13.11.21

Miradouros

 


Miradouro de Santa Luzia, Lisboa, anos 50/60.
Fotografia de Artur Pastor.
.

Eis a questão...

 

.

And the winner is...

 


Vasco Gargalo no Facebook.
Dissolver a Assembleia. Cartoon editorial da revista Sábado.
.

Uma excentricidade política

 


«Olhemos para os governos na Europa. Em 27 países, há de tudo um pouco: coligações, executivos maioritários e até coligações entre coligações. O que é bastante incomum são governos minoritários. Portugal foi, nesta legislatura, uma excentricidade política e é bom que deixe de o ser.

No momento atual, há 17 Estados-membros governados por coligações. Esta é a norma. E mesmo quando olhamos para as coligações, o mais comum são acordos que envolvem mais do que dois partidos. Aliás, são apenas três as coligações de dois partidos: Áustria (governada por democratas-cristãos e verdes), Hungria (uma coligação eleitoral entre o populista Fidesz e o seu satélite, KDNP) e a Estónia (o único caso europeu de Bloco Central entre os dois maiores partidos). Em absoluto contraste, temos o caso extremo da Bélgica (com sete partidos no Executivo); duas coligações de cinco partidos (Finlândia e Letónia); três de quatro partidos (Eslováquia, Eslovénia e previsivelmente, de novo, a Holanda) e a solução dominante, com três partidos a governarem em conjunto (Croá¬cia, Irlanda, Lituânia, Luxemburgo, Polónia e, tudo aponta para isso, Alemanha).

Depois sobram uns quantos casos mais singulares: República Checa, onde se negoceia um governo de coligação entre duas coligações eleitorais; Espanha, que a custo formou uma coligação entre um partido e uma coligação; e Bulgária e Roménia, que vivem impasses políticos, com governos de gestão.

Atualmente, as maiorias absolutas monocolores só existem em países com sistemas eleitorais maioritários (França), com bónus maioritário (Grécia) ou onde reina o bipartidarismo (Malta). Na Europa de hoje, não há nenhuma maioria absoluta em países com sistemas eleitorais proporcionais, como o português.

Sobram, assim, três casos. O Chipre, um sistema presidencialista, em que o Presidente, agora, não tem maioria no Parlamento; a Suécia, com um governo minoritário de coligação, que depois tem apoio de mais dois partidos no Parlamento; e, finalmente, a Dinamarca, governada por um partido minoritário, com um acordo parlamentar com vários partidos.

Deste retrato devia resultar uma lição. A Europa política é diversa, à esquerda e à direita dominada por coligações e, excecionalmente, por governos de maioria absoluta ou minoritários. Mas mesmo as soluções minoritárias beneficiam de algum tipo de acordo parlamentar. É um erro pensar que, depois de 30 de janeiro, na ausência de mecanismos constitucionais que protejam governos minoritários (como o instituto da moção de censura construtiva), é viável repetir um governo sem maioria, sem coligação e sem acordo parlamentar. A menos que queiramos aproximar-nos do modelo italiano. O exemplo que guardei para o fim: um país que não conseguia formar governo e que teve de ser resgatado por um governo presidido por um independente, 24 ministros, oriundos de uma coligação de nove partidos, que vão da extrema-direita à esquerda.»

.

12.11.21

Os ardinas

 


Ardina junto ao Jardim da Estrela, Lisboa, 1918.
Fotografia de Amélia Rey Colaço, AML.
.

12.11.1975 - O «Cerco» ao Parlamento

 


No dia 12 de Novembro de 1975, operários da construção civil iniciaram o chamado «Cerco à Constituinte» que durou até ao fim da manhã do dia 13.

Neste post de 2017, um breve resumo tirado de Os dias loucos do PREC (Adelino Gomes e José Pedro Castanheira) e, sobretudo, um vídeo histórico e um outro que recorda o acontecimento.
.

Que a raspadinha nos salve!

