5.2.22

Edgar Morin



 (Nem tudo está perdido quando as forças pluralistas permanecem, no Estado, fora do Estado, contra o Estado, quando os poderes ainda são compartilhados, quando ainda há desordem e liberdade.)

Ganda Nóia!

 



(Ouvir até ao fim.)
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Voto «útil»

 

«A "geringonça" e soluções aparentadas que ressuscitaram nos últimos dias de campanha por desespero socialista foram solutos que, durante os anos, esventraram BE e PCP de mais de metade do seu eleitorado. Esse tempo acabou. Atribuindo maioria absoluta ao PS, o povo português acreditou na narrativa de António Costa e não na dos partidos que lhe permitiram constituir governo após perder eleições, os que convidaram a Constituição da República para comer à mesa da democracia, iluminando outras formulações de maiorias parlamentares. O povo entregou a maioria absoluta ao PS quando o próprio já dela tinha desistido e enfraqueceu quem, nos últimos anos, garantiu políticas de Esquerda. A falsa bipolarização das sondagens foi uma falácia e um embuste que entregou a Esquerda do PS às mãos do fantasma absoluto da utilidade do voto.»

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De quem será a maioria absoluta?



 

«Entre as reações ao resultado das eleições, a mais surpreendente será porventura a dos principais dirigentes das confederações patronais e dos banqueiros mediatizáveis. Encontraram uma serena felicidade! Quase afirmam que a maioria absoluta é deles. Em que sentido? Ela liberta o Governo de influências nefastas de Esquerda.

Oferece-lhes a "estabilidade" de que tanto dizem precisar. Cria um quadro favorável à realização de "grandes reformas sempre adiadas" num contexto de "previsível" negociação entre PS e PSD incentivado e mediado, supõe-se, pelo presidente da República (PR).

De quem é, de facto, a maioria absoluta? Certamente do PS. E de uma forma mitigada poderá ser reclamada por algumas centenas de milhares de eleitores à sua esquerda, que "votaram útil" neste partido, como forma de evitar a vitória de uma Direita cheia de sombras dos seus extremos antidemocráticos e fascizantes. Ouvir o PS reclamar a maioria é, pois, absolutamente normal. Surpreendente seria ouvir a Esquerda que supostamente votou útil fazer o mesmo, apesar da dita maioria ainda ser um poucochinho dela.

Então, a quem virá a pertencer a maioria absoluta? Que programa político será executado com ela? O das confederações patronais e dos banqueiros? Ou o que António Costa e o PS disseram assumir para "continuar" o que em 2015 se desenhou como rumo possível?

Interpretando o velho reformismo a que atrás aludi e o papel que imagina para o PR, José Silva Peneda escreveu, em artigo de opinião publicado em espaço da Rádio Renascença, no passado dia 2, que "nos programas eleitorais do PS, do PSD e da IL não se encontram diferenças insanáveis" e que, "O país tem a sorte de ter um presidente da República que já demonstrou estar à altura para transformar esta utopia da concretização de compromissos numa realidade", enunciando depois as qualidades do presidente, para concluir que elas "muito podem contribuir para transformar esta ideia numa entusiasmante realidade". Vai ser esta a missão do PR?

Servir a dois amos em simultâneo nunca foi fácil, e muito menos estabilizador. A Direita, quando propagandeia as "grandes reformas sempre adiadas", nunca expõe com clareza e verdade a sua substância. Contudo, quando consegue espoletar a sua aplicação, o que emerge é a harmonização no retrocesso na área social e no trabalho, instabilidade na vida da esmagadora maioria das pessoas e o cavar de desigualdades e injustiças.

Será possível a utilização subversiva de uma maioria para velhos concertos de centrão que ela não incorporou? Uma leitura de oportunidade do programa do PS pode, em várias matérias, abrir essa pista, mas António Costa e o PS comprometeram-se, fundamentalmente, com outra "continuação": de urgente valorização salarial; de criação de emprego qualificado e combate à precariedade; de utilização de recursos do PRR e outros em sintonia com prioridades nacionais; de sistema de pensões público e de repartição, não dependente das bolsas de valores; de um Serviço Nacional de Saúde robustecido e liberto dos oligopólios do setor.

António Costa e o PS poderão não cumprir? Podem. Todavia a sociedade portuguesa não vai hibernar, sabe que uma maioria absoluta potencia autismo político e compadrio, que é preciso mais intervenção e oposição a desvios programáticos. Há uma grande parte da sociedade que está atenta, que não cultiva ilusões, nem se submete a subversão de compromissos.»

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4.2.22

Rosa Parks nasceu num 4 de Fevereiro

 


Ver este post de 2020.
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Lauro António

 


Esta é a última crónica de Lauro António. Por ironia, estava agendada para ser publicada amanhã [hoje]. O cineasta e crítico morreu hoje [ontem] de manhã.

Lisboa e a Nouvelle Vague francesa: a última crónica de Lauro António

«Lisboa (e também Portugal) foi bastante glosada pela Nouvelle Vague francesa. Cineastas como François Truffaut, Claude Chabrol, Pierre Kast ou Jacques Doniol-Valcroze estiveram em Portugal (e sobretudo na região de Lisboa) para filmar sequências de filmes seus.»

