13.1.24

Cuidado com a AD!

 


Ainda acabamos com um Rei...
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Este existe mas não pensa

 

Há quem pense por ele.
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Só vale a pena comemorar o 25 de Abril em modo combativo

 


«Os 50 anos do 25 de Abril vão ser comemorados por todo o lado (só o Arquivo Ephemera tem cerca de 50 pedidos de organização ou cedências de material para exposições e participação em debates e conferências, de escolas, autarquias, universidades e outras instituições, dos quais talvez se consiga responder a metade…). Não tenho dúvidas de que vai haver centenas e centenas de realizações e, embora haja o risco de overdose e de a partir de Março não se poder mais ouvir falar do 25 de Abril, isto significa que a data entrou completamente na normalidade institucional do país, o que é bom e mau ao mesmo tempo.

Que se lembre a determinação e coragem dos que o fizeram, que se fale por comparação com os anos da ditadura, é bom. O que é mau é que se comemore a data mais ou menos por obrigação como se fosse um dia santo republicano e laico, e não a Revolução de 25 de Abril. Sim, a “revolução”, que está muito para além da data, porque o 25 de Abril a partir da manhã deixou de ser um golpe de Estado para ser uma revolução, quando muitos milhares de pessoas vieram para as ruas, os militares tiveram que acelerar a ocupação da PIDE e a prisão dos agentes, que, recorde-se, mataram as últimas vítimas directas do Estado Novo na metrópole, tiveram que libertar os presos políticos, acabar com a censura nas ruas e aceitar a realização do 1.º de Maio e mil e um pequenos/grandes factos consumados que a Junta de Salvação Nacional não desejava.

A rua somou-se aos quartéis e a rua fez a revolução. Os historiadores, os sociólogos e os políticos têm usado o termo ou criticado o seu uso, têm-no definido com vários graus de exigência, mas que o 25 de Abril foi uma revolução, isso foi. Por muito tumultuoso que tenha sido o processo – e em bom rigor era difícil que não fosse, num país com tão longa ditadura e com uma guerra colonial em curso –, no dia 24 não havia liberdade, nem democracia, e no dia 25 havia liberdade e desta passou-se à democracia. Pode tudo estar a correr mal, podem os partidários do “cumprimento de Abril” dizer que este está “por cumprir”, mas a diferença entre 24 e 25 ainda está viva e bem viva.

Mas ter liberdade e democracia nunca é isento de perigos, e a sua fragilidade exige uma combatividade do bem que está longe de existir. Temo aliás que, por complacência e preguiça, por mesquinhez com as pequenas insatisfações de cada um, pela degradação da qualidade de vida e pela degenerescência cultural, pela falta de exigência, pelo egoísmo individual, as comemorações sejam mais um ritual do que algo com significado em 25 de Abril de 2024. Tanto mais que, entre eleições e crises políticas, o certo crescimento da direita radical, e não é só no Chega, vai ser a pior ecologia para recordar uma data que vai valer a pena lembrar mas só em modo combativo.

Pouca gente atacará o 25 de Abril directamente, principalmente no terreno da política, mas existem ataques que minimizam o seu significado. Quando se coloca o 25 de Novembro em paralelo com o 25 de Abril, para além de uma asneira histórica, está-se a diminuir o 25 de Abril. Foi feito. Ou, noutra variante, o retorno de “como era bom Mussolini porque fazia os comboios chegarem a horas”, que alguns pseudo-académicos que não se enxergam dizem por aí da ditadura. Foi dito.

Qualquer minimização da violência, crueldade, atraso, fraude, discriminação, perseguição, e mais mil e uma coisas como a ideia falsa de que a corrupção é uma característica da democracia e não existia no “tempo de Salazar”, devia obrigar a ler os milhares de cortes da censura que protegiam o regime das notícias perturbadoras para a “paz” dos espíritos, a começar pelo capítulo intitulado “desfalques”. Foi sugerido. Do mesmo modo, a pedofilia, os abusos sexuais e a sistemática violência contra as mulheres... – lá porque não se falava disso, não quer dizer que não fosse um período negro favorável a todos os abusos, exactamente porque não se podia falar disso. Foi minimizado. Aliás, talvez o que de mais grave se esquece, mesmo nas comemorações, é que a ditadura tem milhares de mortos à sua responsabilidade, não porque a PIDE matasse muito menos do que as suas congéneres europeias, como alguns dizem, e é verdade para a metrópole, mas havia três guerras coloniais em curso e nelas morreram muitos soldados portugueses e muitos africanos. Foi esquecido.

O que queria dizer ao enumerar todos estes males sociais e políticos que desgastam a liberdade e a democracia é que eles têm autores, uns mais conscientes do que estão a fazer, outros porque vão na onda e acham que não têm nada a perder, e estão a estragar o 25 de Abril. Usando um exemplo trivial, é como aqueles que nunca quiseram saber dos sindicatos, até os desprezavam, mas que quando são despedidos vão lá bater à porta, para ter um advogado que defenda os seus direitos.

O que digo é que é importante defender o que temos, antes de ir bater a uma porta que pode até já não existir.»

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12.1.24

A nova AD

 


Expresso, 12.01.2024
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Caixadòclos

 

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Três Tristes Tigres

 

«Como bom líder mobilizador da direita, o dr. Luís Montenegro montou uma coligação pujante, forte, jovem, e tão fácil de entender como de dizer três tristes trigr-.»

