12.1.24

Isto não é o que parece, povo português

 


«Creio que, quando assistirem à campanha eleitoral das próximas legislativas, os eleitores vão sentir-se como se tivessem aberto a porta do quarto e deparado com o seu cônjuge na cama com outra pessoa. O que vão ouvir é mais ou menos o mesmo. Tanto Pedro Nuno Santos como Luís Montenegro nos vão dizer, na prática: “Isto não é o que parece.” Vai ser igualmente difícil de acreditar, mas não tenho dúvidas de que nos vamos divertir a ouvi-los.

Pedro Nuno Santos vai tentar explicar-nos que, apesar de ter integrado os governos anteriores, não tem nada a ver com os governos anteriores. No máximo, é responsável apenas pelas partes boas, se existiram. Mas dirige um partido completamente novo, que por acaso tem o mesmo nome de um que já existia. De resto, inventou uma estratégia muito astuta para se defender de críticas. Sempre que alguém lhe lembra que errou, Pedro Nuno admite que sim, mas por uma razão virtuosa: errou porque decide e faz. Quem não faz não erra. Gostava de me ter lembrado do mesmo estratagema quando, no oitavo ano, errei várias perguntas do teste de matemática. Errei porque fiz. De facto, quem não fez o teste não errou. Mas o professor, por uma razão qualquer (provavelmente, má vontade) era mais exigente. Não se satisfazia com a justificação “errei porque fiz”, e pretendia que eu fizesse e não errasse. Parece que era esse o objectivo dos testes: distinguir os que faziam e erravam dos que faziam sem errar. Os primeiros não passavam de ano, imaginem. Pedro Nuno quer transitar de governo com a justificação de ter errado porque fez. Enfim, resta-nos olhar para a obra que fez. Provavelmente, é uma obra tão vasta que não fica beliscada por um ou dois erros que tenham sido cometidos. Só no que toca à habitação, preciso de tirar uma semana ou duas para avaliar tudo o que fez.

Luís Montenegro, por outro lado, tem duas tarefas. A primeira é igual: persuadir-nos de que isto não é o que parece. Apesar de ter sido líder parlamentar no tempo de Passos Coelho, não se identifica minimamente com a governação de Pedro Passos Coelho. Os velhos podem estar descansados, que ele não está de olho nas suas pensões, e os funcionários públicos que não se preocupem, porque ele não lhes vai ao salário. Isso foram medidas que ele apoiou mas a contragosto. Tal como Pedro Nuno, ele fumou os governos anteriores mas não inalou.

A segunda tarefa de Montenegro é o rigoroso oposto desta. Ele não tem de convencer-nos de que a AD não é o que parece, tem de convencer-nos de que a AD é o que não parece. Vai ter de explicar ao povo português que Montenegro, Melo e Câmara Pereira, embora não pareçam, são o mesmo que Sá Carneiro, Freitas e Ribeiro Telles. Vão ser três meses fantásticos — no sentido de incluírem muita fantasia.»

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