16.4.22

Um mal nunca vem só?

 

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Informação em tempo de guerra: como evitar a manipulação?

 

«A opinião de dois jornalistas com experiência de reportagens em países em guerra, seja durante os conflitos armados ou no rescaldo das tragédias humanitárias. A ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas, Diana Andringa, fez reportagens para a RTP em países em guerra nos anos 1980, relatando a situação dos refugiados durante a ocupação soviética no Afeganistão ou a situação no Iraque durante a guerra com o vizinho Irão. Pedro Caldeira Rodrigues assistiu no terreno ao conflito na Jugoslávia, relatado nas suas reportagens no Público e também no livro “O Vírus Balcânico – O Caso da Jugoslávia”, escrito com Stevan Niksic.»

Ler AQUI.
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Isto é muito bom!

 

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Alterações climáticas na ecologia política

 


«As últimas eleições legislativas mostraram alterações significativas na nossa ecologia política. É como se tivessem chegado drásticas alterações climáticas que estão a mudar o nosso “tempo”. E como acontece com as outras, as do planeta, há quem queira ver e quem faça de conta que nada mudou. Elas manifestam-se em todo o espectro político, e estão interligadas: o PS tornou-se o grande partido centrista, a direita trouxe para o Parlamento a sua radicalização, e a esquerda tornou-se quase insignificante.

Mantendo a minha posição de fundo, a de que conceitos como esquerda e direita não são heurísticos — porque da sua aplicação não resulta conhecimento, mas ilusão, ou, se se quiser, aquilo a que Marx chamava “ideologia” —, uso-os muitas vezes mais por comodidade do que por rigor. Mas aqui é impossível não os usar como descritores, porque, quando numa sociedade há um reforço político identitário que passa por esta dicotomia, ela não pode deixar de ser usada, mesmo que os termos sejam mais posicionais do que substanciais. Está em curso também uma radicalização identitária do espaço público, mais do que na sociedade, mas vai lá chegar. A radicalização é um processo difícil de travar, embora os seus limites sejam sempre os grandes números, os eleitores, a democracia.

O país está centrista — veja-se a vitória do PS, de que ninguém verdadeiramente quer tirar consequências, com a ilusão de que é um partido de esquerda. Na verdade, o PS é um partido muito mais centrista do que de esquerda, e que não ganharia se não fosse assim, mas que não tem vontade nem capacidade reformista. O centro está sólido, mas imóvel e estagnado, susceptível à corrupção e ao clientelismo, mas incapaz de reformas. E como tem tempo, pior ainda.

A possibilidade de reformas poderia ter vindo do PSD, em aliança com o PS, mas o falhanço de Rio no PSD, que se deveu em grande parte às ambiguidades face ao Chega, acabou com essa possibilidade. Os que se lhe seguirão vão-se enredar na direita. Por isso, em conjunto com a derrocada do CDS, houve também uma vítima colateral neste novo “tempo”: a direita moderada, um dos principais alvos da direita radical.

A nova ecologia mostra que a direita radical está na ofensiva, dominando grande parte do espaço público, com uma presença na comunicação social cada vez mais significativa e que não se mede nas listas ridículas das altercações no Twitter, este é “teu” e este é “meu”. Vai mais longe e mais fundo, é uma presença de contexto que molda a direcção editorial, as escolhas de temas, de perguntas, e, claro, de pessoas. Nas redacções, nos lugares, nos apresentadores, nos comentadores residentes, conforme o seu canal e horário, nas relações com financiadores, nas parcerias com fundações e com think tanks.

A direita, porque cresce, está arrogante e persecutória e a esquerda está na defensiva, moralista, encurralada e ineficaz. O moralismo é uma espécie de defesa no último quartel. Na sua variante mais extremista, naquilo a que se chama o “politicamente correcto”, a esquerda torna-se censória e iliberal, pretendendo que o controlo das palavras lhe dá o controlo da sociedade e assumindo causas com nomes nobres, mas práticas autoritárias.

Acantona-se assim num combate cultural que acaba por ser supra-social, e que desvaloriza as causas económicas e sociais da desigualdade, da exclusão, da injustiça. O resultado é um elitismo “cultural-chic”, que grassa como uma moda, na comunicação social, nas indústrias culturais subsidiadas, na intelectualidade dos suplementos culturais, mas está a perder a competição nos jovens com a direita radical sob veste anarco-liberal, na “Burberry school of economics”, e com os adultos no populismo conservador, e de facto machista e racista, do Chega.

Noutro aspecto, a esquerda torna-se vítima de si própria, porque o moralismo em política faz o jogo da direita que tem os pecados todos, a começar pela corrupção, a fuga aos impostos, o “planeamento fiscal” que leva a riqueza ganha cá para “lá”, a indiferença e o egoísmo social, mas que é menos afectada pela sua denúncia pública, como se as pessoas achassem que isso é “normal”, expectável, como agora se diz.

