25.4.20

Esta imagem salvou-me o dia



E que falta de imaginação a minha, aqui sentada num sofá!

Este homem desfilou sozinho em Lisboa...com Portugal às costas.

«Um homem desfilou este sábado na Avenida da Liberdade, em Lisboa, com um grande bandeira de Portugal e alguns cravos vermelhos. De fato aprumado, e com PSP na rua, para controlar o trânsito e a afluência de pessoas, o homem cumpriu a tradição de milhares no Dia da Liberdade.»
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25 de Abril (3)




O 25 de Abril também é italiano e, em 2020, a «janela» é isto, não paisanos em marquises de alumínio.
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25 de Abril (2)



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25 de Abril (1)


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Já é 25



A música do 25 de Abril de 74 foi mesmo esta. 
Quem viveu esse dia não esquece!



24.4.20

Miguel Portas



Era um 25 de Abril, descia-se a Avenida da Liberdade, chovia muito e o Miguel Portas tinha morrido na véspera. Já lá vão oito anos.
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O vírus da amargura



«No último fim de semana, a passear bem longe de todos a minha cadela por uma zona de Monsanto, em Lisboa, vi várias famílias, cumprindo a distância de segurança, deitadas em mantas ou mesmo em piqueniques. Ninguém ali estava a pôr ninguém em perigo, mas tive a certeza que muitos, talvez a maioria, se vissem aquela cena ficariam horrorizados. Não deixariam de recordar que estão fechados em casa há semanas e que aquelas pessoas não tinham o direito a desfrutar assim daquele momento. Eu fiquei contente por haver quem não deixa que o contador que abre todos os telejornais lhes tire a irreprimível vontade de ser humano. Obrigado.

Sei que o que escreverei aqui, com os nervos de muitos à flor da pele, irritará muita gente. Espero, por outro lado, que alivie os que se sentem sufocados pelo cerco opressivo da vigilância social que ultrapassa em muito as exigências da pandemia. Os que recusam ser regulados pela irracionalidade do pânico que quer ir para lá do estado de emergência. Uns exercem essa opressão por medo. Um medo que deixaram de conseguir controlar e que vai muitíssimo para lá dos factos ou das exigências sanitárias. E querem impor-nos o seu próprio medo, como se ele fosse uma lei da República. Outros sentem finalmente a possibilidade de opinar sobre a vida dos outros, limitá-la, julgá-la. O vírus deu-lhes, julgam, esse direito constitucional. E estão a adorar. Outros, com quem sou bem mais compreensivo, estão corroídos pelo ressentimento. Impedidos de ver quem mais amam, alguns impedidos de se despediram de quem gostam, exigem justiça. Querem impedir cerimónias oficiais que têm garantias de segurança que nenhum funeral ou festividade pode ter ou irritam-se com pequenos momentos de lazer em que está garantido tudo o que é necessário para a distância social exigida. Posso tentar compreender a revolta, mas as medidas de controlo da pandemia não seguem nem têm de seguir critérios de justiça. Seguem critérios de eficácia. E tudo o que não corresponda a um risco pode e dever feito, mesmo que seja injusto perante coisas bem mais importantes que, por razões práticas, foram interditas. Porque a justiça levaria a que todos tivéssemos de sofrer tanto como os que mais sofreram. E não é assim que se vive em sociedade.

Preocupam-me os que perderam ou podem perder o emprego. Preocupam-me os que estão a passar por isto sozinhos, sobretudo os mais velhos. Preocupam-me os têm fragilidades físicas ou psicológicas que tornam isto muito mais insuportável. Sobretudo as mais sensíveis para este momento, que os põem em perigo especial. Preocupam-me os que perderam alguém, num tempo como estes.

Mas é bom dizer uma coisa, um pouco difícil por estes dias, àqueles que apenas estão, sem riscos físicos e sociais suplementares, em casa à espera de ir trabalhar: é difícil, mas já se viveram e vivem coisas bem mais dramáticas do que estar em casa umas semanas. Sofro pelos velhos isolados e os que perderam o seu emprego e o seu sustento ou os que perderam pessoas queridas. Quanto aos que estão apenas transidos de medo e que querem que o seu medo compreensível mas apenas seu nos sufoque, só peço que respeitem quem, não pondo em perigo a vida de ninguém, se quer sentir vivo e gosta disso. É bom ter pressa para voltar à normalidade. Pouco saudável é querer ficar fechado eternamente. Querer ser feliz não transmite nenhum vírus. Pelo contrário, há um vírus de que temos de nos livrar rapidamente: o que transmite doenças como a amargura, o ressentimento e a irreprimível tentação de querer que os outros sofram no nosso lugar.»