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Isto não é o que parece, povo português

 


«Creio que, quando assistirem à campanha eleitoral das próximas legislativas, os eleitores vão sentir-se como se tivessem aberto a porta do quarto e deparado com o seu cônjuge na cama com outra pessoa. O que vão ouvir é mais ou menos o mesmo. Tanto Pedro Nuno Santos como Luís Montenegro nos vão dizer, na prática: “Isto não é o que parece.” Vai ser igualmente difícil de acreditar, mas não tenho dúvidas de que nos vamos divertir a ouvi-los.

Pedro Nuno Santos vai tentar explicar-nos que, apesar de ter integrado os governos anteriores, não tem nada a ver com os governos anteriores. No máximo, é responsável apenas pelas partes boas, se existiram. Mas dirige um partido completamente novo, que por acaso tem o mesmo nome de um que já existia. De resto, inventou uma estratégia muito astuta para se defender de críticas. Sempre que alguém lhe lembra que errou, Pedro Nuno admite que sim, mas por uma razão virtuosa: errou porque decide e faz. Quem não faz não erra. Gostava de me ter lembrado do mesmo estratagema quando, no oitavo ano, errei várias perguntas do teste de matemática. Errei porque fiz. De facto, quem não fez o teste não errou. Mas o professor, por uma razão qualquer (provavelmente, má vontade) era mais exigente. Não se satisfazia com a justificação “errei porque fiz”, e pretendia que eu fizesse e não errasse. Parece que era esse o objectivo dos testes: distinguir os que faziam e erravam dos que faziam sem errar. Os primeiros não passavam de ano, imaginem. Pedro Nuno quer transitar de governo com a justificação de ter errado porque fez. Enfim, resta-nos olhar para a obra que fez. Provavelmente, é uma obra tão vasta que não fica beliscada por um ou dois erros que tenham sido cometidos. Só no que toca à habitação, preciso de tirar uma semana ou duas para avaliar tudo o que fez.

Luís Montenegro, por outro lado, tem duas tarefas. A primeira é igual: persuadir-nos de que isto não é o que parece. Apesar de ter sido líder parlamentar no tempo de Passos Coelho, não se identifica minimamente com a governação de Pedro Passos Coelho. Os velhos podem estar descansados, que ele não está de olho nas suas pensões, e os funcionários públicos que não se preocupem, porque ele não lhes vai ao salário. Isso foram medidas que ele apoiou mas a contragosto. Tal como Pedro Nuno, ele fumou os governos anteriores mas não inalou.

A segunda tarefa de Montenegro é o rigoroso oposto desta. Ele não tem de convencer-nos de que a AD não é o que parece, tem de convencer-nos de que a AD é o que não parece. Vai ter de explicar ao povo português que Montenegro, Melo e Câmara Pereira, embora não pareçam, são o mesmo que Sá Carneiro, Freitas e Ribeiro Telles. Vão ser três meses fantásticos — no sentido de incluírem muita fantasia.»

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11.1.24

A ortodoxia europeia alimenta a extrema-direita?

 


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Sobre a decadência do jornalismo

 

«Na primeira metade da minha carreira, aí até 2010, 2012, mais coisa menos coisa, a Visão tinha uma redação grande, mas que ainda assim parecia pequena para os níveis de exigência de então. Um artigo de abertura (6 a 10 páginas) era obrigatoriamente uma reportagem com vários casos pessoais, muitas vezes espalhados pelo País (chegávamos a fazer centenas de quilómetros para ir buscar uma história, porque Portugal não é só Lisboa e se o tema era nacional, tinha de ser nacional). Davam-nos pelo menos duas semanas para fazer o trabalho, porque, diziam-nos os mais velhos, a Visão não é um pasquim qualquer, cada prosa tem de ser escrita como se fosse uma peça de literatura. E a exigência não era só no nível de escrita: havia uma série de apertadas regras jornalísticas e do livro de estilo a seguir (“Tens de pedir sempre o nome e apelido, idade e profissão”, e ainda hoje tenho suores frios com as vezes que me esqueci de pedir a idade). O texto passava depois por um editor (que muitas vezes o mandava para trás para ser reescrito; sim, havia tempo para isso), depois um desk e finalmente um revisor. No caso de ser capa, ia ainda ao diretor.

E então veio o declínio. Com a oferta de notícias na internet, a revista (tal como os jornais) foi perdendo leitores. Os tempos de 65 mil revistas vendidas em banca, mais umas 30 ou 35 mil em assinaturas, rapidamente passaram a “É espetacular se vendermos 20 mil”. A publicidade passou a valer cada vez menos, os anunciantes fugiam para as redes sociais. Não havia dinheiro para contratar sangue novo, essencial para manter uma redação viva e estimulante, nem para aumentar os melhores jornalistas, que foram saindo na busca legítima de melhores condições, muitos deles abandonando o jornalismo. A redação envelheceu e emagreceu, ao mesmo tempo que o trabalho se multiplicou. Somos hoje um terço dos jornalistas que éramos e, em cima disso, passámos a ter de trabalhar muito, muito mais, porque é preciso “alimentar o site”. Deixámos de escrever e passámos a produzir. Já não há desks. Não há gente nem tempo para ler e editar os artigos publicados no site. Somos poucos e é preciso gerar volume e tráfego e há que trabalhar para o algoritmo, para nos mantermos relevantes no espaço noticioso. Quê, duas semanas para fazer uma reportagem?! Mas julgas que vai sair daí o Pulitzer, é? E o que vais dizer aos teus colegas do lado, que vão ter de trabalhar a dobrar para compensar o teu engonhar?