O moralismo torna pecadilhos de gente da esquerda escândalos de dimensão nacional que a direita usa com sanha muito para além da sua real importância. Vejam-se os títulos e torrentes de artigos sobre a exclusividade não cumprida de Mariana Mortágua, as obras ilegais na casa de Ana Gomes ou a imaginação curricular de Raquel Varela, e não é por acaso serem todas mulheres. Fizeram asneira? Fizeram, mas o que está em causa é a proporção do ataque. A proporção ainda conta ou não? Para este tipo de combate corpo a corpo, não.

A direita aponta alvos, e desenvolve campanhas, a esquerda está manietada ou porque quer ou porque não pode. A razão é que a dinâmica política dá hoje o poder de classificar à direita radical, que aponta a alvos demasiado passivos, porque ou têm culpa ou não “assumem”, como dizem as revistas do jetset, ou ficam a um canto à espera que passe o mau tempo. Não passa.

A guerra ucraniana agravou este processo, e teve um efeito devastador à esquerda, desequilibrando ainda mais um processo que já vinha de antes. Mas isso fica para uma continuação.»

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15.4.22

Esperança e desesperança

 

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Finlândia



 

Quando se fala tanto da Finlândia, é muito importante conhecer um pouco da sua História, até para melhor compreender o tempo presente: 52 minutos bem utilizados. 

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Páscoa e dúvidas existenciais

 


- Pai, o que é a Páscoa?
- Ora, Páscoa é …uma festa religiosa!

- Igual ao Natal?
- É parecido. Só que no Natal comemora-se o nascimento de Jesus e na Páscoa a sua ressurreição.

- Ressurreição?
- Ressurreição é tornar a viver após ter morrido. Foi o que aconteceu com Jesus, três dias depois de ter sido crucificado. Ele ressuscitou e subiu aos céus. Entendido?

- Mais ou menos... Mãe, Jesus era um coelho?
- Que parvoíce é essa? Estás-te a passar! Coelho? Jesus Cristo é o Pai do Céu!

- Mãe, mas o Pai do Céu não é Deus?
- É filho! Jesus e Deus são a mesma coisa. Vais estudar isso na catequese. É a Trindade. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo.

- O Espírito Santo também é Deus?
- É sim.

- É por isso que na Trindade fica o Espírito Santo?
- Não é o Banco Espírito Santo que fica na Trindade, meu filho. É o Espírito Santo de Deus. É uma coisa muito complicada, nem a mãe entende muito bem, para falar a verdade nem ninguém.

- Bom, se Jesus não é um coelho, quem é o coelho da Páscoa?
- Eu sei lá! É uma tradição. É igual ao Pai Natal, só que em vez de presentes, ele traz ovinhos.

- O coelho põe ovos? Não era melhor que fosse galinha da Páscoa?
- Era, era melhor, ou então peru.

- Jesus nasceu no dia 25 de Dezembro, não é? Em que dia é que ele morreu?
- Isso eu sei: na Sexta-feira santa. Morreu na Sexta-feira santa e ressuscitou três dias depois, no Sábado de aleluia.

- Um dia depois portanto!
- Não, filho - três dias!

- Então morreu na quarta-feira.
- Não! Morreu na sexta-feira santa... ou terá sido na quarta-feira de cinzas? Ouve, já me baralhaste todo! Morreu na sexta-feira e ressuscitou no sábado, três dias depois!

- Como !?!? Como !?!?

- Pai, qual era o sobrenome de Jesus?
- Cristo. Jesus Cristo.

- Só?
- Que eu saiba sim, porquê?

- Não sei não, mas tenho um palpite que o nome dele tinha no apelido Coelho. Só assim esta coisa do coelho da Páscoa faz sentido, não achas?
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A China para lá da cortina

 


«Poderá a China, a maior beneficiária da globalização, manter a ponte entre esses dois mundos que se estão a separar? Não, não pode e provavelmente não quer. Em primeiro lugar, por uma visão política. O Governo de Pequim parece estar a mostrar a sua radical descon-fiança em relação ao reforço da relação entre a UE e os EUA, com o alargamento da NATO e a expansão das suas ambições, o que se tem afirmado ao longo das últimas três décadas e ganhou nova tração com a invasão russa da Ucrânia. A interpretação deste processo pelas autoridades chinesas foi explicada, logo depois do telefonema entre Biden e Xia no dia 18 de março, pelo pivô da televisão chinesa, que resumiu o encontro afirmando que o Presidente norte-americano teria colocado ao seu colega chinês a seguinte questão: “Pode ajudar-me a derrotar o seu amigo para eu poder concentrar-me em derrotá-lo a si a seguir?”