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Melo Antunes, 1984


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Quarenta e sete anos, dez meses e vinte e quatro dias depois


@alfredocunha

«A cidade apareceu ocupada e radiosa. Deparámos com colunas militares inundadas de sol; e povo logo a seguir, muito povo, tanto que não cabia nos olhos, levas de gente saída do branco das trevas, de cinquenta anos de morte e de humilhação, correndo sem saber exactamente para onde mas decerto para a LIBERDADE!

Liberdade, Liberdade, gritava-se em todas as bocas, aquilo crescia, espalhava-se num clamor de alegria cega, imparável, quase doloroso, finalmente a Liberdade!, cada pessoa olhando-se aos milhares em plena rua e não se reconhecendo porque era o fim do terror, o medo tinha acabado, ia com certeza acabar neste dia, neste Abril, Abril de facto, nós só agora é que acreditávamos que estávamos em primavera aberta depois de quarenta e sete anos de mentira, de polícia e ditadura. Quarenta e sete anos, dez meses e vinte e quatro dias, só agora.» 

José Cardoso Pires, Alexandra Alpha
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23.4.20

Lares e Carta Aberta ao Primeiro Ministro



Ouvir AQUI o que M. Rosário Gama disse hoje na RTP1.
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Talvez nos safemos, sei lá!



Estava eu hoje na rua, numa das poucas actividades que me são permitidas, numa curta fila à porta de um estabelecimento que fornece bens alimentares, quando vi, mesmo ao lado, uma modesta lojeca aberta, que não me pareceu fazer parte do conjunto de excepções para encerramento obrigatório (o que eu via eram flores de plástico e outras bugigangas similares). Meti conversa com a dona, que estava à porta, e comentei o facto simpaticamente.

- Olhe, pus-me a fazer máscaras e colei um papel no vidro a anunciar. Se vierem chatear-me, digo que estou a contribuir para o bem. E sempre vou vendendo outras coisitas, sabe, e talvez me safe, sei lá!

Quem quiser que atire a primeira pedra.
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MFA 2020


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Primeiro escolhe-se o caminho, depois a companhia



«Ficaria muito desiludido se tivéssemos de chegar à conclusão que só podemos contar com o PCP e com o Bloco de Esquerdo em momentos de vacas gordas e em que a economia está a crescer." A frase de António Costa traz tanta água no bico que só um pelicano aguentaria. É verdade que Costa disse que não tenciona aplicar a mesma receita do governo de Passos Coelho, porque esta crise é muito diferente. Só que, como se verá quando as taxas de juro da dívida dispararem por causa da crise económica e da inevitável derrapagem do défice, rapidamente se tornará bastante semelhante, apenas com muito maior intensidade.

Mas ao dizer que não concorda com o “preconceito” de que "o PCP e o Bloco de Esquerda carecem do sentido de responsabilidade para compreender que a vida política não é só aumentos de salário e aumentos de direitos", Costa acaba por explicar que o seu olhar não é, por agora, assim tão distante do de Passos. Porque é ele mesmo que contrapõe recuperação económica a aumentos de salários e de direitos, como se uma e outra coisa fossem incompatíveis. Como ele próprio explicou durante anos, é nas crises que devemos evitar a austeridade.

As alianças não se fazem por razões fúteis. Fazem-se em trono de programas. É absurdo António Costa começar a discutir se conta ou não conta com os partidos à sua esquerda antes de esclarecer para que os quer como companhia. Bem sei que é cedo. Mas se é cedo para apontar um caminho talvez seja cedo para começar a exigir fidelidades. Agora estamos a combater o vírus e não lhe tem faltado apoio de quase todos. Depois, que diga para onde quer ir. Quando passarmos a fase da crise sanitária, não são o BE e o PCP que terão de fazer a primeira escolha. É António Costa. Se for a que a Europa lhe aponta neste momento (veremos o que acontece amanhã), dificilmente poderá contar com quem se opôs a Passos Coelho. Nem deveria contar com o seu próprio partido. Se for a oposta – uma política contracíclica, em que o Estado garanta o estímulo à economia que os privados não podem dar, como muito bem aconselhou o insuspeito "Financial Times" – é justíssimo exigir a companhia dos partidos mais à esquerda. Mas se o caminho for esse o confronto com a União Europeia é, pelo menos olhando para os primeiros sinais, inevitável. Estará António Costa disponível para ir para além das bravatas com a Holanda? Se sim, os primeiros aliados em que tem de pensar não são o BE ou o PCP. São a Itália, a Espanha e outros países periféricos. E pensar se Mário Centeno é o homem ideal para essa batalha.

