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30.3.19
30.03.1922 - Gago Coutinho e Sacadura Cabral e a primeira travessia aérea do Atlântico Sul
Dizem-nos que somos os melhores dos melhores em tudo e aqui está uma das provas. Reza a história que Gago Coutinho e Sacadura Cabral iniciaram a primeira travessia aérea do Atlântico Sul em 30 de Março de 1922 e que chegaram a Fernando Noronha, depois de várias etapas e muitas aventuras. No dia 11 de Maio, data deste exemplar de O Século, descolaram daquela ilha – e muitas outras peripécias se seguiram.
O Editorial do jornal e uma série de textos que preenchem a primeira página são absolutamente extraordinários, tanto quanto a forma como quanto a conteúdo. Não resisto:
«Estua mais forte o sangue nos corações lusíadas. Uma aura emocional desprende-se das almas e flutua e adeja e liberta-se para o Alto, em ânsia e em êxtase.
Hora santificada esta. Hora terníssima e religiosa, em que o espírito da Raça ampara e impele as suas polarizações mais belas para um infinito de glória. (…)
De novo a mais bela aventura da nossa Raça, para uma das maiores de todas as idades, a águia lusitana se libra, fitando o Sol, desafiando os elementos, orgulhosamente, dominadoramente. (…)
E uma saudade há-de cair dolente sobre a pedra tumular dessa «Lusitânia» de Sonho. Rico sarcófago para uma ânsia de infinito – o Oceano! Digna lágea sepulcral essa dos Rochedos – que desafiam os séculos – para um Sonho grande – que assombrou o mundo!»
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“Conheci muito bem o seu pai, foi meu aluno”
José Pacheco Pereira no Público de hoje:
«O actual tema das “famílias” é um típico tema de campanha eleitoral. Há quem o trate a sério e há quem com ele faça campanha eleitoral. Não gostaria de me misturar com uma direita que, como não consegue criticar o núcleo duro das políticas do governo, na economia e nas finanças, atira ao lado. Acontece que não tem qualquer autoridade para falar, até porque tem demasiadas “famílias” bem mais perigosas do que aquelas que criticam e, sobre elas, nem uma linha. Acresce que têm também o mesmo tipo de “famílias” governamentais e arredores do PS. Admito que, no passado, mais diluídas do que a actual concentração governamental.
Contei outro dia, na “Circulatura do Quadrado”, uma cena que todos os alunos de Direito que tiveram Marcelo Caetano como professor conheciam. Caetano chegava à primeira aula e chamava os estudantes um a um, e interpelava-os com variantes da mesma conversa: “conheci muito bem o seu pai”; “você não é sobrinho de X? É que ele foi meu aluno”; “é da família X? O seu tio esteve comigo nos Graduados da Mocidade Portuguesa”; “o seu pai ainda está em Moçambique?”, etc., etc. De vez em quando, empancava num plebeu e não sabia o que dizer. Mas a concentração de alunos, filhos, sobrinhos e parentes de outros antigos alunos na Faculdade de Direito de Lisboa era muito grande. Estávamos numa época em que na universidade havia apenas 4% de estudantes de famílias operárias e camponesas. Aliás, mesmo após 45 anos de democracia, ainda existem problemas com as “famílias”, em particular filhos de professores na Faculdade de Direito, que suscitaram um conflito a que não se deu muita atenção pela necessidade de as provas escritas serem anónimas para evitar favorecimentos “familiares”.
Veio o 25 de Abril e o recrutamento político democratizou-se significativamente. Partidos como o PSD, o PS, o PCP trouxeram para a vida política gente que vinha de “baixo” ou do “meio”, mas essa democratização não foi tão longe como se pensa. Uma divisão social profunda continua a existir na sociedade portuguesa, só que a parte que cabe aos políticos eleitos e aos governantes é a parte de baixo da cadeia alimentar das “famílias”. A obsessão populista com os “políticos” esquece que a maioria deles não tem qualquer poder significativo e, ao concentrar-se neles, ajuda a permanecer discretos os verdadeiros poderosos. E esses continuam a “mandar” em Portugal. E não estou a falar do DDT mais conhecido, mas no “círculo de confiança” que dos negócios à advocacia, aos lóbis, às empresas, aos think tanks e fundações subsidiados, controlam tudo o que é importante na decisão económica, social e política em Portugal. Há um “círculo” parecido na cultura e nos media, com relações próximas com o que referi antes, mas esse fica para outra altura.
