19.1.19

Muros e muralhas


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10.01.1942 - Nara Leão



Nara Leão faria hoje 77 anos e morreu, em 1989, com apenas 47. Estreou-se em 1963, mas a sua verdadeira consagração deu-se depois do golpe militar de 1964, em «Opinião», um espectáculo de crítica à repressão policial. Foi passando de musa da Bossa Nova a cantora de protesto.

Canções? Muitas, com destaque para «O Barquinho», «Com Açúcar e com Afecto» e a inesquecível interpretação de «A Banda» com Chico Buarque da Holanda.






E em 1966: ainda hoje como se fosse ontem.


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Jornalismo a meia-haste





Graça Franco
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Mujica e Bolsonaro, o que nos eleva e rebaixa



«Há umas semanas vi o filme “Uma Noite de 12 Anos”, de Alvaro Brecher. O filme conta os 12 terríveis anos de cativeiro de José Mujica, carinhosamente conhecido pelo seu povo como “Pepe”. Durante a ditadura militar uruguaia, Mujica e dois companheiros viveram 12 anos de terror, grande parte do tempo em isolamento total, com sessões de tortura e fome. “Pepe” esteve mesmo à beira da demência. O filme está disponível na Netflix.

Apesar de Mujica ter sido Presidente do Uruguai, viveu sempre uma vida espartana, abaixo de classe média. Numa casa pequena, fora de Montevideu, onde trata, com a sua mulher (que é senadora), da sua pequena exploração agrícola. Tem um “carocha”, uma casa minúscula e pouco mais. Tenho inveja de pessoas como “Pepe”. Que se conseguem libertar do dinheiro e do que ele nos dá. São mais livres do que eu sou ou alguma vez conseguirei ser. Se querem conhecer a sua vida, as suas contradições e o seu exemplo, podem ver o documentário de Emir Kusturica, “El Pe pe”. Aí não se esquece que a sua militância nos Tupamaros incluiu assaltos a bancos e luta armada. Mujica não é beatificado.

Já AQUI escrevi que não podemos fazer política com a santidade. Porque isso excluiria quase todos da política e a aproximaria perigosamente da religião. Mas isso não nos impede de nos comovermos com Jose Mujica. Com o que a sua história, a sua resiliência e a sua pobreza escolhida nos ensinam. O exemplo é sempre mais comovente quando não é dever e quando não é para ser seguido. Quando é uma escolha do próprio que a ninguém a quer impor. No caso de Mujica, é uma radical coerência política que ajuda a ilustrar um desejo intransigente de liberdade. Vi “Uma Noite de 12 Anos” poucos dias depois da tomada de posse de Jair Bolsonaro. Ao ver o filme sobre aqueles 12 terríveis anos de cativeiro, tortura e sadismo, e ao olhar para como foi Presidente e como continua a ser político, não pude deixar de pensar no contraste. De um lado temos um homem que lutou a vida toda, que sofreu a tortura e o isolamento durante anos, do outro um militar medíocre (apesar de ter a Academia Militar, nunca passou de capitão) e que vegetou num congresso durante 26 anos, sem nada de relevante ter ali produzido – conseguiu aprovar apenas dois projetos, mesmo quando havia largas maiorias conservadoras.

De um lado temos um homem que é, para qualquer pessoa, extraordinário. E é extraordinário porque se distingue de nós pela liberdade que escolheu para si e de praticamente todos os estadistas pela simplicidade que conseguiu manter. Fazendo dela uma mensagem política. E foi através dessa extraordinária diferença que se aproximou do povo. Do outro lado temos um homem boçal no trato e indiferente nas suas capacidades. E é através da semelhança com a banalidade humana, no que ela tem de pior, que ele se aproxima do povo. De um lado temos alguém que teve uma vida dura e que não guardou ressentimento. A sua mensagem é de tolerância. Do outro temos um tipo cuja vida não se distingue pela coragem ou pelo trabalho, mas pela capacidade de transmitir em público o pior dos sentimentos humanos: o preconceito, o ódio e o ressentimento. De um lado temos um discurso combativo mas nunca consumido pelo ódio, do outro temos o ódio como único programa político.

A democracia tende, pelo menos do ponto de vista simbólico, a igualizar o poder de todos. E é por isso que ela também tende para a mediania, que é a sua parte dececionante. As redes sociais vieram trazer uma coisa mais estranha, que alguns autores já tinham assinalado, há dois séculos, como um perigo democrático: o desprezo por tudo o que se distinga. Uma das coisas mais comuns no discurso político, à esquerda e à direita, é a ideia de que queremos “pessoas como nós” a representar-nos. Não aqueles que consideramos os melhores de nós. Na realidade, a tendência tem sido a de querer aqueles que representam o pior de nós. E que assim nos reconfortam.

