando Nobre queira competir com ele para ver quem surge mais como "anti-político". O problema, infelizmente, é que de tais apelos estão sempre ausentes propostas concretas que permitam tornar o processo decisório efectivamente mais democrático.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Declaração prévia de interesses: nas eleições presidenciais votei no Dr. Manuel Alegre e, se houvesse uma segunda volta, votaria no Doutor Cavaco Silva.
Não sou de esquerda.
Quem não estiver interessado em ler deve fazer PF8 (lembras-te da PF8, Joana?) até ao fim do comentário.

Estas análises sociológicas são certamente interessantes para quem tenta compreender a dinâmica destas sensibilidades, movimentos e partidos.
Não é o meu caso, mas não é por isso que digo o que digo a seguir.
O que andam aqui a tentar perceber não tem qualquer influência na formação de um resultado nas eleições presidenciais, por mais interessante que seja, ou mesmo apaixonante para quem tem o coração à esquerda, ou até à direita.
Os partidos não têm direito a voto nas eleições presidenciais, nem os movimentos, nem as sensibilidades.
Têm os eleitores, e cada um tem direito a exactamente um voto.

Nas eleições em círculos com listas de candidatos, a maior parte do resultado da eleição é cozinhado pelos partidos ao ordenar os candidatos nas listas, e esta dinâmica de sensibilidades e movimentos é certamente muito importante para o determinar.
Os eleitores estão limitados à escolha dos candidatos limite no fim das listas, que podem ser ou não ser eleitos.
Nos sistemas de partido único, o resultado de uma eleição é integralmente determinado por essa dinâmica.
Em eleições através de círculos uninominais ou nas nossas eleições presidenciais, o poder é todo dos eleitores.
Os partidos não podem mais do que dar mais dinheiro para as campanhas dos seus candidatos preferidos, na esperança, talvez patética, de que campanha mais rica garanta mais votos nas urnas.
Ou mobilizar comentadores na comunicação social, na esperança, talvez patética, de que os eleitores se deixem influenciar pelas preferências dos comentadores.
Ou tentar influenciar jornalistas através dos assessores de imprensa na esperança, talvez patética, de que uma imprensa simpática vai influenciar o grau de simpatia dos eleitores.
Se os eleitores fossem maioritariamente patetas, inconscientes, inconsequentes, influenciáveis, estas esperanças não seriam patéticas.
Mas os eleitores são provavelmente um pouco melhores do que isso, e provavelmente escolhem bem.

Posto isto, se eu fosse de esquerda, estaria contente por ter vários candidatos em quem pudesse votar e não um único, cozinhado pelos partidos, movimentos e sensibilidades da esquerda.
Por duas razões.
A primeira, porque múltiplos candidatos de esquerda só podem fazer aumentar o número de eleitores que vão votar, e isso reduz a probabilidade de o candidato da direita obter maioria absoluta na primeira volta.
A segunda, porque múltiplos candidatos de esquerda permitem ao eleitorado de esquerda eleger o "seu" candidato para a segunda volta, não delegando essa escolha nos partidos.

Miguel Cardina disse...

Fernando Nobre poderá recolher uma boa votação mas não me parece um candidato interessante para contribuir para a renovação e reconfiguração da esquerda. Fará um discurso anti-partidos e arrastará alguma votação dos descontentes, dos abstencionistas e dos admiradores da filantropia. Mas a verdade é que não lhe é conhecido pensamento político para além da inquietação ética relativamente ao «estado a que isto chegou». Preocupação legítima e muito louvável, mas que também pode descambar num proto-populismo que do estilo «equidistante da esquerda e da direita».

Veremos. Manuel Alegre não fica em bons lençóis, mas a hipótese levantada pelo Pedro Viana - a pulverização de candidaturas à esquerda dificultará a eleição de Cavaco à 1.ª volta - tem algum cabimento. O problema é que o desgaste da campanha fará com que inevitavelmente a esquerda não se una de maneira inequívoca numa segunda volta contra Cavaco. Ou seja: mais candidatos à esquerda facilitarão uma 2.ª volta, mas também darão a vitória à direita nessa ronda final. Isto sou eu a pensar alto...

Joana Lopes disse...

O Miguel disse-me há pouco que ia «tomar o chá da meia-noite», pelo que só deve responder-vos amanhã.