Continuar a ler AQUI.
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MDLP

 


O texto é longo, mas merece leitura a propósito do nome proposto pelo Chega para vice-presidente do Parlamento.

«A rede civil do MDLP incluía militantes de vários partidos de extrema-direita ilegalizados depois da primeira tentativa de golpe contrarrevolucionário, principalmente do Movimento Federalista Português. Alguns dos seus nomes são hoje conhecidas figuras do público português: José Miguel Júdice, Fernando Pacheco de Amorim e do seu sobrinho, Diogo Pacheco de Amorim, hoje vice-presidente do Chega. (…)

Um dos elementos do gabinete político do MDLP que se manteve em Madrid foi José Miguel Júdice, figura destacada do campo nacional-revolucionário em Coimbra na década de 1960, dirigente do Movimento Federalista Português – Partido do Progresso, hoje advogado e comentador na SIC Notícias. Júdice era conhecido por gostar de discutir a situação política no Café Río Frío.

Outro foi Diogo Pacheco de Amorim, hoje presidente da Comissão Política do Chega e autor de um conhecido hino de extrema-direita, o Ressureição, escrito durante o tempo que passou na capital espanhola. “E já ardem bandeiras vermelhas/ Nos campos há gritos de guerra / Nas trevas da noite há centelhas / Das Rosas em festa da terra”, lê-se na letra do hino. (…)

O país preparava-se para eleger a Assembleia Constituinte, mas as bombas da extrema-direita continuaram a detonar às dezenas. O padre Maximino Barbosa de Sousa, de 32 anos, e a estudante Maria de Lurdes Correia, de 18 anos, foram assassinados em 1976 às mãos do grupo do bombista Ramiro Moreira, em tempos segurança do PPD e do CDS em comícios, operacional do MDLP e responsável por mais de 80 atentados.

E só 23 anos depois, após um longo processo judicial, é que a Justiça atribuiu as responsabilidades ao MDLP, sem, no entanto, condenar nenhum dos executantes ou responsável.»

Ler na íntegra AQUI.
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Contribuintes suecos indignados, contribuintes portugueses resignados

 


«Em 1994, havia cinco regimes preferenciais para contribuintes com mobilidade internacional: no Reino Unido, Irlanda, Países Baixos, Bélgica e Dinamarca. Em 2020, eram já 28. O grande aumento aconteceu entre 2008 e 2012, quando o número de regimes especiais praticamente dobrou.

Entre 2009 e 2020, os reformados que se mudassem para Portugal pagavam 0% de IRS. Portugal foi o primeiro país europeu a inventar um esquema para pensionistas com isenção total de impostos, segundo o relatório New Forms of Tax Competition in the European Union: an Empirical Investigation, publicado em novembro de 2021 pelo European Union Tax Observatory. Mas foi logo imitado (não necessariamente com borla total) por Malta em 2011, Chipre em 2015, Itália em 2019 e, finalmente, Grécia em 2020. Numa entrevista ao PÚBLICO de março de 2021, a ministra das Finanças da Suécia dizia explicitamente que “eles [a Grécia] ‘copiaram’ o vosso regime fiscal. Portanto, estamos a tratar [os dois países] da mesma forma.”

Estes regimes especiais têm dois objetivos. Aumentar a receita fiscal – captando uma base de tributação de que de outra forma não estaria presente no país. Mas também beneficiar a economia, por exemplo, criando novas empresas, ou melhorando a qualidade das existentes, pela incorporação de mão de obra mais especializada. Por outro lado, têm vários custos. Não quero ser mal interpretada: estas pessoas são muito bem-vindas! Podem é vir na mesma, pagando mais impostos.

Um custo provável é o aumento de preços que diminuem o poder de compra dos residentes habituais. Estudei recentemente o impacto do alojamento de curta duração (Airbnb e companhia) no mercado imobiliário em Lisboa (com o Duarte Gonçalves e o João Pereira dos Santos), no artigo Short-term rental bans and housing prices:Quasi-experimental evidence from Lisbon. O preço das casas em Lisboa aumentou 68% entre 2016 e 2019, mas o congelamento do alojamento local implementado em 2018 diminui os preços entre 8 e 20%, apenas nos apartamentos mais pequenos. A nossa conclusão é que não é apenas o alojamento local que explica o preço das casas nos centros históricos das cidades. A pressão de subida causada pelos residentes fiscais não habituais, com uma capacidade financeira muito superior a quem vive de salários portugueses, é certamente uma parte da história.

Outro custo destes esquemas é que contribuem para uma degradação da perceção de justiça dos impostos, dado que estes contribuintes mais ricos e privilegiados pagam uma taxa de imposto mais baixa, o que é suscetível de causar desconforto nos restantes. Isto pode levar à erosão da chamada moral tributária, ou “tax morale” que é um determinante importante do cumprimento das obrigações fiscais. Há vários estudos que mostram que a motivação das pessoas para pagar impostos depende do sistema de fiscalização, mas também de normas sociais que levam os contribuintes a cumprir as suas obrigações independentemente da probabilidade de serem detetados no seu comportamento de fuga e serem multados. Um dos possíveis determinantes destas normas sociais é a perceção de justiça do sistema.

