24.8.24

Sem este motivo...

 


... a Terra seria plana?

24.08.1916 – Léo Ferré

 


Léo Ferré nasceu no Mónaco, o pai trabalhava no Casino, a mãe era costureira e Léo, com 7 anos, já cantava no coro da catedral.

Deixou-nos preciosidades que resistem a todas as décadas, com letras suas ou de Aragon, Rimbaud e mais uns tantos. Três entre muitas outras:






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Wifi?

 


Enterrar o mito do colonialismo suave

 


«O PÚBLICO resolveu contrariar o espírito da silly season com duas grandes reportagens sobre o racismo em Angola e Moçambique durante a época colonial.

Sem esgotar o tema, tarefa impossível, estas reportagens dão pistas para reflexão impossíveis de ignorar. Evitando o militantismo e o sensacionalismo, o que ali é testemunhado abala irremediavelmente a estabilidade do mito do “colonialismo suave” português.

O mito do colonialismo suave português, infundido eficazmente desde inícios do século XX, perdura até hoje na nossa sociedade, como uma anestesia colectiva que nos permite um confortável alheamento face a uma sucessão de factos incómodos da nossa história, uma história feita da narrativa de glórias mais ou menos verosímeis para nos redimir da mediocridade do presente. Há verdades na construção deste mito, mas são sempre meias-verdades.

O colonialismo português foi diferente do holandês, do inglês, do francês, do alemão ou do italiano, mas estes também foram diferentes entre si, e diferente de um mau não quer dizer bom. Portugal promoveu heróis populares negros, como o Duo Ouro Negro, o Eduardo Nascimento ou o galáctico Eusébio, o que é verdade e foi simbolicamente importante à época, mas não permite que se confunda a aceitação individual com o racismo abstrato, tendo estas promoções seletivas sido um importante instrumento de política externa do Estado Novo. No mundo existiam brancos e pretos, e os portugueses criaram os mulatos, o que é mais ou menos verdade, não faltando as mais exaltadas odes à mestiçagem e a este suposto espírito universalista português, esquecendo que de facto a crua realidade é que muita da mestiçagem é fruto da violação e da subjugação da mulher indígena, havendo um anátema terrível sobre os mestiços filhos de pai preto e mãe branca. Estes são apenas alguns dos tópicos distorcidos, geralmente acompanhados do relato de um ou outro preto numa esplanada de Lourenço Marques ou num cinema de Luanda.

Acredito em muitos relatos bem-intencionados de gente que viveu nas maiores cidades do Ultramar e que recorda uma evolução e maior e mais humana partilha do espaço com os nativos. Acredito que as populações urbanas mais jovens e mais cultas começassem a trilhar um caminho de redução da discriminação. Acredito que, no contacto com o caso particular, a relação humana entre diferentes fosse criando os laços afectivos naturais, que levam a maior consideração do outro e respeito. Acredito, enfim, que tenha havido um grande número de patrões brancos amicíssimos dos seus criados pretos, mas não conheço um caso de patrões pretos com criados brancos. Tudo isto é muito pouco face a tudo o que não deixamos que perturbe o mito de sermos bons colonizadores. Não há bons colonizadores.

Esta catarse colectiva importa, porque a verdade importa e só a verdade faz justiça. Sim, qualquer potência colonial é devedora de desculpas históricas aos povos que colonizou. Sem teatralidade, sem esquecer o contexto histórico, que não desculpa, mas explica muita coisa, essencialmente, sem dividir mais. Estes momentos só servem se forem momentos de crescimento, de reflexão crítica, mas criativa e criadora. Em suma, se conseguirem fortalecer mais os laços entre os povos em causa e não fomentar a divisão. A este propósito, tivemos recentemente declarações de enorme sabedoria do Presidente de Angola, João Lourenço, em profundo contraste com as do Presidente português, num momento pouco edificante de adesão à agenda divisionista e revanchista de uma corrente agitadora e minoritária.

Regresso onde comecei, estas reportagens do PÚBLICO não nos dizem nada que nós intimamente não saibamos, mas têm o profundo mérito de nos confrontar com discursos ordenados e na primeira pessoa, com uma narrativa bem estruturada e coerente. Não há como escapar. Não, não foi um colonialismo suave. Não, não foi bom, a não ser para a potência colonial. Não, não devemos continuar a perpetuar uma mentira que nos impede de crescer enquanto povo.»


