30.12.17

Idiotia e Felicidade



«Como pode ser-se idiota e, ao mesmo tempo, feliz, pergunta-me um leitor? Pois explico já. A idiotia e a felicidade são ideias muito vagas, difíceis de cingir em conceitos de circulação universal, digamos. Mas, pensando melhor, acho que certa idiotia é susceptível de conferir ao idiota seu proprietário (ou seu prisioneiro) uma espécie de segurança em si próprio que o levará, em determinados momentos, julgo eu, a uma beatitude muito próxima do que se pode chamar estado de felicidade. Assim sendo, não vejo incompatibilidade entre o ser-se idiota e o ser-se feliz. Bem sei que há várias maneiras de se chegar a idiota. (...)

Ora, um idiota que é infeliz por saber que é idiota já pode estar a caminho de deixar de o ser. É uma possibilidade. É a tal luz no fundo do túnel, como se disse tantas vezes a propósito da situação económica deste idiota de país.

Não se espante, por conseguinte, o leitor de que um qualquer idiota possa, ao mesmo tempo, ser feliz. É, até, assaz corrente. Há idiotas que se consideram inteligentíssimos, o que é uma forma muito comum de idiotia, e extraem dessa certeza alguma felicidade, aquela maneira de felicidade que consiste em uma pessoa se julgar muito superior às que a rodeiam.
O leitor gostaria de ser ministro ou secretário de Estado? Pois fique sabendo que há quem goste, embora - será justo dizê-lo - também há quem o seja a contragosto, por dever partidário ou patriótico.

Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima como poder, é, quase sempre, um perigo.
Oremos.
Oremos para que o idiota só muito raramente se sinta feliz. Também, coitado, há-de ter, volta e meia, que sentir-se qualquer coisa.»

Alexandre O'Neill, Uma Coisa em Forma de Assim, 1980 
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O cocó do Presidente



Não pode ser, a realidade ultrapassa a ficção, o «Inimigo Público» fez uma OPA à página da presidência!
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Um país encalhado



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Poupo-vos os balanços do fim do ano. Um ano é uma convenção e quando termina significa que há preços (muitos) que vão aumentar e alguns impostos (poucos) que vão descer. Espera-se. As pessoas vêm das festas e isso embota a consciência, o que certamente ajuda. Depois volta a rotina.

A comunicação social torna-se absolutamente aborrecida e repete todos os anos as mesmas reportagens. Gostava de saber o que é que aconteceria se houvesse uma estação de televisão em que nada tivesse que ver com o Natal, nem filmes infantis, nem reportagens sobre as consoadas nos hotéis, nem competições de árvores de Natal, nem corridas de Pais Natal, nem multidões nas compras, nem voos cheios e esperas nos aeroportos, nem as greves sazonais. Nem nada. Sem um átomo de “espírito natalício”. Infelizmente ninguém o vai fazer, pelo que estamos condenados a ter tudo igual. Na verdade, não é nada de diferente do que acontece todo ano, só que aqui nota-se mais.

Novidades em 2017? Houve algumas, mas só duas é que podem ser importantes para 2018. Uma foi a crise dos incêndios, que afectou e muito o Governo, e a outra é o contínuo “cumprimento das regras europeias” — saída do défice excessivo — Centeno no Eurogrupo, três aspectos da mesma coisa: o Governo socialista-comunista-bloquista vai governar com o mesmo modelo dos governos da troika, moderado pela margem de manobra de uma melhor economia, mas igualmente castrador.

No PSD, um demónio vingador condenou tudo a continuar quase na mesma. Rio não é igual a Lopes, nem em carácter, nem em competência, nem em seriedade e responsabilidade, é melhor, mas ambos resolveram fazer uma campanha péssima de continuidade e de medo de tomar posições, numa altura em que mais do que nunca o PSD precisava de rupturas. Tornam-se assim um factor de conservadorismo, de bloqueio do debate político, logo um impeditivo à abertura e à vitalidade do partido. Colocar Passos Coelho numa redoma não diminui o poder dos seus actores menores que conduziram um processo sinistro de mediocratização do PSD, e cuja principal preocupação é a sua carreira. Ainda recentemente um deles fez uma exibição televisiva de absoluta ignorância sobre o que estava a dizer e não é excepção nesse abaixamento de bitola de qualidade mínima. Apostaram quase todos em Lopes, mas como a sua legitimação e poder partidário vinha de Passos, deixando os anos do “ajustamento” intactos, ou vão fazer a transumância, caso Rio ganhe, ou estão em condições para lhe fazer a vida negra, como Passos fez a Manuela Ferreira Leite. Por aí, infelizmente não vai haver a força necessária para virar situação de decadência do partido.

