22.8.24

Um referendo perigoso e desajustado

 


«A ideia de um referendo sobre imigração, lançada pelo partido Chega a meio de Agosto, é perigosa e desajustada.

Perigosa porque vem alimentar a narrativa de um partido populista que considera que a própria imigração por si só é um perigo e um dos problemas centrais da sociedade portuguesa, o que é um delírio.

Desajustada porque assenta numa falsa ideia, alimentada todos os dias pelo Chega, de que há uma relação directa entre imigração e criminalidade, algo que os próprios factos facilmente desmentem. O número de imigrantes quase duplicou em Portugal desde 2014 e esse crescimento não foi, nem de perto nem de longe, acompanhado por um aumento da criminalidade ou por um qualquer aumento da população de reclusos estrangeiros, tal como o PÚBLICO aqui explicou com detalhe.

Perigosa porque a figura do referendo, inscrita na Constituição com a revisão de 1997, não foi feita para ser utilizada em matérias deste tipo. Vários acórdãos do Tribunal Constitucional alertam, aliás, para a delicadeza do que está em causa. As questões a referendar devem ter sempre “objectividade e precisão”, para se evitar posteriormente “a existência de equívocos” ou “consentir leituras ambíguas”. Uma pergunta à população sobre se a imigração deveria ser controlada seria, por isso, uma aberração.

Desajustada porque a própria figura de referendo tem vindo a perder qualquer utilidade. Segundo a actual lei, um referendo só tem validade se nele participarem mais de 50% dos eleitores recenseados. É o que está expresso no artigo 240 da lei dos referendos: “Só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento.” Em nenhum dos três referendos (houve um sobre a regionalização, em 1998, e dois sobre a despenalização do aborto, em 1998 e 2007), mais de metade dos portugueses achou que a questão em causa era suficientemente importante para sair de casa, ou seja, mais de metade dos votantes não quis saber da pergunta que era feita. A participação máxima foi de 49% na consulta sobre a regionalização e a menor de 31%, sobre o aborto.

As pessoas votam nos seus representantes com base em programa eleitorais e com base em concepções da sociedade. A democracia representativa é isso mesmo.

Brandir chavões perniciosos e irresponsáveis sobre a imigração, acenando ao mesmo tempo com a possibilidade de uma consulta directa à população, é motivo de arrepios. Fazer disso moeda de troca para a aprovação do Orçamento do Estado para 2025, um insulto. À atenção de Luís Montenegro."»


1 comments:

António Alves Barros Lopes disse...

Citando
"Perigosa porque a figura do referendo, inscrita na Constituição com a revisão de 1997, não foi feita para ser utilizada em matérias deste tipo. Vários acórdãos do Tribunal Constitucional alertam, aliás, para a delicadeza do que está em causa. As questões a referendar devem ter sempre “objectividade e precisão”, para se evitar posteriormente “a existência de equívocos” ou “consentir leituras ambíguas”. Uma pergunta à população sobre se a imigração deveria ser controlada seria, por isso, uma aberração."
- Fim de citação.
- Então foi feita para ser utilizada em matérias de que tipo??
Mas a Constituição não diferencia as matérias. Cabe á Assembleia da Republica ou do Governo decidir sobre as tais matérias.
(Nem a Lei Orgânica.)
Em ambas
"Objeto do referendo
O referendo só pode ter por objeto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de ato legislativo."
Tão pouco os acórdãos do Tribunal Constitucional alertam sobre as matérias em si mas sim sobre a “objectividade e precisão” das mesmas, sejam elas quais forem, para evitar etc. e tal.
Se a Assembleia (ou o Governo) decidir que “uma pergunta sobre se a imigração…” é uma questão de relevante interesse nacional, decide e fica decidido.
Independentemente da subjectividade de não ser considerada, pelos opinadores, questão relevante.
Se de tal dependesse teríamos então que fazer um referendo preliminar à questão a colocar no referendo principal.
- Mas então para que é que a Constituição prevê o “Referendo”???
- Para que ele não se realize, segundo a opinião de cada um (ou da sua soma)?