O tom jocoso e o conteúdo dizem muito sobre a resposta de Pequim às pressões para se afastar da Rússia. Mesmo que o imbróglio da derrota russa depois de 50 dias de uma invasão fracassada seja percebido, e é bem percebido, Xi Jinping também sabe que, se disputa a futura liderança mundial, não pode recuar perante Washington. A razão é óbvia: o líder chinês não pode deixar de notar a formação de uma aliança militar dos EUA com a Austrália e o Reino Unido para o Pacífico; as forças estão a deslocar-se e a preparar-se no que será sempre o centro nevrálgico das estratégias de dominação.

Há ainda uma segunda razão para que a China procure o reforço da sua posição: a incerteza sobre os ritmos da crise de liderança norte-americana. Em resumo, ninguém aposta na continuidade de Biden e, mesmo que este tenha adotado a mesma política que Trump para a China, estar um ou outro a comandar a Casa Branca poderia implicar diferenças notáveis, pela imprevisibilidade da chefia republicana. Ora, do que a China precisa é de tempo. Não tem uma estratégia de colocação de tropas em bases no estrangeiro, ao contrário de Washington, e expande a sua influência por relações económicas, tanto em África como na América Latina como na Europa. Procura reforçar a sua capacidade tecnológica e ultrapassa os rivais em muitos terrenos, mas ainda é deficiente na produção de semicondutores e no sistema bancário, tal como ainda depende da Rússia em algumas das importações militares. Mas talvez a evolução mais notável seja a redução da relação financeira com os EUA: como se verifica pelo gráfico, ao longo da primeira década do século a relação mútua baseava-se no uso dos excedentes comerciais chineses para comprar dívida pública norte-americana, ou seja, os chineses pagavam aos EUA para lhes comprarem produtos, acumulando uma enorme reserva de títulos soberanos. Mas, a partir de 2011, a China limita-se a manter o stock, só detendo hoje cerca de 1,2 de um total crescente de 28 biliões de dólares de dívida colocada em todo o mundo. O Japão detém mais, e mesmo a soma do Luxemburgo, Suíça e Ilhas Caimão ultrapassa a China. É ainda uma interdependência intensa, a Rússia nunca alcançou nada de semelhante, mas que não haja ilusões: a China sabe que está a construir a sua outra metade do planeta. Não quer deixar ao seu adversário a livre escolha da forma de a enfrentar na economia e na política.»




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14.4.22

Simone de Beauvoir morreu num 14 de Abril



 

Simone de Beauvoir morreu em 14 de Abril de 1986, com 78 anos. Ela que disse um dia que «a vida não é uma coisa que se tenha, mas sim algo que passa».

Tudo já foi escrito sobre esta escritora, intelectual, activista política e feminista, mas vale talvez a pena recordar o papel decisivo de uma das suas obras – Le Deuxième Sexe –, publicada em 1949. Esteve longe de ser um manifesto militante ou arauto de movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde, já que as mentalidades não estavam preparadas para a problemática da libertação da mulher tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.

Para a compreensão e a consagração da obra foi decisivo o sucesso nos Estados Unidos, onde foi publicada em 1953. O movimento feminista, em que Betty Friedman e Kate Millet eram já referências, estava aí suficientemente avançado para a receber.

Simone de Beauvoir nunca provocou grandes empatias, mas, goste-se ou não, estava no centro do Olimpo que Paris era então – quando, no Café de Flore, toda a gente vivia envolta em fumo e Juliette Greco cantava «Il n’y a plus d’après»..

Informação um pouco mais detalhada neste post de 2021.
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Hoje é o Dia do Café

 


Já o celebrei e mais de uma vez!
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Aliviar o impacto da inflação nos mais pobres

 


«O INE informou na terça-feira que o aumento de preços observado entre março de 2021 e março de 2022 foi de 5,3% - o mais elevado desde junho de 1994. Os aumentos mais substanciais são nos produtos energéticos (19,8% - o mais elevado desde 1991), transportes (11%) e produtos alimentares e bebidas não alcoólicas (7,24%).

O aumento de preços, inédito nas últimas três décadas, não é sentido por todas as pessoas da mesma forma. Esta é a conclusão do relatório “Despesas essenciais e rendimentos das famílias: efeitos assimétricos da inflação”, que publiquei ontem com o Bruno P. Carvalho e a Mariana Esteves. O relatório faz parte do nosso projeto “Portugal, Balanço Social”, uma parceria com a Fundação La Caixa. Analisamos os dados do Inquérito às Despesas das Famílias de 2015/16, que é o último que está disponível, para caracterizar o peso de cada categoria de despesa na despesa total das famílias, consoante o seu nível de rendimento.