 


«Não são só os portugueses que colocam o seu futuro nas mãos do jogo. O Estado, ingénuo e mau imitador, também o faz. Mas nem sempre procura o favor da sorte: é croupier de Las Vegas contra os contribuintes, é um jogador falhado contra os poderosos. Pior: é o um péssimo gestor do seu património. Quando alguém teve a sagaz ideia de criar a Raspadinha do Património ficou escarrapachado que o Estado não tinha uma estratégia para preservar o que está nas suas mãos: colocou o futuro do que é a memória do país nas mãos da sorte. Para comprovar isso mesmo, há uns dias o Novo Banco mandou retirar uma pintura de Brueghel, o Jovem, que estava no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora. Haveria uma fissura no quadro, aparentemente resultante da deficiente conservação. Trocando por miúdos: o ar condicionado não é revisto há anos, por falta de carinho ou de dinheiro. Tal como aconteceu há uns meses no Museu Nacional de Arte Antiga. A isto já não se chama desleixo. Chama-se sopa dos pobres cultural.

Qual é o problema, pensarão as almas que dirigem aquilo que se designa como Cultura nacional (e, acima delas, os que fazem as contas de somar e sumir dos dinheiros público)? Se não houver ar condicionado, use-se ventoinhas, e se não houver dinheiro para pagar a eletricidade, usem-se leques ou pombos a dar às asas para refrescar quadros. Para o Estado atual, a Cultura não é mais do que uma Raspadinha. É uma ociosidade, onde se raspa a memória histórica dos portugueses. Sai prémio? Apaga-se mais um bocadinho. Afinal a memória vai desaparecer no buraco negro dos algoritmos.

Dizem os mal dizentes que há outra solução para a Cultura nacional: as falsificações podem resolver todos os problemas, como mostrou a família Rendeiro, depois da justiça ter dobrado as costas para que ela própria fosse fiel depositária dos valores que poderia usar em proveito próprio. Se vender os quadros verdadeiros e contratar bons falsificadores para ocupar as paredes dos museus nacionais o problema está resolvido: conseguem-se receitas sem ter muitas despesas. O absurdo é já tanto, que mais um não incomoda. Vivemos num tempo em que se passa demasiado tempo ligado às redes sociais e com o cérebro desligado. Por isso a filosofia, que nos obriga a questionar, é tratada com os pés. Ou o património com os cotovelos. Há dias o filósofo alemão Markus Gabriel dizia uma coisa simples: “Ler um livro. É o exercício mais sustentável que nos resta”.

O país é um espectador. Entre anúncios para resolver a surdez ou para aumentar o crédito, segue a comovente novela partidária. Assiste-se tristemente à patética luta partidária para se conseguir ter o poder para fazer as listas de deputados ou para ter eleições na data que dá mais jeito a alguém. Procura-se um cisne negro, para ficarmos admirados. Fala-se da crise do SNS, da energia, do que a inflação vai trazer? Deste país onde cada vez mais, como mostrou o estudo de Eugénio Rosa, é de salários mínimos. É essa a nossa forma de sermos concorrenciais. É este o modelo de país que os partidos que se empurram para ver quem se senta na cadeira do poder discutem? Não. Isso parece ser irrelevante. Discutem comédias. A nossa política é “conjuntural”. Tal como os salários sempre baixos, a fuga dos mais qualificados para países onde se pague decentemente, a falta de chips, o preço do bacalhau. Enquanto isso, todos prometem “reformas”. Até do ar condicionado. Mas as “reformas”, como se sabe, são, neste país, como as obras de Santa Engrácia. Sabemos apenas que há dois tipos de problemas: os que se solucionam sozinhos e os que não se solucionam de maneira alguma. Com os primeiros não há que fazer nada. Com os segundos é melhor nem tentá-lo. A principal ocupação de muitos que ocupam o poder é o “nada fazer”. Às vezes a melhor decisão é não tomar nenhuma. Essa é agora a estratégia do doutor António Costa, enquanto a zaragata entre aquilo a que chamamos oposição, faz tanto ruído como um concerto de “heavy metal” dos AC/DC ou um martelo pneumático. Enquanto isso vão passando os decretos com as explorações de minérios, a contínua partidarização do Estado e o que mais se verá.