No artigo Norms, Enforcement, and Tax Evasion, que está quase a ser publicado na Review of Economics and Statistics, os economistas Tim Besley, Anders Jensen e Torten Persson analisam a introdução da poll tax no Reino Unido em 1990, um imposto do mesmo montante (em libras, não em percentagem) para todos os adultos em idade de votar. A evasão fiscal nos 346 municípios (councils) do País de Gales e de Inglaterra analisados pelos autores era em média de 3% antes da introdução da poll tax, mas subiu para entre 10 e 15% em apenas dois anos, entre 1990 e 1992. Os autores citam funcionários tributários que falam do “desenvolvimento de uma cultura de não pagamento” na comunidade e atribuem este aumento repentino e expressivo da evasão fiscal à injustiça do imposto.

Podia ser que as pessoas que pagam impostos normalmente em Portugal aceitassem a injustiça do regime dos reformados (que desde 2020 consiste numa taxa única de 10%) ou dos trabalhadores com profissões de elevado valor acrescentado (que consiste numa taxa única de 20%) porque por cá quantificámos as vantagens destes regimes e preferimos engolir o sapo em troca de ganhos substanciais. Só que ninguém conhece esses ganhos.

Há cerca de 45 mil residentes fiscais não habituais que beneficiaram de um total de 600 milhões de euros de borlas de IRS em 2019. Mas não podemos afirmar que todos deixariam o país se o regime não existisse ou se as taxas de imposto aplicadas fossem superiores. A receita de IRS gerada pelos reformados antes de 2020 é fácil de estimar: zero euros. Também não vêm criar valor pelo seu trabalho. Portanto esta borla fiscal só pode ser justificada pelo seu consumo, que viria dinamizar a economia local. Mas quanto podem consumir estas pessoas para trazer assim tanto valor à economia? Eu não sei, mas desconfio que o Governo também não.

Quanto aos outros – os que vêm trabalhar – precisamos de estudos que utilizem os registos individuais e anonimizados destes contribuintes. Por exemplo, no Migration and Wage Effects of Taxing Top Earners: Evidence from the Foreigners’ Tax Scheme in Denmark, publicado em 2014 no Quarterly Journal of Economics, os autores analisam um esquema semelhante na Dinamarca e concluem que a taxa preferencial de 30% (em vez de 60%, que seria a taxa correspondente ao nível de rendimento) mais do que duplicou o número de residentes não habituais. Neste caso, o esquema preferencial dura apenas três anos. Os autores também concluem que, apesar de o esquema atrair contribuintes, estes não trazem benefícios aos rendimentos dos restantes trabalhadores, talvez porque acabam por ficar pouco tempo no país. Evidência deste género é essencial para decidirmos se queremos o esquema, com que taxa e com que duração.

A resignação dos contribuintes portugueses levou a ministra das Finanças sueca a afirmar em março que é “interessante” e até “fascinante” observar “como os portugueses aceitam isto”. A taxa foi aumentada para 10% em 2020 sob pressão dos contribuintes suecos que, através do seu governo, fizeram saber que achavam injusto que os seus compatriotas ricos e reformados viessem viver para o paraíso fiscal português, enquanto eles ficavam na Suécia a pagar impostos a sério. Mas queriam mais: alterar o acordo de dupla tributação, para poderem cobrar impostos na Suécia aos suecos residentes em Portugal (para além dos 10% que estes entretanto já pagavam por cá). O Governo português comprometeu-se em 2019 a ratificar esta alteração. Nunca o fez.

Os contribuintes suecos perderam a paciência e agora os reformados suecos vão ser tributados como se estivessem a viver na Suécia - assim eliminando qualquer vantagem fiscal de estarem em Portugal. Pelo menos, agora sabemos que a indignação dos contribuintes suecos também é atraída pela borla de IRS. Só que não é para dela beneficiar. É mesmo para acabar com ela.»

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3.2.22

03.02.1953 – O massacre de Batepá



Estive em S.Tomé em 2019, passei por Batepá, e sobretudo por Fernão Dias, onde se recorda um dos momentos mais trágicos da História desse magnífico país.

Na fotografia que está no topo deste «post» figuram os nomes de uma parte das vítimas, cujo número nunca foi possível apurar exactamente, mas que S.Tomé quantifica oficialmente em 1.032.

O novo memorial inaugurado em Fernão Dias, em 2015:



Este texto é um bom resumo do que é indispensável saber:


«Os acontecimentos que tiveram início a 3 de fevereiro de 1953, hoje feriado nacional em São Tomé e Príncipe, vitimaram, a mando do governador português Carlos de Sousa Gorgulho, um número indeterminado de forros, o grupo etnocultural dominante nas ilhas e que também designa os naturais ou ‘filhos-da-terra’, por, não estando abrangidos pelo Estatuto do Indigenato, recusarem o trabalho a contrato nas roças de cacau e café.

Quando, em inícios dos anos 1950, se torna evidente a crescente escassez de mão-de-obra nas ilhas, associada aos constrangimentos que dificultavam a importação de trabalhadores contratados de Angola, o clima de tensão na hierarquizada sociedade são-tomense intensifica-se. Nos meses que precedem o massacre desencadeiam-se medidas repressivas contra os forros e reforça-se a difusão de rumores de que seriam despromovidos à condição de indígenas, estatuto legal que não se lhes aplicava. Essa tentativa de forçar ou convencer os forros ao trabalho a contrato nas roças é rapidamente desmentida pela administração colonial, que se apressa a negá-la em notas oficiosas afixadas em algumas zonas da ilha de São Tomé.