Por isso, em 2018, digam o que disserem as sondagens, o Governo está mais fragilizado, o PSD idem, e o país está condenado a uma política de estagnação para a qual parece não haver forças endógenas que alterem o rumo. Daí que por muito que a situação pareça de estabilidade ela é inerentemente instável. A única efectiva criação na política portuguesa dos últimos anos, a aliança PS-PCP-BE, está por isso condenada a traduzir essa instabilidade de fundo, e, a continuarem as coisas como estão, não vai acabar bem nas eleições de 2019. O excesso de tacticismo que domina a política portuguesa faz com que todos os membros da aliança estejam a fazer navegação de cabotagem e a ver se ganham alguma coisa pelo meio, sem qualquer plano consistente para o futuro. O PS pode esperar por ter uma maioria absoluta, o que até agora, mesmo no contexto mais favorável antes dos incêndios, não estava adquirido. Penso que Costa, que já aprendeu com os erros da campanha de 2015, é mais prudente e deseja uma forma qualquer de acordo eleitoral prévio, mas no PS há muita gente a desejar alijar o PCP e o BE, ou a negociar com eles na base de uma posição de força. Saliente-se que uma das razões por que foi possível o acordo de governo PS-PCP-BE foi o facto de o PS não ter condições para negociar a partir de uma situação de força.



29.12.17

São portugueses, com certeza

Dica (688)

Racismo? Balanço positivo



«2017 foi um ano zero no debate público sobre racismo em Portugal: proliferaram as vozes que denunciaram o racismo no quotidiano, nas estruturas de oportunidade e na construção de conhecimento – levando ao fim do estado de negação. (…)
Se 2018 for capaz de inscrever na nação as populações negras, ciganas ou muçulmanas com dignidade e complexidade, ficará para a história.»
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Quanto mais me financias, mais gosto de ti



«Queria começar esta crónica desejando um magnífico ano de 2018 para todos os leitores, excluindo os que pertencem a partidos. A esses é escusado desejar porque já o garantiram. Isto foi a forma irónica - ou, segundo o spin partidário, populista - de fazer uma "piada" à recente lei do financiamento dos partidos.

Para começar, o facto de termos de acautelar um limite para as doações é uma espécie de confissão dos partidos - agarrem-me, senão eu roubo. Vou usar de todo o meu populismo para dizer que somos um país onde os políticos ganham pouco, mas gastam muito.

Podíamos estar aqui horas a falar da forma e conteúdo desta nova lei, mas estamos todos demasiado cansados das consoadas e das conversas em família. Das alterações à lei, a que me faz mais confusão é a isenção total de IVA para os partidos políticos, com efeitos retroactivos.

Vamos lá ver. Se os partidos acham que era injusto o IVA que pagaram em tempos e querem recebê-lo de volta, eu também quero receber o IVA que paguei a mais nos restaurantes no tempo da PAF. Este Governo já confirmou que era injusto. Isenção do IVA com efeitos retroactivos aos processos pendentes dá vontade de chorar, não fosse o IVA dos lenços.

Acho espectacular que se pague IVA de fraldas e que, a seguir, se façam comícios e as bandeiras não paguem IVA e nem para limpar o rabo servem. Segundo o que li, os partidos passam a ter IVA mais favorável do que as IPSS. Pelo menos, já dá para comprar verdadeira roupa de alta-costura.

O mais extraordinário do spin partidário é o querer reduzir a indignação de muitos a populismo, logo aqueles que todos os dias o usam. A forma de tentar anular uma indignação que, estranhamente, muitos sentem é tentar diminuir intelectualmente quem a tem. Não resulta porque somos nós que vamos votar em vocês. A verdade é que, talvez por isso, julguem que somos intelectualmente fraquinhos.

Tal como resulta mal as falsas virgens ofendidas. Ver Santana Lopes e Rui Rio ficarem chocados com esta lei é o tipo de lição de moral que não consigo aceitar. É como ver Maradona chocado com o doping no ciclismo. Ou ver Assunção Cristas, agora, depois de meses e reuniões mais secretas do que aquelas a que vai o Nuno Magalhães na casa Mozart, vir dizer que saltou fora. Imagino que jamais o CDS vai aceitar devoluções e IVA, a não ser que venham em nome de um Jacinto Leite Capelo Rego. O CDS é o partido que fica do outro lado do muro a guardar enquanto os outros vão roubar as nêsperas, mas se aparece o dono diz que os outros foram às nêsperas.