Os heróis são os santos laicos. Precisamos deles como exemplo que nos permite a busca de um ideal. São uma espécie de utopia viva que nos dá um horizonte para onde caminhar. Não quero uma política feita de santos, quero uma política feita de pessoas. Mas no meio daqueles que nos representam tem de haver alguns exemplos que nos mobilizem. A diferença entre Mujica e Bolsonaro não é apenas política, apesar dela ser bastante relevante. As suas funções junto do povo são as opostas. Um é seguido pelo povo por ser aquilo que todos sentimos que devíamos ser. Eleva-nos. O outro é seguido pelo povo por ser aquilo que nós sabemos que não devíamos ser mas somos. Rebaixa-nos, porque nos autoriza a não querer ser melhores. Um teve uma vida extraordinária, outro teve uma vida ordinária, nos dois sentidos que a palavra tem. Um retirou do seu sofrimento (na luta armada e nos terríveis anos de prisão e tortura) alegria; outro retirou do seu privilégio (nas forças armadas onde foi um militar sem brilho, no Congresso onde foi deputado sem obra) ódio. Eles não são apenas dois olhares políticos, eles são, mesmo detestando maniqueísmos, o que mais se aproxima do bem e do mal. Mesmo com as contradições que cada um tenha, porque nem o bem ou o mal são simples.»

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18.1.19

Ary dos Santos morreu num 18 de Janeiro



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Marcelo no nosso labirinto




Baralhada me confesso: o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa vai a este evento religioso como jovem católico ou como presidente de Portugal?
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Em tempos de Gerigonça, também se formam Zingarelhos




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Robôs e outras coisas que vale a pena discutir



«Absorvido pelas agendas particulares que determinam a discussão pública, o país passa muitas vezes ao lado dos verdadeiros desafios do futuro próximo. Como o que um estudo da CIP põe em questão, ao alertar para a destruição de 1,1 milhões de postos de trabalho no curto prazo de uma década por força das mudanças em curso com a digitalização e robotização da economia.

Não é ficção científica, e mesmo que os mais cépticos tendam a encontrar alguma dose de exagero, os desafios com que a actual geração que trabalha ou a que se prepara para entrar no mercado laboral se confronta ameaça mudar radicalmente o mundo que conhecemos. Discutir as consequências dessa mudança nos empregos, na política, na geografia das cidades ou nas rotinas do quotidiano é uma obrigação.

PUB O impacte da robotização vai causar mudanças em todos os países desenvolvidos e se as perspectivas do estudo dirigido pela consultora McKinsey apontam para a destruição de mais de 20% dos postos de trabalho existentes, é porque Portugal continua sustentado num modelo de desenvolvimento que tolera vastas zonas de arcaísmo em que predominam os salários baixos. Muitos dos seus trabalhadores (uns 700 mil) poderão dispor de alternativas. Outros talvez não – porque o que se augura só em parte poderá ser uma destruição criativa. Muitas empresas e ofícios deixarão de fazer sentido.

É verdade que Portugal está mais bem preparado do que nunca para a quarta revolução industrial, como avisou o primeiro-ministro. Talvez – porque as exigências dessa revolução implicam uma noção de velocidade e de ruptura que tornam a era do vapor um idílico pôr-do-sol.

Mantendo as marcas da sociedade dual que o sociólogo Adérito Sedas Nunes detectou nos anos de 1960, com segmentos de produção científica e de organização empresarial do primeiro mundo com vastas camadas de população sem o ensino secundário a trabalhar em empresas ineficientes, Portugal vai sofrer um choque que ditará o seu próximo ciclo de desenvolvimento.

Entretidos com a próxima greve, o conflito politiqueiro ou com as indignações do dia das redes sociais, os portugueses estão a passar ao lado destas ameaças (e das suas oportunidades). Era bom que, para lá das medidas anunciadas pelo Governo, houvesse novas acções de formação, novos currículos escolares, mais estímulos à reconversão empresarial ou mais aposta na ciência.

Para lá chegarmos, porém, teremos de acreditar que no próximo ciclo político haverá oportunidade para discutir o país e não apenas a agenda da constelação de estrelas e de cometas que gravita em torno do Estado.»

