25.7.20

Templos, Mesquitas e outros que tais (4)



Praça Registan, Samarcanda, Uzbequistão, 2011.

Ir a Samarcanda faz parte do imaginário de muitos e fazia também do meu. É uma cidade única, citada por Heródoto, que Alexandre Magno conquistou como muitos outros e que tem uma posição chave na Rota da Seda, numa encruzilhada de estradas da China, Índia e Pérsia.
Na Praça Registan, existe uma mesquita e duas madrassas. «Os edifícios são uma orgia de azulejos, mosaicos e majólica, trabalho que consiste em formar desenhos com pedaços de azulejo. Fachadas, pátios centrais, falsos minaretes e cúpulas, tudo está coberto por milhares de bocadinhos reluzentes e coloridos de cerâmica.» (Wikipedia)


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Presidenciais 2021


A direita já tem portanto três candidatos a Belém, a esquerda está em férias.


«Votou Marcelo há cinco anos, foi militante do PSD e apoiou Rui Moreira. Tiago Mayan Gonçalves será o candidato “liberal” a Belém.»
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O Estado da Nação


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A cornucópia da abundância



«Parece que vem aí muito dinheiro. Embora o custo desse dinheiro nestes dias seja muito indiferente a quase todos, dos de cima aos de baixo, esse dinheiro tem um enorme preço: o pouco que já sobrava de Portugal como país independente. O salto qualitativo deste dinheiro é a passagem de Portugal a um Estado dentro da federação europeia. Estado não no sentido de nação mas de “região”, länder, cuja política fiscal já era controlada a partir de Bruxelas e vai agora ter a sua política económica e social igualmente controlada. Essas políticas servem lógicas de “desenvolvimento” que correspondem aos interesses dos países do Norte da Europa e políticas, políticas puras, que deixam de ser controladas pelos eleitores portugueses e muito menos pelo Parlamento português, que é já, em grande parte em tudo o que é importante, uma ficção.

Precisávamos do dinheiro? Claro que sim, mas não a este preço. O princípio de que quem paga manda é uma receita para o desastre, vai alimentar o populismo, tornar indiferente em quem se vota, erodindo a democracia, e, se há lição que se possa tirar da História, é que dá sempre torto mais tarde ou mais cedo. Os novos estrangeirados que nos governam nunca levantarão um dedo, como se viu com a história dos corredores turísticos, em que temos que aceitar que a Espanha ou o Reino Unido possam ser “seguros” e o Algarve ou o Douro não, sendo que Portugal tem instrumentos para defender os seus interesses mas não os usa. Por exemplo, os acordos finais com o Reino Unido dependem dos votos dos países da União Europeia. Uma coisa é ser pequeno e fraco e outra é ser subserviente.

Depois há toda uma outra história com o dinheiro. O dinheiro não vem para um país que subitamente se tornou capaz, com uma varinha mais que mágica, ou que se transformou na Noruega ou na Finlândia. E se há coisa que se pode dizer desde já é que exactamente o dinheiro funciona contra a mudança, tende a solidificar tudo o que está mal. É difícil imaginar-se que uma administração como a portuguesa, fortemente clientelar, que não premeia o mérito e a competência, com largos lençóis de patrocinato e corrupção, sem densidade e know-how para gerir tão importantes quantias, não vai desperdiçar muito do dinheiro que vamos receber. Deitar muito dinheiro em cima de uma estrutura débil não a torna forte e por isso não há que ter muitas ilusões.

Por outro lado, do discurso da “iniciativa liberal”, basta ver as filas de espera que todos os dias a imprensa económica noticia para se perceber como tudo se está organizar nos lóbis privados para o ir lá buscar. Agora toda a gente é “digital” e “verde”. O discurso legitimador destes lóbis é que o Estado vai desperdiçar este dinheiro – o que é verdade –, mas esquece que as últimas décadas da democracia são de uma história de corrupção, aproveitamento de ligações políticas, privatizações obscuras, salamaleques à corte dos políticos. Acresce que o nosso patronato não é particularmente competente, gere mal e considera que as empresas são uma extensão do seu cofre. Isto também não muda por intervenção divina.

Estamos condenados ao atavismo do desperdício e da corrupção? Condenados não estamos, mas há uma alta probabilidade de ser assim e mais vale ser realista do que iludido. Só acreditando em milagres é que deixará de ser assim. Podemos fazer alguma coisa? Pouco, mas alguma coisa é possível. No público e no privado há excepções. O que nos seria mais útil era identificá-las rapidamente e começar por aí, sem nunca esquecer que são excepções. Como o dinheiro é muito pode acontecer que ainda sobre algum para obras de mérito. E alguma probabilidade de que se consiga fazer algumas coisas estruturais do princípio ao fim. Podem vir a custar-nos o triplo do necessário, mas se ficar obra solidamente feita, não é mau.

Podia-se argumentar que tudo isto é um forte argumento para entregar o controlo do uso do dinheiro a estrangeiros, mais do que já existe e vai existir. Foi um dos argumentos dos “frugais”, que acham que podem dar lições de moral ao mundo. Não podem, e seria muito pior. Já que estamos na vergonha de pedir, seria pior ter que ouvir uma frase muito portuguesa dita aos nossos “pobrezinhos” por alguns próceres da caridade: “pegue lá esta esmola mas não gaste em vinho.”

Sem ilusões, mas responsáveis por nós mesmos, vamos esperar que alguma coisa sobre de útil do festival de gastos. Já o que demos em troca de soberania e democracia, isso vai ser muito difícil de recuperar.»