O certo é que, à falta de novas ideias, há quem deseje fazer de arqueólogo e ressuscitar o “Bloco Central”. Porque é preciso “salvar” Portugal e, sobretudo, distribuir o pudim do PRR por mais alguns. O país, cada vez mais pobre, mas que já se vê como a pátria dos unicórnios, algo que causou uma grande gargalhada em Silicon Valley e em Wall Street, caminha aos tombos. Consta que, assistindo às nossas novelas políticas, o doutor Elon Musk vai oferecer 100 aparelhos de ar condicionado ao Ministério da Cultura. E Bimbys aos mais ilustres membros do Governo e da leal oposição. Para estes aprenderem a cozinhar melhor.»

.

11.11.21

Barquilhos

 


Vendedor ambulante de barquilhos, praia de Algés, anos 30.
Fotografia de Ferreira da Cunha, AML.
.

A controlar o inimigo

 

,

Hoje é o dia delas

 


.

O aquecimento global e a saúde

 


«O 6.ºRelatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) é, segundo a declaração do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterrres, “um código vermelho para a humanidade”. As previsões sobre as consequências do aquecimento global são assustadoras: em comparação com 1850–1900, é provável que o aumento da temperatura global da superfície da terra, entre 2081–2100, seja entre 2,1 ° C a 3,5 ° C no cenário intermédio de emissão de gases com efeito de estufa e entre 3,3 ° C a 5,7 ° C no cenário mais alto de emissões. A agravar o problema do aquecimento global juntam-se outros como a sobrepopulação, a degradação ambiental e a deplecção de recursos naturais. A COP26, a decorrer em Glasgow, afigura-se como a última oportunidade para conseguir um acordo para uma redução global de 50% das emissões destes gases nestes dez anos, número estimado para conseguir limitar para 1,5º este aumento, mas as expectativas são muito fracas. O perigo que enfrentamos é tão só o da extinção da espécie humana.

Todas estas mudanças já estão a afectar de forma brutal a saúde das populações. A OMS estima que a mudança climática já está a custar 150.000 vidas anualmente. Atualmente, 92% da população já vive em áreas que ultrapassam o limite máximo de ozono definido pela OMS. A desflorestação e as mudanças climáticas contribuíram para o surgimento da pandemia SARS CoV-2 e aumentam o risco de outras pandemias de zoonoses. As consequências diretas das temperaturas extremas, da poluição, do aumento dos alergénios, repercutem-se na saúde das pessoas, particularmente as mais vulneráveis. As doenças relacionadas com a qualidade da água e as consequências da sua escassez de água, assim como a escassez de alimentos estão já abater-se sobre os povos, de forma brutal, em certas áreas do globo. A degradação do meio ambiente e dos ecossistemas está a acentuar os movimentos migratórios, os conflitos e as doenças mentais e os desastres naturais causarão muitas mais mortes violentas.

A reversão desta ameaça ainda parece possível, mas depende das decisões de cada país, de cada organização e de cada pessoa nos próximos anos.

Nós, médicos, e os profissionais de saúde em geral, como defensores dos doentes e como cidadãos, temos a obrigação de intervir publicamente nesta causa. A Organização Mundial da Saúde e várias sociedades científicas de outros países já o fizeram. A Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, em 2017, foi a primeira sociedade científica em Portugal a posicionar-se publicamente e a fazer recomendações nesta matéria.

Urge que nos comprometamos na defesa da intensificação das medidas com impacto na redução das emissões de gases com efeito de estufa, a nível nacional e a todos os níveis de responsabilidade da sociedade, na defesa de uma ética ambiental e na necessidade de o setor da saúde adoptar medidas que o tornem um exemplo de compromisso com a proteção do meio ambiente. Temos que ser agentes ativos na defesa de práticas sustentáveis e educadores da comunidade sobre os riscos para a saúde das mudanças climáticas e da degradação ambiental. Cada profissional de saúde deve assumir, a nível individual, comportamentos com menor pegada ecológica.

Esta é uma luta contra a lógica económica do lucro a qualquer preço, a luta mais difícil que a humanidade enfrenta e na qual não podemos optar pela neutralidade, pelos nossos doentes, por nós e pelos nossos filhos.»

.

10.11.21

Galinheiras

 


Galinheira na Rua Rodrigo da Fonseca, Lisboa, 1906.
Fotografia de Joshua Benoliel – AML.
.

