«É intriga, é autofagia, será o que se quiser, mas é também rotina no PSD. Ora, se o enredo se repete ao longo dos tempos, conceda-se que a importância é escassa, pouco vale como telenovela, trama previsível, afinal só se contavam os dias para saber quando Montenegro “avançaria”, e pouco vale como drama, afinal tudo se encaminha para o resultado que se sabe. Tudo isto é sempre uma encenação sem adereços e sem narrativa, com uma “vaga de fundo” que são duas deputadas a ajustar contas, outros aliados a calcularem as forças para não se queimarem demasiado e só sobra Maria Luís Albuquerque, a anunciar, afoita, que sai do seu mutismo para arrasar Rio mas a ficar-se por um modesto “preferia diretas” e assunto arrumado. É tudo poucochinho, como agora se diz nestes casos de labirintos partidários. Também a coisa não merece mais: Montenegro colecionou trivialidades e apresentou-as como programa político, algum jornalista enfunou o drama pedindo respostas “já hoje” de Rio, até houve o frisson de saber o que teriam conversado Rio e Marcelo, que puseram de imediato a constar que terá sido só descentralização e um vago assunto internacional, tudo uma maçada, e o dia acabou pacato, sem efusões exageradas nem chuvas de telegramas. Qual era a pressa?
Resta o poder silencioso do primeiro-ministro. O que quer Costa de todo este espetáculo? Pois quer a vitória de Montenegro, já, implacável, suculenta. Por duas razões, cada uma mais importante do que a outra. A primeira é que um PSD mais histriónico é o único que pode voltar a colocar nos carris a ideia da maioria absoluta. A recuperar votos, o PSD não vai longe, mesmo que os passistas se entusiasmassem a deitar abaixo Rio (e ainda seria preciso que conseguissem o golpe palaciano). Há muito que o PSD está em baixo. Nas últimas eleições, em que PSD e CDS somaram os votos, por pior que estivesse o CDS o PSD não passaria de 28%, a marca que já tem desde Santana Lopes, com a exceção do momento de fulgor contra o demitido Sócrates (quando chegou a 38% e, logo depois, perdeu quase um milhão de votos). Nas autárquicas, Passos Coelho (e Montenegro, então seu ajudante) conduziu o partido a uma das suas piores derrotas, incluindo uma humilhação em Lisboa com 11%. Em resumo, os salvadores de hoje já gastaram a sua oportunidade para criar a primeira boa impressão e afundaram o partido. Por isso, o que um Montenegro mais declarativo e passadista pode fazer é simplesmente ajudar Costa a fingir uma bipolarização, de que este precisa como de pão para a boca para se dirigir ao eleitorado de esquerda e pedir a sua condescendência. Perdendo pouco à direita e tendo o patronato a pedir uma maioria absoluta do PS, um apelo ao voto de esquerda contra o “regresso da direita” seria um truque maravilhoso. Montenegro quer oferecer a Costa esse subterfúgio e o PS já o percebeu e reza por ele.
A segunda razão é que a substituição de líder do PSD nas vésperas das eleições, se Montenegro ganhasse, evidenciaria um sentimento de desespero que vulnerabiliza antes de mais o salvador, que depois vai perder todas as eleições nacionais (até a da Madeira pode perder). Então o PSD deitou o homem abaixo, ofereceu o maior que tinha e foi arrasado logo à primeira e à segunda? E vai Montenegro embora, vem outro. Para um Governo que, se voltar a enveredar pelo caminho tradicional do PS, será mais frágil em período mais difícil, este alívio dado por um ano de descalabro do PSD e, depois, pela sua derrota e mais algum tempo de confusão, é o mais saboroso dos presentes. Se o primeiro-ministro pensa a prazo, e pensa mesmo, este cenário Montenegro é a melhor oferta que lhe podiam fazer em 2019.»
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