Esse “círculo de confiança” é informal, mas controla escolhas de pessoas, ou nomeando-as para lugares estratégicos ou vetando-as, talvez o mais importante poder que tem, e acumula uma enorme quantidade de informação, pura e dura, sem distracções, que lhe vem da circulação dos seus membros pelos lugares de poder, quer políticos, quer nos conselhos de administração, quer nas comissões de remuneração, quer na pseudo-governance nas empresas, quer nos escritórios de advogados de negócios – sempre os mesmos a serem contratados pelo Estado ou contra o Estado –, quer nas empresas de auditoria ou de consultadoria financeira, nos grandes bancos, no Banco de Portugal, nos clubes desportivos, nas ligações obscuras na União Europeia, etc., etc. Essas é que são as “famílias” perigosas e também estão no governo, como de costume nas áreas mais sensíveis.
Comparado com isto, as “famílias” governamentais e partidárias são chicken feed, excelente expressão inglesa para designar “uma pequena quantidade de alguma coisa”. Não é que não sejam um sintoma, só que não são um sintoma daquilo que se lhes aponta. São um sintoma de um outro problema da democracia, o encolhimento da oligarquia partidária à medida que, cada vez mais, nos grandes partidos, PS e PSD, se implantam carreiras profissionalizadas, desde as “jotas” ao partido adulto, com gente que não tem qualquer experiência das dificuldades da vida a não ser in vitro dentro dos partidos. E é natural que a endogamia cresça, como acontece em todos os grupos que encolhem ou são muito fechados.
Há, no entanto, um outro factor preocupante, mas com esse pouca gente se interessa: é que tudo lhes facilita andar mais depressa. É que, sem pôr em causa o mérito de muitos membros dessas “famílias”, quando se lhes analisa o currículo profissional, académico ou de lugares públicos ou privados, se percebe que, face a outras pessoas de idêntico mérito, elas sobem mais depressa e isso tem a ver com os círculos de conhecimentos e amizades que os partidos proporcionam ou com o papel de instituições como a maçonaria no PS ou fundações, lóbis universitários ou mediáticos, na direita, ou as relações certas com as “famílias” certas.
É como as chitas, correm muito, são muito eficazes a caçar, mas casam demasiado entre elas e ficam mais expostas às doenças. As explicações patéticas de alguns dos membros do PS que vêm explicar por que razões casam com “camaradas” de partido mostram a doença das chitas em todo o seu esplendor, vivem no partido, convivem no partido, casam (e descasam) no partido, adormecem no partido, acordam no partido. Nos partidos não se deve viver a não ser com muita moderação. E fora deles é que estão a maioria das “famílias” dos predadores. As chitas vão passar, os predadores invisíveis vão continuar lá, na sombra. E diversificam os casamentos e divorciam-se menos. Sabem muito. Estes jovens ambiciosos do PS não sabem nada.»
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29.3.19
Daqui, desta Lisboa compassiva
Daqui, desta Lisboa compassiva,
Nápoles por suíços habitada,
onde a tristeza vil e apagada
se disfarça de gente mais activa;
daqui, deste pregão de voz antiga,
deste traquejo feroz de motoreta
ou do outro de gente mais selecta
que roda a quatro a nalga e a barriga;
daqui, deste azulejo incandescente,
da soleira de vida e piaçaba,
da sacada suspensa no poente,
do ramudo tristolho que se apaga;
daqui, só paciência, amigos meus!
Peguem lá o soneto e vão com Deus...
Alexandre O'Neill, atrás dos tempos vêm tempos, 1996
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O cansaço de César
«Carlos César está cansado e nota-se quando fala. Foi habituado a governar nos Açores com a maioria absoluta e a vida é outra coisa, é um descanso. No continente sempre foi almejada e quase sempre não conseguida, salvo com Sócrates, e deu no que deu.
César quer ter as mãos livres para fazer o que quiser, ele e os socialistas de que é líder parlamentar. Está desejoso de um tempo em que “trabalhar” seja gerir a seu bel-prazer os destinos do país. É um desejo ter uma legislatura de papo para o ar, sem prestar contas.
César acusa sérias dificuldades em fazer esforços para governar através de acordos com outras forças políticas à sua esquerda. Cansa-se. Dentro da sua ótica, se tivesse maioria absoluta fazia o que queria sem passar cavaco a ninguém; como Cavaco durante dez anos.
César cansa-se de ter de lidar com a oposição e até com as forças com quem fez acordos. Foi bom que tivesse dado nota do seu cansaço porque alertou os portugueses para essa sua fragilidade.