Para acabar, o nosso sempre presente e opinativo Presidente Marcelo diz que não pode pronunciar-se "já" sobre as alterações à lei do financiamento dos partidos. Fico impressionado, até sobre o sentido da vida ele conseguiria falar mas, sobre isto, tem de meditar.

Termino como comecei, desejando um bom ano de 2018 para todos e uma excelente passagem de ano, mas deixo uma sugestão: depois desta lei do financiamento dos partidos, proponho trocar as cartolas compradas pela CML por auréolas para todos os portugueses. Bom ano. »

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28.12.17

Apesar de já ser passado



… não perdeu a validade.
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O admirável mundo proibido




Vale a pena percorrer a notícia e ver a longa lista de alimentos e bebidas referidos para contatar como entrámos, decididamente, num admirável mundo novo onde cada vez mais realidades são obrigatórias ou proibidas.

É isto que queremos? Uma vida mandatoriamente liofilizada? Triste mundo hipercivilizado…
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Feliz 2018 (se existir)



Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje:


Na íntegra AQUI.
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Marcelo escreve a Marcello



A propósito do Congresso da Oposição em 1973

Excelentíssimo Senhor Presidente (do Conselho),
Excelência,

Pedindo desculpa do tempo que tomo a Vossa Excelência, vinha solicitar alguns minutos de audiência (...). Seria possível, Senhor Presidente, conceder-me os escassos minutos que solicito? (...) Acompanhei de perto (como Vossa Excelência calcula), as vicissitudes relacionadas com o Congresso de Aveiro, e pude, de facto, tomar conhecimento de características de estrutura, funcionamento e ligações, que marcam nitidamente um controle (inesperado antes da efectuação) pelo PCP. Aliás, ao que parece, a actividade iniciada em Aveiro tem-se prolongado com deslocações no país e para fora dele, e com reuniões com meios mais jovens.

Como Vossa Excelência apontou, Aveiro representou, um pouco mais do que seria legítimo esperar, uma expressão política da posição do PC e o esbatimento das veleidades «soaristas». O discurso de Vossa Excelência antecipou-se ao rescaldo de Aveiro e às futuras manobras pré-eleitorais, e penso que caiu muito bem em vários sectores da opinião pública. Com os mais respeitosos e gratos cumprimentos,

Marcelo Rebelo de Sousa

* in «Cartas Particulares a Marcello Caetano», organização e selecção de José Freire Antunes, vol. 2, Lisboa, 1985, p. 353).

(Publicado no grupo do Facebook «Fascismo nunca mais!»)
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Passos decididos na direcção do caos



«Os sinais de que os passos rumo ao caos climático estão a ser dados foram sentidos de forma inequívoca em Portugal: os incêndios florestais de Junho e de Outubro, fruto de aberrações de temperatura e humidade, mostram-nos como o território nacional é vulnerável às alterações climáticas, em particular quando estas aberrações se sobrepuseram a uma longa seca que inviabilizou até o abastecimento de água às populações e à agricultura. Só a redução da massa de árvores é que limita a probabilidade de nos próximos dois a três anos termos incêndios desta mesma magnitude. Mas depois disso façam as vossas apostas, porque estruturalmente nada mudou no grande pinhal-eucaliptal que é a nossa área florestal. No balanço do ano de 2017, a dimensão dos incêndios florestais em Portugal é um gigante que só tem paralelo em outra monstruosidade: um novo aumento das emissões de gases com efeito de estufa à escala global.

Em 2017 bateu-se o recorde de furacões formados num ano sob o Oceano Atlântico: Franklin, Gert, Harvey, Irma, Jose, Katia, Lee, Maria, Nate e Ophelia. Entre estes dez furacões, o Harvey no Texas, o Irma em Cuba, Florida e Barbuda e o Maria em Porto Rico foram autênticas armas de destruição massiva. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, o Irma foi o furacão mais forte de sempre no Atlântico. Por outro lado, devido às temperaturas quentes aberrantes no Atlântico, o furacão Ophelia seguiu na direção da Europa, causando três mortos na Irlanda e na Grã-Bretanha, com os seus ventos quentes a contribuírem para o catastrófico dia de incêndios — 15 de Outubro — em Portugal e Espanha, que causou mais de 50 mortos. Entretanto, no Pacífico, o tufão Lan foi o segundo maior alguma vez registado e causou mortes e estragos no Japão. Cheias e aluimentos de terras na Colômbia, na Mauritânia, no Vietname e nas Filipinas provocaram centenas de mortes. Nos Estados Unidos, a época de incêndios, em particular na Califórnia, foi a pior de que há registos, devastando zonas urbanas e deixando centenas de milhares de pessoas sem casas.