Se a escolha de António Costa for distribuir equitativamente os sacrifícios que existam e promover uma política de investimento público para contrariar a profunda depressão em que as empresas vão entrar, esta crise será uma oportunidade para retirar o país da decadência profunda em que se encontra há duas décadas. Foi em momentos especialmente difíceis que os melhores estados sociais se construíram. Se Costa tiver os aliados europeus para a receita oposta à de 2011 duvido que lhe faltem os aliados internos. Mas se os de cá de dentro servirem apenas como párachoques a ao enésimo programa de austeridade que adia soluções e aprofunda problemas, possibilidade que ele próprio não consegue pôr de lado, imposto de fora, espero que não os tenha à esquerda. Seria um imperdoável erro que esse apoio lhe fosse dado.

A questão não é se António Costa conta com o resto da esquerda para as vacas magras como contou para as vacas gordas. É se a esquerda, no seu conjunto, tem um programa diferente do da direita para tempo de vacas magras. E se contamos com um Costa diferente de Passos quando lá chegarmos. Ou se a direita tem razão e a esquerda só se consegue distinguir quando as vacas estão anafadas. Se o António Costa de agora for o do tempo da troika, com as mesmas propostas e posições, duvido que Catarina Martins e Jerónimo de Sousa lhe faltem. Na realidade, nem chega ser o mesmo. A crise será tal que tem de ser mais audacioso do que então defendia.

Se pretende ter o BE e o PCP para fazer o que criticou em 2011, serei o primeiro a apontar o dedo a estes partidos por um crime contra a democracia. Estariam a entregar a resistência a mais a uma onda irracional de austeridade à extrema-direita, juntando à crise económica e social uma crise política. A democracia precisa destes partidos para cumprirem uma de duas funções: serem aliados do PS na construção de uma alternativa política diferente de 2011; ou serem opositores do PS se este aceitar ser o executor de uma receita que torna este país cada vez mais inviável. Se o PS seguir o caminhos da austeridade, o seu aliado natural é outro e até já lhe dedicou inúmeros elogios: o PSD.

Claro que todas estas afirmações extemporâneas, pedindo companhia para uma caminhada que ainda nem sabe para onde será, podem ser a mera preparação de mais uma estratégia de dramatização. Costa pode querer ir a votos enquanto a popularidade por uma boa gestão da crise sanitária está em alta e antes das escolhas difíceis para lidar com a crise económica. Se for isto, é compreensível para os seus interesses mas indiferente para os interesses do país. Nenhum partido tem de alinhar neste jogo e duvido que o PSD o faça. Se for mais do que isto, que António Costa diga que rumo quer seguir e descobrirá rapidamente quem o pode acompanhar. São as grandes escolhas políticas que determinam os aliados que se merecerem.»

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22.4.20

Deixem os velhos viver


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Ferro Rodrigues: o tiro no pé de cada dia nos deu hoje



Eu também não gosto de ir a locais fechados «mascarada», mas vou e não me sinto por isso em época de Carnaval. Há modos muito infelizes de brincar com coisas sérias.

Contexto da resposta:
«Vai ser obrigatório usar máscara? 
Não, nunca foi. Porque é que havia de ser neste plenário. Se não foi nos plenários anteriores! Então nós íamos mascarados para o 25 de Abril?»
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Esperemos que Marcelo não nos desiluda!



Queremos voltar a ter imagens como esta no futuro!
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Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes



«Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui nos cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupas a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.»

Maria Velho da Costa, Cravo, Moraes Editores, 1976
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21.4.20

Virulenta? Música nossa e da boa



Uma sociedade que não respeita os mais velhos não se merece


Carta Aberta ao primeiro-ministro, ministra da Saúde, ministra do Trabalho e da Solidariedade Social e directora geral da Saúde.