É neste contexto que alguns forros decidem protestar, arrancando as declarações oficiais do Governo nas ruas de Trindade e Batepá, localidades tidas como bases geográficas privilegiadas da elite forra. A reação das autoridades portuguesas é imediata e rapidamente escala em termos de violência. No período mais intenso de uma semana, embora se tenha prolongado durante vários meses, regista-se um conjunto de procedimentos que tem como alvo preferencial a população forra: verificam-se rusgas constantes e casas incendiadas; há prisioneiros encarcerados numa rapidamente sobrelotada prisão central ou enviados para um campo de trabalhos forçados, localizado em Fernão Dias, com o intuito de ali se construir um cais acostável; ocorrem violações; torturas com uma cadeira elétrica improvisada e dá-se a transferência para o exílio, no Príncipe, de alguns dos membros mais destacados da elite local, como assinalado, entre outros, nos testemunhos recolhidos por Lima (2002).»

Um vídeo com informação histórica importante e não só sobre o massacre de 1953:


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Para a pré-história de um Janeiro, 30



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O Chega veio para ficar



 

«André Ventura fez uma má campanha, sem nunca ter saído da mobilização do núcleo militante. Esteve genericamente mal nos debates, não surpreendendo os opositores nem tendo neles o efeito que teve nas presidenciais. Não conseguiu, como em eleições anteriores, que os seus temas e tiradas fossem o centro das conversas e das preocupações. Só marcou a agenda pela negativa, com o PS a perceber a elevada rejeição causada pelo seu eventual apoio a um Governo PSD, na questão da governabilidade e acordos de governação.

No entanto, apesar de lidar com a mesma pressão da bipolarização das sondagens, transformou o Chega na terceira força nacional. É verdade que ficou longe dos resultados que as sondagens lhe davam há uns meses. É verdade que teve apenas mais uma décima do que considerou, em vésperas de eleições, o limiar de uma derrota. Mas lá tem 12 deputados (onze homens), que não deixarão de condicionar a forma como a direita fará oposição. E isso acontecerá num panorama que lhes será favorável, com o PS com maioria absoluta. Espero que o PS não caia na tentação em que caiu (não sozinho) na campanha: usar o combate ao Chega para seduzir ou assustar a esquerda, reforçando assim a sua importância. O combate faz-se na proporção do risco.

Muitos acreditam que é agora. Agora, quando se vir aquela tragédia de bancada, é que as pessoas vão perceber aquilo em que votaram. Agora, quando acontecer ali o que já acontece nas autarquias e todos desatarem à batatada, é que tudo se vai desmoronar. Sim, o facto de o Chega não ser, ao contrário de quase todos os seus congéneres europeus, um partido, mas uma pessoa com uma sigla ao lado, pode vir a causar muitos problemas a André Ventura. Mas ouvimos o mesmo com Trump e, um ano depois, aí está ele a condicionar os senadores e congressistas republicanos que continuam com medo de afrontar a ira da sua base eleitoral.

As pessoas não são parvas. Elas sabem no que votaram. Não acham que o Chega é um partido excelente, cheio de gente competente e empenhada que quer o melhor para o país. Votaram nele porque acharam que aquilo nos irrita. E este “nós”, o “sistema”, é suficientemente indistinto para ser impossível a defesa da honra.

É bom pararem de alimentar falsas esperanças: o Chega veio para ficar. Porque só um tipo de partidos sobrevive: o que ocupa um lugar politicamente pré-existente. É por isso que o BE ficou e o PAN provavelmente não sobreviverá. E é por se ter tornado redundante em relação ao seu espaço que o CDS morrerá. Como as empresas, um partido até pode criar o seu próprio mercado. Mas dificilmente sobrevive se não responder a uma necessidade que já lá está. Mesmo que o Chega viesse a morrer, outro tomaria o seu lugar. A extrema-direita meteu o pé na porta e ela já não se fecha.

Num país que conheceu uma ditadura de meio século seria estranho que todos fossem amantes da democracia. Na noite eleitoral fui mais longe e disse uma coisa que foi mal compreendida por algumas pessoas: que num país onde há tantas pessoas que estiveram na guerra colonial e que teve colónias até tão tarde seria difícil não existir extrema-direita. Houve quem depreendesse, talvez por culpa minha, que dizia que todos os ex-colonos (a que depreciativamente chamam “retornados”) e, mais absurdo ainda, que a maioria dos ex-combatentes são de extrema-direita. É assunto de que falei vezes que chegassem para não haver equívocos.

Os que viviam nas colónias e viram a sua vida virada do avesso pelo fim tardio do império são atores do encontro de biografias pessoais com a História. Essas vidas raramente corresponderam a escolhas políticas conscientes. Essa experiência poderá ter moldado as suas convicções, mas nem sempre das formas mais óbvias e unívocas. Quanto aos que foram atirados para a guerra, são as maiores vítimas de um regime cego empenhado num colonialismo anacrónico.

A única coisa que disse, ou que queria dizer, é que a experiência tardia de colonialismo provocou muitas vítimas, claro, mas também saudosistas e ressentidos. Mas, acima de tudo, um trauma que deixou uma história por debater. E que regressa pela voz dos piores intérpretes.