23.8.24

Árvores grandes, grandes árvores (1-8)

 


FIM.

Infelizmente, infelizmente

 


23.08.1927 – Sacco & Vanzetti

 


Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti foram acusados do homicídio de duas pessoas, nos Estados Unidos, e acabaram por ser condenados à pena de morte e electrocutados em 23 de Agosto de 1927, apesar de, cerca de dois anos antes, uma outra pessoa ter confessado ser autora dos crimes.

Na sessão do tribunal em que a sentença da condenação foi lida, Vanzetti incluiu o seguinte nas suas longas declarações finais:

«I would not wish to a dog or to a snake, to the most low and misfortunate creature of the earth. I would not wish to any of them what I have had to suffer for things that I am not guilty of. But my conviction is that I have suffered for things that I am guilty of. I am suffering because I am a radical and indeed I am a radical; I have suffered because I am an Italian and indeed I am an Italian...if you could execute me two times, and if I could be reborn two other times, I would live again to do what I have done already.»

Nunca pararam as reacções e os protestos contra um caso que, com toda a sua trama, passou a funcionar como um símbolo de desrespeito flagrante pelos princípios da justiça na América.

Deu origem a um filme, inspirou escritores, pintores, músicos como Woody Guthrie. Joan Baez viria a consagrar uma das canções mais divulgadas, até Dulce Pontes interpretou «The Ballad of Sacco e Vanzetti», etc., etc.







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Os 50 são os novos 50

 


«Primeiro, o adversário de Trump era um homem branco velho. Agora, é uma mulher negra jovem. De repente, ele vai enfrentar, num certo sentido, o exacto oposto do que pensava que ia ter pela frente. As características pessoais dos outros, em princípio, não me interessam. Tenho aquela ideia antiga segundo a qual o género, a cor da pele, a orientação sexual e a idade, sendo particularidades que a gente não escolhe nem controla, não nos definem. Mas, para Trump, são a única coisa que interessa. É com base nelas que ele formula julgamentos. Por isso, tem um problema para resolver. Ele é agora o idoso. Terá 78 anos no dia da eleição. Se for eleito, no fim do mandato terá a idade que Biden tem hoje. Tudo o que foi dizendo sobre Biden aplica-se agora a si mesmo.

Sei que talvez tenha exagerado quando disse que Kamala Harris é “jovem”. Vai fazer 60 anos em Outubro. No meu tempo, isso não era um jovem. No contexto da política americana, porém, é uma rapariga na flor da idade. Eu, que tenho menos 10 anos do que Kamala Harris, não me definiria como um jovem. Tenho 50 anos e recuso aquelas ideias populares segundo as quais “os 50 são os novos 30”. Não são, não. Nem eu quero que sejam. Não quero voltar a ter as preocupações que tinha aos 30. Aos 50, a gente deixa de ligar ao que os outros pensam de nós, e eu não quero voltar a comportar-me de outra maneira. Faço coisas em público que são muito compensadoras para mim e muito embaraçosas para as minhas filhas. É óptimo. E levo a mal que queiram fingir que sou mais novo do que sou. O idadismo pode ser feio, mas a idadofilia é condescendente e ofensiva. Há uma série de filmes chamada “The Equalizer”. O protagonista, interpretado por Denzel Washington, é um antigo agente da CIA que aproveita a reforma para defender pessoas que são vítimas de várias máfias. No decurso das suas aventuras, Denzel derrota dezenas de mafiosos armados usando apenas as mãos. Notem: ele está desarmado. Contra mafiosos que têm várias armas cada um. Ele pressiona um botão do seu relógio e murmura: “17 segundos.” E depois manieta seis ou sete bandidos exactamente nesse espaço de tempo. Não sei se já disse, mas os mafiosos têm armas automáticas e Denzel está desarmado. Ora, Denzel Washington vai fazer 70 anos em Dezembro. Não esperem que nós, os velhos, sejamos capazes de proezas destas. Contem connosco para dizer coisas erradas em momentos delicados — e mais nada. Tirem estes filmes da categoria de “Acção”, onde estão catalogados, quando deviam estar em “Ficção Científica”.»


22.8.24

Árvores grandes, grandes árvores (8)

 


Banhos Reais de Fasiledes, Gondar, Etiópia, 2013.