Não, já não me preocupo em pedir o nome e apelido, idade e profissão de cada um, porque estou mais preocupado em despachar o artigo e tenho mais dois para fazer ainda hoje. Não, já não percorro centenas de quilómetros para falar com “aquela” pessoa, apesar de o tema ser nacional. Não, já não vou ao estrangeiro fazer reportagem, porque não há dinheiro para viagens e hotéis. Não, nem sempre consigo cruzar a informação com todas as fontes que quero, porque há que dar a notícia já, antes que outro a dê, e as preciosas horas que passámos nisto vão por água abaixo. Não, não há a mínima perspetiva de ser aumentado, por mais que me esforce. Estamos todos presos neste ciclo de decadência contínua, em que o rigor e a qualidade se perdem por falta de tempo, e a falta de rigor e qualidade levam à perda de leitores, e a perda de leitores leva à perda de receitas, e a perda de receitas leva à perda e apatia de jornalistas, e a perda e apatia de jornalistas leva à perda de rigor e qualidade.

Caros leitores, isto não é uma justificação, mas apenas uma explicação. Vocês merecem mais. Nós sabemos isso. E fazemos o melhor que podemos. Não está fácil. Mas vamos continuar a lutar. O jornalismo é das profissões mais nobres do mundo. Acredito tanto nisso hoje como em 1999, quando entrei, fascinado até ao arrepio, pela primeira vez na Visão. Mais, até. Não é um trabalho, é serviço, é amor, é paixão, é a nossa vida.

Acompanhem-nos nesta luta. Ajudem-nos a fazer melhor. Continuamos a ser jornalistas até à medula. Não vamos desistir do jornalismo. Não desistam de nós.»

Luís Ribeiro no Facebook
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A extrema-direita já não é o que era?

 


«Há alguns anos, quando falava do meu receio em relação ao crescimento da extrema-direita recebia muitas vezes comentários dubitativos ou mesmo jocosos. Em França, havia a ideia de que o cordão sanitário funcionaria para sempre, em Portugal havia a convicção, que se veio a revelar ser um mito, de que a nossa Constituição nos preservaria da extrema-direita. Ouvi muitas vezes “isso nunca vai acontecer”, “é um fenómeno residual”, “estás a exagerar”. Nisto preferia sinceramente não ter tido razão.

Em Portugal, passámos de pequenos partidos anónimos com, de facto, uma expressão eleitoral residual a um partido que disputa agora o lugar de terceira força política, com poder para influenciar a constituição de governos e agendas mediáticas. Em França, a extrema-direita é a segunda força (a primeira nas eleições europeias), já tendo amplamente vencido a luta das ideias, conseguindo também impor a sua agenda. A direita adota agora sem qualquer embaraço o mesmo discurso e o Governo de centro-direita vota leis, como a nova lei de imigração, que seriam impensáveis há muito pouco tempo. Ainda ressoa o momento televisivo de 2021 em que Gérald Darmanin, ministro do Interior, diz num debate com a líder da extrema-direita, Marine Le Pen, que a acha demasiado “mole”.

Em entrevista à Lusa, o porta-voz do grupo de reflexão Friends of Europe, Dharmendra Kanani, previne: "Hoje na Europa a extrema-direita está a ganhar uma tração e a conseguir percentagens de votos que há dez anos seriam impensáveis. O centro, o centro-esquerda e os moderados têm de se lembrar do que aconteceu há 100 anos quando muitos ficaram simplesmente a olhar." Em várias intervenções públicas, o filósofo americano, especialista do fascismo, Jason Stanley tem vindo a alertar para o facto de o problema atual não ser a polarização política, mas o facto de haver um polo que se está a mover para a extrema-direita.

Mas não devemos dar todo o crédito do sucesso da extrema-direita à direita, ela tem mérito próprio. Tem conseguido, de forma sistemática, fazer um trabalho de desdiabolização eficaz. Nestes últimos meses, no contexto da guerra genocidária de Israel contra a Palestina, conseguiu até deitar abaixo aquele que era talvez um dos últimos obstáculos para a sua ascensão ao poder efetivo: as suas ligações estreitas com o antissemitismo. Pela primeira vez, em França, a extrema-direita foi bem acolhida numa manifestação contra o antissemitismo, fazendo de conta já não ser o que era. Escondendo no armário quem são os fundadores do partido, quem são os ideólogos, quem são os financiadores, quem faz parte das equipas de segurança, quem são os seus porta-vozes e amplificadores da ideologia informais nas redes sociais, quem constitui uma parte dos seus eleitores, etc. Na extrema-direita portuguesa, também se tenta esconder ligações com figuras do movimento neonazi.