A isto juntam-se algumas bolsas territoriais para quem a relação com a comunidade cigana é vista como um problema. A coincidência de votações elevadas no Chega em todos os concelhos com maiores comunidades ciganas já tinha sido notada nas presidenciais, em concelhos como Moura ou Monforte, mas também, numa escala diferente, na Moita ou no Seixal, em plena Área Metropolitana de Lisboa, ou no Entroncamento, distrito de Santarém. O que, no entanto, não pode deixar de ser visto com uma dupla perplexidade.

A primeira, é que esse problema, se quiser ser visto dessa forma, não tem nada de novo. É verbalizado como tal pelo menos desde que eu me lembro de existir. Pode dar-se o caso, bastante habitual na política e especialmente quando a extrema-direita ganha força, que uma tensão que sempre existiu e que a sociedade vai gerindo se tenha transformado num problema político (carregado de caricaturas) aparentemente irresolúvel quando é verbalizado como tal.

A segunda perplexidade tem a ver com o peso residual da comunidade cigana (próximo de 0,5% do total da população) em comparação com a centralidade que ganhou no discurso deste partido. Imaginem que, como os franceses, havia tensão com uma comunidade como a muçulmana, que representa quase 10% da população. Vencia as eleições?

O resto é semelhante ao que se passa por essa Europa fora. Só fantasias sobre a excecionalidade dos portugueses, mais tolerantes, moderados e menos racistas, poderia fazer acreditar que as coisas não chegariam cá. Chegaram, como todas chegam, com umas décadas de atraso.

As características sociais e culturais dos eleitores da extrema-direita são variáveis. Teria cuidado com conclusões demasiado precipitadas a partir de um dado objetivo – que, exatamente ao contrário da IL, o Chega consegue o voto nos concelhos com menor poder de compra. Até porque os concelhos com menor poder de compra também são os mais abandonados pelo Estado e a causa do voto pode ter mais a ver com isso. Em França as regiões mais abandonadas e deprimidas votam mais na extrema-direita.

O Chega também teve mais votos onde há mais benificiários do RSI, que Ventura trata como subsidiodependentes e a quem quer reduzir o apoio social. É provável que tenham sido estas pessoas a votar no Chega, ou os seus vizinhos, um pouco menos miseráveis? A realidade é sempre mais complicada. Até porque o Chega também consegue resultados acima da média (nacional e distrital) num concelho como Cascais ou nas freguesias das zonas mais ricas de Sintra. Não sei se são os “miseráveis” que votam no Chega. Não sei que eleitores foi buscar à abstenção e por isso evito “achismos”. Sei, porque isso é verificável, que uma parte do seu eleitorado vem direto do CDS.

As preocupações dos eleitores que votam no Chega por desconforto social (e não mera convicção política) devem ser ouvidas. A esquerda, que tem o dever de representar aqueles que o “progresso” deixa para trás – e não, como alguma esquerda moderna acha, os ganhadores da globalização –, deve tentar perceber porque não os representa. Porque substituíram a sua revolta social pelo ódio ao ainda mais pobre. E deve compreender a dinâmica que leva ao voto da classe média mais baixa, com todas as suas expectativas goradas, em forças como esta. Mas deve evitar o paternalismo que desresponsabiliza este voto. Que o deita no divã, lhe dá tratamento especial, infantilizando estes cidadãos, como se não soubessem o que fazem, premiando-os com uma atenção redobrada. Como li numa rede social, entre o “coitadismo” e a diabolização destes eleitores há um mundo.

Devemos perceber os sinais de decadência das democracias, nunca nos devemos colocar na posição que faz dos democratas devedores perante os que desistiram dela. Como se fossem eles, menos exigentes do que todos nós com a qualidade dos que elegem, os credores das nossas falhas.

Os eleitores do Chega não são todos fascistas, apesar de alguns o serem. Não são todos racistas, apesar de muitos o serem. Não são todos homofóbicos, apesar de quase todos o serem. Mas há uma coisa que todos são: adultos. E, como adultos, cúmplices. Nenhuma daquelas pessoas se choca o suficiente com o que é dito por Ventura para não ser capaz de votar nele. E é bom recordar que a esmagadora maioria dos que se sentem desconfortáveis com o caminho que leva o país nunca pôs a hipótese de votar em Ventura. É, bem de longe, o político com a maior taxa de rejeição. Infantilizar os seus eleitores é desvalorizar todos os que são mais exigentes.

Diferente é perceber que a democracia tem de ser defendida com mais do que um “não passarão”. Tem de ser defendida com uma luta do outro lado. Dos que, com os valores certos, põem em causa o “sistema”. Não o sistema democrático, mas o sistema económico que cristaliza e aprofunda as desigualdades. A forma de combater os inimigos da democracia não é pedir-lhes desculpa, como se lhes tivéssemos falhado. É garantir a representação justa àqueles a quem a política, o Estado e a economia falham.

E é por isso que o meu maior adversário, em nome dos valores mais básicos da decência, até pode ser o Chega. Mas o meu adversário nas lutas que são determinantes para impedir que este fenómeno se descontrole é a Iniciativa Liberal. Não pelo que fez – por isso responsabilizo PS e PSD. Mas pelo que programaticamente representa.»