Estes Banhos Reais foram uma iniciativa do imperador Fasiledes e construídos durante o seu reinado (1632-1667) no vale do Rio Qeha.

São constituídos por uma estrutura rectangular com muros de pedra, que todos os anos se enche de água para a Epifania (Timket) em que se celebra o baptismo de Jesus no Rio Jordão. As árvores «incrustaram-se» na pedra, como é bem visível.

Três séculos é pouco tempo

 


Será-lhe?

 


Um referendo perigoso e desajustado

 


«A ideia de um referendo sobre imigração, lançada pelo partido Chega a meio de Agosto, é perigosa e desajustada.

Perigosa porque vem alimentar a narrativa de um partido populista que considera que a própria imigração por si só é um perigo e um dos problemas centrais da sociedade portuguesa, o que é um delírio.

Desajustada porque assenta numa falsa ideia, alimentada todos os dias pelo Chega, de que há uma relação directa entre imigração e criminalidade, algo que os próprios factos facilmente desmentem. O número de imigrantes quase duplicou em Portugal desde 2014 e esse crescimento não foi, nem de perto nem de longe, acompanhado por um aumento da criminalidade ou por um qualquer aumento da população de reclusos estrangeiros, tal como o PÚBLICO aqui explicou com detalhe.

Perigosa porque a figura do referendo, inscrita na Constituição com a revisão de 1997, não foi feita para ser utilizada em matérias deste tipo. Vários acórdãos do Tribunal Constitucional alertam, aliás, para a delicadeza do que está em causa. As questões a referendar devem ter sempre “objectividade e precisão”, para se evitar posteriormente “a existência de equívocos” ou “consentir leituras ambíguas”. Uma pergunta à população sobre se a imigração deveria ser controlada seria, por isso, uma aberração.

Desajustada porque a própria figura de referendo tem vindo a perder qualquer utilidade. Segundo a actual lei, um referendo só tem validade se nele participarem mais de 50% dos eleitores recenseados. É o que está expresso no artigo 240 da lei dos referendos: “Só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento.” Em nenhum dos três referendos (houve um sobre a regionalização, em 1998, e dois sobre a despenalização do aborto, em 1998 e 2007), mais de metade dos portugueses achou que a questão em causa era suficientemente importante para sair de casa, ou seja, mais de metade dos votantes não quis saber da pergunta que era feita. A participação máxima foi de 49% na consulta sobre a regionalização e a menor de 31%, sobre o aborto.

As pessoas votam nos seus representantes com base em programa eleitorais e com base em concepções da sociedade. A democracia representativa é isso mesmo.

Brandir chavões perniciosos e irresponsáveis sobre a imigração, acenando ao mesmo tempo com a possibilidade de uma consulta directa à população, é motivo de arrepios. Fazer disso moeda de troca para a aprovação do Orçamento do Estado para 2025, um insulto. À atenção de Luís Montenegro."»


Mais uma Grande Capa

 


21.8.24

Árvores grandes, grandes árvores (7)

 


Giant Java Fig Tree, Royal Botanical Gardens, Peradeniya, (perto de) Kandy, Sri Lanka, 2011.

A origem destes jardins remonta a 1371, quando o rei Wickramabahu III subiu ao trono e levou a corte para Peradeniya. Esta árvore tem mais de 100 anos e diz-se que cobre uma superfície de cerca de 2.000 metros quadrados.

Alexandre O’Neill

 


38 anos sem ele.

21.08.1968 - Numa madrugada de Praga



Na noite de 20 para 21 de Agosto de 1968, as tropas do Pacto de Varsóvia invadiram a Checoslováquia , pondo fim à chamada Primavera de Praga que durou pouco mais de sete meses.