Manuel Carvalho
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17.1.19

Para festejar os 90, um Popeye politicamente correcto



«A nova série Popeye’s Island Adventures, disponível no YouTube, contará com 25 curtas animados para celebrar os 90 anos que o personagem completa em 2019. Os episódios apresentam um marinheiro de traços mais amigáveis, um apito no lugar do cachimbo e espinafre orgânico na dieta. Para quem não lembra, Popeye abria um enlatado com a hortaliça — agora, ele tem sua própria horta no navio.


E pachorra para aturar isto?
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Françoise Hardy, 75



Françoise Hardy nasceu em 17 de Janeiro de 1944. Em 2015, em luta contra um cancro, anunciou que tinha posto fim à carreira. Mas venceu o dito cancro e lançou, em 2018, o seu 28º álbum: «Personne d’autre».

Seja como for, quando desaparecer, nós, «les garçons et les filles de son âge», ficaremos para sempre a dever-lhe memórias de ternura e de inocência. Voltar a ouvi-la, nos seus primeiros tempos, devolve-nos uma ingenuidade que parece hoje irreal, quase impossível que alguma vez tenha existido.

Do álbum de 2018:




Do álbum de 2012:




E, inevitavelmente, o início de tudo (1962), a canção ícone que ficou para sempre, com letra e música de sua autoria:


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A China, enquanto a Europa dorme




O corredor aéreo de Chongqing. 430 metros de largura a 300 metros de altura. (Ler mais informação aqui.)

Em 2004, quando lá estive, Chongqing, era uma cidade caótica, feiíssima, com uma poluição devastadora, nas margens do rio Yangtse. Era então «uma aldeia» com 9 milhões de habitantes e leio que tem crescido mais de 600.000 por ano. Safavam-se os pandas do Jardim Zoológico e os palácios do tempo de Chiang Kai-shek quando esta cidade foi capital da China. Hoje é assim…



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Battisti, Marielle e "Bolsogate"



«De repente, os passageiros de um naviozinho que atravessava tranquilamente parte do rio Amazonas são surpreendidos por um cenário cinematográfico: a polícia abalroa a embarcação em plena caça ao homem, como num filme de ação americano, daqueles de sessão da tarde.

Além dos passageiros do barco amazonense, também funcionários de embaixadas estrangeiras em Brasília tiveram os seus pacatos e burocráticos dias desassossegados pela entrada abrupta de agentes excitadíssimos, na mesma caça ao homem, de arma em punho.

A família de um amigo do ex-presidente Lula da Silva parou tudo o que estava a fazer quando polícias, possuídos por um furor bélico, lhe invadiram a casa ainda na tal caça ao homem.

Foram cerca de 30 diligências deste tipo - à Inspetor Clouseau, portanto - em menos de um mês para tentar encontrar Cesare Battisti, um ex-terrorista de extrema-esquerda italiano, sessentão, que se exilou no Brasil por anos e era considerado foragido desde pouco antes do Natal.

Não estava no barco do Amazonas, em nenhuma embaixada estrangeira ou sequer escondido em casa de um amigo de Lula, como a polícia do Brasil supôs. Foi apanhado enquanto caminhava numa via de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, pela Interpol, por uma polícia especial italiana e por agentes bolivianos na peugada de Battisti naquela localidade há quase um mês, andavam as autoridades brasileiras à toa, de pista falsa em pista falsa.

O governo Bolsonaro, infestado de militares, ainda tentou sair bem na fotografia: após reunião com o presidente himself, o ministro da Justiça Sergio Moro e o ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, o titular do Gabinete de Segurança Institucional general Augusto Heleno anunciou que de Santa Cruz, Battisti apanharia um voo para território brasileiro, enviando ao local uma aeronave paga pelos contribuintes para esse efeito.

Os italianos não quiseram saber e trasladaram o terrorista diretamente da Bolívia para Roma, passando por cima - literalmente - do Brasil.

O voo para Fiumicino decorreu a 14 de janeiro, dia em que passaram dez meses sobre o assassínio de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, cidade que passou o ano todo sob intervenção militar especial.

De então para cá, só se sabe que nada se sabe. Só não se sabe se não se sabe porque não se quer saber ou porque não se consegue mesmo saber porque má-fé e incompetência confundem-se entre si e confundem-nos a todos.