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2.2.22

A tristeza de Einstein

 

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Sunday Bloody Sunday

 

«A maioria absoluta do Partido Socialista foi obtida com a perda de votação do BE e do PCP. (…)

Esses eleitores terão votado no PS. Fizeram-no na sequência de sondagens que anunciaram a grande proximidade entre PS e PSD e eventualmente um empate técnico. Em paralelo Rui Rio, que nunca tinha dito de forma inequívoca que não faria acordos com o Chega, admitiu, na fase final da campanha, a possibilidade de entendimento parlamentar. Estes eleitores – mais à esquerda que o PS e mesmo sabendo da importância, para o BE e para o PCP, destas eleições – não arriscaram.

A maioria absoluta obtida pelo PS não decorre, como tanto se diz, da análise que esses eleitores fizeram acerca das responsabilidades pela crise política criada por falta de consenso entre os partidos de esquerda. Quando a variável era essa, tudo estava incerto para o Partido Socialista. Ela foi possível sim na sequência das previsões apontadas pelas sondagens, uma vitória de Rui Rio era possível, em articulação com a possibilidade de governação de direita em entendimento com o Chega. Estes dois factores foram determinantes na expressiva vitória. (…)

Há entre os eleitores do Chega o ódio mais profundo à governação de António Costa e é anunciado propósito do partido o pôr termo à governação socialista. Muito bem: ajudaram a obter a maioria absoluta do governo que queriam derrubar. E repare-se que, ao mesmo tempo que favoreceram a vitória do PS, conseguiram a sua própria vitória. (…)

Quando os eleitores votam sob pressão, ou para evitar um perigo, podem estar a abdicar da escolha fundamental: a da força política que melhor defenderá aquilo em que acreditam ou os seus direitos. Mais, os eleitores estão a assinar uma dura sentença aos partidos mais à esquerda. As escolhas políticas devem ser feitas em liberdade e essa liberdade não vai existir enquanto o partido Chega estiver entre nós. Está a ser pedido aos eleitores que assumam responsabilidades que não são suas. Está a ser-lhes pedido que comemorem a sua derrota. O “sistema” mantém o partido “anti-sistema” como possibilidade de voto e a vida política agita-se à volta dessa possibilidade. Diziam que não passará. Mas tem vindo a passar e a fazer-se sentir.»

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02.02.1954 –Lisboa acordou assim

 



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Desejos da diáspora para os próximos quatro anos

 


«O princípio é relativamente simples: sempre que é feriado em Portugal, tanto a embaixada como os consulados estão fechados e o mesmo acontece sempre que é feriado no Reino Unido. O melhor dos dois mundos, por conseguinte para quem trabalha nestes serviços.

O mesmo não posso dizer como cidadão português residente em Londres se por algum azar tiver de me deslocar ao consulado. E digo azar agora que começa uma nova legislatura, na esperança de que no fim da mesma as representações portuguesas no estrangeiro, Londres incluída, existam para verdadeiramente servir quem, na diáspora, está tão longe de casa e dos seus e nada mais procura do que ajuda, um pouco de empatia e uma palavra amiga na língua que nos deu ao mundo.

Porque, e já não é de hoje, entre marcações online que não funcionam e telefones que ninguém atende, só se entra no consulado por especial favor ou sorte, sendo preferível ao emigrante a compra de um leitor de cartões de cidadão caso precise de renovar o dito, agradecendo a quem de direito a bendita ideia de disponibilizar todo o processo através do portal do cidadão.

Deste modo, a inevitável perda de dias de férias, ou então um ou mais dias de trabalho e respectivo salário, deixam de ser inevitáveis diante de um apoio que pouco mais é do que a representação nacional de bandeira à porta, objecto de curiosidade quando nos deslocamos ao centro em passeio na companhia de amigos ou familiares.

Outro pedido, perdão, outro desejo, outro sonho ainda por concretizar prende-se com o ensino da língua portuguesa no estrangeiro. Para quem não sabe, este é um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa, mais precisamente no artigo 74, ponto 2, alínea i: “Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa”.

Ora, o ensino do Português fora da Lusitânia por norma só acontece se os pais tiverem a capacidade económica para pagar a um professor por aulas particulares. Quer isto dizer que entre o tempo e o dinheiro despendido mais a falta de professores portugueses, pouco mais se pode esperar de uma segunda, terceira e por aí fora gerações que saibam falar, mal, a língua que lhes deu origem.

A consequência é a rápida perda de interesse por Portugal, um país tão estranho como distante, diluído nos anos e na memória, vagas recordações de um passado feito de Verão e onde a vida não tem sentido quando se tem o mundo inteiro à disposição. Conclusão: os nossos filhos talvez voltem de vez em quando e os netos, ao melhor estilo inglês, nem sequer saberão apontar Portugal no mapa.

De modo a combater tal realidade, para quando o ensino gratuito do português? Para quando o acesso à língua quando se nasce no estrangeiro? E para quando o investimento público na formação e contratação de mais e mais professores?

Com mais de 2,5 milhões de portugueses emigrados, 350 mil dos quais no Reino Unido, ou seja cerca de um quarto da população residente em Portugal, para quando a equiparação do emigrante à condição de português de primeira? Com remessas anuais na casa dos 3600 milhões de euros, cerca de 1,8% do Produto Interno Bruto português, para quando o direito ao voto universal e anónimo?