Em Portugal, o peso da despesa em alimentação na despesa total é de quase 25% para as famílias mais pobres; nas mais ricas, fica abaixo de 10%. A despesa em carne varia entre os 6% do orçamento dos mais pobres e menos de 2% para os mais ricos. Para o pão e cereais, o peso é também de praticamente 6% na despesa total dos mais pobres, mas cifra-se em apenas 1% para as famílias mais ricas. Também na eletricidade e gás se nota esta discrepância: estes bens energéticos representam 12% da despesa das famílias mais pobres, contra apenas 4% para as mais ricas.

Estes e outros números do relatório ilustram o que o aumento de preço dos bens essenciais significa para as famílias mais vulneráveis. A situação de partida dos mais pobres é delicada. Em 2015, as famílias dos indivíduos que estão entre os 20% mais pobres gastaram uma média de 2200 euros em alimentação. Este valor equivale a 2300 euros em 2021 - para 12 meses! Por outro lado, o que ganham não chega: gastaram 120 euros por cada 100 de rendimento. Não têm “almofada” para absorver a inflação, contrariamente às mais ricas, que conseguem poupar. Com elevada probabilidade, já passavam privações. É claro não estamos em 2015, mas a taxa de pobreza de 2020 (22%) é superior à de 2015 (19%).

A boa notícia é que a proposta do OE prevê uma transferência para aliviar o orçamento destas pessoas. Chegará a 830 mil famílias, que correspondem, pelas contas do nosso relatório, aos 20% de indivíduos mais pobres. A má notícia é que a transferência é curta: pouco menos de 25 euros por mês para comprar alimentação e gás, num total de 55 milhões de euros para a metade do ano coberta pelo OE. O alívio do ISP também ajudará, mas é pouco provável que chegue. Segundo as nossas contas, para uma taxa de inflação entre 4% e 6%, e dependendo do número de famílias que teriam uma compensação suficiente para manterem a integralidade do seu nível de consumo em alimentação, energia e combustíveis, seria necessário gastar entre 87 e 236 milhões no mesmo período para este grupo de famílias. Isto vai doer.»

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13.4.22

Há muitas formas de empobrecer

 

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É antigo, mas vem a propósito



Via @afonsobras no Twitter.
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13.04.2015 – O dia em que Eduardo Galeano nos deixou

 


Esse grande uruguaio nasceu em Montevideu, em 3 de Setembro de 1940, quis ser jogador de futebol mas acabou como escritor com mais de 40 livros publicados.

Andou a fugir de ditaduras. Em 1973 foi preso depois do golpe militar no seu país, exilou-se na Argentina, mas com o golpe militar de Jorge Videla, em 1976, viu o nome colocado na lista dos «esquadrões da morte» e partiu para Espanha. Só 9 anos mais tarde regressou à cidade que o viu nascer.

Ver AQUI alguns vídeos com textos lidos por Galeano.
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O falhanço da humanidade — de Alepo a Mariupol

 


«Será que o destino que espera Odessa, a “Pérola do Sul” é o mesmo que foi destinado à gloriosa cidade de Alepo durante a guerra da Síria?

Quando o Presidente russo Vladimir Putin lançou os primeiros ataques aéreos na Síria no outono de 2015, o conflito sírio estava no seu quinto ano. Os rebeldes armados, que se opuseram à brutal repressão do Presidente sírio, Bashar al-Assad, contra os civis, estavam a ganhar terreno. O ISIS estava em ascensão e Assad tinha reconhecido que o seu exército estava a recuar.

Nos meses e anos vindouros, a potência aérea russa não só ajudou a reverter o curso da guerra, como fez pagar um custo extraordinariamente elevado à população civil síria. A intervenção militar de Putin — incluindo a ajuda ao seu aliado Assad no cerco de áreas detidas pela oposição em Alepo e o bombardeamento de áreas civis — acabou por ajudar Assad a reconquistar território e a permanecer no poder.

Poucas horas após a invasão russa da Ucrânia, um novo mural pôde ser visto ao lado de uma casa bombardeada na cidade síria de Binnish. Mostrava um mapa da Ucrânia, pintado com as cores daquele país, sob ataque de um grande urso castanho russo. O muro era o que restava de uma pilha de escombros espalhados pelo chão em redor dos destroços do edifício: um legado da campanha aérea russa na guerra civil da Síria.