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(Fotos de Josef Koudelka, Invasion of Prague, Thames & Hudson, 2008.)
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Fornos escaldantes

 


«A canícula está no seu auge e os últimos dados sobre o calor são avassaladores. Entre 22 de julho e 16 de agosto, onze dos 18 distritos em Portugal continental passaram por, pelo menos, um dia em alerta devido ao calor. 22 e 23 de julho foram os dois dias com a temperatura média global mais elevada registada no planeta, sendo que este ano terminará, muito provavelmente, como o mais quente em todo o Mundo. Diariamente, especialmente nas cidades, deparamo-nos com a evidência de que aumento das temperaturas é também uma crise de saúde pública. Mais de 47 mil pessoas morreram na Europa no ano passado devido ao calor, das quais 1432 eram portuguesas. A acrescentar que, em duas semanas, o país registou mais 700 mortes do que o esperado devido às altas temperaturas e ao aumento de transmissão de covid. Em Portugal, mais de metade da população reside em cidades e muitas delas não estão preparadas nem para o calor nem para o frio. Os materiais de construção das ruas e dos edifícios promovem ilhas de calor. Ao mesmo tempo, o tráfego é um dos maiores emissores de gases com efeito de estufa, os principais responsáveis pelo aquecimento global. Pelo que questionar ou boicotar diretamente as medidas para reduzir a utilização de carros nas cidades deveria ser politicamente inadmissível. Tanto o Governo como os municípios podem tomar medidas para evitar transformar as cidades em fornos escaldantes durante o verão, como aumentar as áreas verdes e o número de árvores, cuja sombra pode baixar a temperatura entre seis e oito graus. Por exemplo, Paris plantou mais de 63 mil novas árvores entre 2020 e 2023. Em contraste, as cidades portuguesas, como Porto ou Lisboa, estão a perder todos os dias árvores nas suas ruas, apesar de ambas terem programas de plantação. A nova arquitetura desenha praças sem sombra, inóspitas para os habitantes. É bom que quem tem responsabilidades nos municípios comece a lembrar-se que os construtores não podem governar o planeamento urbano.»

António José Gouveia

20.8.24

Árvores grandes, grandes árvores (6)

 

São Tomé, 2019.

Esta árvore de grande porte é uma OCÁ que pode chegar a ter 130 metros de altura e que é utilizada para fabricar embarcações de pesca – as famosas canoas.

Não perdeu pela demora

 


Ou seja: Chega «diz» que não quer aprovar o OE2025

 


Daqui.


Ninguém assume a responsabilidade pela crise na AIMA

 


«Afinal, com quem fica a responsabilidade de gerir a política pública no país no que se refere à imigração? Essa pergunta parece ter uma resposta óbvia. Há um ministério da Presidência do Conselho de Ministros a tratar do tema, a cargo de António Leitão Amaro.

Sendo esse o responsável pelo plano de ação para a imigração, pergunto-me a quem o ilustre ministro cobra quando o cenário vai de mal a pior. Se, em abril e maio, o silêncio sobre a imigração era absoluto, em junho, o guia de melhores práticas foi apresentado.

Mas será que os operadores desse guia foram avisados?

Greves anunciadas por funcionários da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para quatro meses à frente, ameaças de paralisação nos consulados, pedidos de entidades representantes de imigrantes completamente ignorados, políticas de privilégios contestadas quando se fala de atletas e ligas de futebol, crise junto às universidades em todo país, que se enriquecem com a vinda de estudantes internacionais, mas que não conseguem entrar em concordância com os prazos completamente ultrapassados dos pedidos de visto. A lista é interminável.

Do outro lado, o executivo nacional, por decisão do Conselho de Ministros, editou a resolução 86/2024, cujo objetivo principal é garantir atendimento universal e diário à população, e o faz a todos os serviços e entidades da administração pública que prestem atendimento presencial ao público e sobre os quais o Governo exerça poderes de direção, superintendência ou tutela, e, na alínea “A”, define a forma como deve ser: “Assegurar um horário de atendimento ao público presencial, sem necessidade de marcação prévia, com frequência diária, em função da natureza do serviço.”

Alguém tem dúvida de que a AIMA faz parte da administração pública? Alguém tem dúvida de que a regra diz TODOS? Alguém tem dúvida de que a agência exerce serviço de caráter essencial?

A resposta a todas essas perguntas é um simples e sonoro NÃO.

Portanto, está mais do que claro que esse tal filho chamado AAIMA, nascido na Assembleia da República quando foi aprovada a lei que extinguiu o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), está sem pai nem mãe.

Não existe, atualmente, nenhuma pessoa que exerça com efetividade e competência as responsabilidades inerentes ao órgão, e, com isso, garanta o cumprimento da legislação constitucional e exigidas pelo bloco da União Europeia no que se refere à política de imigração.

Os imigrantes se encontram sem documentos, sem garantias trabalhistas e sem serviços mínimos de saúde e educação.