Como líder parlamentar do PS advertiu que no Parlamento se fatigará sem apelo nem agravo se não tiver mais de metade dos lugares. Deu conta que o PS bem quer trabalhar, mas a dialética resultante dos acordos e da oposição fá-lo emperrar, precisa de roda livre.
Compreende-se num homem cansado por tanto desesperar por uma maioria absoluta. César desabafou. Pôs o coração na boca e saiu este destempero sob esta forma tão subtil... "Estou cansado...” Que maçada.
Na verdade, o PCP, o BE, o PEV e o PAN exigem compromissos na defesa do SNS, da Escola Pública, de uma Justiça mais acessível, da Segurança Social e de uma política de melhoramento das condições de vida, em vez do empobrecimento levado a cabo pelo governo do PSD e do CDS.
Há no desabafo de César uma enorme sinceridade, o que é sempre louvável. A César o que é de César... Se os portugueses quiserem um César descansadíssimo têm de lhe dar uma maioria absoluta.
Neste caso, César chegaria ao Parlamento e saberia que o número de deputados o deixaria à larga, despreocupado. O Governo descansadamente teria no Parlamento um eco que repercutiria o que São Bento propusesse. A Assembleia da República seria uma caixa-de-ressonância do Governo.
César, pomposamente, disse o que os socialistas “preguiçosos” dizem entre eles, porque os há trabalhadores que apoiam os acordos e não se cansam tanto. Se César tivesse maioria absoluta haveria um país inteiro a dividir, na família, uma vida boa.
Pelos vistos, ao cabo de quatro anos não lhe está na massa do sangue ter de negociar com parceiros tesos na defesa da população trabalhadora. É uma canseira, segundo as suas queixas e lamentações.
Se, apesar da “geringonça”, a família está bem presente, imagine-se o que seria com a tal maioria absoluta, o antídoto do cansaço de César. Como ele seria feliz e se sentiria a voar como uma borboleta.
O cansaço de César tem o seu quê para ser levado em conta. Ou o país nas mãos do PS. Ou o PS a governar com acordos à esquerda que dão mais descanso ao país, mas que cansam o líder parlamentar. Opções.»
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28.3.19
Brasil: até custa ler este convite
E o que diz Bolsonaro?
A realidade: 423 pessoas foram mortas ou desapareceram no período que vai de 1964 a 1985.
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Invisibilidades
«Quando H. G. Wells escreveu o seu famoso livro O Homem Invisível não pensou, seguramente, em Portugal. No entanto decorridos que são mais de 100 anos da publicação desse famoso romance a invisibilidade materializou-se no nosso país fazendo desaparecer dos nossos olhos boa parte da população portuguesa.
Na verdade há vastas camadas de portugueses que se tornaram invisíveis aos olhos de certa comunicação social nomeadamente das televisões. Não falam e não são falados, os seus interesses ignorados e não estão representados proporcionalmente nos órgãos de poder local ou nacional.
Alguns grupos profissionais e étnicos sobressaem neste apagão. Por um lado os operários que deixaram de ser vistos, ouvidos, ou simplesmente mencionados. A palavra está proscrita como se fosse o ferrete de um vergonhoso crime. E no entanto boa parte da população portuguesa continua a manter esta profissão e a pertencer a esta classe que em Portugal surge como uma espécie de intocáveis da Índia. Os dois milhões de pobres, quase sempre no limiar da pobreza quase nunca na pobreza em que vivem, também não têm voz. Outros falam por eles. Sem procuração.
Por outro lado as minorias étnicas nomeadamente os negros e os ciganos parece que perderam a língua.
Trata-se de um apagão que fere a vista.
Um exemplo. No passado dia 21 de março, instituído pelas Nações Unidas como dia internacional pela eliminação da discriminação racial, várias organizações e coletivos organizaram uma concorrida concentração no Largo de São Domingos em Lisboa. No entanto nada transpirou na generalidade da comunicação social. Nada passou nas televisões. Parece ter sido uma concentração de homens e mulheres invisíveis, transparentes e etéreos impossíveis de fixar pelas lentes das câmaras de filmar e pelos óculos de muitos jornalistas. Uma concentração de fantasmas.
Os media em Portugal parecem afunilar-se e só ter olhos e ouvidos para dois grupos que se complementam e fundem. O dos académicos e o dos políticos. Ser académico-político, como Marcelo Rebelo de Sousa, Assunção Cristas, Cavaco Silva, Augusto Santos Silva, Francisco Louçã e tantos outros, é garantia firme de ter todo o tempo no mundo para apresentar as suas ideias, as opiniões dos outros são geralmente afastadas e ignoradas.