A intervenção militar da Rússia contribuiu para um sofrimento indescritível de milhões de civis sírios. A maior parte das suas acções de apoio ao exército sírio redundou num elevado número de mortos civis, a fim de quebrar o moral da população. Como resultado disso, conseguiram desmembrar a oposição síria. As forças sírias e russas sitiaram várias cidades na Síria para as fazer renderem-se, mantendo os civis reféns à medida que as forças avançavam sobre os combatentes rebeldes. Desde o subúrbio de Ghouta, em Damasco, até à milenar metrópole comercial de Alepo, as bombas russas atingiram hospitais, escolas, mercados e filas de pessoas à espera de comprar pão. Os seus aviões ajudaram a impor um cerco sírio no terreno, reduzindo as pessoas a fantasmas refugiados nos escombros e nas caves de edifícios esventrados. Agora o mesmo está a acontecer em Mariupol.

Alguns dos bombardeamentos mais intensos da Rússia na Síria ocorreram em 2016 durante a batalha por Alepo. A campanha provocou crimes de guerra, disse a Human Rights Watch num relatório de dezembro de 2016, referindo: “Os ataques aéreos pareciam muitas vezes ser imprudentes, visavam deliberadamente pelo menos instalações médicas, e incluíam o uso de armas indiscriminadas como munições de fragmentação e armas incendiárias”. A Rússia foi responsável por múltiplos crimes de guerra durante a campanha de 11 meses em Idlib.

No processo, cidades inteiras foram devastadas. Os ataques russos fizeram cerca de 24.743 vítimas civis, de acordo com dados da ONG Airwars, da Rede Síria de Direitos Humanos, do Observatório Sírio dos Direitos Humanos e do Centro de Documentação sobre Violações. Um assalto igualmente letal ocorreu na província noroeste de Idlib. Instalações civis, tais como hospitais, escolas e mercados, foram repetidamente alvo de uma grande ofensiva lançada em 2019, que de acordo com grupos de direitos humanos, resultou na morte de pelo menos 1600 pessoas e na deslocação de mais 1,4 milhões.

Tal como na Síria, os aviões russos estão a utilizar uma grande variedade de munições não guiadas, incluindo mísseis balísticos de curto alcance, bem como artilharia pesada. Os russos empregam explosivos reforçados, bombas de fragmentação, e bombas penetrantes de betão, muitas vezes de 500 quilos. Usam ainda armas incendiárias bombas de fósforo, bombas de barril (cilindros de aço que ao explodirem libertam bombas e artefatos letais). Chegaram já à Ucrânia as bombas de vácuo, também chamadas armas termobáricas, uma das armas de guerra mais brutais que existe. As bombas estão cheias de mistura explosiva e química, o que provoca ondas de explosão supersónicas. Estas ondas podem incinerar tudo em seu redor, pois os explosivos sugam o oxigénio do ar circundante, gerando uma poderosa explosão. Segundo a Human Rights Watch, a aliança militar sírio-russa utilizou um cocktail de armas indiscriminadas, proibidas internacionalmente, sobre uma população civil prisioneira nas áreas sob assédio aéreo.

Tal como está a acontecer na Ucrânia, a Rússia usou sistematicamente a sua posição no Conselho de Segurança da ONU para se proteger a si própria e ao seu aliado em Damasco das acusações face a estes crimes contra a população civil. A Rússia opôs-se, pelo menos 10 vezes, a resoluções contra a Síria. Opôs-se também, em 2017, à renovação do mandato da organização das Nações Unidas para um inquérito, a ser conduzido em conjunto com a Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPCW). Em 2020, Moscovo vetou um projecto de resolução que asseguraria a prestação continuada de ajuda humanitária através da fronteira síria, sem a aprovação do governo sírio. Este foi o décimo quinto veto da Federação Russa e o nono da China no contexto da guerra da Síria.

O Kremlin negou repetidamente acusações de ataques indiscriminados contra civis na Síria. Tanto na Síria como na Ucrânia, a Rússia e os seus aliados fizeram das comunidades civis um alvo preferencial, atacadas nos lugares onde as pessoas comuns vão em busca de cuidados médicos, educação, e alimentos e outras necessidades. Apontar deliberadamente para alvos civis é ilegal à luz do direito internacional, mas pode ser eficaz. Espalha o terror, mina o moral dos combatentes, e destrói a comunidade de que aqueles dependem para o seu apoio logístico e moral.

Tal como na Síria, a Rússia concordou com corredores humanitários para Mariupol da Ucrânia, apenas para os atacar. A Rússia anunciou repetidamente vários “corredores humanitários” que permitiriam a passagem segura dos civis e dos rebeldes para fora das zonas de combate. Na Síria, os membros da oposição rotularam-nos de “corredores da morte”. As exigências da ONU no sentido de se encarregar dos corredores, foram largamente ignoradas. Na Síria, a Rússia anunciou por vezes os corredores unilateralmente sem coordenação com organizações internacionais como as Nações Unidas — o que significava que não os podiam controlar. Os corredores eram por vezes abertos por períodos demasiado curtos para serem úteis, eram inviáveis ou mesmo levavam civis para áreas sob o controlo das forças militares de que se escondiam.