E sim, se o voto postal das presentes legislativas encontrou o caminho da minha morada, o mesmo não posso dizer acerca de vários compatriotas ainda à espera que o voto chegue e por tal impossibilitados de votar. A razão? Ninguém sabe.

Convenhamos: as remessas dos emigrantes ficam na sua esmagadora maioria em Portugal e de lá não saem. O que é devolvido em investimento público a quem vive para sempre lá fora não é senão um insulto e o reflexo de um país ainda e sempre desigual onde quem está longe da vista, como é o nosso caso, está longe do coração.

Fica aqui este último desejo para a nova legislatura: o investimento anual de pelo menos 10% destas remessas nas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo inteiro, começando pelo aumento do número de representações consulares. Vos garanto como receberemos Portugal de braços abertos e sorriso rasgado se Portugal nos vier bater à porta. O contrário? O contrário, meus caros, será o esquecimento quando a saudade chegar ao fim.»

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1.2.22

Ambulantes

 


Vendedores ambulantes, Rossio, Lisboa, 1910.
Fotografia de Joshua Benoliel, AML.
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Buster Keaton, o «Pamplinas»

 


Buster Keaton, o «Pamplinas», rival e amigo de Charlie Chaplin, morreu em 1 de Fevereiro de 1966 e teria hoje uns impossíveis 126 anos. Pretexto para o recordar vendo alguns vídeos neste post de 2019.
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Costa, entre duas histórias

 

«Funcionou. Nem ele contava que funcionasse tão bem, mas a história contada por António Costa, que, simplificada, começava por “ia tudo tão bem e estes irresponsáveis quiseram deitar o Governo abaixo”, convenceu uns 90 mil votantes da CDU e 250 mil do Bloco, mais uns 40 mil outros (abstencionistas, restos do PAN), e deu-lhe a maioria parlamentar. 28% dos eleitores comunistas/verdes de 2019 e 51% dos bloquistas convenceram-se que dar maioria ao PS era a melhor forma de preservar o que terão achado ter sido a “geringonça” - aumentos de salário mínimo, pensões e prestações sociais, descida do preço dos transportes e das propinas, salário pago a 100% em período de lay-off. Sejamos claros: ao abandonar quem, à esquerda do PS, obrigou o PS a fazer o que o PS não queria fazer nem em 2015, nem em 2019, e obrigando-o a assumir a política social mais à esquerda que algum governo socialista assumiu desde 1976, estes 340 mil eleitores (40% de quem em 2019 votava à esquerda do PS) entregaram nas mãos de Costa a possibilidade de não ter de negociar mais coisa nenhuma que beneficie a sério quem trabalha, estuda e tem uma reforma - além de não impedir minimamente que negoceie à direita tudo aquilo a pomposamente chama “acordos de regime” (ou “de cavalheiros”, na semântica rançosa de Santos Silva). Com a inflação e a desvalorização do poder de compra dos assalariados e dos reformados, mais a iminente a subida das taxas de juro, vai ser preciso esperar muito pouco para que Costa regresse à austeridade e às políticas neoliberais que a social-democracia assume todas as vezes que grita “crise!” A história que dentro de meses Costa nos vai contar é outra, e vai começar por “afinal não era bem isto com que contávamos...” Aí, claro, vai ser (temporariamente) tarde demais.»
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Pedras no passeio de Costa

 


«O crescimento dos socialistas nas legislativas está em linha com a queda de CDU e Bloco de Esquerda. António Costa recolheu mais 380 mil votos em relação a 2019, enquanto os parceiros que lhe viabilizaram orçamentos durante os quatro anos de geringonça perderam 350 mil.

Como aqui escrevi há um par de semanas, o secretário-geral do Partido Socialista apostou forte, e conseguiu, "sugar" os votos à Esquerda, ainda que na última semana de campanha tenha virado ao contrário as páginas do discurso, admitindo negociar com todos, face à ameaça de uma subida do PSD nas intenções de voto. O receio levou-o, portanto, a reescrever o guião, mas a estratégia parecia alinhada desde a apresentação do Orçamento, cujo chumbo conduziu à queda do Governo: aspirar toda a Esquerda para o universo de votos do PS e governar respaldado por uma bancada mais rosa e maioritária. Durante o discurso de consagração, o vencedor manteve o protocolo da humildade, ao dizer que "uma maioria absoluta não é poder absoluto", mas essa indicação contradiz o candidato a primeiro-ministro que, há duas semanas durante um debate, mostrou o Orçamento chumbado como um trunfo para o arranque da legislatura. Se a intransigência em não mudar uma linha se mantiver, talvez a governação de Costa não seja o passeio na praia que muitos adivinham, uma vez que a partir de agora PCP e Bloco de Esquerda estarão claramente do outro lado da barricada e as máquinas de rua não morreram, estiveram apenas adormecidas. Mantendo-se Costa inflexível, por exemplo, em relação à revisão das leis laborais escritas na pele dos portugueses no período da troika, é bem possível que a paz social, antes respaldada no acordo com comunistas e bloquistas, se transforme rapidamente em protestos e greves, legítimos, para se fazer aquilo que foi prometido aos parceiros da geringonça e ainda não foi feito.»

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31.1.22

Viu os pais em teletrabalho...

 

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31.01.1891 - Porto

 


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Perfilados de Medo

 


Pronto, acalmem-se, a direita não ganhou!