10.11.1948 – Mário Viegas



 

Mário Viegas nasceu em 10 de Novembro de 1948. Morreu muito novo, antes de chegar aos 48. Fundou três companhias de teatro, actuou em vários países, participou em mais de quinze filmes e só quem for muito jovem não se recordará das séries televisivas «Palavras Ditas» (1984) e «Palavras Vivas» (1991).

Ver AQUI, num post de 2019, quatro vídeos: Manifestos Anti-Dantas e Anti-Cavaco, «Os Ais» e «A nêspera que fica deitada»
.

Cuidado com as compras do Natal

 

.

Carne para canhão

 


«São quatro: o pai, a mãe, um menino de dois anos e uma menina de oito meses. Estão presos em terra de ninguém, entre a Bielorrússia e a Polónia. Por duas vezes tentaram cruzar a fronteira que os levaria à terra prometida, a rica e próspera Alemanha. Por duas vezes foram forçados a voltar para trás, para a floresta gelada, onde agora vivem, com temperaturas abaixo de zero, sem água potável, sem um abrigo.

São quatro entre milhares de migrantes, a maioria curdos como eles, mas também afegãos, sírios, camaroneses e congoleses. O catálogo habitual quando somos confrontados com uma crise de refugiados. Gente que foge à guerra e à violência, à pobreza e à fome, e que vive agora encurralada entre a brutalidade das tropas bielorrussas e o arame farpado guardado pelos soldados e pela Polícia de choque polaca.

Seres humanos usados como arma de arremesso pelo regime do ditador Lukashenko, em guerra com a União Europeia. Mas também usados como carne para canhão pela retórica nacionalista e xenófoba do atual regime polaco. Os poucos políticos da Oposição na Polónia que se atrevem a lembrar que esta também é uma crise humanitária são rotulados como "traidores" na Comunicação Social e nas redes sociais.

Já morreram pelo menos nove migrantes entre a Bielorrússia e a Polónia. Alguns na sequência de confrontos violentos com militares e polícias de ambos os lados da fronteira. Outros simplesmente gelados. Como testemunha um rapaz chegado da longínqua Somália e que viu morrer os seus dois irmãos na floresta. Gente que só estava à procura de uma vida melhor.

Compreende-se que a União Europeia e, dentro dela, países como a Alemanha, também abordem a questão como um problema de segurança das fronteiras. E que denunciem e castiguem o ditador de um regime decrépito e anacrónico. Mas isso não chega. A União Europeia não pode aceitar que a Polónia mude a lei, conferindo à Polícia poderes discricionários para expulsar migrantes e ignorar pedidos de asilo.

O direito de asilo é garantido pelo artigo 18.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. No artigo 19.º são proibidas as expulsões coletivas e acrescenta-se que ninguém pode ser afastado ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes. Não é negociável. Ou já não será a União Europeia.»

.

9.11.21

Jogos Olímpicos de antanho

 


Primeira delegação portuguesa a Jogos Olímpicos (em Estocolmo), Praça do Comércio, Lisboa, 1912.
Fotografia de Joshua Benoliel, CML.
.

Ricardo Paes Mamede

 

«O PS tem toda a legitimidade para entender que já não tem condições para governar com o apoio parlamentar dos partidos à sua esquerda. BE e PCP também têm toda a legitimidade para concluir que não faz sentido viabilizar um governo que governa sem acolher propostas que consideram essenciais e que não concretiza muito dos compromissos que assume todos os anos.

Hoje não vejo como um problema o fim antecipado da legislatura. Sabemos agora que a dissolução do Parlamento não impede o essencial da execução do PRR, nem do que constava da proposta de Orçamento do Estado para 2022. Acresce que as condições em que a esquerda e o centro esquerda vão disputar eleições em Janeiro são quase de certeza melhores do que seriam daqui a um ano ou dois, dada a instabilidade económica que se espera nos próximos meses e o processo em curso de reorganização dos partidos de direita.

Como eleitor de esquerda, o importante para mim é que o próximo governo esteja comprometido com o aumento dos salários, o reforço dos serviços públicos e um maior equilíbrio das relações laborais. O que me interessa compreender é se há condições e vontade dos partidos à esquerda para que das próximas eleições resulte uma solução política alinhada com aqueles objectivos.