Os ataques a civis tornaram-se um dos vetores principais da “russian way of war” de Putin — uma violação flagrante do Direito internacional Humanitário e uma inversão das leis da guerra: a limitação da acção militar e a completa separação entre civis e militares.»

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12.4.22

Nos 58 anos da Pragma

 


A Pragma foi uma das várias instituições em que os chamados «católicos progressistas» se organizaram para reagir à ausência de liberdades elementares, à manutenção da guerra colonial e ao conservantismo da Igreja portuguesa e conivência com o regime.

Foi fundada em 11 de Abril de 1964, como uma «Cooperativa de Difusão Cultural e Acção Comunitária». Desde o seu núcleo inicial, incluiu sócios provenientes do meio operário, nomeadamente dirigentes e militantes das organizações operárias da Acção Católica. Os horizontes abriram-se rapidamente e muitos dos seus futuros membros nem sequer seriam católicos. Aliás, a cooperativa acabou por funcionar também como uma espécie de plataforma aglutinadora de elementos da esquerda que, por não estarem integrados em qualquer estrutura organizativa, nela identificaram um espaço de debate e de encontro.

Mais informação AQUI.
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Montserrat Caballé – Seriam 89

 


Monserrat Caballé faria hoje 89 anos e morreu com 85. Vale sempre a pena recordá-la:




E o que nunca será esquecido: em 1988, gravou com Freddie Mercury o álbum Barcelona. Quatro anos depois, na abertura dos jogos olímpicos naquela cidade, já sem a presença do cantor, que morrera em 1991, interpretou a mítica canção, num impressionante dueto virtual, que viria a ser repetido em 1999, antes da final da UEFA Champions League.



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António Costa anuncia redução dos salários em 2022

 



«No primeiro debate parlamentar da nova legislatura, António Costa deixou bem claro quem pagará o custo da inflação em Portugal. O Governo sabe que os preços sobem por pressão de setores específicos, como os combustíveis ou os bens alimentares.

O Governo também conhece os lucros milionários que a Galp, a EDP ou a Jerónimo Martins entregaram aos acionistas já em 2022. O Governo está informado acerca das práticas de combinação de preços entre grupos da grande distribuição, sabe do aumento das margens de refinação de petróleo e das rendas excessivas que fazem com que todos paguemos a eletricidade mais cara. Apesar de tudo isto saber, a resposta de António Costa à inflação não é tabelar os preços de bens essenciais nem controlar as margens das empresas que os estão a aumentar, mas sim impor às pessoas que trabalham um corte no salário.

Por breves momentos, durante o debate, criou-se a esperança de que o Governo estivesse a preparar uma taxa sobre os lucros excessivos das grandes empresas que se aproveitam da inflação. O ministro da Economia chegou mesmo a pronunciar o nome técnico da dita, "windfall tax", mas a ideia foi esquecida pelo ministro do Ambiente logo na intervenção seguinte. O que o Governo propõe, em alternativa, são medidas tímidas, que protegem o privilégio das elétricas e as margens das petrolíferas.

Enquanto isto, os salários perderão poder de compra. Com a justificação de que a inflação é apenas "temporária", o Governo já garantiu que não atualizará salários, nem pensões, nem prestações sociais, para além do que já estava previsto (0,9% no caso dos salários da Função Pública). Acontece que a inflação prevista é de 4%, o que significa que todas as remunerações que não forem atualizadas nessa proporção terão um corte real em 2022, que acresce à perda de poder de compra acumulada durante os anos em que os salários estiveram congelados (uma década, no caso da Função Pública). O termo "temporário" é uma distração, uma vez que toda a gente compreende que, mesmo que a inflação pare de crescer, dificilmente ela regredirá. O corte nos salários não seria aceitável se fosse mesmo temporário, mas a verdade é que ele será permanente, e já castiga os rendimentos mais baixos.

Em suma, em vez de promover a atualização de todos os salários, tanto no público como no privado, e de impedir as grandes empresas de lucrarem com o aumento continuado dos preços, o Governo escolheu combater a inflação com um velho truque de Direita: a deflação através da perda de poder de compra da população.»

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11.4.22

Já que se fala de França

 


Torre Eiffel a ser pintada (1932)
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O amigo das cagarras

 


Este senhor escreveu hoje um longo artigo de opinião no Público. Não lhe dou palco para a divulgar, mas, pelo conteúdo, ainda não percebi se a intenção foi tornar-se líder interino do partido a que pertence enquanto não há outro, ou comentador à espera de ser convidado pela CNN.