No início de dezembro, entretanto, estourou o "Bolsogate", um escândalo em que, desconfiam as autoridades, um assessor do ex-deputado estadual do Rio Flávio Bolsonaro, primogénito de Jair, recolhia o dinheiro dos outros assessores todos, na sua maioria fantasmas, e os repassava ao deputado, prática velha e ilegal chamada localmente de "mensalinho". Até Michelle Bolsonaro, a primeira-dama, aparece como destinatária dessas transferências.

Solicitado a prestar esclarecimentos, o assessor em causa já se furtou duas vezes, alegando razões de saúde. Os seus familiares também escaparam. E Flávio, que tem a prerrogativa parlamentar de escolher hora e data para falar, ainda não se dispôs a enfrentar a justiça, lembrando a velha rábula do pai a fugir dos debates televisivos eleitorais.

Os dribles policiais de Bolsonaro e amigos, assim como os de Battisti e os dos assassinos de Marielle, são casos, entre outros, que servem para adensar a insegurança dos brasileiros em quem lhes deve garantir segurança.

Não é justo responsabilizar apenas o atual presidente, empossado no início do ano, por estes fracassos - mas é obrigatório exigir resultados durante o seu mandato.

Afinal, a segurança é a sua (única) área de expertise, o seu governo parece uma messe de oficiais na reserva e ainda cabe lá Moro, o implacável super-herói na luta contra o crime.

E afinal foi Bolsonaro quem deu em campanha eleitoral a solução genial para a guerra de traficantes na favela da Rocinha: distribuir, através de um helicóptero, milhares de panfletos no local a dar seis horas para os criminosos se entregarem. Caso eles não o fizessem, abrir fogo sobre a maior favela do país.»

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16.1.19

Querem saber se ganha Rio ou Montenegro


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“Salazar injetava-se com frequência” com um opiáceo “primo” da heroína



Se ainda não leu este livro, pode ouvir este podcast para abrir o apetite.



(Daqui)
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Marcelo telefona, Cristas cozinha




Já deve haver inscrições de muitos outros políticos, agora que as eleições se aproximam. E como a SIC acabou com a «Quadratura do Círculo», talvez convença os seus membros a discutirem com a Cristina os amanhãs que não cantarão.

Hoje, marido uma filha e o cão de Cristas também estiveram no programa. E falando de Marcelo, ela confessou: «Já me ligou em momentos improváveis». Ui!... Em quais, em quais?

P.S. - Lido algures no Facebook: «Havia a esquerda caviar, agora há a direita arroz-de-atum»
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Dica (843)



Rosa Luxemburgo: mujer, marxista, pacifista (Joaquín Oaquín Estefanía) 

«Antimilitarista, defensora de la democracia en el seno de la revolución, está considerada como la dirigente marxista más importante de la historia. Se cumple un siglo de su asesinato, pero su vasta producción teórica sigue viva.»
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O PS suspira por Montenegro



«É intriga, é autofagia, será o que se quiser, mas é também rotina no PSD. Ora, se o enredo se repete ao longo dos tempos, conceda-se que a importância é escassa, pouco vale como telenovela, trama previsível, afinal só se contavam os dias para saber quando Montenegro “avançaria”, e pouco vale como drama, afinal tudo se encaminha para o resultado que se sabe. Tudo isto é sempre uma encenação sem adereços e sem narrativa, com uma “vaga de fundo” que são duas deputadas a ajustar contas, outros aliados a calcularem as forças para não se queimarem demasiado e só sobra Maria Luís Albuquerque, a anunciar, afoita, que sai do seu mutismo para arrasar Rio mas a ficar-se por um modesto “preferia diretas” e assunto arrumado. É tudo poucochinho, como agora se diz nestes casos de labirintos partidários. Também a coisa não merece mais: Montenegro colecionou trivialidades e apresentou-as como programa político, algum jornalista enfunou o drama pedindo respostas “já hoje” de Rio, até houve o frisson de saber o que teriam conversado Rio e Marcelo, que puseram de imediato a constar que terá sido só descentralização e um vago assunto internacional, tudo uma maçada, e o dia acabou pacato, sem efusões exageradas nem chuvas de telegramas. Qual era a pressa?