«Há vozes que nos incomodam.

Aparentemente desencadeadas por declarações que repudiamos, feitas no passado Domingo de Páscoa pela presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, multiplicam-se, agora, as opiniões que, igualmente sem qualquer fundamento científico, vão no sentido de, com uma “aparente” intenção de protecção sanitária, afirmar que as pessoas mais velhas poderão ter de ficar em confinamento até ao final do ano. Quem profere ou defende tais declarações não mede o alcance do que diz. Estão a ser visadas pessoas que podem estar frágeis, carentes de afecto, longe de familiares ou amigos, mas também tantas outras que, com a mesma idade, estão enérgicas, com todas as faculdades activas, com vidas bem preenchidas e úteis à família e à comunidade. Umas e outras têm coração e têm sentimentos e não gostam nem aceitam que as ameacem de isolamento.

Confinar pessoas mais velhas durante meses seguidos configura um grave atentado aos Direitos Humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição da República Portuguesa. Acresce que muitas dessas pessoas vivem em lares e Estruturas Residenciais para Idosos, conservando a sua autonomia e o uso de todas as suas capacidades, pelo que tal confinamento contribuiria para um agravamento da sua saúde mental e da sua própria segurança, uma vez que a redução forçada da sua mobilidade aumenta o risco de acidentes. E o mesmo se aplica aos que vivem sós e afastados das suas famílias.

A ameaça da covid-19 não se vai evaporar com o achatamento da curva epidémica. Qualquer plano de levantamento de restrições tem que contemplar, necessariamente, todas as faixas etárias. O confinamento sem fim à vista não é solução, muito pelo contrário é o caminho mais curto para a demência senil ou uma sentença de morte antecipada para idosos que hoje têm autonomia.

Não aceitamos referências estigmatizantes que criem na sociedade a ideia, mais ou menos subtil, de que as pessoas mais velhas, apenas pela sua idade, não são bem vindas no espaço público e poderão constituir um factor acrescido para a expansão da pandemia. Não aceitamos um regime de confinamento que coloque os mais velhos isolados física e socialmente. Cidadãs e cidadãos de pleno direito, cumpriremos as medidas consideradas necessárias para conter e minorar a propagação do vírus no contacto social. Uma sociedade que não respeita os mais velhos não se merece. Nenhum poder democrático pode roubar a autonomia, a dignidade, o direito de decisão e o prazer de viver dos seus cidadãos. O sonho comanda a vida em qualquer idade. Perder a capacidade de sonhar é morrer. É contribuir para agravar o fosso entre os jovens e os mais velhos É este o nosso apelo!


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25 de Abril e ex-Presidentes da República



Jorge Sampaio e Cavaco Silva já comunicaram que não participarão na cerimónia que terá lugar no Parlamento.

Apenas Ramalho Eanes afirmou que estará presente, embora não concorde com o modelo adoptado para a comemoração. É o mais velho dos três ex-PRs (tem 85 anos) e só não infringirá as regras definidas pelo decreto que estabelece o Estado de Emergência em que nos encontramos por pertencer ao Conselho de Estado e porque não existem oficialmente velhos em órgãos políticos. Que está disposto a morrer com o Corona, oferecendo o corpo às balas, isso já sabíamos. Parabéns à prima.
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António Costa, as vacas magras e a esquerda



«A Lusa perguntou ao primeiro-ministro se contaria com os partidos de esquerda na resposta à crise. António Costa respondeu que ficaria muito desiludido se só pudesse "contar com o PCP e com o BE em momentos de vacas gordas". Há duas interpretações possíveis para esta resposta: a primeira é que se trata de um apelo desajeitado a entendimentos à esquerda, para evitar o aumento da conflitualidade social; a outra é que o líder do PS está a posicionar-se para uma alteração de rumo a breve trecho. Sobre isto tenho muito mais dúvidas do que certezas.

É já uma certeza que estamos perante uma das maiores crises económicas do último século, que se traduz numa queda abrupta da actividade económica e do emprego. Também é certo que a recessão terá um impacto substancial nas contas públicas. Quanto a impactos económicos, não podemos ter muitas mais certezas do que isto.