Chega a dar notas a alguns dos actuais ministros, como fazia o seu antecessor no comentariado e sucessor em Belém e diz na avaliação do governo: «Se fosse tomado como indicador o perfil político do primeiro-ministro, com base na análise da sua atuação nos seis anos de chefia do Governo, (…) obter-se-ia um grau de coragem política muito baixo, com exceção do mercado de trabalho, em que revelou resistência às pressões da extrema-esquerda no sentido do aumento da rigidez da legislação.»

Pode-se fazer muitas críticas a António Costa como primeiro ministro – e eu faço –, mas atribuir-lhe «um grau de coragem política muito baixo», excepto quando resistiu aos seus parceiros à esquerda, parece-me não só injusto como reles. Confere: a «persona» de Cavaco Silva sempre foi pobretana e não melhora com o tempo. As Ilhas Selvagens e as cagarras têm saudades dele.
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França: o funil, os sapos necessários e a tragédia que acabará por chegar

 


«Aproveitando os falhanços da maioria socialista em que participou como ministro e a balcanização da direita democrática, Emmanuel Macron destruiu o sistema partidário francês, secando tudo à sua volta. A partir daí, foi promovendo Marine Le Pen como sua única e verdadeira opositora, sabendo que isso faria de todos os democratas seus reféns. Ele precisa de Le Pen, como Le Pen precisa dele. Ela representa o perigo inaceitável que obriga os democratas a votar em Macron, ele representa um regime sem alma, sem projeto social e sem alternativas dentro de si que leva cada vez mais gente a votar Le Pen.

Com os resultados deste domingo, as probabilidades de Le Pen vencer continuam a não ser pequenas. Mas Emmanuel Macron tem condições para ser eleito pelos mesmos que o elegeram há cinco anos: muitos dos que o desprezam, o consideram grande parte do problema, mas não querem ser governados por uma perigosa xenófoba. E governa graças a um sistema eleitoral absurdo que, nas legislativas, garante que metade dos eleitores destas presidenciais tenham uma representação de apenas 3% no Parlamento.

Ao longo destes anos, Le Pen foi sugando o descontentamento crescente. Nestas eleições, ela teve a ajuda de Eric Zemmour, que chegou a estar à sua frente (acabou com 7%) e fê-la parecer “frequentável” (como disse um jornalista francês), obrigando-a a centrar-se no discurso social e económico. Só Jean-Luc Mélenchon segura votos à esquerda e impede que a tragédia seja maior. É um egocêntrico patológico, mas, verdade seja dita, tem sido o único que, à esquerda, consegue mobilizar apoio popular (e de muitos jovens).

A tese que alimentou o pântano de Macron e tem insuflado Le Pen como sua alternativa é acarinhada por muitos centristas, até no PS português: a clivagem fundamental deixou de ser entre a esquerda e a direita, mas entre “globalistas” e “nacionalistas”, “iliberais” e “liberais”, entregando à extrema-direita o papel de ser alternativa descontente ao poder e anulando as alternativas políticas no campo político que recusa a xenofobia.

Não há uma dicotomia, há, cada vez mais, um tripé, como defendi num longo texto que escrevi há cinco anos: o consenso neoliberal da TINA, onde tanto cabem conservadores bastante virulentos como “progressistas” que casam truncados ideais de emancipação e formas letais de financeirização; o nacionalismo xenófobo que serve os mesmos interesses mas apela ao voto das classes médias e pequenos proprietários em perda e às classes populares excluídas da globalização; e uma alternativa da esquerda que não sonha apenas em gerir a derrota e não desistiu de políticas sociais e económicas alternativas – por vezes com traços populistas, no sentido que lhe dá Chantal Mouffe. Fazendo um paralelismo perigoso, podemos dizer que nas últimas eleições americanas estes espaços eram ocupados, respetivamente, por Clinton, Trump e Sanders.

Se a tese da dicotomia fosse verdadeira, Le Pen não se teria ficado pelos 34% na segunda volta das eleições de 2017 e venceria sem qualquer dificuldade esta segunda volta. Porque teria os votos dos supostos iliberais de Mélenchon que, somados ao da extrema-direita, lhe dariam bem mais de 50% sem precisar de um voto da direita tradicional. Não sei se Le Pen vencerá a segunda volta. Se vencer, não tem nada a ver com a divisão entre iliberais e liberais. Tem a ver com o profundíssimo ódio das classes populares francesas a Macron. A diferença, nestas eleições, é que a oposição poderia ser representada, numa segunda volta, pelo discurso social da esquerda, e não pela xenofobia da extrema-direita. Não o foi por dois pontos percentuais.