Resta o poder silencioso do primeiro-ministro. O que quer Costa de todo este espetáculo? Pois quer a vitória de Montenegro, já, implacável, suculenta. Por duas razões, cada uma mais importante do que a outra. A primeira é que um PSD mais histriónico é o único que pode voltar a colocar nos carris a ideia da maioria absoluta. A recuperar votos, o PSD não vai longe, mesmo que os passistas se entusiasmassem a deitar abaixo Rio (e ainda seria preciso que conseguissem o golpe palaciano). Há muito que o PSD está em baixo. Nas últimas eleições, em que PSD e CDS somaram os votos, por pior que estivesse o CDS o PSD não passaria de 28%, a marca que já tem desde Santana Lopes, com a exceção do momento de fulgor contra o demitido Sócrates (quando chegou a 38% e, logo depois, perdeu quase um milhão de votos). Nas autárquicas, Passos Coelho (e Montenegro, então seu ajudante) conduziu o partido a uma das suas piores derrotas, incluindo uma humilhação em Lisboa com 11%. Em resumo, os salvadores de hoje já gastaram a sua oportunidade para criar a primeira boa impressão e afundaram o partido. Por isso, o que um Montenegro mais declarativo e passadista pode fazer é simplesmente ajudar Costa a fingir uma bipolarização, de que este precisa como de pão para a boca para se dirigir ao eleitorado de esquerda e pedir a sua condescendência. Perdendo pouco à direita e tendo o patronato a pedir uma maioria absoluta do PS, um apelo ao voto de esquerda contra o “regresso da direita” seria um truque maravilhoso. Montenegro quer oferecer a Costa esse subterfúgio e o PS já o percebeu e reza por ele.

A segunda razão é que a substituição de líder do PSD nas vésperas das eleições, se Montenegro ganhasse, evidenciaria um sentimento de desespero que vulnerabiliza antes de mais o salvador, que depois vai perder todas as eleições nacionais (até a da Madeira pode perder). Então o PSD deitou o homem abaixo, ofereceu o maior que tinha e foi arrasado logo à primeira e à segunda? E vai Montenegro embora, vem outro. Para um Governo que, se voltar a enveredar pelo caminho tradicional do PS, será mais frágil em período mais difícil, este alívio dado por um ano de descalabro do PSD e, depois, pela sua derrota e mais algum tempo de confusão, é o mais saboroso dos presentes. Se o primeiro-ministro pensa a prazo, e pensa mesmo, este cenário Montenegro é a melhor oferta que lhe podiam fazer em 2019.»

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15.1.19

O Brasil a ultrapassar as expectativas




«A Igreja Evangélica perdeu espaço na História. Nós perdemos o espaço na ciência quando nós deixamos a teoria da evolução entrar nas escolas. Quando nós não questionamos. Quando nós não fomos ocupar a ciência. A Igreja Evangélica deixou a ciência para lá. "Ah, vamos deixar a ciência caminhar sozinha". E aí cientistas tomaram conta dessa área. E nós nos afastamos» – diz ela.
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Luther King faria hoje 90



Não vos posso prometer que não vos batam,
Não vos posso prometer que não vos assaltem a casa,
Não vos posso prometer que não vos magoem um pouco.
Apesar disso, temos que continuar a lutar pelo que é justo.
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Quando o PPD se dizia «de esquerda»



I Congresso do PPD, Novembro de 1974. Quando algum PSD não se cala com o regresso às origens, não perder esta pérola. 

(Via Renato Soeiro no Facebook)
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As 50 sombras de um Portugal atrasado



«O PÚBLICO deu conta da notícia do Expresso sobre a retirada de alguns versos do poema Ode Triunfal, de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, de um livro escolar da Porto Editora. Estão em causa versos com notório conteúdo sexual.

O que me importa na notícia, para além de lamentar a mutilação de qualquer peça literária, em qualquer circunstância, é ainda a pequenez de espírito de algumas mentes que, por dever de ofício, deveriam revelar uma muito maior largueza de vistas.

Trata-se, contudo, de um mero sintoma de uma questão bem mais profunda e que permanece em Portugal à entrada da década de 20 do séc. XXI: o modo como se encara o sexo. E isto temporalmente próximo de uma reportagem em que se dava nota de “terapias de conversão” de homossexuais, alegadamente levadas a cabo por uma psicóloga que insistia em se afirmar católica e com o beneplácito de alguns sacerdotes. Que Freud e outros autores da sua escola de pensamento neguem a homossexualidade qua tale, é um facto científico já desmontado por quem estuda a área.

Somos, na verdade, uma nação que ainda não percebeu que a sexualidade humana é uma mera componente da nossa personalidade e que, sendo por certo de grande relevo, não nos define na totalidade, nem dita o que mais interessa na relação que estabelecemos uns com os outros. Significa isto que, numa sociedade em que o sexo se acha tão sobrevalorizado, dizer-se hetero, gay, bi, lésbica, intersexo, trans, ou qualquer outra coisa, é apenas e tão-só a assumpção, para o/a próprio/a de um rótulo que o/a ajuda a sentir-se enquadrado/a.