Algumas previsões tentam dar números à dimensão esperada da crise. O FMI previa há dias que esta será a pior recessão mundial desde a Grande Depressão dos anos 30 do século XX. Para Portugal, o Fundo prevê que o PIB caia 8% e que o desemprego atinja 13,9% da população activa em 2020, mais do dobro do que em 2019. A confirmar-se, será o maior aumento anual do desemprego de que há registo. O mesmo se passa com o rácio da dívida pública, que segundo o FMI passará de 117,7% do PIB em 2019 para 135% em 2020.

Mas estas previsões não são únicas, nem pretendem ser certeiras. Como explicou o responsável pela publicação do FMI, as margens de incerteza são enormes. O modelo utilizado assume que a pandemia deixará de causar estragos a partir da segunda metade deste ano e que a actividade económica começará então a voltar ao normal. Mas este é apenas um dos cenários possíveis.

Para além das dúvidas sobre a evolução do vírus, não sabemos que lastro deixará o confinamento na economia mundial. A queda dos preços do petróleo e de outras matérias-primas agravou a situação financeira de alguns países produtores. A pandemia e a recessão económica aumentam a fragilidade política e social das nações mais pobres. A perturbação das cadeias de valor globais está a levar à alteração das redes de fornecimento. O aumento do crédito mal parado volta a pôr os bancos sob pressão - e as finanças dos Estados em risco. A queda das bolsas e as dificuldades financeiras traduzem-se na mudança de donos de muitas empresas, algumas delas com importância estratégica para os países de origem. Tudo isto tende a agravar as tensões que têm marcado as relações económicas internacionais desde o início do século.

No contexto europeu, as dúvidas sobre o lastro da crise não são menores. Coincidência ou não, alguns dos países mais afectados pela pandemia (em particular, Espanha e Itália) são também os que apresentavam contas externas mais deficitárias. Um dos sectores mais afectados pela crise - o turismo - constitui um dos pilares das economias do sul da Europa, cujas dificuldades financeiras e competitivas eram já grandes antes do vírus. A resposta encontrada pelas instituições europeias para apoiar os esforços nacionais assenta no endividamento dos Estados, quando os países mais vulneráveis são precisamente aqueles onde a dívida pública é já mais elevada. Como resultado, os países do sul da Europa estão a fazer muito menos do que deveriam para proteger as suas economias, aumentando a profundidade da crise e seu o lastro. A intervenção do BCE evitou para já a repetição da escalada dos juros registada em 2010-2012, mas as agências de rating já começaram a dar sinais de inquietude. Para isso contribui o facto de as lideranças europeias nada dizerem sobre o modo como pretendem gerir o aumento das dívidas públicas nos anos vindouros.

Neste contexto, pedir aos partidos que assumam compromissos claros sobre a resposta à crise nos próximos meses não é fácil. Mas o problema não é só dos partidos à esquerda.

António Costa sabe que não pode contar com PCP e BE para delapidar ainda mais os direitos laborais, como já começaram a sugerir os sectores mais conservadores, apesar de se manterem em vigor as reformas do tempo da troika. O PS não pode contar com os partidos à sua esquerda para baixar salários e pensões, fomentando a divisão entre aqueles que vivem do seu trabalho em vez de usar o sistema fiscal para fazer justiça. Ainda menos quando as grandes reformas fiscais reclamadas neste lado do espectro político estão por fazer, incluindo a tributação das grandes fortunas. António Costa sabe que nunca entrará em ruptura com as lideranças europeias, mesmo que isso se traduza numa crise económica e social prolongada em Portugal. Há bons argumentos para o fazer, mas não pode esperar o apoio de quem sempre recusou as regras europeias devido ao retrocesso social que impõem.

Por tudo isto, não sei se António Costa é optimista ao ponto de achar que ainda é possível conjugar as suas próprias linhas vermelhas com as dos partidos com quem cooperou até há um ano. Ou se apenas se prepara para os culpabilizar pelo agravamento das condições económicas e sociais. Por várias razões, gostaria que a primeira hipótese fosse a correcta. Mas tenho, de facto, muitas mais dúvidas do que certezas.»