Deste ponto de vista, a entrevista de António Costa à RTP não me convenceu. O Primeiro Ministro e líder do PS identificou duas questões como motivos para inexistência de acordo: a proposta do BE para eliminação do factor de sustentabilidade das pensões (criado numa altura em que a idade legal de reforma ainda era fixa); e a proposta do PCP de um aumento mais rápido do salário mínimo nacional.

António Costa afirmou ontem que aquela proposta do BE punha em causa a sustentabilidade da segurança social. É factualmente errado. A proposta do BE sobre o factor de sustentabilidade não mexe em aspectos estruturantes do sistema de pensões: não altera a ancoragem da idade da reforma na esperança média de vida, nem elimina o corte que se aplica a todas as pessoas que se reformam antes da idade legal (o chamado “factor de redução”). O seu propósito era eliminar a injustiça actual que leva a que algumas pessoas sejam mais penalizadas do que outras apesar de serem mais velhas e de terem feito mais descontos. Nas contas do BE, com base na informação disponível e que o governo não contestou, tal alteração teria um custo estimado de 75 milhões de euros em 2022 (menos de 0.05% do PIB), decrescendo ao longo dos anos. Estando ou não de acordo com a eliminação do factor de sustentabilidade (e há razões não orçamentais para questionar a proposta), não se pode afirmar que ela poria em causa a sustentabilidade da segurança social.

Quanto ao aumento do salário mínimo, António Costa afirmou que o PCP exigia um valor de 755 euros em Janeiro e 800 euros ao longo de 2022 – o que, segundo o Primeiro Ministro seria incomportável. No entanto, vários dirigentes do PCP já afirmaram que estes valores (que já ficavam aquém do que o PCP defendeu nas últimas eleições, ou seja, 850 euros) eram bases de negociação e que o governo nunca colocou a hipótese de ir além dos 705 euros em 2022 (o discurso de ontem de António Costa validou esta ideia). A pergunta que fica é: o PS aceitaria em futuras negociações um valor intermédio (digamos 725 euros em 2022, 785 em 2023 e 850 euros em 2024)? Se não, porquê? O que leva o PS a acreditar que os valores que fixou são o limite possível? Em que estudos baseia essa afirmação? Não seria possível, como questionou o entrevistador António José Teixeira, compensar essas subidas de salários com medidas fiscais, por exemplo? Ou condicionar o ritmo de aumentos a um sistema de monitorização dos impactos da medida (como, de resto, está estabelecido desde o acordo tripartido de 2006)?

Na campanha eleitoral (que já começou), espero dos partidos disponibilidade para chegar a compromissos, em vez de imporem unilateralmente a sua agenda aos outros (isto aplica-se aos três, sem excepção). Ou então que sejam claros e convincentes sobre a razão de ser das suas linhas vermelhas (idem). Nesta primeira entrevista após o chumbo do Orçamento, António Costa não passou no teste. Se calhar, também não era eu quem ele queria seduzir.»

Ricardo Paes Mamede no Facebook
.

30 anos sem Yves Montand



 


.

Agora, dar substância ao debate

 


«A comunicação do presidente da República em que transmitiu a sua decisão de dissolver o Parlamento e convocar eleições para 30 de janeiro, cuja legitimidade não está em causa, merece, contudo, algumas observações, sem que fiquemos a chover no molhado no que se refere à data, ou quanto ao portefólio de soluções possíveis para a crise por ele instituída, ou ainda sobre a sua conceção abstrata de estabilidade.

Marcelo não é aquela figura que de espectador/analista simpático e bem-humorado, equidistante em tudo que, com o alto patrocínio e apoio das televisões, habilmente criou na sociedade. É sim um ator político com profundas raízes na Direita, fortemente ativo. Na comunicação da passada quinta-feira, com maestria, promoveu a solução política que ambiciona, a de centrão, e procurou encostar um pouco mais à parede o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português.

Agora temos pela frente um quadro de preparação de eleições. O cenário de partida com que nos confrontamos é de alguns grandes bloqueios. Uns resultam de fatores externos, como o facto de as políticas monetárias, cambiais e orçamentais da União Europeia (UE) estarem estruturadas para os países do Sul subsidiarem os do Norte, embora parecendo o contrário. Outros bloqueios são de exclusiva responsabilidade nossa. Contudo, para uns e outros, somos nós, portugueses, que temos de encontrar saídas. E não é impossível: a Espanha é, como Portugal, membro da UE e, ainda recentemente, avançou com alterações positivas nas políticas laborais que a nossa Direita diz serem impossíveis.