Mais de metade dos membros do atual Governo são ou foram docentes universitários ou investigadores. A tradição do professor universitário-político, inaugurada por Salazar mantém-se arreigada no nosso país.
Este afunilamento empobrece a nossa democracia, afasta as pessoas da participação cívica, promove o desânimo e a indiferença. Em última análise reduz o capital social entre os portugueses e, por essa via, diminui as possibilidades de desenvolvimento económico e social do país.
É tempo de abrir o espaço público a todos os portugueses independentemente da classe social ou da sua etnia. O país sairá, certamente, reforçado e a democracia mais sólida.»
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27.3.19
Viva o Futsal do Clero!
Somos campeões europeus de Futsal do Clero e há deputados que consideram que «o resultado alcançado (…) constitui, naturalmente, motivo de orgulho para todos os Portugueses". Ainda não se sabe se todos votarão a favor, já que o texto só deu entrada hoje na Assembleia da República, proposto pelo PSD e pelo CDS (who else?...)
Ficará para a história «o surpreendente “hat-trick” do padre André Meireles»? O esplendor de Portugal...
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Mandela numa magnífica história
«Quando Nelson Mandela ganhou as eleições na África do Sul, o arcebispo Desmond Tutu (que tinha com ele uma proximidade de amigo íntimo) achou por bem dizer-lhe que as camisas de padrões étnicos que ele usava eram demasiado folclóricas e de um gosto horrível. Achava que ele devia vestir-se de uma forma mais discreta, mais formal, para ser levado mais a sério. Mandela ouviu-o com toda a atenção, depois riu-se com gosto e respondeu-lhe: "Engraçado... e quem me diz isso é um homem que usa vestidinhos cor-de-rosa em público!"
Por que republico esta história, que já aqui contei antes? É simples: porque tanto serve para questões de gosto como para questões de intolerância. Não deixa de ser muitíssimo curioso que a ala mais conservadora da Igreja Católica manifeste gostar tanto das coisas definidas sem equívocos e esteja tão preocupada com os perigos da descaractarização de géneros por via da vestimenta, logo ela que desde sempre veste os seus homens com "vestidinhos cor-de-rosa" e os enfeita de rendinhas e bordados. Et pour cause...
(Nota: É bom constatar que o sentido de humor é frequentemente um denominador comum às grandes personalidades. Sem o humor, o mundo seria um lugar ainda mais tenebroso do que as camisas de Madiba.)»
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Amamos a Europa e no fim ganha a Alemanha
«António Costa anda à procura do tom certo para enfrentar as eleições europeias. Nuns dias jura amor à Europa. Noutros, denuncia a integração europeia como um campeonato em que todos jogam e no fim ganha a Alemanha.
Há duas formas de ler esta hesitação. Numa versão benigna, os socialistas portugueses reconhecem que o funcionamento da UE e da zona euro é hoje uma fonte de problemas para as democracias europeias, mas acreditam que é possível mudar as instituições no sentido desejado. A hesitação de António Costa também pode ser apenas um sintoma de desorientação, típico de quem não quer abandonar o sonho mas não consegue ignorar a realidade.
Poucas vezes um secretário-geral do PS foi tão explícito sobre a natureza da UE como Costa na entrevista que deu ao Público no passado fim-de-semana. O Primeiro-Ministro entende que a união monetária não esbate as assimetrias entre países, pelo contrário acentua-as. Que a Alemanha e outras economias centrais têm sido as ganhadoras deste processo. Que a liberdade de circulação de pessoas no seio do mercado comum tem um efeito centrípeto, atraindo os indivíduos mais qualificados para os países ricos, em detrimento das economias periféricas. Que o aumento de competitividade das economias centrais tem sido obtido à custa da perda de competitividade de países como Portugal. Que a UE tem favorecido o avanço dos populismos, ao não combater as desigualdades e ao adoptar processos institucionais que reduzem as escolhas democráticas.
A dureza destas críticas é notável, se tivermos em conta o euro-entusiasmo que sempre marcou as posições socialistas sobre a UE. Na verdade, António Costa deixa nesta entrevista uma crítica ao seu próprio campo político. Segundo afirma, a social-democracia europeia (onde se incluem os partidos socialistas e trabalhistas) ainda está a pagar o preço da ilusão que alimentou na década de noventa sobre as virtualidades da arquitectura institucional da UE. Nesse período, quando se tomaram muitas das decisões mais relevantes sobre a união monetária, os partidos desta área política estavam em larga maioria no Conselho Europeu.