P.S. – Este texto foi o último que RPM publicou no DN e explicou porquê no Facebook:
« A administração do grupo Global Media anunciou ontem a entrada em layoff dos meios de comunicação de que é proprietário – incluindo o DN, onde escrevo desde Julho de 2018. Perante este anúncio – e embora a decisão não me tenha afectado pessoalmente (ou também por isso) – decidi descontinuar a minha colaboração com o jornal.
A minha contribuição para o DN é muito menos relevante que a dos seus jornalistas, que vêem agora o tempo de trabalho e a remuneração reduzidos (alguns para metade). Os meus textos de opinião podem ser publicados e lidos por vários meios e não dependo dos honorários que tenho recebido para os produzir. No caso dos jornalistas, pelo contrário, a redacção do jornal é o seu posto de trabalho principal e para muitos a sua única fonte de rendimento. A ser necessário dispensar os serviços de alguém, mesmo que só em parte, os profissionais de informação deveriam ser os últimos a considerar nas medidas de excepção.
Aos trabalhadores do DN e à sua direcção interina desejo o sucesso possível na situação grave que já estão a ter de enfrentar. À direcção anterior do DN, em particular à Catarina Carvalho, deixo o meu agradecimento pelo convite que me fez.»
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20.4.20

Missas sem velhos?



Será também a Igreja a discriminá-los? 

(Expresso, 20.04.2020)
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25 de Abril Pós-Corona


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A liberdade da bicharada



Na Tailândia, um bando de elefantes atravessa uma estrada pelo pouco tráfego que existe atualmente por causa da quarentena.
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Entre ruínas e morte



(Excerto) 

«1 – O que nos propõem é simples e convém que todos estejam cientes da proposta, para que cada um carregue consigo o fardo da escolha: os que não morreram da doença não querem agora morrer da cura. E morrer da cura é continuar a deixar a economia em coma induzido, sem a trazer de volta à vida. Devagar, por sectores, com vários cuidados recomendados e diversas precauções. E, ao mesmo tempo, libertando a população da prisão domiciliária onde estamos todos encerrados, mas por fases e segundo critérios etários: primeiro, adultos saudáveis, na força da idade laboral; depois, jovens; e, a seguir, crianças. Porém, há uma excepção, e disso depende o êxito — ou a ousadia — de todo o plano: os velhos devem continuar encerrados, porque representam um perigo sanitário público e uma ameaça à sustentabilidade dos serviços de saúde. Devem, então, ser mantidos longe da vista, afastados de qualquer contacto com os outros, até que haja uma vacina e a sua distribuição seja universal — talvez no Verão do próximo ano, na melhor das hipóteses. Encerrados em casa sozinhos e entregues a si mesmos ou fechados em lares, em hotéis, em pavilhões, onde for. Confiados à cura de profissionais, de voluntários ou, se necessário, das Forças Armadas.

Muita coisa vai mudar depois disto passar, dizem alguns. Vamos ter de olhar para a vida de maneira diferente, juram. Uma das coisas que talvez mude é a ideia de que vale a pena viver tanto tempo.

2 – Muitos deles, aliás, já cumpriram a sua função, deixando-se abater ao activo, vítimas do vírus ou de outras doenças que, por força do vírus, não foram tratadas ou eles próprios não quiseram tratar. Aqui, como em Espanha, um terço dos mortos da covid ocorreram em lares onde os velhos estavam acantonados e foram apanhados sem defesa, a coberto de uma ilusão de segurança que, de tão frágil, chega a parecer indiferença. Quando um utente infectado num lar é retirado dele, consegue recuperar cá fora e depois é devolvido ao lar onde permanece o foco de infecção, que outra palavra podemos usar que não indiferença?

3 – Tal qual como os 90 trabalhadores cingaleses das estufas de Odemira, ou os 70 nepaleses do Algarve, ou os 130 ciganos de Moura — quando aparece ali algum infectado, a solução é simples: fecham-se todos juntos onde puder ser, mesmo que, no limite, isso signifique a infecção de todos. Em Moura, rodeou-se o acampamento cigano de arame farpado e colocou-se a GNR a vigiar todas as passagens, para que ninguém pudesse entrar ou sair. Chamem a isto o que quiserem, eu chamo-lhe um campo de concentração, por provisório que seja. Há dias, a ministra da Agricultura dizia que talvez se pudesse pegar nos novos desempregados e enviá-los para trabalhar no campo. Julgo que a ministra, que já percebi ser uma entusiasta do olival intensivo do Alqueva e desse tipo de agricultura “industrial” predadora, se estava a referir a essa mão-de-obra que agora vai escassear. Que vive em contentores, que trabalha sem horários e que nenhum sindicato protege. E que, acha ela, os desempregados talvez quisessem substituir. Não sabe do que fala.»