Algumas notas soltas. A questão da pulverização de candidaturas à esquerda na 1ª volta (que o Manel, desinteressadamente, defende) é um pau de dois bicos, mas não me parece, Miguel, que pusesse em risco um reunir de tropas para a 2ª. O que está riscado do mapa, julgo, é a tal esperança de aproveitamento de todo este tempo até às eleições para uma certa tentativa de «reagrupamento» (não ouso chamar-lhe «reconstrução») da esquerda do PS, BE e independentes, retomando as tentativas concretizadas na Reitoria e no Trindade. Nesse sentido, acharia maravilhoso, como o Pedro, que o PS não apoiasse MA mas sim FN. (Uma maravilha o seu acto falhado de lhe chamar, a páginas tantas, ANTÓNIO Nobre: o autor de «Só»!... )

Já agora: FN é de esquerda? Só lhe falta ter apoiado o CDS…

Miguel Cardina disse...

A dada altura, e graças ao Pedro Viana, também imaginei o Fernando Nobre enclausurado na Torre de Anto a escrever versos compungidos contra o mundo. O que nos vale é que o poeta é o outro...

Miguel Serras Pereira disse...

Caros,
creio que, neste momento, com pleno conhecimento de causa ou sem ele, Nobre aparece como instrumento daquilo a que o TMS no post dos 5dias chama a "vingança de Soares" - eu próprio tinha sugerido que o apoio indeditamente vigoroso que Soares passou há dias a exprimir a Sócrates era menos um apoio a Sócrates do que uma ofensiva contra Alegre.
Não estou assim tão certo de que a actual direcção do PS a manter-se seja obrigada a apoiar oficialmente Manuel Alegre. E ainda que o faça, como contrapartida de Alegre continuar a "calar a boca" perante o que se passa, e de assim perder terreno de dia para dia, fá-lo-á sem grande convicção, aceitando encorajadoramente grandes figuras - a começar pela de Soares - a distanciarem-se e/ou a integrarem comissões de honra e apoio a outros candidatos.
Quanto às três candidaturas de "esquerda" como resposta mais eficaz à recandidatura de Cavaco, só seria interessante se levasse à celebração à partida de um protocolo público entre os candidatos, baseado numa carta de princípios assinalando um compromisso comum com o aprofundamento da democracia participativa e a denúncia da natureza anti-democrática do actual regime de funcionamento da economia.

1. Parece-me, no entanto, que, para defender tais posições, admitindo que isso é viável no quadro de uma campanha presidencial, Alegre e Nobre não são suficientes, e que, por isso, a hipótese do Pedro Viana deveria apostar em mais uma candidatura, do tipo da que poderia ser a de uma Manuela Silva, claramente defensora de uma "democracia económica" que terá de ser inventada na acção e sem receita pronta-a-vestir, e/ou a aplicar pelo reforço de uma intervenção estatal que, embora invoque muito o "sector público" continua a pressupor a menorização e a redução a tarefas ancilares ou residuais do espaço público democrático que poderia levar a cabo uma repolitização alternativa da esfera económica, assente, por um lado, no desenvolvimento no seu interior da participação igualitária nas decisões e deliberações, e, por outro, na adopção de medidas de democratização do mercadoe de desmercantilização da força de trabalho, através de uma política tendente à igualdade no que se refere a salários e rendimentos.
Evidentemente, uma "solução" alternativa à introdução de mais uma ou duas candidaturas seria a subscrição pelas candidaturas de Alegre e Nobre de uma carta de princípios como a que referi, mas capaz de explicitar a mesma orientação.

2.Parece-me igualmente evidente que o PCP nunca aprovaria uma iniciativa semelhante - embora boa parte do seu eleitorado e até talvez das suas bases pudesse ser conquistada pela sua dinâmica, deixando cair o candidato comunista oficial (um pouco à maneira do que sucedeu quando o PCP apresentou Octávio Pato como candidato contra Otelo, nos idos de 70). Esta "convulsão" na área do PCP seria de resto salutar e abriria novas perspectivas à luta pela democratização do regime via "cidadania activa".

3. Resta que tudo isto passa pela perspectiva, não tanto, diria eu, da "pulverização" do PS, como do despertar para a mesma luta por esta mesma democratização do regime via "cidadania activa" dos que nas fileiras do PS e na sua área de influência não puseram de parte a ideia de que a liberdade e a igualdade se implicam mutuamente, de que não há liberdade política sem igual poder para todos e de que a organização e funcionamento da esfera económica são um terreno político decisivo.