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Costa conseguiu tudo o que queria há muito tempo

 


«Confirmámos, mais uma vez, a enorme diferença entre o país real e a bolha mediática. Confesso que achava estranho que, num país que ainda não está a atravessar uma crise económica, com taxas de desemprego historicamente baixas e com todos os estudos a dizerem que há uma boa avaliação da gestão da pandemia, o incumbente perdesse as eleições. E que para isso houvesse uma brutal movimentação de votos. Isto apesar de não esperar, neste momento, uma maioria absoluta.

As sondagens (e uma dinâmica de vitória artificial) tiveram, como em Lisboa, um papel fundamental. Não tanto pelo que diziam, mas pela forma absurda como continuam a ser usadas. Quando uma tracking poll, que serve para perceber tendências, é apresentada como uma sondagem diária e quando a própria comunicação social, consciente da fragilidade destes instrumentos, os coloca no centro do debate político, transforma uma campanha num jogo de enganos. Até termos, como tivemos, o derrotado de ontem a dizer que era preciso permitir que António Costa perdesse as eleições com dignidade.

Se Carlos Moedas deve a sua vitória a sondagens que libertaram o voto à esquerda, António Costa pode dever a sua maioria absoluta a sondagens que secaram tudo à sua volta e que, como se vê pela redução drástica da abstenção, mobilizaram os eleitores de esquerda para impedir o regresso da direita. Aqueles que numa e noutra vez votaram tático, um dia perceberão que um voto determina a representação da convicção de cada um e não determina, por si só, os resultados finais.

Rui Rio não conseguiu, à direita, o que António Costa conseguiu à esquerda. Quando as sondagens davam empates entre Rio e Costa muitos eleitores preferiram votar no Chega e na Iniciativa Liberal, que crescem substancialmente. Quem acompanhasse a comunicação social, imaginaria que Rio estava numa imparável dinâmica de vitória. Essa dinâmica permitiu-lhe crescer… pouco mais de um ponto percentual. Quem vive na bolha mediática, que acredita que os eleitores mudam de voto porque um determinado líder ganhou inesperadamente um congresso, devia sair um pouco do ar saturado das redações.

António Costa conseguiu tudo o que queria. A maioria absoluta era o que procurava desde o início da negociação deste Orçamento de Estado. Arrisco-me a dizer que a procurava desde 2019. Se na tática de campanha foi errático, na forma como geriu as relações com os seus “parceiros” foi brilhante e premiado. Juntou a esquerda, apoderou-se da esquerda. Foi o que previ há dois anos, aliás.

Mesmo que não tivesse conseguido a maioria absoluta, o PAN e o Livre, dois partidos com condições negociais muito pouco ambiciosas, garantiriam o mesmo. Diria que BE e PCP, depois de ver as projeções, passaram a noite a desejar esta maioria. Com os resultados que tiveram, a sua influência na governação seria residual. O abraço do urso seria o derradeiro e mortífero.

Apesar da direita se reforçar, está ainda mais dividida. O Chega e a IL, juntos, não conseguem muito mais do que Paulo Portas já conquistou no passado. Mas deixam a direita muito mais fragmentada, com menos soluções de governo para o futuro. E se a IL pode (ou não) ser uma moda, que com uma liderança capaz do PSD poderá (ou não) ser absorvida, o Chega veio para ficar.

O PS, sozinho e sem pressão à esquerda, virará irremediavelmente à direita. Estas coisas não dependem da vontade, dependem das dinâmicas políticas. Como estava escrito que Costa faria quando se conseguisse livrar de uma “geringonça” que serviu para o colocar no poder. Daqui a quatro anos saberemos dos efeitos profundos destas eleições. Até lá, muitos terão de repensar a forma como fazem política. E António Costa terá, como Sócrates teve, responsabilidade exclusiva por tudo o que se faça e não se faça nestes anos.

Deixo para os próximos dias a análise dos resultados dos outros partidos. Dos derrotados – BE, CDU, CDS e PAN – aos vencedores – IL, Chega e Livre

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30.1.22

Hackers no Parlamento?

 



«Os hackers que atacaram no início do mês o Grupo Impresa dizem ter roubado informação do site do Parlamento português. Em dia de eleições legislativas, os piratas informáticos autodenominados Lapsu$ Group garantem ter invadido aquele site e roubado informações. “Hoje hackeámos o site do Parlamento e tivemos acesso a aplicações da Microsoft e a uma grande quantidade de bases de dados que contém informação sensível do Governo relacionada com informações pessoais de políticos e de partidos políticos, muitos documentos, emails, passwords…”. Escrevem ainda que o site usa “sistemas tecnológicos antigos, sem manutenção”.»
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Um lápis flor da pele


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Nuno Teotónio Pereira – 100 anos e um «site»

 

O Nuno chegaria hoje aos 100. Para assinalar o facto, a família, em conjunto com muitos dos seus amigos e companheiros, vem desde há muito a preparar um «site» que foi aberto hoje, já riquíssimo mas que continuará em actualização. O ENDEREÇO É ESTE.

Convido-vos a percorrê-lo e a partilharem-no se assim o entenderem. Nós, os seus amigos, reviveremos muitos momentos importantes das nossas vidas. Quem não o conheceu ficará a saber muito sobre uma pessoa excepcional.


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