Com o degelo recorde na Gronelândia e na Antártida Ocidental, a subida do nível médio do mar em 2017 foi de 3,4 milímetros.

Politicamente, a saída anunciada do Acordo de Paris por parte dos Estados Unidos de Trump confirmou a entrada num novo capítulo da retórica americana acerca das alterações climáticas (embora não na prática, já que vem das administrações anteriores a colocação dos EUA no topo das emissões e da produção de combustíveis fósseis). Entretanto, o Presidente francês Emmanuel Macron descobriu nas alterações climáticas um filão de oportunidade política e organizou uma cimeira em Paris para discutir em abstrato o que fazer. O Banco Mundial anunciou mais dois anos de financiamento à indústria fóssil e o governo francês aprovou no Parlamento a proibição da exploração de combustíveis fósseis... em 2040. A União Europeia, por outro lado, propôs ao Banco Europeu de Investimento que subsidie a construção de um sistema de infraestruturas de transporte e armazenamento de gás natural, mais de 90 projetos para resgatar a indústria petrolífera durante mais quatro ou cinco décadas e evitar a transição para as energias renováveis.

A ministra portuguesa do Mar assinou um acordo com um subsecretário de Estado dos EUA com a intenção de tornar o Porto de Sines uma porta de entrada para o gás de fracking americano. Na cimeira de Macron, António Costa aproveitou para repetir um anúncio que já tinha feito na Cimeira (oficial) do Clima em Bona: as duas maiores centrais a carvão do país fecharão até 2030. O cenário de referência para o Programa Nacional para as Alterações Climáticas, aprovado pelo governo Passos Coelho, colocava a central térmica de Sines da EDP fora de funcionamento já em 2020. A ambição do Governo do PS é dar-lhe mais dez anos. Ao mesmo tempo, o Governo recusou-se pôr um ponto final nas concessões petrolíferas ao largo do Alentejo e em terra (Batalha e Pombal), apesar de várias propostas parlamentares nesse sentido. Se decidir prolongar pela terceira vez a autorização da ENI/Galp para furar em Aljezur, o Governo comprará uma grande batalha para 2018.

Tal como se fazem diariamente as contas dos orçamentos de municípios, regiões, países, espaços comunitários, também se fazem contas para o "orçamento de carbono", com a atualização constante das emissões de gases com efeito de estufa que podem ser feitas até se atingirem aumentos de 1,5ºC, 2ºC, 3ºC e por aí fora. Segundo o Carbon Brief, site de académicos e jornalistas dedicado às alterações climáticas, estamos a menos de cinco anos de atingir um aumento de temperatura de 1,5ºC, e a menos de 20 anos de atingirmos um aumento de temperatura de 2ºC. Este aumento de temperatura é aquilo que o Acordo de Paris teoricamente queria evitar até 2100, mas que, mantendo este rumo, ocorrerá em 2036. Em 2017, depois de três anos de estagnação das emissões de gases com efeito de estufa, as emissões voltaram à trajetória ascendente, devendo aumentar 2% em relação ao ano anterior, naquele que é o sinal mais inequívoco de que entre o oportunismo político e a força da indústria petrolífera, estão longe de ser atingidas as acções necessárias devido à fraqueza e à cobardia das instituições nacionais e internacionais, que marcham alegremente na direção do caos.»

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27.12.17

Dica (687)




«Sim, é verdade que muitas vezes governo, Parlamento e tribunais se colocam a jeito e dão enormes tiros no pé mas, com Marcelo desabrido, como aconteceu ao longo deste ano, na opinião pública prevalece a ideia de que nem o governo governa, nem o Parlamento é útil, nem os tribunais fazem justiça e, por isso, parece que todos os órgãos de soberania, tirando a Presidência da República, são inúteis. Isto, para mim, é suficiente, apesar de gostar da persona Marcelo Rebelo de Sousa, para achar que ele não é o político do ano e, até, que pode vir a ser pernicioso para o país... Esperemos que não.»
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Ei-lo, o primeiro caso «pós-natalício»



«Foi recebido no Palácio de Belém na passada sexta-feira, 22 de dezembro, o Decreto da Assembleia da República n.º 177/2017, que altera a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), a Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), a Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei de financiamento dos Partidos Políticos e das campanhas eleitorais) e a Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei da organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

Trata-se, portanto de uma Lei Orgânica, ou seja, de um diploma sobre o qual o Presidente da República não se pode pronunciar antes de decorridos oito dias após a sua receção, nos termos do Artigo 278.º, n.º 7, da Constituição da República.