Saudações republicanas

msp

Joana Lopes disse...

Miguel (SP),
Verifico que, para além do resto, continuas um sonhador – o que, acredita, é um elogio.
Imaginar que candidatos a uma disputa eleitoral, sejam eles dois, três ou quatro possam concordar com a celebração « à partida de um protocolo público (…), baseado numa carta de princípios assinalando um compromisso comum com o aprofundamento da democracia participativa ..», etc. etc, parece-me absolutamente utópico. O que se passará é uma luta de cada um, mais do que legítima no regime em que vivemos, para passar à segunda volta com Cavaco. Em «comum» terão o facto de ser adversários do actual PR e pouco mais.
Quanto à ideia da Manuela Silva, duas observações. Ela deve ter 80 anos! Segundo e mais importante: notoriedade pública mínima precisa-se e, se ela a teve, não é hoje o caso: limitando-me apenas a quem já comentou este post, não sei de o Pedro V. a conhece, mas quase que aposto que nem o M. Vilarinho nem o Miguel C. sabem que ela existe e não vale e pena ir à Wikipedia porque não encontram nada. (Só se queres criar um grande problema de consciência ao Pureza, mas julgo que não é o caso :-))

Joana Lopes disse...

Mais isto:
Para quem ainda tenha dúvidas (ontem havia quem tivesse) sobre a origem da candidatura de FN, o «i» elenca hoje uma lista, que me parece certeira, com alguns dos nomes de candidatos que soaristas – e Soares em pessoa – tentaram convencer. FN terá sido a 25ª escolha…

«Há muito que a ala soarista do PS procurava um candidato alternativo a Alegre: Jorge Sampaio, Jaime Gama, Artur Santos Silva, Vera Jardim, Carvalho da Silva, Guilherme d'Oliveira Martins e Gomes Canotilho foram nomes sondados para Belém e todos recusaram. »

Miguel Serras Pereira disse...

Joana,

o cenário do protocolo público é, como dizes, irrealista, mas só o sugiro para reforçar a ideia de uma saída de cena de Alegre, após entendimento entre os seus apoios e/ou meios próximos com a candidatura de Nobre - e, nesse caso, sim, acho que uma carta de princípios seria indispensável.

Quanto à Manuela Silva, é o exemplo de um perfil político cuja intervenção se justificaria no caso de seguirmos a hipótese de "multiplicação" das candidaturas à esquerda, adiantada pelo Pedro Viana. Poderia ser alguém mais jovem - por exemplo, por muito estranho que possa parecer-te, o Guilherme d'Oliveira Martins ou, na mesma área profunda, o Carvalho da Silva, com uma declaração de princípios que, embora como mínima, pudesse ser subscrita com sentido pelos que defendem o que chamei uma democratização do regime via "cidadania activa", e/ou "não puseram de parte a ideia de que a liberdade e a igualdade se implicam mutuamente, de que não há liberdade política sem igual poder para todos e de que a organização e funcionamento da esfera económica são um terreno político decisivo".

Ainda bem que me levaste a explicitar a minha intervenção anterior. Não me parece que, apesar de não coincidentes, as nossas leituras divirjam sem remédio.
Abç

miguel sp

Joana Lopes disse...

Miguel,
Claro que não há divergências de fundo contigo, mas já agora e só em relação a este teu último comentário:
- «Reforçar a ideia de uma saída de cena de Alegre»? – eu substituiria Alegre por Nobre.
- Convenceres-me que Guilherme de O. Martins é de esquerda, isso é que é mesmo uma absoluta impossibilidade…

Pedro Viana disse...

Só mais 3 apontamentos.

Também não conheço nenhum pensamento ideológico estruturado a Fernando Nobre. E suspeito fortamente que não o tem, pois, só nos últimos 5 anos, apoiou candidatos do PS, BE e PSD. No entanto, as preocupações que se encontram no seu discurso são claramente muito mais partilhadas pela Esquerda do que pela Direita, e daí classificá-lo como candidato de Esquerda.