A extrema-direita continua a ser o que era, a ponto de utilizar, como explica o sociólogo Ugo Palheta, muitos dos mesmos mecanismos de retórica racista que já havia utilizado contra judeus para atacar muçulmanos, qualificando-os de eternos estrangeiros à nação, suspeitos de quererem destruir a nossa civilização, de se infiltrarem nas esferas de poder, de haver conluio com a esquerda (ex: “judeus-bolcheviques”, “islamo-esquerdistas”). Nada como encontrar inimigos comuns para fazer as pazes em relação a ódios antigos. Esta súbita defesa da extrema-direita de uma das vertentes da luta global antirracista é puramente oportunista. E assim consegue “matar vários coelhos com uma só cajadada”. Consegue normalizar-se, diabolizar adversários políticos (reduzindo a crítica a Israel e a defesa da Palestina a uma posição antissemita), atacar minorias, defender ideias como a supremacia étnica, racial ou religiosa, a legitimidade colonial, e até fazer a amálgama entre ser judeu e ser israelita reforçando uma das suas clássicas ideias antissemitas, a de que judeus serão sempre estrangeiros à nação. A extrema-direita tem nova maquilhagem, mas ainda é o que era.»

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10.1.24

No país das contas certas

 


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Tintim 95

 


Tintim faz hoje 95 anos. Apareceu pela primeira vez no suplemento juvenil Petit Vingtième do jornal belga Le Vingtieme Siecle (doze «caixas» em duas páginas), com Tintim envolvido numa aventura de ida à União Soviética, com partida de Berlim.


Depois, nasceu o mito que conhecemos, com o herói que alimentou a nossa imaginação e que acompanhou, e acompanha, multidões do mundo inteiro «dos 7 aos 77». Mais de 200 milhões de exemplares em 70 línguas diferentes.
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Júlio Pomar

 


Seriam 98.

«O Almoço do Menino»:

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Cai mal a Montenegro o casaco do avô

 


«Para responder mediaticamente o congresso do Partido Socialista, Luís Montenegro marcou, para domingo, o lançamento da Aliança Democrática (AD). A aliança entre o PSD e o CDS tem três boas razões para a acontecer: garantir o regresso do CDS ao parlamento, para que a IL e o Chega encontrem um competidor que seja fável para o PSD; começar o processo de transferência organizada de bons quadros do partido para o PSD, extinguindo com dignidade um dos partidos fundadores da democracia; e aproveitar todos os votos, que o método de hondt valoriza, de um partido que, apesar de tudo, ficou à frente do Livre e do PAN nas últimas eleições. Nada há mais para além disto. Nem alargamento, nem uma nova esperança, nem um regresso às origens. O problema é ter-se tentado fingir que esta coligação era o que não é.

Se, como Luís Montenegro tem anunciado, o PSD queria dar um sinal de abertura à sociedade civil e aos independentes, para alargar a base eleitoral para setores que votaram no PS, a escolha de Miguel Guimarães não podia ser mais absurda. Até Rui Moreira seria mais eficaz. O anterior bastonário da Ordem dos Médicos não representa apenas o pior do corporativismo nacional, que diz muito pouco à grande maioria dos portugueses. Não representa apenas a subversão da função das ordens profissionais num país onde elas têm um poder muito superior ao resto da Europa. Representou, durante a pandemia, a mais descarada instrumentalização política de uma organização de autorregulação, no mesmo momento em que o PSD de Rui Rio revelava um grande sentido patriótico. Miguel Guimarães não seduz ninguém que não seja, à partida, eleitor do PSD.

Compreende-se a vontade de Montenegro de aproveitar os problemas nas urgências hospitalares nesta altura do ano (é interessante revisitar o debate parlamentar sobre o tema, em janeiro de 2015, quando Paulo Macedo era ministro da Saúde) para falar do SNS. É natural que boa parte da campanha do PSD seja contra quem esteve no governo nos últimos oito anos. Mas seria de esperar uma ideia, uma proposta, qualquer coisa que se afirmasse pela positiva no tema que escolheram como central, quando se apresenta a candidatura. E isso não aconteceu. Não se pode passar uma intervenção a falar do adversário e, no meio dela, dizer, como disse Montenegro, que este “não é um movimento ressabiado”.

A política tem os seus momentos artificiais e o congresso do PS esteve cheio deles. Mas não basta Nuno Melo dizer que a AD é uma “lufada de ar fresco” para que sinta a briza desejada. Dirão que comparar Luís Montenegro, Nuno Melo e Gonçalo da Câmara Pereira a Francisco Sá Carneiro, Diogo Freitas do Amaral (ainda o tentaram apagar da fotografia) e Gonçalo Ribeiro Teles seria injusto. A queda de qualidade das lideranças é geral. Mas, para além da coincidência dos dois últimos até já terem apoiado António Costa a dado momento das suas vidas, os outros partidos não foram buscar marcas ao baú. Usam as que sempre usaram. Tentar passar uma imagem de novidade e ressuscitar uma coligação com 40 anos é prestar-se à comparação, exibindo a ausência de presente e de futuro. Como manobra de marketing, é um desastre.

Se a artificialidade da nova AD não fosse evidente, a entrada do PPM deixaria isso claro. E tem um pequeno problema: Montenegro vai ter de fechar Gonçalo da Câmara Pereira, o homem que um disse que “as mulheres bonitas normalmente são burras”, numa masmorra real. Assumindo-se como “nacionalista”, o fadista aliou o PPM ao PVV (que, entretanto, se integrou no partido de Ventura), para oferecer uma barriga de aluguer ao Chega nas últimas eleições europeias (o “Basta!”). Não é fácil vender a ideia de uma coligação moderada contra o “radicalismo de Pedro Nuno Santos” e andar com estas companhias.