Claro que a situação não se restringe à AIMA, já que outros órgãos subordinados ao executivo, como a Segurança Social, o Serviço Nacional de Saúde e o Instituto dos Registros e do Notariado (IRN) também não cumprem o que diz a lei, muito menos o que diz a Resolução 86/2024.

Remédio amargo é esse que o Governo precisa tomar, mas editar leis e fingir que tudo corre como está escrito é brincar com a inteligência do cidadão.

Planos de ação à parte, reuniões, conferências e promessas não resolvem nada se aquilo que precisa ser feito não sair do papel.

Com greve ou sem greve da AIMA, esperamos que a consciência da urgência nacional opere na mente dos políticos que andam a brincar de administrar o país.»

19.8.24

Árvores grandes, grandes árvores (5)

 


Parque Kuranda, perto de Cairns, Austrália, 2017.

No Norte da Austrália, este parque tem cerca de 27 mil hectares de floresta tropical montanhosa e andei por lá durante um dia, em vários meios de transporte. Comecei por um combóio preparado para proporcionar belíssimas perspectivas de montes, vales e cascatas, continuei num tanque anfíbio que já andou pela Segunda Guerra Mundial e acabei num teleférico, com sete quilómetros de comprimento, que passa por cima de muitos milhares de árvores gigantescas e permite que se tenha uma ideia da variedade e da dimensão do que está em causa.

Tudo isto com o Mar de Coral no horizonte.

Da série «Grandes Capas»

 


Cohen e Lorca

 



Desequilíbrios policiais

 


«No dia 15 de fevereiro de 2013, o então primeiro-ministro discursava na Assembleia da República quando, nas galerias, cidadãos do movimento “Que se lixe a troika” começaram a cantar a “Grândola, Vila Morena”, senha de José Afonso que deu início às operações militares do 25 de Abril. De imediato, agentes da PSP retiraram os manifestantes das galerias, pondo fim ao protesto contra as políticas de austeridade. No púlpito, Passos Coelho não chegou a sentar-se e, em menos de dois minutos, retomou o seu discurso.

A moda pegou e nos meses seguintes a “Grândola” foi cantada em inúmeros eventos. Casos houve em que a Polícia, antecipando supostas intenções de cidadãos que se apresentavam à porta de eventos onde eram esperados membros do Governo de Direita, os impediu de entrar.

Nos últimos anos, a Polícia também não tem deixado de travar, por exemplo, ativistas climáticos que protestaram em estradas ou eventos, às vezes arremessando tinta verde a políticos ou gestores a quem não reconheciam empenho no combate às alterações climáticas.

Tudo normal, num Estado em que o direito de manifestação de uns deve terminar no ponto onde começa o de outros expressarem as suas posições, por muito que discordem delas.

Não se compreende, por isso, a atuação de operacionais da PSP e GNR e, menos ainda, as explicações das suas hierarquias, a propósito de recentes apresentações de livros infantis e eventos sobre igualdade de género interrompidos por membros da associação Habeas Corpus, ligada à extrema-direita e dirigida por um ex-juiz.

Tais eventos foram interrompidos, com anúncio prévio nas redes sociais, e não foram retomados por falta de segurança. Em vez de serem removidos os invasores, foram os oradores que tiveram de se retirar. No caso mais recente, a 3 de julho, em Idanha-a-Nova, a GNR retirou a autora Ana Rita Almeida da sessão de apresentação do seu livro e também o presidente da Câmara local. Os manifestantes gritaram “isto acabou aqui”, e acabou mesmo.

Ao JN, a GNR justificou que a sua atuação “se baseou no princípio do uso mínimo da força”. A PSP, envolvida em casos idênticos nos últimos meses, invocou um argumento também apresentado pela GNR, falando na necessidade de manter “o equilíbrio entre o direito à manifestação, à liberdade e à segurança”.

As explicações não são só incompatíveis com a atuação da Polícia no passado, perante manifestantes com causas e orientações ideológicas diferentes, como não encontram sustentação nos factos. Quando permite que membros da Habeas Corpus calem, à força, cidadãos que se reuniram para defender ideias que não ofendem a lei, a Polícia não garante o equilíbrio entre direitos.