O facto de todos os militantes do PS contactados pelos soaristas terem recusado ser candidatos a presidente da República, sugere que há realmente um consenso alargado dentro do PS, mesmo entre aqueles que não simpatizam com Manuel Alegre, de que o PS deve apoiá-lo, seja por convicção ou por medo das consequências para o PS se tal não acontecer. Parece-me cada vez mais que a direcção do PS se verá obrigada a apoiar Manuel Alegre, sem conseguir impôr quaisquer condições a este. Obviamente, este tentará ao máximo não se pronunciar sobre o governo, porque precisa dos votos quer dos que o apoiam quer dos que o atacam à Esquerda.

Realmente não conheço Manuela Silva, apesar do seu nome ser-me vagamente familiar...

Joana Lopes disse...

Pedro,
100% de acordo quanto ao que diz no segundo parágrafo: julgo que o PS não tem AGORA outro remédio que não seja apoiar Alegre ou daria vários tiros em muitos pés (sendo certo que é uma centopeia). A minha interpretação é que Sócrates não preparou a tempo (e a tempo é há dois ou três anos) uma alternativa a MA, apesar de saber que ele avançaria agora, porque, até ao Verão passado, se sentia muito bem com Cavaco em Belém.

Miguel Serras Pereira disse...

Joana e Pedro,
1. ainda que o PS possa ter de apoiar Alegre - o que não me parece fatal, sobretudo se Alegre disser alguma coisa (porque se não disser, não sei se safará) - pode fazê-lo "em falso", sem convicção, com apelos de figuras de proa ao voto noutro candidato e a sua presença noutras candidaturas.

2. Sim, a saída de cena de Nobre em proveito de Alegre também serviria. Em termos simétricos, mantenho o que disse acerca do primeiro cenário.

3. O GOM tem, de facto, um pensamento não sei se de esquerda, mas estruturado em torno da democracia participativa e da conquista (gradual, na perspectiva dele) pelos cidadãos do exercício de poderes políticos efectivos. É, apesar do que possa julgar-se, muito mais avançado do que muito esquerdista oficial.

4. Com ou sem multiplicação das candidaturas, o que temos é de travar a berlusconização do regime, o seu recentramento autoritário, o reforço da economia comandada pelos oligarcas e o agravamento da exploração, bem como da expropriação política. Mais importante do que uma "vitória da esquerda" nas presidenciais, é a afirmação de uma força (formada a partir de vários sectores) capaz de agir e inflectir a ordem política presente. Deste ponto de vista, as presidenciais são só uma ocasião, e a derrota de uma campanha efectivamente alternativa pode ser democraticamente mais fecunda do que a vitória de uma candidatura unitária, incaracterística, meramente aritmética, etc. Será mudando a forma de fazer política, as formas de exercício do poder, a relação com as instituições, e conquistando e expandindo um espaço público activo, cada vez mais "governante", que iremos lá (onde tenho vindo a dizer - nestes comentários e posts de ontem de de hoje no Brumas, como por outros sítios noutras ocasiões).

Abçs para os dois

msp

xatoo disse...

o problema destas análises vistas cá de baixo é que ignoram em absoluto as congeminações dentro das superestruturas politico-económicas - onde está tudo pré-determinado por via de mecanismos ocultos que obviamente não podemos conhecer. Cá estaremos para ver se Cavaco não irá permanecer firme no posto de Comandante em Chefe General das Forças Armadas. É amargo dizê-lo, mas é assim que se passará.
Eu imagino o que possa sido a compreensão da plebe face aos zum-zuns das terriveis maquinações dentro dos palácios onde se urdiam os assassinatos dos imperadores romanos - não que isso provocasse uma mudança de paradigma, mas tão só a apropriação do poder pela clique mais competente...
Será salutar imaginar o messianismo de MSP no desejo de emancipação do homem de rua; emancipado pela "participação". Participar seria invadir o Palácio e degolar os exploradores do povo. Mas não me parece que, salvo nas catatumbas virtuais, a populaça ávida de noticias da Ágora reconheça algum lucro em afrontar as policias de choque, perdão, a guarda pretoriana.
O que se passa na realidade com a matéria prima de base social existente no Ocidente obeso e gorduroso, especialmente nesta pequena particula marginal, é que se esperam dos governantes, mais Nobre menos Alegre, mais Cavaco, que carreguem para o mercado local mais proventos do saque das colónias.
Mas, diz-nos a história, saturados de tantos saqueios um dia chegarão os alaricos, que se têm vindo a anunciar, e aos quais nos teremos de acomodar, regredindo. O imperador Soares vem sendo o arauto desta nova situação porquanto a Maçonaria conta com a possibildade de poder continuar a governar(-se) no mercado da elite global, onde as crises sociais não têm nenhum significado. As crises (provocadas) são meras formas de destruição de valor e colectar novas formas de acumulação.

saudações marxistas
x

Anónimo disse...