Como previsto no mesmo artigo, durante este período de oito dias e após a notificação pelo Presidente da Assembleia da República, têm o Primeiro-Ministro e um quinto dos Deputados em funções, o direito de requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto.»

E agora, senhores partidos? Uma prendinha de Ano Novo para o presidente vetar?
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E assim se fazem notícias



Um jornal publica, os outros papagueiam e abre-se um pé de vento. Quando, afinal, as cartolas, que tanta tinta fazem correr nas redes sociais, custam zero euros à CML:

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Orçamento: ainda falta segurança contra riscos



«Diz o Presidente, num excessivo gesto de comentador: cuidado com os eleitoralismos em 2019. A boa notícia é que Marcelo, como toda a gente, dá como garantida a execução orçamental de 2018; a má notícia é que há nervosismo no horizonte de 2019. Ora, gostaria de contrariar esta flutuação e de recomendar mais prudência. Neste artigo, apresento a minha lista dos riscos para o orçamento, para provar que não há favas contadas.

Risco 1. Olhar só para muito longe pode dar tropeção, falta cumprir o orçamento de 2018. E vão surgir previstos e imprevistos. Os previstos: desgaste dos serviços públicos, que têm uma dívida oculta correspondente ao não investimento. No caso da saúde, o défice é tal que o reforço de verbas não tem sido suficiente para evitar a redução do peso dos cuidados garantidos pelo Estado, ou seja, as famílias pagam um imposto secreto que é o seu custo suplementar com saúde. Assim, o tempo de espera aumentou e as consultas de cuidados primários ainda são menos do que 2011. É certo que Portugal teve grandes progressos, que nascer aqui é mais seguro do que na maior parte dos países europeus, que as complicações pós-cirúrgicas são delimitadas. Mas falta investimento em carreiras profissionais e reequipamento. A saúde vai sempre ser mais cara, até por causa dos problemas estruturais do envelhecimento e estilo de vida. O Orçamento precisaria de mais 1% do PIB para começar a inverter a degradação dos serviços públicos. Depois temos os imprevistos internos, como os resultados da negociação sobre as carreiras da função pública, ou externos, como Trump.

Risco 2. A banca é um susto e é um susto caro, já custou 40 mil milhões numa década. São agora mais 30 mil milhões de crédito malparado que a banca quer que o Estado pague de uma forma ou outra (ou em impostos ou em donativos). Mas há outros problemas, como a União Bancária. Diz o Governo, complete-se. Insensatez, porque o problema é que essa máquina foi criada para retirar ao soberano o poder de agir sobre o sistema bancário do seu país e para promover a concentração bancária, como explicou Danièle Nouy ao PÚBLICO. Ou seja, para fazer do Santander o banco da Europa do sul. E isto pode tremer, sobretudo com a banca italiana e mesmo a alemã. Ninguém sabe quanto vai custar.
Mais riscos: a partir de Setembro não se sabe o que fará o BCE com os títulos de dívida portuguesa (37 mil milhões). A melhor solução seria uma garantia de recompra de títulos emitidos sempre que os actuais chegarem à maturidade. Mas pode haver outras que pressionem a subida dos juros e efeitos recessivos (e as aventuras de Trump também puxam os juros para cima).



26.12.17

Dica (686)




«When it comes to the would-be AI jobocalypse the Kool-Aid flows mightily. For those that drinketh of it, it is certain that in the not-too-distant future artificial intelligence and-or robots will steal the vast majority of jobs currently occupied by human beings. In the United States, where the social safety net is all but nonexistent, the outcome of such a technological leap forward would be societal collapse, barring dramatic progressive economic restructuring.

On the other hand, this might not be at all true. Maybe in real life there are a great many jobs that we just don’t want machines to do—such as those in healthcare, the fastest-growing job sector by a wide margin—or even that machines fundamentallycan’t do. This second category is the focus of a policy paper published this week inScience by researchers Erik Brynjolfsson and Tom Mitchell of the Sloan School of Management at MIT. Generally, they find that while, no, it’s not really the “end of work,” things are nonetheless about to get weird.»
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Jean Ferrat teria 87

O grande Jean Ferrat, representante típico de gerações de intérpretes politicamente engagés, para sempre ligado a «Nuit et Brouillard» e a tantos outros títulos, o eterno compagnon de route do Partido Comunista Francês, que não hesitou em denunciar a invasão de Praga em 1968.