Ao JN, a GNR justificou que a sua atuação “se baseou no princípio do uso mínimo da força”. A PSP, envolvida em casos idênticos nos últimos meses, invocou um argumento também apresentado pela GNR, falando na necessidade de manter “o equilíbrio entre o direito à manifestação, à liberdade e à segurança”.

As explicações não são só incompatíveis com a atuação da Polícia no passado, perante manifestantes com causas e orientações ideológicas diferentes, como não encontram sustentação nos factos. Quando permite que membros da Habeas Corpus calem, à força, cidadãos que se reuniram para defender ideias que não ofendem a lei, a Polícia não garante o equilíbrio entre direitos.»


18.8.24

Árvores grandes, grandes árvores (4)

 


Ayutthaya, Tailândia, 2012.

Esta árvore encontra-se no Wat Mahathat de Ayutthaya, antiga capital do reino de Sião. No recinto vêem-se muitas estátuas mutiladas, mas esta cabeça de Buda, envolvida por raízes de uma árvore gigante, é absolutamente única.

Os portugueses foram, provavelmente, os primeiros europeus a visitar Ayutthaya, em 1511.

Vasco Gonçalves em Almada




 

Foi em 18 de Agosto de 1975 que Vasco Gonçalves proferiu, em Almada, perante 15.000 pessoas, um discurso que durou uma hora e meia e que foi transmitido em directo pela RTP. Pode ser visto e ouvido em dois vídeos AQUI e AQUI.

Um discurso que acabou com Vasco Gonçalves lavado em lágrimas, como descreve o Diário de Lisboa do dia seguinte:




Dramática foi a carta que Otelo lhe escreveu 24 horas depois: «Percorremos juntos e com muita amizade um curto-longo caminho da nossa História. Agora companheiro, separamo-nos. Julgo estar dentro da realidade correcta deste País ao assim proceder. (...) Peço-lhe que descanse, repouse, serene, medite e leia. Bem necessita de um repouso muito prolongado e bem merecido pelo que esta maratona da Revolução de si exigiu até hoje. Pelo seu patriotismo, a sua abnegação, o seu espírito de sacrifício e de revolucionário».

O V Governo Provisório, que tomara posse dez dias antes, tinha as semanas contadas e não houve muralha de aço que lhe valesse. A 19 de Setembro, Pinheiro de Azevedo assumiria as rédeas do VI. O 25 de Novembro estava à vista.
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Alain Delon

 


1935-2024

Foi um autor mediano, com virtudes e defeitos como qualquer ser humano. As redes sociais estão exageradamente cheias de choros e de enormes elogios. Tento arriscar que estes exageros não existiriam se ele não tivesse sido tão bonito em jovem. Critérios.

Lisboa prostituída

 


«Há muito que evito ir à Baixa de Lisboa, mas, neste dia, resolvi arriscar. E inevitavelmente encontrei o que receava: na Rua das Portas de Santo Antão, uma multidão de turistas segue um guia que debita para um microfone com alto-falante as suas sábias curiosidades sobre o local. Apenas metade do seu rebanho o ouve, mas todos os outros transeuntes, incluindo os que estão nas esplanadas, são obrigados a suportar o assédio sonoro. No meio da confusão, passam bicicletas de serviços de entrega de comida e trotinetas ziguezagueiam na zona pedonal. Numa esquina, vários “vendedores ambulantes” oferecem abertamente marijuana a quem passa.

Nas outras ruas do famoso Centro Pombalino, nem sombra de lojas com tradição; em vez disso, três lojas de bugigangas, um kebab, um expresso-lab, estúdios de tatuagens e de unhas, bistrôs, lojas de fast-food, barbearias, hotéis, algumas lojas vazias, cadeias de marcas internacionais e, ao longe, no cais, um cruzeiro monstruoso, erguendo-se sobre todos os edifícios.

Atravessar as ruas é impossível, o trânsito insuportável com filas permanentes em que cada segundo carro é um TVDE e, pelo meio, dezenas de tuk-tuks, mais o toque insistente do eléctrico porque os outros veículos estão a bloquear os carris. Afinal, a célebre Lisboa é isto? Sim, infelizmente, actualmente é.

Em cidades como Amesterdão, Veneza, Barcelona ou Dubrovnik há muito se reconheceu que, embora este tipo de turismo de massas e de baixo custo possa aumentar o PIB, ele tem um impacto negativo, tanto no quotidiano dos habitantes locais e na qualidade dos serviços dessas cidades quanto na sua cultura e no seu carácter genuíno.