O PPM, que foi o partido com menos votos nas últimas legislativas (260), só entrou nesta coligação porque reclamou direitos sobre a marca. E isto chega para tornar evidente a artificialidade de uma AD que não é AD. É, quanto muito, uma PàF em versão desnatada, em que Passos passa a Montenegro e Portas passa a Melo. Só que Montenegro não queria a PàF. Se, como disse Nuno Melo, “a culpa não é de Passos Coelho e Portas; é de Costa e Pedro Nuno Santos", porque é que Costa é um ativo para o PS e a PàF um embaraço para o PSD?

O problema desta versão vintage da AD é tudo nela sublinhar a diferença abissal com a original: nada nela é novo, mobilizador ou natural. É o que acontece quando vestimos a roupa com que os nossos avós fizeram furor.»

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Douce France...

 


«Position sur l’immigration, vocabulaire outrancier, invitation des mêmes polémistes… Dans leurs discours comme dans leurs actions, ténors de l’extrême droite et de la droite tendent de plus en plus à se confondre. Avec, pour chacun, les élections européennes en ligne de mire.» 
Libération, 08.01.2024
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9.1.24

Não perder a casa

 



(Tempo de Antena, 09.01.2024)
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09.01.1908 – Simone de Beauvoir

 


Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir chegaria hoje a uns improváveis 116 anos.

Tudo já foi escrito sobre esta escritora, intelectual, activista política e feminista, mas vale talvez a pena recordar o papel decisivo de uma das suas obras – Le Deuxième Sexe –, publicada em 1949. Esteve longe de ser um manifesto militante ou arauto de movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde, já que as mentalidades não estavam preparadas para a problemática da libertação da mulher tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.

As reacções não se fizeram esperar, tanto à esquerda (onde o problema da mulher estava fora de todas as listas de prioridades), como, naturalmente, à direita. François Mauriac escreveu: «Nous avons littérairement atteint les limites de l’abject», Albert Camus acusou Beauvoir de «déshonorer le mâle français».

Para a compreensão e a consagração da obra foi decisivo o sucesso nos Estados Unidos, onde foi publicada em 1953. O movimento feminista, em que Betty Friedman e Kate Millet eram já referências, estava aí suficientemente avançado para a receber. Efeito boomerang: Le Deuxième Sexe «regressou» à Europa no fim da década de 50, com um outro estatuto, quase bíblico, e teve a partir de então uma longa época de glória.

Simone de Beauvoir nunca provocou grandes empatias e foi sempre objecto de discussões sem fim sobre a sua importância relativa quando comparada com a de Sartre. Mas, goste-se ou não, estava no centro do Olimpo que Paris era então – quando, no Café de Flore, toda a gente vivia envolta em fumo e Juliette Greco cantava «Il n’y a plus d’après».


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Joan Baez, 83

 


Nasceu em 9 de Janeiro de 1941, cantou durante décadas em várias arenas, lembra-nos Wookstock, lutas pelos direitos dos negros, activismo contra a Guerra do Vietname, várias detenções como, por exemplo, em 1967, em Oakland, numa das dezenas de manifestações que tiveram lugar em cerca de 30 cidades dos Estados Unidos. 

Ficam, para nunca esquecermos, algumas das suas interpretações: 











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Dos presos políticos aos presos da política

 


«Naquele café, o lugar mais longe disponível, virado para a porta, era dela. Todos os dias, das 10.00 às 16.00, Ofélia, perto dos seus 80, trazia um cesto de verga com vários tamanhos de collants de vidro. Se fosse necessário, o cesto poderia ser mera decoração - depende da intenção de quem entrasse -, mas para todos nós, e ainda mais para ela, era o seu ganha-pão, para manter uma vida em que a reforma não existe.

A posição no café é de quem se habituou a ser vigiada. Noutros tempos percorria as ruas de Lisboa na venda. Hoje fica só onde o corpo deixa. Fora do seu bairro, não conseguiríamos associar a candura e aura de avozinha de Ofélia a estadas na Prisão das Mónicas nos Anos 50 e 60 do século passado. No resto da cidade não acharíamos que a venda desse direito a prisão. Na cidade, não se acredita em partes não-cidade, cuja pobreza é criminalizada. Os filhos de Ofélia foram presos. Os netos de Ofélia foram presos.

No bairro da Ofélia trabalhei com jovens. Ao fim das primeiras semanas de intento deixei de ver o Joel. Perguntei por ele. Tinha sido identificado na rua e como pendia um mandado de captura, foi encaminhado para um estabelecimento prisional para cumprir cinco anos de pena.

Perguntei o que tinha feito, ninguém sabia, nem ele. Deve ter recebido várias cartas da investigação criminal, do tribunal, mas, no prédio onde habita, as caixas de correio estão partidas. Só foi notificado uma vez para ir à PSP, em Alcântara. Não foi, teve medo do desconhecido. Joel foi acusado por ter sido identificado por uma vítima de assalto num dossier de fotografias na esquadra. O assalto foi feito de mota e o perpetrador tinha capacete.

Fiz girar a palavra para que todos os que recebam cartas e notificações viessem falar comigo. Para cada um era uma maratona. Às vezes bastava ir com eles às chamadas de Inquérito da PSP para mais nada avançar. Noutras, agarrar no processo, telefonar para a Ordem dos Advogados, exigir um telefone tangível de um “oficioso”, agendar uma conversa, pensar numa estratégia.