Miguel S. P.
Eu como pessoa apartidária que sou, mas cidadã, farta de maquinações partidárias e embustes por parte de tecnocratas medíocres (e como eu muitos milhares de cidadãos), aplaudo e dou-lhe os sinceros Parabéns pela reflexão feita no post acima, digna de manchete. Daquelas credíveis e de excelência, que escasseiam num Pais dominado pela falta de informação transparente e guiada pela Ética.
Obrigada em nome de todos os cidadãos que como eu pensam e que não devem ser poucos.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Xatoo,
o que nos separa são várias coisas:
1. eu creio que vale a pena tentar democratizar os regimes do Primeiro Mundo e que sem transformações fundamentais nesta parte do globo a emancipação à escala mundial dificilmente avançará durante os próximos tempos. Claro que há a privatização de massa, o refluxo da acção política, a hegemonia neo-liberal, etc., etc. Mas ninguém nos libertará por nós. E muito menos o farão as hordas míticas em que você parece delegar o papel do Messias.
2.Aceito a necessidade de lutar de armas na mão quando não há outra maneira de fazer as coisas. Mas não partilho da sua equação "mais sangrento = mais revolucionário". E não tenho a menor fé nos massacres sacrificiais ou propiciatórios. Qualquer revolução que valha a pena alargará o lugar da praça da palavra e da reflexão na acção quotidiana e mobilizará as armas dos cidadãos como seu penhor. E este critério tanto vale aqui como lá. É, se quiser, um universal da razão e das razões da democracia e de qualquer acção revolucionária que a afirme. Uma condição de que a "Internacional" possa vir a ser "o género humano".
Saudações democráticas

Cara Fada do Bosque,
obrigado pelo seu comentário demasiado generoso. Mas, claro, Avante pela Cidadania Governante!
Cordiais saudações republicanas

msp

Anónimo disse...

Caro Miguel SP
Gostaria muito de deixar este link aqui:Sustentabilidade. Passei o dia a pesquisar na net e a ler comentários. Penso que o povo português, quer Fernando Nobre descontextualizado dos Partidos Políticos... torço por isso.
Obrigada.

virgili o vargas disse...

Três notas:

1a Nota - a primeira é a propósito de um aviso da Joana, colocado alguns posts atrás:

">>Joana Lopes disse...
">>
">> Só mais uma coisa: vamos
">>certamente assistir a discursos
">>contra «os políticos», o que é
">>perigoso.

Eu acho que, na sua generalidade, os políticos têm dado uma preciosa ajuda para que proliferem discursos contra eles. Tb acho que não é por serem políticos; talvez por a qualidade das pessoas que lhes dão corpo deixar muito a desejar.

2a Nota - A galinha da minha vizinha e "menos de esquerda" do que a minha.

Há alturas em que assisto a uma arrogância e uma intolerância incontidas quando presencio debates e discussões pelos nossos intelectuais de esquerda. Em abono da verdade, com honrosas excepções.

Mas mesmo com essas excepções, estou sempre muito incrédulo quanto à possibilidade das nossas esquerdas se conseguirem entender e unir em torno de um objectivo comum. Gostava de estar enganado.

3a Nota: Num Post acima o Pedro Viana fala de um "envergonhado Cavaco, que nunca foi capaz de discursos densos do ponto de vista ideológico."

Se calhar isso é uma vantagem que o homem tem: ser capaz de dizer umas coisas que o zé povinho que não mora em Lisboa e Porto é capaz de entender.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Meus amigos,

Após centenas de linhas maioritariamente cheias de análises tácticas e estratégicas, continuo sem ver a esquerda aqui representada perguntar-se a primeira pergunta que devia fazer:

Para que serve a esquerda?

Se esta pergunta não estiver respondida de forma clara, qualquer táctica e qualquer estratégia servem para não chegar a lado nenhum.
Respostas do tipo "para combater a direita" não servem, só servem para construir argumentos circulares.
Desculpa a insistência Joana, não é a primeira vez que eu te pergunto isto, mas é algo que eu gostaria de ver respondido.
E para os vossos propósitos parece-me um bom início de conversa: uma vez percebendo para que serve a esquerda, a sua finalidade e o caminho para lá chegar poderão aparecer provavelmente muito mais claros.

