«Quando H. G. Wells escreveu o seu famoso livro O Homem Invisível não pensou, seguramente, em Portugal. No entanto decorridos que são mais de 100 anos da publicação desse famoso romance a invisibilidade materializou-se no nosso país fazendo desaparecer dos nossos olhos boa parte da população portuguesa.
Na verdade há vastas camadas de portugueses que se tornaram invisíveis aos olhos de certa comunicação social nomeadamente das televisões. Não falam e não são falados, os seus interesses ignorados e não estão representados proporcionalmente nos órgãos de poder local ou nacional.
Alguns grupos profissionais e étnicos sobressaem neste apagão. Por um lado os operários que deixaram de ser vistos, ouvidos, ou simplesmente mencionados. A palavra está proscrita como se fosse o ferrete de um vergonhoso crime. E no entanto boa parte da população portuguesa continua a manter esta profissão e a pertencer a esta classe que em Portugal surge como uma espécie de intocáveis da Índia. Os dois milhões de pobres, quase sempre no limiar da pobreza quase nunca na pobreza em que vivem, também não têm voz. Outros falam por eles. Sem procuração.
Por outro lado as minorias étnicas nomeadamente os negros e os ciganos parece que perderam a língua.
Trata-se de um apagão que fere a vista.
Um exemplo. No passado dia 21 de março, instituído pelas Nações Unidas como dia internacional pela eliminação da discriminação racial, várias organizações e coletivos organizaram uma concorrida concentração no Largo de São Domingos em Lisboa. No entanto nada transpirou na generalidade da comunicação social. Nada passou nas televisões. Parece ter sido uma concentração de homens e mulheres invisíveis, transparentes e etéreos impossíveis de fixar pelas lentes das câmaras de filmar e pelos óculos de muitos jornalistas. Uma concentração de fantasmas.
Os media em Portugal parecem afunilar-se e só ter olhos e ouvidos para dois grupos que se complementam e fundem. O dos académicos e o dos políticos. Ser académico-político, como Marcelo Rebelo de Sousa, Assunção Cristas, Cavaco Silva, Augusto Santos Silva, Francisco Louçã e tantos outros, é garantia firme de ter todo o tempo no mundo para apresentar as suas ideias, as opiniões dos outros são geralmente afastadas e ignoradas.
Mais de metade dos membros do atual Governo são ou foram docentes universitários ou investigadores. A tradição do professor universitário-político, inaugurada por Salazar mantém-se arreigada no nosso país.
Este afunilamento empobrece a nossa democracia, afasta as pessoas da participação cívica, promove o desânimo e a indiferença. Em última análise reduz o capital social entre os portugueses e, por essa via, diminui as possibilidades de desenvolvimento económico e social do país.
É tempo de abrir o espaço público a todos os portugueses independentemente da classe social ou da sua etnia. O país sairá, certamente, reforçado e a democracia mais sólida.»
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