Já em Lisboa, os decisores políticos, independentemente da sua orientação, continuam a apostar incondicionalmente em “mais turismo”. Por exemplo, a câmara municipal acaba de aprovar mais dois novos hotéis. A nível nacional, o secretário de Estado do Turismo declarou que o Governo espera que, em 2033, o turismo represente 20% do PIB e gere 56 milhões de euros de receitas e 1,2 milhões de empregos. O que nunca é mencionado nestes cálculos milionários são os custos directos e as externalidades dessas receitas, nem quem beneficia dos seus lucros, nem quantos dos empregos são sazonais e precários, dependendo, em muitos casos, de mão-de-obra imigrante.

É incompreensível que a política de turismo em Portugal continue a ser determinada por pessoas de vistas curtas e gananciosas, indiferentes às consequências negativas já bem identificadas e que estão a ser combatidas em várias outras cidades, como Amesterdão e Paris. Até organizações reconhecidas, como a OCDE, já alertaram para os efeitos negativos da sobrecarga turística. Segundo o economista e professor do ISCTE Ricardo Paes Mamede, “alguns dos problemas decorrentes de um crescimento excessivo do turismo são evidentes e bem conhecidos de toda a população. A OCDE alerta para aspectos como as pressões sobre os preços do alojamento (...), sobre as infra-estruturas e os serviços colectivos (traduzindo-se, por exemplo, na sobrelotação dos transportes públicos ou na acumulação de lixo nas zonas mais frequentadas) e sobre o ambiente (aumentando a poluição e pondo em causa a sustentabilidade dos ecossistemas e a biodiversidade)".

Mas voltemos à descaracterização de Lisboa e à sua transformação em Disneylândia. A proliferação das lojas de bugigangas, com 1-2 vendedores asiáticos mas desertas de clientes, é outra chaga aberta no coração da cidade. Que, por trás destas lojas de fachada, existe um negócio totalmente diferente, é óbvio. Só às autoridades competentes, desde a AIMA, à Autoridade de Inspeção do Trabalho (ACT), à Segurança Social (SS) e à AT, é que tudo parece normal. Lojas com localização privilegiada e rendas elevadíssimas, com vários empregados ao balcão, e que não geram receitas significativas são realmente a coisa mais natural do mundo, certo? Porque haveriam as entidades de levar a cabo uma fiscalização concertada?

E que dizer dos produtos dessas “lojas”? Alguns nem sequer têm a indicação obrigatória de origem e, quando têm, são, na maioria dos casos, fabricados na China (ou PRC). Ou seja, artesanato supostamente português, “recordações de Portugal”, feitas por mão-de-obra barata na Ásia, para ser vendido como quinquilharia barata, apesar dos custos de transporte.

Com a uniformização do centro histórico, tudo se torna cada vez mais parecido com o que existe nos países de origem dos turistas, até que estes se comecem a perguntar, afinal, porque vir a Lisboa?

É extremamente triste assistir à alienação das cidades e dos seus centros históricos por governos e autarquias, sem a preocupação de garantirem que as cidades se mantêm habitáveis, primeiro para os seus habitantes e depois para os visitantes.

É verdade que tem razão quem pergunta: mas sabe como era a Baixa de Lisboa há 20 anos? Sem dúvida, ninguém quer voltar a esse tempo de prédios fantasmagoricamente degradados. Mas dar rédea solta a esta evolução, com base no lema “o mercado resolve tudo”, está a tornar as cidades num cenário oco e a desprovê-las de alma, ao expulsar os seus habitantes para as periferias.

Há que aprender com os bons exemplos, e eles existem. É o caso de Viena, onde o desenvolvimento da cidade é feito no interesse dos seus habitantes, com uma visão de longo prazo. Cerca de metade da população vive em habitações sociais ou noutras formas de habitação subsidiadas e não faltam investidores privados que queiram construir estes apartamentos. Não é por acaso que Viena é regularmente classificada como uma das cidades mais habitáveis do mundo. E nem por isso a capital austríaca deixou de ser uma das cidades mais atractivas para turistas.

Basta haver vontade e visão. Infelizmente, as últimas medidas anunciadas pelo Governo apontam para o contrário.»