Apesar da dureza das críticas e da penitência pelas ilusões passadas, António Costa mantém-se firme na apologia dos "valores da Europa", que considera serem a "essência da União Europeia". Nesta entrevista não fica claro quais são esses valores, para além de uma defesa genérica da democracia liberal. De resto, o líder socialista deixa claras as dificuldades em obter consensos sobre outras matérias essenciais, como o desenvolvimento de um pilar social da União, a redução das desigualdades sociais e regionais, a política económica a seguir, e tantas outras questões decisivas. Também não ilude o predomínio das posições conservadoras nos órgãos de decisão da UE. Neste contexto, torna-se ainda mais difícil obter avanços relevantes que tornem a União Europeia num espaço de efectiva coesão económica e social.
Aparentemente, as dificuldades não reduzem o optimismo de Costa. O Primeiro-Ministro identifica vários sinais de esperança na evolução recente do processo de integração europeia. Diz que as imperfeições da zona euro e os custos que acarretam são hoje reconhecidos por países como a Alemanha e a Holanda. Que um novo espírito de diálogo permite agora falar abertamente da criação de um orçamento europeu ou da conclusão da União Bancária. Que a abertura à solução política em vigor em Portugal demonstra que há hoje maior aceitação de vias alternativas para a governação de cada país.
A tradução prática deste novo espírito de diálogo não é muito auspiciosa. Parece que a proposta de criação de um orçamento da zona euro, após vários anos de discussão, está em condições de avançar. No entanto, segundo o Primeiro-Ministro, o valor previsto para este orçamento é de 23 mil milhões de euros, um valor correspondente a 0,2% do PIB da zona euro, insuficiente para desempenhar funções de estabilização económica. De resto, também não se espera que o orçamento venha a desempenhar essas funções, que permitiriam minimizar os efeitos de choques económicos negativos em países específicos. O seu objectivo é financiar algumas reformas em cada Estado Membro que sejam reconhecidas pelos restantes países como necessárias ao bom funcionamento da UE. Logo veremos o que isto significa.
Convidado a identificar uma decisão concreta que traduza o novo espírito de diálogo, Costa refere a criação do "mecanismo europeu de emergência da protecção civil" como "um salto extraordinário". Será com certeza uma evolução importante. Não é a resposta necessária à longa lista de problemas que afectam a arquitectura da zona euro.
É fácil perceber a tendência que os socialistas têm para enfatizar os pequenos avanços numa UE que continua a ser um instrumento de concentração de poder de alguns grupos e países. Depois de dedicarem grande parte do seu tempo, da sua energia e do seu capital político a tentar obter certos avanços, os socialistas sentem necessidade de valorizar perante si próprios e perante os outros os resultados obtidos. Muitas vezes têm razões para isso, já que as alterações que obtêm são arduamente conquistadas, implicando cedências relevantes na perspectiva dos líderes de outros países. Isso não significa porém que, em termos substantivos, tais avanços sejam impressionantes ou suficientes para dar resposta aos problemas da integração europeia.
Convenhamos, é muito difícil defender uma União assim. É politicamente arriscado querer ser "o partido que mais ama" uma instituição com estas características num dos países que mais tem sofrido as suas consequências. Nesse sentido, António Costa é corajoso. Se acredita realmente na possibilidade de introduzir mudanças substanciais na UE e na zona euro, é outra questão.»
26.3.19
A internet nunca mais será a mesma
Os eurodeputados portugueses têm caras e têm nomes. Os que estão enquadrados a vermelho na imagem foram os que votaram hoje contra. A considerar na escolha do voto nas próximas Eleições Europeias.
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Europeias: é só para avisar
«A correspondência destes números em assentos parlamentares sugere que o PS pode ficar-se pelos oito assentos garantidos em 2018 ou, no melhor cenário, eleger nove deputados. O PSD, que agora detém seis deputados, pode ganhar mais um ou dois mandatos em Estrasburgo.
A CDU não repete o brilharete das últimas europeias, perdendo um dos três eurodeputados. O Bloco garante mais um mandato para eleger os mesmos dois eurodeputados que a CDU e o CDS pode ganhar um deputado ou não ir além do cabeça de lista eleito há cinco anos.»
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Quando o mundo acabar, eu vou estar em Portugal
«Mais uma semana decisiva, mais uma rejeição no Parlamento, ou nem isso em caso de derrota certa, e o adiamento do fim do mundo, desta é que é, para 12 de Abril, e o mundo já não acaba a 29 de Março apesar das mil promessas a pés juntos de Theresa May, primeira-ministra por enquanto e enquanto deixarem.