Nenhum dos casos deu prisão efectiva. Muitos caíram e para os outros, a articulação entre tribunal, Direcção-Geral de Reinserção Social e actores no terreno foram suficientes para medidas mais produtivas de reinserção.

Acontece que para muitos moradores destes bairros, e em especial para os jovens já saídos da escola, o único contacto que têm com o Estado é a polícia. Contam-se às dezenas as vezes que, por dia, as forças policiais circulam por cada um desses territórios, quer em carros descaracterizados ou com carrinhas das intervenções especiais, sem que, no entanto, haja estatísticas criminais que validem tamanha oferta. Há apenas percepções e categorizações sociais formais: número de imigrantes, abandono escolar, beneficiários de prestações sociais, que legitimam a criação de Zonas Urbanas Sensíveis para a PSP - o que, na prática, é a aplicação de uma lei marcial em que todos os moradores são suspeitos: criminaliza-se a pobreza e a racialização.

Aquilo que não se conta às dezenas nesses bairros são: espaços jovens; escolas equipadas e de qualidade; centros comunitários; sítios de acolhimento para as crianças, enquanto os pais estão a trabalhar; habitação digna; equipamentos colectivos públicos (parque infantil, ringues desportivos, parques); transportes de qualidade; espaços e financiamento disponível para as associações locais e fóruns de diálogo entre moradores e poder público.

Os filhos e netos têm mais escolaridade que a Ofélia, mas apenas na proporção do que os tempos exigem. Ofélia era analfabeta, o filho tinha a 4.ª classe e o neto o 7.º ano incompleto. Todos foram e são oficialmente desocupados, ou seja, empurrados para a precariedade e informalidade económica. Após três gerações, estão todos no mesmo lugar da sociedade, aquela que não acede aos direitos universais consagrados.

Por ventura, os 20 mil euros que o estado gasta anualmente por cada cidadão encarcerado seriam melhor aplicados em dar a equidade necessária para que esses direitos universais possam ser acessados por todos e não na criminalização de um ponto de partida que não escolhemos. Deixámos de ter presos políticos, mas ainda temos os presos da ausência da política pública.»

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8.1.24

No país das contas certas

 


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Alexandra Leitão

 


Os «apártidos» (= direitolas sem partidos e que disparam em todas as direções) já andam por aí a atacá-la. Montenegro ainda não, mas lá chegará (ou talvez seja Câmara Pereira a ter essa função na AD).
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08.01.1969 – Primeira «Conversa em Família» de Marcelo Caetano

 


Há 55 anos, Marcelo Caetano dirigiu a primeira das dezasseis «Conversas» ao país.

Não é por saudosismo, mas para memória histórica, que deixo aqui os vídeos da primeira e da última «Conversa». Esta teve lugar em 28.03.1974, já depois do golpe falhado das Caldas. Ele não sabia – e nós também não – que nunca mais teríamos aqueles cinzentos e sinistros serões na sua companhia.





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PS: um arranque perfeito para uma campanha terrível

 


«A primeira tarefa de Pedro Nuno Santos era a de unir o partido. Com uma lista única, uma moção com votação esmagadora, os “costistas” alinhados e o congresso totalmente rendido, esse é um assunto resolvido. Haverá pequenas escaramuças internas para ocupar as listas, mas o debate da unidade só regressará se o novo líder perder as eleições e provavelmente apenas em torno da decisão de viabilizar ou não um governo da direita. Até lá, o primeiro objetivo foi plenamente cumprido.

Quanto à sombra de António Costa, a sua intervenção de sexta-feira só seria um problema se Pedro Nuno Santos não estivesse à altura, nos dois dias seguintes. Esteve plenamente. Diria que o superou. O ainda primeiro-ministro fez um longo balanço do seu legado, tratando do essencial destes oito anos, dando assim espaço para que o novo líder dissesse, depois de muitos elogios a Costa, que “é a nossa vez de iniciar uma nova etapa”. “Nossa”, da geração nascida depois do 25 de abril. Costa teve o cuidado de encaminhar toda a sua intervenção para um final em que fez, sem conselhos ou paternalismos, a ponte para a nova liderança. Segundo objetivo cumprido: afastar a sombra de Costa, sem renegar o seu legado, que é um ativo para os eleitores que o PS tem neste momento. Com a mira na candidatura a um lugar na Europa, se o Ministério Público “autorizar”, Costa manter-se-á alinhado com o seu sucessor.

O confronto com Marcelo Rebelo de Sousa – por causa da dissolução (inevitável) do parlamento – e com o Ministério Público foi garantido por outros, dispensando o novo líder dessa tarefa mais perigosa. Foi garantido por políticos mais velhos, que já estão fora da refrega política quotidiana. Preservaram, assim, Pedro Nuno Santos de qualquer confronto com um Presidente de que pode vir a precisar e do que já se percebeu que será a gestão política da justiça em campanha eleitoral. Divisão perfeita de tarefas, até parecia combinado.

Pedro Nuno Santos dedicou a primeira intervenção à assunção do legado de Costa (já sem ter de ser tão exaustivo), à defesa do seu próprio legado (candidato à líder há anos, foi o mais escrutinado dos ministros) e à sua integração na história do PS. Mas, acima de tudo, ao seu argumento mais forte: eu decido, faço e por isso erro; Montenegro é indeciso e incapaz de fazer escolhas. O discurso tem a vantagem de ser uma defesa e um ataque, regressando aos episódios que levaram à sua saída do governo e atacando Montenegro. Com as indecisões no TGV e a caricata criação de um grupo de estudo para analisar as conclusões do grupo de estudo para a nova localização do aeroporto de Lisboa, o PSD tem facilitado. Até as críticas ao PS, por não ter conseguido avançar com isto nos últimos nove anos, morrem perante tanta incapacidade em dizer o que se defende em dossiers com décadas. Eixo de defesa e ataque (que só correm bem quando são o mesmo) reforçado. Outro objetivo cumprido.

