Pela leitura de um texto de Manuel António Pina, no
JN de hoje (*), regresso a Cuba e ao que tem sido escrito – ou não – depois da morte de Orlando Zapata Tamayo.
Eu que resisti ao fascínio da Praça Vermelha e da Cidade Proibida, fui apanhada em cheio pela esperança dos amanhãs que cantariam a partir de latinos como nós, que tentavam concretizar um impossível sonho em território americano. Sou, sem dúvida, da geração do tal «cubanismo de uma zona da esquerda ocidental», extraordinariamente bem retratada em
Fantasia Vermelha, de Iván de la Nuez.
Não sei se todos os sonhos são feitos de chumbo, mas a vida vai-se encarregando de nos fazer sentir na pele, desde a infância, que há uns tantos que pesam muito. É mesmo a compreensão desta realidade que nos torna saudavelmente adultos, se soubermos fazer o luto do que acabou para não voltar: uma pessoa, um amor, uma religião, uma ideologia.
O luto pelo fim do sonho cubano doeu-me, mas terminou há muito tempo. Volto a ele como à recordação de uma pessoa próxima que morreu: sempre sem indiferença, mas já não sentindo realmente a necessidade da sua existência, nem a incapacidade de identificar defeitos – de consequências terríveis e dramáticas, no caso vertente.
Quero acreditar que é a falta desse luto que fez com que tantos, a nível individual, se tenham calado, ou falado ligeira e envergonhadamente, nos dois últimos dias. Cuba continua a ser um tema incómodo, ainda há uma T-shirt de Che escondida por baixo de muitas novas camisolas: resume-se um
take da Lusa, põe-se um videozito com as palavras da mãe de Zapata - e passa-se para outra.
A nível colectivo, mais concretamente partidário (porque a tal mítica sociedade civil, essa, está preocupada com o Everton…), a questão é ou parece ser outra: por crença ou por tacticismo, o silêncio da chamada esquerda foi mais pesado do que sonhos de chumbo. Se nada há a esperar do PCP por razões óbvias e se, no Largo do Rato, devem andar todos à procura de gravadores de escutas sem tempo para outras tarefas, já
destes senhores, a quem dei o meu voto, espero mais do que notícias dos acontecimentos, mesmo que detalhadas: há uma embaixada de Cuba em Lisboa, que espera por uma manifestação, há uma AR onde pode ser apresentado um voto de protesto, há a Amnistia Internacional que deve ser apoiada na exigência de que sejam libertos todos os outros presos políticos cubanos. Há mil outras possibilidades, como houve para Aminatu Haidar.
Ou ficamos à espera que morra o próximo?
(*) «Nos anos 60, quando o pesadelo soviético era mais que evidente, a Revolução Cubana iluminou de súbito o nosso sonho de uma sociedade livre e igualitária, e tanto desejámos esse sonho que aceitámos qualquer desculpa para as suas traições. Acordámos dele a custo para descobrir, como Sam Spade em "O falcão de Malta", de Dashiell Hammett, que é chumbo a matéria de que são feitos os sonhos.»