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A próxima época balnear


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19.4.20

Carta à República




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Era só para lembrar que os idosos são pessoas autónomas


«Não se pode esperar com enorme tranquilidade que homens e mulheres acima de 65 anos fiquem fechados em casa ou em lares por meses e meses, sem direito ao mundo exterior, sem direito ao afeto, sem direito a escolher. Quando estivermos em período de regresso à normalidade, as pessoas idosas não podem ser condenadas a morrer da precaução. Pelo contrário, temos de as respeitar enquanto cidadãos e cidadãs capazes de fazerem as suas escolhas, livres naquilo que não afete terceiros, gente que ainda quer ser gente. (…) 

Não podemos aceitar que se fale dos idosos como um terceiro neutro, um grupo mudo, destinatário silencioso, sem voz, de normas hipotéticas de isolamento de meses e meses como se a saúde fosse o único valor a proteger, como se cada idoso e cada idosa não tivesse direito, como qualquer pessoa, ao seu plano de vida.» 

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A pandemia não está a trabalhar



«A sucessão de números que vai ler pode provocar-lhe alguma angústia. É compreensível, mas, infelizmente, não se trata de um retrato de um futuro distante, mas da realidade atual.

No curto espaço de um mês, a nossa economia foi virada de pernas para o ar. Neste momento, há quase um milhão de trabalhadores em lay-off. Um terço dos trabalhadores do sector privado têm os vínculos “suspensos” e a remuneração reduzida. Colocando em perspetiva, no final de março estavam 3361 empresas em lay-off, abrangendo 72.507 trabalhadores. Hoje são perto de 70 mil as empresas que recorreram ao lay-off e o número de trabalhadores atingidos multiplicou-se por 13 em 15 dias. Se olharmos para uma série mais longa, não encontramos nada do género: em 2009, em plena Grande Recessão, tivemos o valor mais alto das últimas décadas, com 19.500 trabalhadores em lay-off no conjunto do ano.

Esta entrada súbita da economia portuguesa em apneia vai permitir que muitas empresas retomem a sua capacidade produtiva, mas em muitos casos o lay-off será a antecâmara para o encerramento definitivo de atividades e para o desemprego. Aliás, nas últimas semanas, o desemprego registado tem crescido a um ritmo avassalador: 4 mil novos desempregados todos os dias, na comparação homóloga.

Não espanta, por isso, que um inquérito breve do INE e do BdP tenha apurado que 7% de empresas já fecharam definitivamente, 80% tiveram uma redução de faturação e, destas, 37% viram as suas vendas cair para menos de metade. Talvez assim se perceba melhor as projeções dantescas do FMI para as economias em 2020, durante o Grande Confinamento.

Mas a pandemia não vai afetar todas as economias da mesma forma. As vulnerabilidades preexistentes agravar-se-ão e fará diferença o padrão de especialização de cada economia.

O mercado de trabalho português é marcado pelos baixos salários e pela precariedade (em 2018, mais de um terço dos trabalhadores do privado tinha um contrato de trabalho não permanente e 76% do emprego líquido criado no privado nos últimos seis anos assentou em vínculos precários). São estes os trabalhadores mais vulneráveis.

Do mesmo modo, a dinâmica de emprego dos últimos anos traz consigo elementos de fragilidade. Entre 2013-19 foram criados 500 mil postos de trabalho, entre os quais 75 mil no sector do alojamento e restauração. Empregos que, agora, ficarão muito expostos a este choque brutal de procura. Os dados preliminares dão conta de que nestas semanas, neste sector, 62% das empresas encerraram temporária ou definitivamente.

A menos que ocorra um surpreendente volte-face na Europa, todos os euros que o Estado agora gasta a oxigenar a economia terão de ser financiados no futuro com um aumento de impostos que ninguém tolerará ou com cortes na despesa que serão inaceitáveis. Esta crise de endividamento coexistirá com uma pandemia económica de contornos inéditos. Vai ser necessária muita coragem.»

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