«Junte-se um grupo de estrangeiros deslocados para Portugal pelas suas companhias, os seus estados, ou pensionistas depois de uma carreira de profissionais altamente qualificados em países ricos, e a descrição que ouviremos de Portugal é quase como de um paraíso na terra. Os diplomatas em início de destacamento começam logo a chorar com o momento em que terão de se ir embora. Os gestores e consultores de topo a inventar desculpas para não sair daqui e já a fazer planos para comprar casa e tirar vantagem do teletrabalho. Os pensionistas aconselham os amigos que deixaram no seu país a fazer o mesmo que eles. As razões são as do costume: a segurança, a paz, a cordialidade, a vida cultural nas áreas metropolitanas, a natureza e a paisagem, a riqueza gastronómica, os cuidados de saúde, a forma como os filhos são tratados e educados, e por aí afora.
Mas o que têm todas estas categorias em comum? É muito simples: auferirem salários ou pensões de países com rendimentos elevados — e em alguns casos, ou já não trabalharem, ou trabalharem em ambientes em que a produtividade vale mais do que as longas horas de trabalho. Assim, a ganhar bem e a trabalhar menos horas, também nós só iríamos para o estrangeiro em férias, em estudo, e pela experiência e a aprendizagem.
Mas não. Portugal para portugueses é uma armadilha de baixos salários; e por isso muitos de nós veem-se forçados a sair do país e dificilmente conseguirão regressar.
Um estudo do economista Eugénio Rosa publicado ontem caracteriza esta realidade ainda de outra forma: Portugal não é só um país de salários baixos mas está a tornar-se também um país de salários mínimos. O salário mínimo, um dos mais baixos da Europa ocidental, tem, apesar de tudo, aumentado nos últimos anos. Mas o seu aumento não tem sido acompanhado por aumentos nos outros segmentos da escala salarial. Assim sendo, cada vez mais trabalhadores portugueses auferem apenas o salário mínimo, que apesar de ir aumentando é insuficiente para uma vida digna no nosso país, e em particular nas áreas metropolitanas.
A “distorção salarial” no nosso país é ilustrada por Eugénio Rosa com um exemplo alarmante: “No site do Instituto de Emprego e Formação Profissional encontram-se 156 ofertas de emprego para engenheiros civis, eletrotécnicos, mecânicos, agrónomos, etc., cujos salários oferecidos, na sua esmagadora maioria, variam entre 760€ e 1000€. E isto são remunerações brutas, antes de descontar para o IRS e para a Segurança Social. Como é que o país assim pode reter quadros qualificados?”
A resposta é que não pode. Em particular, os mais jovens não podem. Imaginemos, por exemplo, um casal de enfermeiros: começaram a sua carreira ganhando menos de mil euros; passado uma década, ganham pouco mais do que isso. As horas de trabalho são muitas, as rendas no centro das cidades incomportáveis, as horas no vaivém entre o trabalho e a casa também longas e cansativas. Se for um casal com filhos, as dificuldades multiplicam-se. Mas num contexto de liberdade de circulação, proporcionado pela nossa pertença à União Europeia, há sempre uma solução de recurso: emigrar. Noutro país europeu, os salários serão pelo menos o dobro, a formação frequentemente gratuita, o avanço na carreira garantido.
O resultado é óbvio. Um país que compete com base nos baixos salários, num quadro de liberdade de circulação, acaba a perder boa parte da sua população ativa mais qualificada.
Sair desta armadilha não é fácil: implica um plano a longo prazo com objetivos de aumento de produtividade, um maior grau de especialização na nossa estrutura económica, mais incorporação de conhecimento e tecnologia, a introdução de uma cultura de gestão que favorecesse o trabalho em equipa, a autonomização e a responsabilização dos trabalhadores. Tudo coisas que precisam de ser concretizadas tomando em conta as melhores práticas noutros países e tentando importar, na medida do possível, os modelos de produção mais avançados da atualidade, nomeadamente o da economia do conhecimento. Mas é precisamente porque não é fácil que esta deveria ser a nossa principal prioridade política. E é precisamente porque não é resolúvel a curto prazo que precisa de um grande debate público nacional que produza compromissos políticos duradouros.
E, no entanto, o que vemos na política quotidiana portuguesa é estarmos a discutir coisas cada vez mais estreitas e em prazos mais curtos. Assim não vamos lá. E, assim, muitos de nós não voltarão para cá.
Se as próximas eleições, decididas em cima da hora pela incapacidade de aprovar um Orçamento, conseguirem discutir alguma coisa disto — que é, no fundo, discutir um novo modelo de desenvolvimento para o país —, já será um milagre.»
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