A esquerda tem culpas. Bastaria candidatos à esquerda terem desistido para Jean-Luc Melenchon (como até Segolene Royal defendeu) e afastariam Le Pen da segunda volta. Espero que, agora, os eleitores de Mélenchon tenham o pragmatismo que faltou aos que, votando no ecologista Yannick Jadot (4,5%), no comunista m Fabien Roussel (2,3%), na socialista Anne Hidalgo (1,7%) ou nos dois candidatos trotsquistas, permitiram que Le Pen fosse à segunda volta.

Há cinco anos, os eleitores de Mélenchon deram a vitória a Macron. Este ano, segundo as projeções, uma parte votará nele, outra menos numerosa (mas ainda muitos) votará Le Pen e a maioria ainda está inclinada para a abstenção. Conseguir levar esse voto irado com o que tem sido Macron até ao próprio Macron é uma tarefa hercúlea. Este agora é o momento para voltar a impedir o pior: que Le Pen governe. Votando no homem que, conscientemente, a alimentou. Ninguém disse que salvar a democracia não implicava engolir muitos sapos. Para continuarem, no dia seguinte, a combater Macron.

O centrão do neoliberalismo “progressista” (socorrendo-me de Nancy Fraser, que assim caracteriza os Novos Democratas de Clinton ou o New Labour de Blair) ou conservador bem se esforça para atirar estes eleitores para a extrema-direita. Se se continuar a esforçar muito, um dia acabará por acontecer. E terá finalmente a única bipolarização que lhe interessa: ou o ele ou o impensável. O seu projeto é afunilar a democracia até à total ausência de alternativas internas. Mais cedo ou mais tarde a tragédia acontecerá num país estruturante para a Europa, como a França. Não tenho dúvidas que prefere isso a aceitar qualquer alternativa a um modelo económico e social que vai deixando cada vez mais gente de fora. Cada vez mais gente para votar em Le Pen.»

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10.4.22

França: «Não passarão?»

 



Eleições presidenciais – Projecções para a primeira volta (20h de França):

Macron – 28,1%
Le Pen  – 23,3%
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«Imagine» pela Ucrânia

 





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Putin na segunda volta, em França



 

«A Rússia tentou influenciar o resultado das últimas eleições presidenciais francesas a favor da candidata de extrema-direita Marine Le Pen e não deixará de o fazer nas actuais eleições. Seja Marine Le Pen, Éric Zemmour ou até Jean-Luc Mélenchon, o adversário de Emmanuel Macron na segunda volta, a 24 de Abril, será sempre do agrado de Vladimir Putin.

A primeira pode ter eliminado milhares de folhetos de campanha nos quais exibia com garbo uma fotografia com Vladimir Putin e condenado mais recentemente a invasão da Ucrânia. A candidata da extrema-direita, para quem a Rússia é uma democracia, prefere falar das condições de vida das classes sociais mais desfavorecidas, a pronunciar-se sobre o financiamento de proximidade do “imperador do Kremlin”. Esta estratégia cínica faz dela a mais provável adversária de Emmanuel Macron na segunda volta das presidenciais.

Le Pen deixou para Éric Zemmour o discurso xenófobo, islamofóbico e anti-semita. Zemmour, um judeu revisionista que procura reabilitar o regime de Vichy, que deportou milhares de judeus, encara a invasão russa como legítima, a pretexto da expansão da NATO. Enquanto a primeira opta por falar de economia e finanças, de como baixar combustíveis e impostos, o segundo prefere a teoria da “grande substituição”, de como os franceses estão em risco no seu próprio país e da “reconquista do maior país do mundo”, numa alusão à luta dos francos contra os mouros, na Idade Média. A extrema-direita, junta, já representa a maioria do eleitorado e estará, certamente, representada nesta segunda volta.

Jean-Luc Mélenchon, por seu lado, classifica o regime russo como um parceiro de confiança e os EUA como o seu contrário. A simpatia por Putin, em todos eles, convive com um antiamericanismo básico.

Valérie Pécresse, d’Os Republicanos, e Anne Hidalgo, do PS, assim como os seus partidos, são irrelevantes no desfecho destas eleições e estão prestes a transformar-se num anacronismo. (Os socialistas podem não ir além dos 2% nas intenções de voto e estão em risco de desaparecer.)

À medida que se estreita a diferença percentual entre Macron e a candidata da União Nacional, que é praticamente de empate técnico, Le Pen, Zemmour ou Melánchon na Presidência francesa representam o que o Libération titulava por estes dias: “Um perigo maior do que nunca.”

Em caso de vitória, nada garante que os três abandonem a intenção de retirar a França da NATO ou de minarem a União Europeia a partir de dentro. Neste cenário, malheureusement, Macron é um mal menor.»

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