E o ser humano necessita, para se sentir mais seguro, de etiquetas. Sou do FCP, sou bancário, sou de esquerda, gosto de francesinhas, aprecio cinema de Hollywood. Uma espécie de cartão de cidadão que nos identifica quase sempre mais perante os outros que perante nós. E isto porque nós somos isso tudo e o seu contrário, dependendo dos dias, dos minutos e dos segundos.

Não se define o humano, por natureza indefinível, e o convite que os tempos actuais nos lançam é o de não insistirmos em definir as pessoas pelo seu sexo, orientação política, ideológica, pertença a um clube. Somos bem mais que isso. Qualquer caracterização serve apenas e tão-só para saciarmos a vontade humana de defesa do outro: ele/ela está já etiquetado/a e, por isso, dentro das minhas categoriais cognitivo-comportamentais, já sei como lidar com ele/ela.

Simplesmente, a auto e heteroetiquetagem podem provocar dores internas imensas. E dissabores profissionais. Pessoalmente, quando falo com alguém, por instinto, parto do princípio que essa pessoa é, no mínimo, dotada da mesma massa cinzenta que eu. É uma característica que me tem sido de grande utilidade, tantas são as vezes que vejo um engravatado fazer figuras tristes ante um suposto esfarrapado de cabelo desgrenhado e que lhe dá dez a zero em inteligência, argumentação e cultura.

Em Portugal, o hábito ainda faz, em grande medida, o monge. E se o hábito não corresponde à etiqueta, então não será grande coisa. Entre um advogado enfatado e um outro de jeans e t-shirt, p. ex., sem que se saiba nada sobre qualquer deles, é humano a maioria decidir-se pelo da gravata. Que pode bem ser o menos competente. Avaliamos ainda muito o conteúdo pelo recipiente, esquecendo que os melhores conteúdos se estão a marimbar para a suposta beleza onde se acham contidas.

A luta fratricida no PSD é mais um exemplo disto. Agora sabemos melhor quem são “eles” e “nós” e é caricato o coro de virgens ofendidas com a luta pelo poder de Montenegro e sua entourage. O que é um partido político senão uma forma mais ou menos organizada de chegar e conservar o poder, num sistema político que, imperfeito, é melhor que todos os demais juntos? Se é bonito, eticamente falando? Talvez não, mas também não é mais bonito ser frontal que andar diariamente a fustigar Rio pelas costas? E aí virá uma clarificação, pelo que voltamos à necessidade do preto e branco, do maniqueísmo que nos tem seguros (não é nenhuma piada ao lugar paralelo que se quer estabelecer entre a luta de galos Seguro/Costa). Tudo normal. Só fumaça. Apenas é notícia porque urge preencher o espaço.

Com o que se volta à absoluta necessidade que tantos têm de pensar por nós. “Estes versos podem chocar e é melhor tirar para não causar embaraços aos professores”. Mentes pequeninas. Nada deve ser truncado. E a reflexão que esses precisos versos provocaria em espaço de aula? E os professores não necessitam de ser provocados, certamente detendo estratégias que lhes permitissem explicar o agora truncado na economia do poema e da lírica pessoana? Mas não. Há gente que gosta de pensar por nós. E vai daí – mesmo que sem maldade –, quer-nos poupar a coisas “desagradáveis”. E o que é a vida se não um constante diálogo com sentimentos de dor e prazer, como diriam Bentham e companhia?»

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14.1.19

PSD: época de saldos


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Vão «parar Portugal»?



Movimento «Vamos parar Portugal»
Porto 13.01.2019

Via Ephemera no Facebook
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«As Voltas do Passado: a guerra colonial e as lutas de libertação» (3)




Terceira parte da conversa de Fernando Rosas com Miguel Cardina e Bruno Sena Martins, co-organizadores do livro «As Voltas do Passado: a guerra colonial e as lutas de libertação» no Socialismo 2018.