A toda a hora as forças políticas invocam o interesse nacional para justificarem as suas opções. Escalpelizemos o que cada uma dessas proclamações traz de respostas concretas aos problemas que enfrentamos. A distribuição dos meios disponíveis para investir tem de ser equilibrada e justa quanto aos destinatários. E os compromissos para produzir riqueza devem acompanhar a definição geral de como será distribuída. Há que colocar a nu o que muitas vezes é pretendido com o enfoque exclusivo no crescimento e na competitividade.

Como rompemos com este bloqueio em que qualquer proposta de saída para os grandes problemas surge logo cercada pela ameaça de mais dívida e dependência? Todas as forças políticas e económicas afirmam que é preciso pôr de lado o baixo perfil da nossa economia, muito suportado por baixos salários e baixa qualidade do emprego. Mas, quando se fala de disponibilização de meios para investir, a Direita e uma parte dos empresários focam-se apenas no negócio, pouco se importando com a melhoria de posição nas cadeias de valor ou com o que cada um desses negócios beneficia o país. Há setores patronais a clamarem por mais imigração, todavia, é claro que não o fazem por razões humanitárias - que sempre devemos respeitar e valorizar -, mas porque veem aí uma forma de continuarem com políticas de baixos salários.

Temos de forçar o esclarecimento sobre aquilo que representa substância para a vida das pessoas, para a melhoria de condições das estruturas que nos podem garantir a prestação de direitos fundamentais, para um funcionamento bom e responsável das empresas, para uma economia saudável, para a democracia plena.

A sociedade portuguesa tem de se agitar e agigantar neste quadro das eleições e também depois, se queremos sair da cepa torta.»

.

8.11.21

É apenas um pouco tarde

 


«Ainda não é o fim do mundo, calma, é apenas um pouco tarde»
 
Manuel António Pina
..

Afastem a chantagem

 

«Em primeiro lugar é preciso MEMÓRIA sobre o que se passou nos últimos anos, sem memória não aprendemos nada. Em 2015 quando foi criada a “geringonça” o programa que o PS apresentou ao eleitorado previa congelamento das pensões e cortes nos salários da administração pública. Foi a “geringonça” que fez com que este caminho fosse alterado e fossem revogadas as medidas de austeridade da troika. Alguém acredita que se o PS tem governado sozinho em 2015, com o programa que apresentou às eleições se tinha avançado como se avançou?

Em 2019, o PS ganha as eleições mas não tem maioria absoluta, continua a precisar do BE e do PCP para governar. Mas qual foi a sua opção? Não quis acordos e optou por governar através da “navegação à vista”, com uma agravante, ora virava o barco para a esquerda ora virava para a direita. Diga-se em abono da verdade que só pensava na esquerda quando era preciso aprovar o orçamento de estado. Tudo o resto foi mais para a direita (facilmente comprovável através da votação dos diplomas).»

Helena Pinto
.

Edmundo Pedro – Seriam 103

<

 

Quem quiser ler um resumido «percurso existencial», escrito pelo próprio, está AQUI num post que publiquei quando ele morreu a poucos meses de chegar aos 100.
.

Portugal está preso numa armadilha de salários baixos. Sair dela deveria ser a nossa maior prioridade política



 

«Junte-se um grupo de estrangeiros deslocados para Portugal pelas suas companhias, os seus estados, ou pensionistas depois de uma carreira de profissionais altamente qualificados em países ricos, e a descrição que ouviremos de Portugal é quase como de um paraíso na terra. Os diplomatas em início de destacamento começam logo a chorar com o momento em que terão de se ir embora. Os gestores e consultores de topo a inventar desculpas para não sair daqui e já a fazer planos para comprar casa e tirar vantagem do teletrabalho. Os pensionistas aconselham os amigos que deixaram no seu país a fazer o mesmo que eles. As razões são as do costume: a segurança, a paz, a cordialidade, a vida cultural nas áreas metropolitanas, a natureza e a paisagem, a riqueza gastronómica, os cuidados de saúde, a forma como os filhos são tratados e educados, e por aí afora.

