«Diz o Presidente, num excessivo gesto de comentador: cuidado com os eleitoralismos em 2019. A boa notícia é que Marcelo, como toda a gente, dá como garantida a execução orçamental de 2018; a má notícia é que há nervosismo no horizonte de 2019. Ora, gostaria de contrariar esta flutuação e de recomendar mais prudência. Neste artigo, apresento a minha lista dos riscos para o orçamento, para provar que não há favas contadas.
Risco 1. Olhar só para muito longe pode dar tropeção, falta cumprir o orçamento de 2018. E vão surgir previstos e imprevistos. Os previstos: desgaste dos serviços públicos, que têm uma dívida oculta correspondente ao não investimento. No caso da saúde, o défice é tal que o reforço de verbas não tem sido suficiente para evitar a redução do peso dos cuidados garantidos pelo Estado, ou seja, as famílias pagam um imposto secreto que é o seu custo suplementar com saúde. Assim, o tempo de espera aumentou e as consultas de cuidados primários ainda são menos do que 2011. É certo que Portugal teve grandes progressos, que nascer aqui é mais seguro do que na maior parte dos países europeus, que as complicações pós-cirúrgicas são delimitadas. Mas falta investimento em carreiras profissionais e reequipamento. A saúde vai sempre ser mais cara, até por causa dos problemas estruturais do envelhecimento e estilo de vida. O Orçamento precisaria de mais 1% do PIB para começar a inverter a degradação dos serviços públicos. Depois temos os imprevistos internos, como os resultados da negociação sobre as carreiras da função pública, ou externos, como Trump.
Risco 2. A banca é um susto e é um susto caro, já custou 40 mil milhões numa década. São agora mais 30 mil milhões de crédito malparado que a banca quer que o Estado pague de uma forma ou outra (ou em impostos ou em donativos). Mas há outros problemas, como a União Bancária. Diz o Governo, complete-se. Insensatez, porque o problema é que essa máquina foi criada para retirar ao soberano o poder de agir sobre o sistema bancário do seu país e para promover a concentração bancária, como explicou Danièle Nouy ao PÚBLICO. Ou seja, para fazer do Santander o banco da Europa do sul. E isto pode tremer, sobretudo com a banca italiana e mesmo a alemã. Ninguém sabe quanto vai custar.
Mais riscos: a partir de Setembro não se sabe o que fará o BCE com os títulos de dívida portuguesa (37 mil milhões). A melhor solução seria uma garantia de recompra de títulos emitidos sempre que os actuais chegarem à maturidade. Mas pode haver outras que pressionem a subida dos juros e efeitos recessivos (e as aventuras de Trump também puxam os juros para cima).
Risco 3. Do Conselho de Finanças Públicas já veio sermão sobre outro risco, que Portugal não cumpra o ajustamento do “saldo estrutural”. Talvez tivesse feito melhor em ler o The Economist, que pergunta: “E o que se passa com o rococó livro de regras orçamentais do euro, que avalia os orçamentos dos governos em função de uma projecção fantasmagórica de ‘défice estrutural’ que ninguém percebe e que é aparentemente reinventada, como diz um funcionário, de cada vez que a Itália sofre um terramoto?” (16 dezembro 2017). O “saldo estrutural” é um artifício estatístico, um jogo político que serve simplesmente para ameaçar governos (desde que não seja o francês, claro). É um risco permanente só porque as autoridades europeias podem sempre voltar à versão Schauble.
Risco 4. O aumento do PIB em 2,5% este ano (4% em termos nominais) significa aumento de importações, sobretudo porque a estrutura produtiva é deficiente. Até agora, as exportações crescem mais, mas estas são sobretudo turismo que, mesmo mantendo-se, não altera a posição internacional da economia portuguesa. A balança corrente sofrerá sempre os impactos negativos do euro sobrevalorizado e da falta de investimento em Portugal. Sem crescimento da capacidade produtiva por investimento e emprego, não se conseguem exportações líquidas positivas a prazo. Para isso era preciso pelo menos mais 2% no PIB em investimento público, se não mais.
Risco 5. É o maior risco, a dívida. Não vai crescer, porque o défice previsto para 2018, 1,1%, atinge-se já em 2017, uma modesta restruturação vai ocorrendo com o pagamento antecipado ao FMI e parte da dívida é antecipada ou amortizada (em 2018 são amortizados 6,7 mil milhões, com novas emissões que terão juro mais baixo). E, como desde 2012 há um excedente de balança corrente e de capital, temos uma redução ligeira de dívida externa líquida. Mas já é grande demais e Portugal vive condenado, por dois motivos: primeiro, estamos a usar parte de poupança interna para pagar ao exterior, quando devíamos usar esses recursos para investimento, e o sector privado endivida-se mais; segundo, a taxa de juro média é demasiado alta, mais de 3%. Para a média de maturidade de obrigações públicas de cerca de 8 anos, o juro de mercado é agora de 1,4%, um terço do que pagamos. Ou seja, a proposta de restruturação da dívida que o grupo de trabalho Governo-PS-BE apresentou é realista (substituir as obrigações por outras a juro de 1% e com prazo maior), e ainda mais no momento actual, ao contrário do que sugere o governo, que tornou claro que tem outra agenda. O efeito na balança de rendimentos da restruturação proposta responderia às necessidades atrás apontadas na recuperação dos serviços públicos e no investimento.
O impasse é este: não se faz o essencial que falta, a restruturação da dívida, para não se fazer o que falta e que é essencial, recuperar os serviços públicos. Por isso, o Orçamento, um sucesso político porque baixa o IRS, é pouco ambicioso. Navega, mas não corrige o rumo. E deixa para o ano mais curto, 2019, as tarefas que definem a modernização de uma democracia competente para o dia a dia de cada um e uma. Não há lugar para eleitoralismos, mas é preciso rigor nas contas que contam para as pessoas.»
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