(Daqui)
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“Coletes amarelos” e nouveau regime: mais um sinal para as democracias do mundo



«Na capa da edição online do jornal francês Le Monde está escrito: “Ato IX: 84.000 ‘coletes amarelos’ em toda a França, maior mobilização”. A reportagem continua dizendo que “O ato IX da mobilização de ‘coletes amarelos’ continuou no sábado, 12 de janeiro, dois meses depois do primeiro dia de ação, em 17 de novembro, e três dias antes do lançamento do ‘grande debate nacional’ desejado por Emmanuel Macron. No início da noite, o Ministério do Interior contava 84.000 manifestantes em toda a França (incluindo 8000 em Paris) e quase 35.000 a mais do que na semana anterior. Após uma diminuição na mobilização durante as férias, o protesto já havia se recuperado em 5 de janeiro, com 50.000 manifestantes (incluindo 3500 na capital). Para este nono sábado, várias chamadas foram lançadas por figuras do movimento: Paris, Bourges e várias outras grandes cidades. Alguns atos foram apimentados com violência no final do dia, mas nenhum grande estouro deve ser lamentado”.

Ao acompanhar a manifestação em Paris pude notar a estratégia inicial dos manifestantes divulgando mais de um lugar para a concentração a fim de confundir o serviço policial e o governo: a dúvida estava entre iniciar a caminhada do Arco do Triunfo ou da Praça da Bastilha (a distância entre os dois pontos é de aproximadamente seis km).

Fui para o Arco do Triunfo por volta das 10h da manhã e quase não havia manifestantes no local, poucos “coletes amarelos” se reuniram próximo a esquina da Avenue des Champs-Élysées. O aparato policial era poderoso, muitas viaturas e policiais bem armados já indicavam que a manifestação realmente seria de grandes dimensões.

Após conversar com alguns manifestantes e entender que, na verdade, o ponto de encontro seria na Bastilha, apanhei um desses patinetes elétricos para me deslocar mais rapidamente até ao local (os metrôs na região central estavam bloqueados devido aos protestos). A Bastilha era uma antiga prisão e ficou conhecida devido à sua tomada ter sido considerada o marco inicial da Revolução Francesa ocorrida a 14 de julho de 1789.

O chamado movimento dos “coletes amarelos” (Mouvement des gilets jaunes em francês) é um movimento de protesto que começou com manifestações na França em 17 de novembro de 2018. Suas principais reivindicações são inicialmente relacionadas contra o aumento dos combustíveis e posteriormente ampliadas contra as injustiças sociais de uma forma geral. O colete de alta visibilidade é item obrigatório em todos os carros na França, daí provém o nome do movimento.

Caminhar junto com os Gilets Jaunes durante cinco horas foi uma experiência interessante, pois foi possível notar a heterogeneidade do imenso grupo de manifestantes. As diferenças eram de natureza etária: jovens, crianças e idosos compunham o grupo. A diversidade ideológica também emergia das mensagens escritas nos coletes: uns contra o capitalismo, outros contra políticas ecológicas. Mas um tema parecia ser unanimidade nos gritos de guerra dos manifestantes e nas inscrições que carregavam nos coletes: a renúncia do Presidente francês Emmanuel Macron.

O alvo dos protestos é o establishment na sua face política, econômica e fiscal. Democracias tradicionais entram em colapso? É com essa pergunta que se inicia o livro de Steven Levinsk chamado Como as Democracias Morrem?, lançado logo após a posse do Presidente Donald Trump.

Os autores tratam da insatisfação com o estado atual de coisas que tem levado a escalada de movimentos radicais no mundo inteiro. A chamada extrema direita está ganhando cada vez mais espaço na Europa e nos EUA. No entanto, é importante notar que o movimento francês contra as medidas do governo Macron conseguiu reunir o cidadão médio (que se vê cada vez mais refém de tributos e taxas e com salários reduzidos), a extrema esquerda (anticapitalista), a extrema direita (anti-imigração).

Apesar da heterogeneidade mencionada, durante todo o percurso da Bastilha até o Arco do Triunfo houve cooperação e harmonia entre os manifestantes. Durante a passagem do imenso grupo por um cruzamento, os organizadores orientaram os demais manifestantes a fim de que abrissem passagem para uma ambulância que passava na rua perpendicular.

Na chegada ao Arco do Triunfo iniciou-se o confronto entre os manifestantes e o grupo de policiais que tentou conter a passagem do grupo utilizando bombas de efeito moral e gás lacrimogênio. A tensão tomou conta da Praça Charles de Gaulle e a dispersão de idosos e crianças foi necessária dado o nível de violência entre manifestantes e policiais.

As democracias e os direitos sociais estão sofrendo um processo de desgaste ao redor do mundo: escândalos de corrupção, mal-uso do dinheiro público, injustiças sociais e deficiência na prestação dos serviços públicos como saúde, educação e segurança que reforçam desigualdades têm afetado negativamente a percepção da humanidade sobre a eficiência da democracia como regime de governo “menos pior”.

