José Pacheco Pereira no
Público de hoje:
«Há um fogo em curso que ameaça matar muita gente: a Presidência Trump. E é muito connosco, porque está a dar-se um considerável agravamento das tensões internacionais, cujo resultado podem ser guerras ou a Guerra. A qualquer momento, do modo que as coisas estão, pode haver um incidente grave e uma escalada difícil de travar, até pelas idiossincrasias do “win, win, win” de Trump, embora, à data em que escrevo, ainda haja muita gente nos EUA capaz de o travar. Mas o risco de conflitos graves está a aumentar rapidamente. (…)
Há uma diferença fundamental entre a política interna de Trump, que corresponde a interesses reais e a uma ideia sobre o declínio interior americano, confusa e irrealista, mas que existe e tem fundamentos, e a política externa, campo em que o pensamento de Trump, se é que assim se pode chamar, era aceitar um status quo Trump-Putin, muito favorável aos russos, com a retirada dos EUA de todos os conflitos internacionais a não ser em matéria de acordos comerciais. Esta política era a desejada, mas não é a que está a ser seguida, porque Trump não escapa a ser pessoalmente confrontado pelos eventos, pois a personalização dos EUA no seu Presidente introduz uma mudança muito significativa no quadro das relações internacionais. (…)
É nos EUA, é na política americana que se encontra a chave para travar e, a prazo, remover legalmente ou por eleições, Trump. E, diferentemente do que pensam muitos democratas, não vai ser fácil nem vai ser bonito de se ver. Vai ser um processo duro, difícil, quase uma guerra civil tanto pacífica quanto possível, mas cujo rastro de violência está já aí à vista de todos.
O problema é que Trump, legitimamente eleito com uma “pequena ajuda” dos seus amigos russos, não vai querer ser legitimamente deposto, em caso de ilegalidades ou por uma derrota eleitoral. Para evitar perder, o homem do “win, win, win” vai fazer tudo o que possa, legal ou ilegalmente, para ficar no poder. E como o que se está a passar nos EUA é a tentativa de substituir a democracia, com os seus procedimentos, divisão, equilíbrios de poder e primado da lei, por uma autocracia assente no poder pessoal de Trump e da sua família, usando e abusando de todos os poderes que tem, e são muitos, os riscos são enormes. (…)
A enorme pressão autocrática que Trump faz sobre os fundamentos da democracia americana tem vários eixos de actuação: um culto da personalidade que só tem paralelo nos ditadores da América Latina do passado (apenas Maduro se aproxima hoje de Trump e vice-versa); a submissão vergonhosa do Partido Republicano; a perseguição de todos que se opõe, umas vezes verbalmente, outras afastando-os dos seus cargos, como aconteceu ao director do FBI e a vários procuradores; a demonização dos media, transformados no “inimigo principal”; e a prossecução de uma agenda que se destina a tornar autoritário o sistema político. (…)
E, depois, como estamos numa democracia, e a linguagem tem um valor democrático próprio, o tom dos seus “tweets” e intervenções, que são um constante apelo à violência verbal e física, a negação do “outro”, a chantagem, a paranóia do “nunca tal aconteceu”, “nunca isto foi conseguido”, o “melhor de sempre”, “milhões”, “biliões”, “triliões”, o “maluco do Joe”, o “louco Bernie”, a “crooked Hillary”, os ratings deste e daquele, menos o dele, o constante auto-elogio, encenado em comícios ou em reuniões do seu governo, num espectáculo nunca visto na América, ajudam a criar um caldo de cultura antidemocrático.
Trump fará tudo o que lhe permitirem que ele faça, sem qualquer outra consideração que não seja a sua preservação pessoal. Como já não é possível distinguir as duas coisas, a sua queda vai produzir muitos estilhaços porque ele fará tudo para que pareça ou seja um cataclismo. Trump é um tipo perigoso, muito perigoso.»
.