Não fosse o diabo tecê-las, e porque dia 29 vamos ao teatro, os bilhetes foram comprados com seguro em caso de cancelamento. Sim, eu sei, se o mundo chegar ao fim, as seguradoras acabam também, eu incluído e no além o dinheiro não vale nada. Mas é sempre bom sentirmos um conforto, um pouco de segurança, no coração, e por isso lá comprei os bilhetes com seguro.
Entretanto, já enviámos dinheiro para Portugal, os bilhetes de avião para as férias da Páscoa estão comprados (com seguro) e dia 12, quando o mundo acabar, estaremos em Portugal, no conforto do lar e das nossas famílias, à beira-mar a assistir ao último pôr do Sol, não para nós, mas para os britânicos, entregues a si mesmo numa jangada de pedra, não à deriva, mas a caminho de uma qualquer planície abissal no fundo dos oceanos.
De facto, e no meio desta confusão toda, a única boa notícia é podermos sair desta terra de doidos enquanto 12 de Abril não chega.
Porque de pouco importa se o Reino Unido sai a 29 de Março ou a 12 de Abril quando a saída sem acordo continua a ser a única possível. E sim, se a União Europeia não receasse o não acordo, não teria havido lugar a qualquer prolongamento do prazo de saída. As duas partes precisam tanto uma da outra! E no entanto...
E no entanto ninguém se resolve, a Europa exige eleições, a Europa exige um novo referendo, a Europa manda e a Europa decide, mas os britânicos não querem e os britânicos não podem com outras vontades que não as suas e por isso dizem não, não e não e mil vezes não sem nunca se decidirem sobre aquilo que querem. Estão no seu direito, é o seu país.
Mas neste jogo da corda em que ninguém perde e ninguém cede a saída continua a ser a mesma de sempre, sem acordo, sem regresso, boa sorte e até qualquer dia.
12 de Abril calha a uma sexta-feira. Às 23h, o Reino Unido sairá oficialmente da União Europeia. Está bem pensado, para evitar uma desvalorização acentuada da libra e os mercados só abrem na segunda-feira. No entanto, o exército já há muito que se prepara para sair à rua. Sem acordo, é provável a queda do governo. Ainda ninguém sabe o que vai ser dos aeroportos e das fronteiras e se a coisa correr mal talvez esteja tudo fechado enquanto os britânicos atiram as mãos ao ar e fazem contas à vida. Mas o mundo não acaba e o país, afinal, não irá ao fundo apesar de há muito meter água.
Uma semana depois, e depois das férias, estaremos de volta e a casa, os empregos e a vida que Portugal não nos pôde dar estarão no mesmo lugar à nossa espera. Sim, a vida vai ficar mais cara e vai haver menos trabalho, mas isso é para os mesmos de sempre, os que votaram para sair, os que não vivem em Londres.
A esses, peço por favor que apertem os cintos de segurança e se agarrem ao lugar, vem aí uma tempestade. Ou se calhar ainda é a mesma tempestade de sempre e de há muito, a das suas vidas, agora mais violenta.»
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25.3.19
Adeus, Madonna, adeus princesa!
«Adeus, Princesa! Não sabes como lamento a tua partida. E tudo por causa de uma embirração do tio Basílio que não te deixa levares o cavalo para onde quiseres. Já te tinham tentado lixar a vida bem lixadinha com a história vergonhosa do estacionamento nas Janelas Verdes! Imagine-se! Nem que fosse preciso tirar o Marcelo de Belém, o Costa de S. Bento ou os deputados da Assembleia, tu devias ter lugares onde aparcar as tuas bombas magníficas em qualquer sítio de Lisboa. De Lisboa só, não. Do país! (...)
Olha, querida Madonna e minha rainha, ao menos leva o equídeo contigo, pois ele já deve estar acostumado à tua high life e à tua griffe, pelo que se o bicho fica por cá, é gajo de se tornar num ser com ideias de que as pessoas são todas iguais e que a lei é a mesma para todos. Imagina! Essas tretas que os pobres nos querem fazer crer…»
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Solidariedade com Moçambique: música em 02.04.2019
«A RTP estará um dia inteiro com linhas abertas para chamadas solidárias e transmitirá "Mão Dada a Moçambique", em que também estarão Benjamim, Gisela João, Márcia, Úria, Sara Tavares e Luísa Sobral.»
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Nem serve para criar um posto de trabalho?