Nenhum regime político foi, é ou será perfeito. As lideranças do mundo devem ficar atentas ao recado dos “coletes amarelos”, pois estamos vivendo um tempo em que a cidadania exige mais transparência, prestação de contas e redução de privilégios para grandes bancos, multinacionais, magnatas e poderosos.

Há pouco mais de 200 anos, bem aqui na França, foi derrubado o chamado ancien régime feudal. Se as democracias não respeitarem tais reivindicações e se adequarem aos novos tempos, podemos estar presenciando o início de uma nova era. Uma era ainda desconhecida.»

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13.1.19

O «Público» esgotou hoje?



Dizem-me que sim, em muitos locais onde habitualmente se acumula. Adivinhem porquê. Nobre povo, aos pés de Cristina.
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O Estado Novo era de direita?



Não ponho aqui o link, mas o texto é todo ele fantasmagórico.
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«As Voltas do Passado: a guerra colonial e as lutas de libertação» (2)




Segunda parte da conversa de Fernando Rosas com Miguel Cardina e Bruno Sena Martins, co-organizadores do livro "As Voltas do Passado: a guerra colonial e as lutas de libertação" no Socialismo 2018.

(Daqui)
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A guerra de audiências é tão feia



«Percebe-se bem a zanga que lavra nesta guerra pelas audiências: nas vésperas da estreia do programa da Cristina Ferreira, Goucha convidou um nazi, a coisa parecia ter corrido bem, falou-se do caso, mas acabou por dar bernarda, perdeu logo a liderança das audiências, e daí encontrou um santo remédio, anunciou um fascista para a semana seguinte, Alexandre Frota. É uma galeria de horrores? Que nada, é uma feroz guerra pela audiência e pela publicidade, é dinheirinho. E, se o Presidente telefona à Cristina, a resposta é convocar a coleção dos energúmenos que parece que Goucha quer adotar. Se uma chora de comoção pela honraria, o outro promete o ator porno que se vangloria de uma violação, agora justificada como uma comédia stand up, entre muitas outras aleivosias (e depois o homem não vem no dia aprazado, malcriado). O sujo é mesmo sujo.

O convite de Goucha a Mário Machado foi interpretado como um gesto político e o convite a Frota logo de seguida só reforçou essa ideia. Mas continua a ser errada uma grelha de leitura política ou a teoria sobre a invasão fascista na comunicação social (já nem me refiro à pretensão de que um programa com um delinquente é uma restituição do pluralismo que falta). O único motivo de Goucha é a guerra das audiências, o que não desvaloriza o convite a um delinquente condenado a uma soma de 19 anos de prisão, e nazi declarado, ou vontade de promover o porradismo de Bolsonaro. Aliás, Goucha tentou apresentar Machado como um homem de “ideias” e o convite como uma forma de democracia, ou até de higiene preventiva, mas recuou logo e suspendeu a rubrica. Insistiu depois convidando Frota porque os números foram constrangedores: estava a valer metade do programa concorrente. A bolsa das audiências é que ativa o disparatómetro em que se tornou esta novela. Pode-se por isso temer que o programa passe a incluir, depois das receitas de cozinha, uma secção para ouvir os simpáticos milicianos que depois da emissão tiram a maquilhagem, dizem boa-noite e vão organizar a caça aos negros ou aos homossexuais, ou espancar mulheres pelas ruas fora. Se der audiências, pode estar certo que vai ser proposto.

De tudo, o que verdadeiramente me incomoda é que esta questiúncula, provocada por uma escolha publicitária que mostra como, na luta por umas receitas de bilheteira, um programador até pode utilizar a promoção da indiferença perante as violências racista e fascista e outras barbaridades, oculta o que é verdadeiramente perigoso. É mesmo essa guerra sem freio pelas audiências. Esse é o vale tudo. E esse vale tudo até já está entre nós em modo ambicioso, num canal perto de si, e tem estaminé no sofisticado populismo de gravata, que carimba as opiniões, que exibe a pretensão de falar com o povo, se não mesmo em nome do povo. Essa é a televisão de grande audiência que pode vir a ajudar um futuro partido de extrema-direita ou simplesmente a transformação de alguns dos partidos atuais. Deixemos o Machado na cela que escolheu, há por aí gente mais perigosa e que parece mansa, mas que, como diria o Aleixo, não sendo o que parece, parece o que não é.»

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