Mas o que têm todas estas categorias em comum? É muito simples: auferirem salários ou pensões de países com rendimentos elevados — e em alguns casos, ou já não trabalharem, ou trabalharem em ambientes em que a produtividade vale mais do que as longas horas de trabalho. Assim, a ganhar bem e a trabalhar menos horas, também nós só iríamos para o estrangeiro em férias, em estudo, e pela experiência e a aprendizagem.

Mas não. Portugal para portugueses é uma armadilha de baixos salários; e por isso muitos de nós veem-se forçados a sair do país e dificilmente conseguirão regressar.

Um estudo do economista Eugénio Rosa publicado ontem caracteriza esta realidade ainda de outra forma: Portugal não é só um país de salários baixos mas está a tornar-se também um país de salários mínimos. O salário mínimo, um dos mais baixos da Europa ocidental, tem, apesar de tudo, aumentado nos últimos anos. Mas o seu aumento não tem sido acompanhado por aumentos nos outros segmentos da escala salarial. Assim sendo, cada vez mais trabalhadores portugueses auferem apenas o salário mínimo, que apesar de ir aumentando é insuficiente para uma vida digna no nosso país, e em particular nas áreas metropolitanas.

A “distorção salarial” no nosso país é ilustrada por Eugénio Rosa com um exemplo alarmante: “No site do Instituto de Emprego e Formação Profissional encontram-se 156 ofertas de emprego para engenheiros civis, eletrotécnicos, mecânicos, agrónomos, etc., cujos salários oferecidos, na sua esmagadora maioria, variam entre 760€ e 1000€. E isto são remunerações brutas, antes de descontar para o IRS e para a Segurança Social. Como é que o país assim pode reter quadros qualificados?”

A resposta é que não pode. Em particular, os mais jovens não podem. Imaginemos, por exemplo, um casal de enfermeiros: começaram a sua carreira ganhando menos de mil euros; passado uma década, ganham pouco mais do que isso. As horas de trabalho são muitas, as rendas no centro das cidades incomportáveis, as horas no vaivém entre o trabalho e a casa também longas e cansativas. Se for um casal com filhos, as dificuldades multiplicam-se. Mas num contexto de liberdade de circulação, proporcionado pela nossa pertença à União Europeia, há sempre uma solução de recurso: emigrar. Noutro país europeu, os salários serão pelo menos o dobro, a formação frequentemente gratuita, o avanço na carreira garantido.

O resultado é óbvio. Um país que compete com base nos baixos salários, num quadro de liberdade de circulação, acaba a perder boa parte da sua população ativa mais qualificada.

Sair desta armadilha não é fácil: implica um plano a longo prazo com objetivos de aumento de produtividade, um maior grau de especialização na nossa estrutura económica, mais incorporação de conhecimento e tecnologia, a introdução de uma cultura de gestão que favorecesse o trabalho em equipa, a autonomização e a responsabilização dos trabalhadores. Tudo coisas que precisam de ser concretizadas tomando em conta as melhores práticas noutros países e tentando importar, na medida do possível, os modelos de produção mais avançados da atualidade, nomeadamente o da economia do conhecimento. Mas é precisamente porque não é fácil que esta deveria ser a nossa principal prioridade política. E é precisamente porque não é resolúvel a curto prazo que precisa de um grande debate público nacional que produza compromissos políticos duradouros.

E, no entanto, o que vemos na política quotidiana portuguesa é estarmos a discutir coisas cada vez mais estreitas e em prazos mais curtos. Assim não vamos lá. E, assim, muitos de nós não voltarão para cá.

Se as próximas eleições, decididas em cima da hora pela incapacidade de aprovar um Orçamento, conseguirem discutir alguma coisa disto — que é, no fundo, discutir um novo modelo de desenvolvimento para o país —, já será um milagre.»

.

7.11.21

Já a formiga tem catarro

 

.

Grandes verdades

 

.