Miguel Serras Pereira disse...

Joana, Pedro Viana e car@s tod@s:

como disse antes da candidatura anunciada de Nobre, Soares corria mais contra Alegre do que a favor de Sócrates. Mas talvez - se a Joana e o Pedro têm razão quando dizem que o PS está condenado a apoiar Alegre, e mesmo que não tenham razão a cem por cento, lá que o PS fica entalado, fica - o Pai Fundador, muitas vezes agredido mas nunca simbolicamente morto, tenha corrido contra os dois ao mesmo tempo. Se Sócrates e o PS não o seguirem no seu apoio a FN, deixarão de poder contar com a legitimação de Soares, os indisciplinados do PS que contestem a opção Alegre poderão declarar que a sua indisciplina é uma fidelidade ao Pai Fundador, e este último poderá voltar a contestar a Terceira Via, piscando o olho à esquerda, para se defender das acusações de estar a abrir caminho a Cavaco…

Pois é - e aqui remeto para o que disse no post e nos comentários anteriores -, enquanto não formos bastantes mais a tentar fazer política de outra maneira, será a assistir a estes enredos infinitamente repetidos que estaremos votados.

Saudações democráticas

msp

Joana Lopes disse...

Só há pouco cheguei a casa, li agora os comentários da tarde e serão.
Amanhã, retomarei alguns pontos referidos sobretudo no comentário do Virgílio e no último da Manuel V.

xatoo disse...

"Para que serve a esquerda?"
uma pergunta que faria a Fernando Nobre logo à tarde era esta: como presidente acha que Portugal deveria abandonar a NATO?
A resposta, mais que óbvia, aliás que já foi dada na entrevista ao Diário Económico na passada semana seria, mais que claramente, que não!
FN afirmou textualmente que advoga uma nova ordem de governo mundial centralizada. (não é isto que Bush,Obama&Compª também advogam?) Do ponto de vista da nova burguesia transnacional está certo. São os negócios e os interesses das corporações transnacionais que lhes pagam a vidinha.
Portanto num lugar de periferia como ps&psd.pt é completamente inconsequente discutir-se autonomia (que em última instância dependeria de sermos auto-sustentáveis, "caminharmos apenas apoiados nas nossas próprias forças". Porque somos todos +- dependentes desses negócios, haverá militância de esquerda concordante com a NATO? é capaz de haver, mas não me cheira que seja de Esquerda...

Joana Lopes disse...

Virgílio,
Sobre o «perigo» que referi de irmos assistir a discursos contra «os políticos», que comentaste. Concordo contigo quando dizes que a raiz está na má qualidade das pessoas, mas só parcialmente: porque por detrás dessa ideia está frequentemente (não digo que seja o teu caso, claro) a esperança da vinda de um salvador impoluto, com uma atracção quase inevitável pelo populismo.

Joana Lopes disse...

Manuel (VP)
Não sei se entendo bem a tua pergunta «Para que serve a esquerda?». (Podia responder-te: «Para que serve a direita?».)
Claro que as etiquetas valem o que valem, talvez pouco, mas são necessárias para nos entendermos, embora isso nem sempre aconteça porque cada uma, das duas em questão, tem significados parcialmente diferentes segundo quem as utiliza.
Sem que te tenhas referido a isto, há também uma precisão que passo a vida a sublinhar, sem grande eco: partidos e pessoas podem ser «de esquerda» e profundamente conservadores, o que para mim é muitas vezes pior do que ser de direita. É o que penso, por exemplo, relativamente ao PCP como tal (não quanto à generalidade dos seus militantes).

Manuel Vilarinho Pires disse...