O ESTADO ESTRATEGA

Mas, nestas coisas, o mais difícil é passar da tática para a estratégia. Ainda sem o programa terminado, Pedro Nuno Santos precisava de dizer ao que vem. E isso implica mais do que continuar o legado do anterior líder, que, apesar de parcialmente reabilitado, está esgotado. Conseguir definir balizas ideológicas que sejam mais do que referências identitárias como “abril é a nossa âncora moral”. Que correspondam a um programa político não estritamente proclamatório, mas com impacto compreensível na vida das pessoas.

A baliza ideológica é esta: “os problemas resolvem-se mais através da cooperação do que da competição, mais através da ideia de responsabilidade recíproca do que da meramente individual”. Eram de esperar algumas bandeiras programáticas para sinalizar isto e elas vieram, sem correr o risco da mera enunciação de medidas avulsas para dar títulos aos jornais.

Claro que houve medidas “bandeira”, como a entrada da medicina dentária no SNS ou limites aos aumentos de rendas acima de 2% que tenham em conta a evolução dos salários (a regulação do mercado é fundamental a curto prazo, mas tem de haver formas de facilitar a construção pública, para a acelerar).

Claro que foi, pelo seu poder simbólico, a proposta de continuar a acelerar o aumento do Salário Mínimo Nacional (com uma revisão do acordo para o aumento do salário médio) que levantou a sala e teve mais impacto mediático (os jornalistas tendem, ao contrário do que pensam, a sinalizar debates que já existiam).

Claro que houve a defesa de alterações estruturantes no financiamento da segurança social. Ao contrário do que acontece com a habitação, este é um discurso credível, por vir de um partido que fez uma reforma bem-sucedida num sistema em que acredita – nem uma nem outra coisa podem ser ditas sobre o PSD. Para garantir a sustentabilidade da segurança social, não devemos entregar parte do nosso futuro a um sistema bancário e financeiro que vive crises recorrentes e que recorrentemente precisa do Estado. Nem retirar os mais ricos do sistema público. Precisamos de adaptar a lógica do financiamento do sistema à nova realidade tecnológica. Partido disto, muitas opções são possíveis.

Mas o discurso que marca a maior clivagem ideológica com uma direita cada vez mais neoliberal é, curiosamente, o que aparenta ser mais consensual e pragmático: o papel do Estado na industrialização do país. Foi a parte do discurso em que mais se sente a marca da social-democracia (alguém distribua uns livros a algumas pessoas que se envolvem neste debate ideológico), afastando-se da esquerda revolucionária e da direita liberal. Um discurso que é politicamente radical, porque corta com a tradição governativa das últimas décadas, e ideologicamente moderado, porque assume o papel do Estado na construção de um capitalismo próspero.

Pedro Nuno Santos não se limitou a defender, como é hábito nestes momentos, o “apoio às empresas”, de forma neutra perante o mercado. Deixando claro que cada um investe onde quer, disse que o Estado escolhe que setores e tecnologias apoia. Ou seja, o Estado não é um mero árbitro que acredita que a mão invisível garante a prosperidade do País, é um estratega que concentra os seus esforços e recursos para o que acredita ser melhor para o País. Recusar o Estado mínimo não é só defender o Estado Social. É defender um Estado com uma visão económica para o País. Quem o recuse dificilmente se pode afirmar social-democrata, mesmo moderado.

Pedro Nuno Santos sabe porque mesmo governos de esquerda evitam este caminho. Porque fazer escolhas é comprar problemas e inimigos. E, para além de quem fica de fora, há um novo: o Ministério Público que, pelas considerações que faz em processos judiciais, acredita que o governo é um guichet da administração pública, sem o direito a agir para alterar o perfil de especialização da economia. Se chegar a primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos encontrará outras resistências numa Europa onde esse papel está reservado aos Estados das nações mais poderosas, como a Alemanha e a França.

AGORA A LUTA AQUECE

Claro que o discurso de Pedro Nuno Santos tem o problema de qualquer discurso propositivo de um líder que sucede a outro, vindo do mesmo governo e do mesmo partido: se quer fazer coisas porque não as fez antes? Para esta questão não há resposta possível. A mudança de ciclo – e ninguém duvida que Pedro Nuno Santos muda o ciclo de António Costa – na continuidade vive sempre nesta contradição. Até das coisas que o próprio Pedro Nuno Santos não fez num governo onde não era ele a definir as prioridades.

Ao fazer um discurso programático, Pedro Nuno Santos não se limitou a enumerar algumas medidas simbólicas para a manchete. Optou por uma clarificação política que vai para lá de chavões para os falsos debates ideológicos que tantas vezes tomam o nosso tempo. E, se o debate fosse exigente, isto obrigaria Luís Montenegro a ir a jogo. Não se pode ficar por uma campanha baseada na indemnização da TAP (a dada altura esgota-se) ou em casos judiciais (como se vê pela sua casa em Espinho, salpica-o a ele e só dá votos ao Chega). Tem de fazer confronto político. E não chega dizer que os outros não têm credibilidade. O PSD não vence esta eleição com o mero desgaste do adversário – há um lugar para onde o voto de protesto sem rumo ir. Ganha-a ou perde-a mobilizando voto para si.

