«Confirmámos, mais uma vez, a enorme diferença entre o país real e a bolha mediática. Confesso que achava estranho que, num país que ainda não está a atravessar uma crise económica, com taxas de desemprego historicamente baixas e com todos os estudos a dizerem que há uma boa avaliação da gestão da pandemia, o incumbente perdesse as eleições. E que para isso houvesse uma brutal movimentação de votos. Isto apesar de não esperar, neste momento, uma maioria absoluta.
As sondagens (e uma dinâmica de vitória artificial) tiveram, como em Lisboa, um papel fundamental. Não tanto pelo que diziam, mas pela forma absurda como continuam a ser usadas. Quando uma tracking poll, que serve para perceber tendências, é apresentada como uma sondagem diária e quando a própria comunicação social, consciente da fragilidade destes instrumentos, os coloca no centro do debate político, transforma uma campanha num jogo de enganos. Até termos, como tivemos, o derrotado de ontem a dizer que era preciso permitir que António Costa perdesse as eleições com dignidade.
Se Carlos Moedas deve a sua vitória a sondagens que libertaram o voto à esquerda, António Costa pode dever a sua maioria absoluta a sondagens que secaram tudo à sua volta e que, como se vê pela redução drástica da abstenção, mobilizaram os eleitores de esquerda para impedir o regresso da direita. Aqueles que numa e noutra vez votaram tático, um dia perceberão que um voto determina a representação da convicção de cada um e não determina, por si só, os resultados finais.
Rui Rio não conseguiu, à direita, o que António Costa conseguiu à esquerda. Quando as sondagens davam empates entre Rio e Costa muitos eleitores preferiram votar no Chega e na Iniciativa Liberal, que crescem substancialmente. Quem acompanhasse a comunicação social, imaginaria que Rio estava numa imparável dinâmica de vitória. Essa dinâmica permitiu-lhe crescer… pouco mais de um ponto percentual. Quem vive na bolha mediática, que acredita que os eleitores mudam de voto porque um determinado líder ganhou inesperadamente um congresso, devia sair um pouco do ar saturado das redações.
António Costa conseguiu tudo o que queria. A maioria absoluta era o que procurava desde o início da negociação deste Orçamento de Estado. Arrisco-me a dizer que a procurava desde 2019. Se na tática de campanha foi errático, na forma como geriu as relações com os seus “parceiros” foi brilhante e premiado. Juntou a esquerda, apoderou-se da esquerda. Foi o que previ há dois anos, aliás.
Mesmo que não tivesse conseguido a maioria absoluta, o PAN e o Livre, dois partidos com condições negociais muito pouco ambiciosas, garantiriam o mesmo. Diria que BE e PCP, depois de ver as projeções, passaram a noite a desejar esta maioria. Com os resultados que tiveram, a sua influência na governação seria residual. O abraço do urso seria o derradeiro e mortífero.
Apesar da direita se reforçar, está ainda mais dividida. O Chega e a IL, juntos, não conseguem muito mais do que Paulo Portas já conquistou no passado. Mas deixam a direita muito mais fragmentada, com menos soluções de governo para o futuro. E se a IL pode (ou não) ser uma moda, que com uma liderança capaz do PSD poderá (ou não) ser absorvida, o Chega veio para ficar.
O PS, sozinho e sem pressão à esquerda, virará irremediavelmente à direita. Estas coisas não dependem da vontade, dependem das dinâmicas políticas. Como estava escrito que Costa faria quando se conseguisse livrar de uma “geringonça” que serviu para o colocar no poder. Daqui a quatro anos saberemos dos efeitos profundos destas eleições. Até lá, muitos terão de repensar a forma como fazem política. E António Costa terá, como Sócrates teve, responsabilidade exclusiva por tudo o que se faça e não se faça nestes anos.
Deixo para os próximos dias a análise dos resultados dos outros partidos. Dos derrotados – BE, CDU, CDS e PAN – aos vencedores – IL, Chega e Livre.»
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