«Percebo o incómodo do Governo com a investigação da União Europeia à Zona Franca da Madeira. O Governo poderá porventura desconfiar, depois de tantas provas provadas de que assim é, de que Portugal é tratado com um sócio menor, que até serve para efeitos de demonstração, se não mesmo de fingimento de que a Comissão aplica com rigor o controlo das regras sobre a insularidade ou controlo das ajudas de Estado. Esta investigação, de que foi divulgado um projeto de relatório ainda não concluído, serviria assim como biombo de sala para que nada acontecesse nas zonas fiscalmente privilegiadas, a começar pelos mais poderosos offshores (e inshores) da Europa, como os das ilhas de Sua Majestade Britânica ou o Luxemburgo, do presidente Juncker, que ficou esquecido depois de ter sido apanhado num escândalo de colaboração com multinacionais para a fuga aos impostos.
O problema é que, mesmo que essa razão de queixa exista, a diplomacia portuguesa se foi treinando desde sempre na pose do “bom aluno”, aquela atitude que oscila entre a subserviência quando o professor olha para nós e o apoio entusiástico a tudo o que nos pode prejudicar ao longo do tempo. O Parlamento português, com um entendimento entre Passos Coelho, Portas e o então secretário-geral do PS, correu para ser o primeiro a aprovar o Tratado Orçamental, que, seis anos mais tarde, se aceita que não deve entrar no acervo legislativo comunitário por ser um conjunto de regras tão disparatadas como danosas — mas continuará em vigor. Pior ainda com a União Bancária, um machado sobre a cabeça dos sistemas bancários, que a breve trecho se vai traduzir na pressão para uma concentração que atingirá o que sobra da rede nacional. É sempre tudo assim, dá-se o passo errado e depois o Governo queixa-se de que era escusado. Por isso, é difícil de admitir que o Governo, este ou outro, se possa lamuriar de que este processo é um instrumento para uma exibição da Comissão, atingindo um país periférico por saber que este só protestará baixinho.
Mas nem um só empregado?
Ainda assim, para que o Governo se queixasse, era preciso que tivesse razão e que o processo movido pela Comissão não tivesse fundamento. O problema é que as duas críticas da Comissão à gestão da Zona Franca da Madeira são essencialmente corretas. A primeira é que não está provado que os rendimentos declarados por algumas das empresas registadas, para efeitos do benefício fiscal exorbitante de que beneficiam (5% de IRC), sejam gerados na economia madeirense ou sequer em algum lugar de Portugal. A segunda crítica é que não é aplicado o critério de verificação mais elementar que foi concebido, que é que estas empresas tenham pelo menos um empregado a residir e a trabalhar na região onde as empresas fingem que produzem estas vendas. Pois muitas destas empresas não têm nem produção nem empregados na Madeira, são puros fantasmas.
Por isso, a resposta encabulada do Governo às questões da Comissão (ou pelo menos à comunicação social acerca das questões da Comissão), que a função da Zona Franca não é criar emprego, é uma espécie de meia-confissão. Admita-se que a verdade arreliante é que o objetivo não é criar emprego, mas todos no governo justificaram sempre a continuidade do benefício fiscal, que chegou a determinar perdas de receitas em IRC orçamentadas oficialmente em cerca de mil milhões de euros, precisamente com a vantagem da criação de emprego numa zona ultraperiférica. E, além disso, fixaram legalmente esse meio de verificação, que era a obrigação de cada empresa ter pelo menos um empregado. Será que o Governo nos está a dizer que as regras legais são assim-assim e podem não ser cumpridas se convier a cada empresa?
Superempregados
João Pedro Martins publicou várias investigações sobre estas listas de empresas, muito antes de a atenção mundial ser iluminada pelos “Panama Papers” e por outros escândalos. No seu “Suite 605”, um livro de 2011, conta, entre outras, a história de um escritório de 102 metros quadrados na Avenida Arriaga, número 77, no centro do Funchal, e por onde passaram ou se estabelecem cerca de mil empresas. Ninguém então abria a porta ou atendia o telefone. Era um centro fantasma. Evidentemente, não estavam lá os mil trabalhadores, e com vantagem para a sua saúde, ficariam muito apertados em 10 centímetros quadrados para cada pessoa. De facto, o investigador encontrou na Zona Franca casos de dois homens que eram apresentados como gestores de oitocentas empresas.
E se há algumas empresas na zona franca industrial e que, produzindo localmente, cumprirão a regra legal, as que registam maiores vendas e lucros não existem na região. Beneficiam ilegalmente do IRC privilegiado. Fazem batota e toda a gente sabe.