C'est un nom terrible Camarade / C'est un nom terrible à dire / Quand le temps d'une mascarade / Il ne fait plus que fremir / Que venez-vous faire Camarade / Que venez-vous faire ici / Ce fut à cinq heures dans Prague / Que le mois d'août s'obscurcit.

Mas para além de tudo isto ficará para sempre:


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Belém, palácio desocupado



Excelentes condições, belas vistas.
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Este jovem faria hoje 124 anitos


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Pós-democracia



«O conceito de pós-democracia, tal como o vamos desenvolver adiante, parece ter partido do sociólogo Colin Crouch, (n. 1944), professor em Inglaterra na Universidade de Warwick, no seu livro Coping with Post-Democracy, publicado em 2000.

Trata-se da constatação de que, com a globalização, muitas das decisões tomadas, na política como na economia, são-no a nível global, nos foros internacionais, de que a maior parte das pessoas estão arredadas. Daí uma clara falta de interesse pela política e consequente abandono da participação nos actos eleitorais, principalmente nos países desenvolvidos, onde raramente as abstenções são abaixo dos 50%.

Aqui, apontar-se-ia de imediato a União Europeia como uma das causas para o alheamento referido. Mas o mesmo acontece noutras regiões como nos Estados Unidos e Japão, onde as instituições políticas são de outro tipo. Porém, o que Colin Crouch esclareceu foi que nessas sociedades as instituições democráticas existem, mas são meramente formais, uma vez que as decisões são tomadas por uma elite que detém o poder político e económico. E isto é evidente desde que o neoliberalismo se tornou teoria e prática depois da implosão da União Soviética e dos outros países socialistas.

A financeirização da vida política e económica, onde tudo é considerado mercadoria, desde os humanos à arte, é aceite por todos os “especialistas” destas questões, que aparecem com os seus comentários e alertas sempre a invocar o imperativo do lucro das grandes empresas. Dois casos recentes em Portugal são elucidativos. Quando o governo de Passos Coelho ficou na posse de 85 quadros de Miró, que pertenciam ao BPN, logo se disponibilizou para os leiloar a um preço avaliado em 36 milhões de euros, seguramente para agradar à troika e às instituições que tinham o governo sob tutela. Muito se devem ter impressionado alguns elementos dessas instituições pelo menosprezo demonstrado por uma colecção de arte ímpar, a troco da redução de uma parcela ínfima da dívida portuguesa.



25.12.17

Espanha: não há rei para tanto país



Mais um discurso de um rei tão desastroso que talvez venha a ajudar Espanha a tornar-se uma República mais depressa do que previsível.

«Hoy, el rey Felipe ha intentado entrar en muchas casas asegurando que “hay que reconocer que no todo han sido aciertos; que persisten situaciones difíciles que hay que corregir, y que requieren de un compromiso de toda la sociedad para superarlas". ¿Qué "sociedad", se preguntarán muchos/as españoles? ¿La que Su Majestad protegía el 3 de octubre? ¿Esa mayoría silenciosa que resultó ser un engaño electoral? ¿La que eligió y reeligió la opción independentista en Catalunya? ¿La que contempló horrorizada, desde Lugo a Málaga, las cargas del 1-O y el encarcelamiento sin sentencia y sin consenso jurídico de líderes políticos con su bendición?»

Daqui – a ler na íntegra.
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A gente põe-se a pensar e pergunta

Dia de era bom


DIA DE NATAL

Hoje é o dia de era bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros- coitadinhos- nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra- louvado seja o Senhor!- o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão
...
...

24.12.17

Natal, Natal



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Assombrações natalícias



Vai uma pessoa comprar um bolo-rei ao Califa, como habitualmente, e está pela primeira vez na vida a um metro deste paspalho!
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Não Digo do Natal



Não digo do Natal – digo da nata
do tempo que se coalha com o frio
e nos fica branquíssima e exacta
nas mãos que não sabem de que cio

nasceu esta semente; mas que invade
esses tempos relíquidos e pardos
e faz assim que o coração se agrade
de terrenos de pedras e de cardos

por dezembros cobertos. Só então
é que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visão,

e as cores da terra são feroz loucura
moídas numa só, e feitas pão
com que a vida resiste, e anda, e dura.

Pedro Tamen, in Antologia Poética 
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