COP26: foi dia de tomar as ruas

 


«“Imagina acordar a meio da noite com o vento a soprar na tua janela: é mais um ciclone que chegou. As tuas roupas estão molhadas; vais pegar no teu irmão e corres, porque a tua casa está debaixo de água. Não sabes a tua língua materna porque ela te foi roubada de ti antes de sequer nasceres, os teus antepassados foram raptados e violados, tentaram ‘branquear’ a população violando-a e matando-a; agora o teu nome é italiano, alemão, português, espanhol. Tiraram-te tudo. Aos 6 anos, homens tentam explorar o teu corpo, e cresces com a tua casa a ser atacada e explorada. Querem tudo, querem-te a ti, à tua família, ao teu território, à tua vida.”

Foi assim que Adriani Maffioletti, 18 anos e activista indígena do Sul do Brasil, começou o seu discurso, após mais de 30 mil pessoas tomarem as ruas por justiça climática numa marcha organizada pelo Fridays For Future. Contou-nos que esta não é apenas a sua história, mas a de muitas pessoas indígenas e brasileiras que continuam a ser marginalizadas e silenciadas.

Durante a COP26, a activista Bianca Castro, da Greve Climática Estudantil, dá a sua visão do que acontece dentro e fora da Cimeira do Clima.

Na sexta-feira, dia 5, foi dia de mobilização em massa. Foi dia de sentir união, amor e solidariedade. Há uma certa invencibilidade no ar quando olhamos ao nosso redor e percebemos que estamos rodeados de milhares e milhares de pessoas que, tal como nós, querem construir um mundo diferente.

Activistas de todo o mundo, do Paquistão ao Equador e do Reino Unido a Uganda, ergueram as suas vozes nas ruas de Glasgow - as mesmas ruas que vão dar à Cimeira do Clima; Cimeira essa que continua a ser um palco para o poder imperialista do Norte Global. A verdadeira liderança não está dentro da Cimeira; está nas ruas, está no movimento.

Falamos de justiça climática porque, para nós, não basta baixar as emissões para resolver a crise climática. É preciso que isso não afecte mais quem é menos responsável, e que se responsabilize quem é mais responsável.

Exigimos cortes urgentes de emissões de forma a limitar o aquecimento global em 1,5 ºC; exigimos o fim de quaisquer novos investimentos em combustíveis fósseis; exigimos que os 100 mil milhões prometidos aos países mais vulneráveis sejam entregues; exigimos garantias e protecção para todos os trabalhadores e pessoas na linha da frente da crise climática.

Entre os vários poderosos discursos, membros do Fridays For Future focados em ajudar activistas de zonas de risco também tiveram algo a dizer. Têm reunido todas as suas capacidades e esforços para evacuar activistas climáticos do Afeganistão, um país que está em guerra há mais de 40 anos. Já conseguiram evacuar mais de 40 pessoas, entre elas vários jovens. As suas vidas foram postas em perigo simplesmente por lutarem corajosamente por justiça climática. Após a tomada de poder dos taliban, receberam inúmeras ameaças de morte.

Nas palavras de um dos jovens activistas: “Vivi em Cabul toda a minha vida. Tinha dias agridoces, memórias doces de reunir com amigos e memórias amargas de perder os meus melhores amigos para a guerra e o terror. Mas tinha esperança de poder viver os meus planos e objectivos, quer fossem eles pequenos ou grandes”. Mas quando os taliban chegaram, ele os seus amigos tiveram de esquecer os seus planos, os seus sonhos, os seus trabalhos e os seus objectivos. A sua única luta passou a ser a da sobrevivência, e de sair do Afeganistão. Quando foi evacuado, sentiu que estava a aguardar no fim do mundo e aceitou todos os perigos e possíveis destinos. Mais de 20 activistas foram evacuados para o Paquistão. Agora, se não conseguirem ir para outro país rapidamente, correm o risco de ser deportados de volta para o Afeganistão.

Para ser possível continuar a ajudá-los a eles e a tantas outras pessoas, são precisos mais fundos - e doações podem ser feitas aqui. O Fridays For Future Afeganistão não tem representação nesta Cimeira, nem na mobilização de hoje. É preciso falar sobre isto, e relembrar que, nesta luta, não deixamos ninguém para trás.

E em Portugal, também se sairá às ruas, em resposta ao apelo internacional de protesto no âmbito da COP26. Durante o fim-de-semana, haverá mobilizações em Lisboa, no Porto, nas Caldas da Rainha e em Faro. A luta é a única força que temos. Juntos, vamos derrubar este sistema.»

.