Boa tarde, Joana,

Podias, e podes, e se calhar até deves, perguntar para que serve a direita.
Eu não o fiz porque não me pareceu importante responder a essa pergunta aqui dada a finalidade deste forum.
Eu não sou de direita mas penso que tenho uma noção mais clara de para que serve a direita, e posso tentar responder.
A direita serve para defender a liberdade da actividade económica e o conservadorismo social.
É uma contradição.
No plano da actividade económica, a direita acredita na "mão invisível", acredita que deixando todos os agentes económicos agir em liberdade segundo os seus interesses privados se conseguem melhores resultados do se se que tentar organizá-la e controlá-la.
No plano social, a direita tem medo que a liberdade de opção individual desorganize e destrua a sociedade tal como ela existe, e prefere mantê-la organizada e controlada, conservá-la.
Há derivas a este liberalismo económico e autoritarismo social, mas parece-me que este padrão define bem para que serve a direita.
E a esquerda?

A minha pergunta não era orientada para a definição de etiquetas, as etiquetas adoptam-se sem grande necessidade de reflexão, mas para a essência do que faz as pessoas de esquerda adoptarem essa etiqueta.
Porque aquilo que depois são objectivos centrais e estratégias e tácticas em cada circunstância tem toda a vantagem em emanar dela.
E eu não tenho a certeza que este forum, que é de esquerda (com excepção de mim, que não sou), tenha uma definição clara e partilhada do que é "ser de esquerda", e da utilidade de o ser.
E sem isso pode-se andar a correr atrás das circunstâncias (vamos tentar eleger um PR, ou pelo menos passar à segunda volta, vamos tentar ter uma maioria com o PS na AR, vamos tomar partido num referendo), mas nunca se toma o volante para dirigir a coisa.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Estes fora enchem-se e esvaziam-se num instante...
Não dão tempo para chegar a conclusões, pelo menos para quem seja lento como eu!
Mas como o único risco que corro é o de ficar a falar sózinho, e na melhor das hipótese estás tu a ler-me, passo a explicar melhor porque lancei aquela pergunta não respondida, que não foi uma provocação.

E esquerda adopta por inércia, pensando provavelmente que é por princípio, posições que podem de facto ir contra os seus princípios.

Vou arranjar um exemplo que mostra que poderá valer a pena dar um passo atrás para poder dar dois em frente.
Assumamos que alguém neste forum não tinha medo de parecer ingénuo e tivesse respondido algo como: a esquerda serve para proteger os mais fracos contra os abusos dos mais fortes.
Parece-te uma resposta plausível? Assumamos que sim, que as pessoas de esquerda vêem como um princípio fundamental da sua intervenção cívica a protecção dos mais fracos.

Olhemos agora para uma causa específica da política económica: a existência (ou o aumento) do salário mínimo.
Não fico surpreendido se a esquerda abraçar unanimemente esta causa, achando-a completamente alinhada com o princípio da protecção dos mais fracos.
É aliás a única causa económica que ouvi anunciar ao Dr. Fernando Nobre.
E o argumentário para a apoiar parece sólido: não parece possível viver condignamente com um rendimento tão baixo, há empresas com lucros astronómicos que pagam prémios de gestão milionários, o aumento dos rendimentos mais baixos propicia um aumento do consumo que estimula a economia.
Simplesmente, na realidade, o aumento do salário mínimo destrói empregos.
As empresas que conseguiam resultados marginais com o valor anterior terão prejuízos com o novo valor e terão de fechar.
Quem defende o salário mínimo pensando proteger os mais fracos está de facto a atirar com os mais fracos dos mais fracos para o desemprego.
E isto se calhar até é uma das causas que faz a unanimidade na esquerda.
Mas é um equívoco que combate os princípios por que ela pensa que combate.
E não será o único.

Por isso, pareceu-me a mim que a esquerda teria toda a vantagem em identificar claramente os seus princípios fundamentais para depois escolher de forma inteligente as causas em que vai à luta.
Porque quem vai à luta por inércia corre o risco de lutar com inépcia.

Joana Lopes disse...

Manel, tens razão: a vida dos comentários a um post é curta porque se passa para outro. Neste momento, está aqui:
http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com/2010/02/nao-e-nobreza-e-nobritude.html

Junta-te à conversa porque também se fala lá de esquerdas.

Anónimo disse...

Li tudo , e chega a ser indigente o que se discute aqui , se isto é o pensamento político , vou ali e já venho . Partilhar dúvidas , o que é isso afinal ?
As brumas adensam-se e a memória parece ser um pormenor , um adorno na vida de cada um dos intervenientes
Carlos Antunes Figueira

Joana Lopes disse...

Caro Carlos Figueira
Obrigada por ter lido tudo porque é muito.
Mas só partilha certezas? Não tem dúvidas?