O maior exportador português
Em 2008, era então deputado, apresentei num debate com o primeiro-ministro o caso de um gigante que era a maior empresa mundial de produção de alumínio, a Rusal, que tinha registado uma empresa no Funchal, a Wainfleet. A Wainfleet tinha sido em 2007 a maior exportadora portuguesa, registando vendas de três mil milhões de euros, quase o dobro do que a Autoeuropa produziu e vendeu nesse mesmo ano. Só que a Autoeuropa faz mesmo os automóveis, ao passo que a Wainfleet nunca produziu um átomo de alumínio na Madeira. Era tudo falso. Mas a empresa, declarando na região uma parte dos lucros da sua operação planetária, não tinha pago um cêntimo de imposto em 2005, em 2006 e em 2007.
Acresce que, para tornar a história mais picante, o dono da Rusal e da Wainfleet, Oleg Deripaska, tinha sido acusado de cumplicidade com a máfia russa na luta pelo controlo do sector e, em nome dessa suspeita, estava desde 1998 proibido de entrar nos Estados Unidos, onde corria uma investigação. Ao contrário de outras empresas na zona franca do Funchal, no entanto, a Wainfleet tinha quatro empregados na região. Seriam porventura os trabalhadores mais produtivos do mundo, dado que eram responsáveis pelo registo de vendas na ordem dos três mil milhões de euros. Já com as declarações fiscais não tinham muito trabalho, a empresa não pagava nada.
Esta história acaba bem, não tanto para a Madeira, pois a Wainfleet foi-se embora e a região perdeu os zero euros de IRC que recebia da multinacional. Mas termina bem para Deripaska, que continuou sancionado pelas autoridades norte-americanas até que Trump, em nome das boas relações e, ao que diz a imprensa de Washington depois de um pedido pessoal de Putin, decidiu há poucas semanas levantar as sanções contra o milionário, que já tinha contratado um ex-ministro conservador britânico, um lorde distintíssimo, para gerir o seu negócio, bem como tinha pago generosamente os serviços de um ex-candidato presidencial e republicano norte-americano.
O mundo das zonas fiscais especiais é um espetáculo e Portugal escusava de ser submetido a este vexame.»
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24.3.19
Melhores dos melhores dos melhores?
Mas se já somos «os melhores dos melhores do mundo», ainda é preciso fazer «muito mais»? Mas que cansaço…
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Dica (850)
Capitalism and democracy: what if we have it backwards? (Sheri Berman)
«Suppose democracy is as ‘in charge’ now as it was during the postwar era? Suppose our current economic order was not the result of the ineluctable dynamics of capitalism or markets, but rather the consequence of purposeful policy decisions made by democratic governments? And suppose that the most important drivers and beneficiaries of these decisions were not ‘footloose’ corporations—but rather people like the readers of Social Europe?»
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24.03.1962 – Dia do Estudante
Como todos os anos, a Crise Académica de 1962 será comemorada pelos protagonistas e amigos, que ainda por cá andam, num jantar que terá lugar não hoje mas amanhã, já que a velha Cantina da Cidade Universitária está fechada ao Domingo. É um ritual a que muitos não renunciam e lá estaremos, quase 200 pelo que julgo saber.
Dos grandes festejos do cinquentenário, há sete anos, ficou para a história uma moção aprovada por todos os presentes – mais de 400 –, na qual «os jovens de 1962» declararam não poder «tolerar em democracia o que repudiavam em ditadura», numa referência a uma pesada carga policial que tivera lugar dois dias antes. Recordo hoje esse texto:
MOÇÃO
Há 50 anos, a indignação perante uma carga policial sobre estudantes que pretendiam comemorar o Dia do Estudante deu origem ao luto académico que hoje aqui evocamos.
Há dois dias, vimos nas televisões as imagens de polícias carregando de novo sobre jovens, com uma violência desmedida e desproporcionada. Mais vimos o espancamento de jornalistas, pondo em risco a isenta cobertura da carga policial.
Os jovens de 1962 não podem tolerar em democracia o que repudiavam em ditadura. Assim, os participantes na Crise Académica de 1962, reunidos na Cantina da Cidade Universitária em 24 de Março de 2012, decidem:
- Manifestar o seu repúdio pelos actos de violência policial verificados em Lisboa e no Porto a 22 de Março de 2012;
- Dar conhecimento desse repúdio a Suas Excelências o Presidente da República, a Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro; o Ministro da Administração Interna, o Inspector-Geral da Administração Interno e o Sr. Provedor de Justiça, assim como aos órgãos de Comunicação Social.
Cantina da Cidade Universitária
24 de Março de 2012
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