O arranque da campanha de Pedro Nuno Santos dificilmente lhe poderia ter corrido melhor. Agora começa o que realmente é difícil.

A gestão política da operação Influencer não vai abrandar e, mesmo que não se aproxime do líder, tentará marcar a campanha – deixei, depois da divulgação cirúrgica de informação na sexta-feira, de tratar o MP com tolerância.

Mas esse nem será o maior problema de Pedro Nuno Santos. Como escrevi este fim de semana, não é por causa do seu maior falhanço governativo (a habitação) que ele sofre os mais duros ataques. É pelo seu maior sucesso: a TAP, que é uma empresa sustentável com vários interessados de peso para entrar no seu capital. Se as eleições fossem daqui a dois anos, uma indemnização semelhante às que Paulo Macedo deu na CGD já seria vista em perspetiva. Agora ainda não. E a direita, sem capacidade mobilizadora para mais do que reinventar uma aliança enterrada há 40 anos (guardo isto para quarta-feira) e sem capacidade para construir um discurso propositivo coerente, fará tudo para nunca sair disto. Não com o mesmo episódio, mas criando casos como a absurda polémica dos CTT para servir de lembrete.

Esta é a parte para que Pedro Nuno Santos tem de se preparar. As pequenas polémicas não servirão apenas para entreter as televisões que precisam de ocupar 24 horas de emissão diária. Servirão para o devolver ao lugar onde estava antes de da Comissão Parlamentar de Inquérito da TAP. Pedro Nuno Santos já demostrou ter muitas vidas. Falta saber se saiu inteiro de todas elas. Sendo um líder carismático e querendo dizer “eu decido, eu faço”, torna-se um alvo especialmente apetecível. Contra isso, nada a fazer.

Se Pedro Nuno Santos conseguir o milagre de furar a barreira de banalidades que enche o espaço mediático, fazendo uma campanha sobre futuro, o discurso que fez ontem diz-nos que tem tudo para ser muito mais mobilizador do que um PSD que, em oito anos de oposição, ainda não se conseguiu encontrar. Conseguirá ele fazer uma campanha programática? Seria um milagre. E é por isso que, como escrevi na sexta-feira, o maior desafio de Pedro Nuno Santos é controlar a narrativa numa campanha que tem tudo para ser uma das mais duras de sempre.»

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7.1.24

TSF

 


«Zanguei-me muito com o rumo que as coisas estavam a tomar na TSF em Setembro. Nada que não se adivinhasse. A TSF foi tomada por um grupo de gente que não é fiável e que trata deste assunto sagrado, que é a rádio e os jornais, como miúdos que desmancham um brinquedo. Dá-se um brinquedo a um miúdo e ele pode destruí-lo num ápice. É uma espécie de volúpia destruidora.

Fernando Alves: “A TSF foi tomada por um grupo de gente que não é fiável” É a única imagem que me ocorre quando penso que esta gente que chegou — não sei com que intuitos, se soubesse dizia — parece desmantelar, com um prazer sádico, uma coisa que demorou muito tempo a construir, que foi perdendo o fulgor original, mas que foi ganhando outro alento. A TSF não foi uma maravilha que perdeu o brilho.»

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A triste realidade

 

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Não tentem meter-nos medo

 


«Há poucos sinais seguros para as eleições de 10 de março, mas um é quase certo: dificilmente haverá um partido com maioria absoluta. Razão pela qual muitas das intervenções dos líderes partidários e recados lançados em análises políticas se debruçam sobre configurações possíveis de governo. Quem namora ou pisca o olho a quem, com que partidos admite cada dirigente assumir compromissos sérios, em que camas assume que nunca se deitará.

O tema da governabilidade é relevante, mas convém não tentar condicionar os eleitores com cenários ou aritméticas que excluem opções em função do voto útil. Não há votos inúteis, mesmo que deles não resulte a eleição de ninguém. Dizer que o povo é quem mais ordena não pode ser um simples slogan em mensagem de Ano Novo, mas o respeito efetivo pelas escolhas feitas nas urnas.

É verdade que os líderes partidários devem ser transparentes a dizer com quem admitem aliar-se. Mas é igualmente exigível que digam com clareza como vão comportar-se na oposição e como lidará um Parlamento fragmentado com um governo minoritário. Uma democracia não se constrói só em maioria. Amadurece na negociação e sedimenta-se na oposição. Respeitando os portugueses e o peso efetivo das escolhas de cada um.

Não faz qualquer sentido diabolizar as minorias. Nem dramatizar excessivamente o tema da (in)governabilidade. Há um momento de dar a palavra aos eleitores. E há depois disso a exigência de que os atores políticos tenham a capacidade de ouvir o que lhes é dito. Não tentem assustar-nos com o risco de uma dissolução rápida e de sucessivas eleições. A Europa está cheia de exemplos de longas negociações políticas que nem por isso colocaram em causa a economia e a estabilidade desses países. Há sempre soluções para governar. Assim haja programas promotores do desenvolvimento e da liberdade, ideias para criar futuro e carisma na liderança.»

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