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24.7.20

Templos, Mesquitas e outros que tais (3)



Templo de Chaukhtatgyi, Buda Reclinado, Bahan, Yangon, Birmânia, 2009.

Este Buda tem 66 METROS DE COMPRIMENTO e 30 de ALTURA. Começou por ficar pronto em 1907, mas sem proporções correctas e com expressão agressiva. A imagem foi destruída em 1950 e a actual consagrada em 1973. Vi vários budas deitados em templos budistas, mas este é certamente um dos mais impressionantes! Pela dimensão que tem, não há distância suficiente para o fotografar devidamente.
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Mas a maioria preferiu o Parlamento dos técnicos e das vírgulas


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Pérola tirada do baú


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Deixem-nos trabalhar



«Ainda me lembro do tempo em que Cavaco Silva punha os pés no Parlamento quando o rei fazia anos. Também se orgulhava de não ler jornais e chamava ao Tribunal de Contas “força de bloqueio”. Ninguém podia dizer que era um homem incoerente: o seu desprezo pelas as instituições democráticas que o pudessem escrutinar era transversal. Infelizmente, Rui Rio tem muitos traços de Cavaco Silva. E António Costa, que governará em crise e com minoria, aproveitou a deixa e agradeceu a sua proposta de acabar com os debates quinzenais. Até porque ele próprio sempre foi contra eles.

Uma das muitas frases que Cavaco Silva gravou na pedra da história foi o “deixem-me trabalhar”. O significado era o mesmo de todas as outras coisas que costumava dizer: quem governa trabalha, quem escrutina faz perder tempo. Foi esta a expressão que Rui Rio repetiu: “O primeiro-ministro não pode passar a vida em debates, tem de trabalhar”. Rui Rio é um Cavaco de Silva sem poder que empresta a sua arrogância política a terceiros. O fenómeno é tão estranho que chega a ser interessante. Provavelmente, é para nos dizer ao que vem.

Além do desrespeito pela democracia, o “deixem-me trabalhar” faz eco de um sentimento muito popular, que vê a política como um mero exercício técnico. Um sentimento que é pai da tecnocracia e filho desse embuste retórico que é a meritocracia. E que muitos jornalistas, justamente indignados com esta decisão, sempre acarinham. O parlamento não serve para escolher os “mais competentes” ou os “melhores”. É bom que sejam competentes e bons, mas a sua primeira função, ao contrário do que acontece com cargos executivos, é de representação. Antes de ser competentes ou bons têm de ser representativos do que é o país. O seu trabalho é esse. E o primeiro-ministro, que só o é porque os deputados o aceitam, verga-se perante aqueles que ocupam a função mais digna da democracia representativa: os que representam o povo. Nunca perde tempo quando a eles responde porque é ao país que responde. Quem não acredita nisto não acredita na democracia representativa.

Os que olham para a política como um mero exercício técnico veem a palavra como uma coisa fútil. “Eles falam, falam, mas não os vejo fazer nada”. Mas, como sabem, “parlamento” vem de “parler” (“falar”, em francês). A palavra é o primeiro trabalho dos deputados. E todos os políticos estão a ela subjugados. A palavra constrói, destrói, faz revoluções e reformas. Porque é por ela que comunicamos e definimos projetos comuns, coisa de que trata a democracia. A palavra é trabalho e todo o político que se furta ela é calão.

Um dos argumentos que vou ouvindo contra os debates quinzenais é a futilidade dos temas que ali se trazem. Que aquele é um momento de “soundbytes”. Se a qualidade do debate é fraca façam por melhorar. Se a palavra é fútil deem-lhe densidade. Mas mesmo os “soudbytes” são política, porque a política tem sempre um lado performativo. Podem ser bons ou maus, com conteúdo ou sem ele. Mas a política não trata apenas dos grandes projetos para o país. A política trata de tudo o que se trata fora dela, seja grande ou pequeno, estrutural ou passageiro. O que não se discutir ali discutir-se-á noutro lado. Nas redes sociais ou nos programas da manhã.

Uma das funções do parlamento é institucionalizar o conflito. E um dos maiores riscos deste tempo é a desinstitucionalização desse conflito. Quem se queixa do “soundbyte” no parlamento é o primeiro a usá-lo no Twitter. Acharão que não faz mal, porque não estão dentro da “casa da democracia”. É o oposto. Os políticos não deixam de ser políticos por fazerem o combate no Twitter. Apenas dispensam as regras do parlamento, com a sua liturgia, para poderem lutar sem luvas. Não julguem que ao retirarem o conflito quotidiano do parlamento dignificam o debate político. Apenas atiram esse debate para outros lados, com menos dignidade. O parlamento pode ficar impecável, a política é que cai mais para a lama.

Uma das funções desta decisão também parece ser a de tirar tempo de antena a novos fenómenos políticos, como o Chega ou a Iniciativa Liberal. E isso talvez ajude a explicar porque nasceu da cabeça do líder de oposição, que é quem está mais pressionado, à direita, por estes fenómenos. Mais uma vez, um equivoco. É nas redes sociais que este tipo de organizações políticas se sente mais à vontade. O Parlamento apenas lhes dá a justa legitimidade democrática. Mas é nas redes que podem simular uma dimensão que não têm. Na Assembleia, valem mesmo os votos que tiveram. Mais uma vez, é sempre melhor institucionalizar o que existe. Se a política é medíocre, o parlamento será medíocre. Não passará a ser melhor se tirarem de lá a política.»

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23.7.20

Templos, Mesquitas e outros que tais (2)



Wat Phra That Doi Suthep, Chiang Mai, Tailândia, 2012.

É um dos templos budistas mais importantes do Norte da Tailândia, que começou a ser construído em 1386 no alto de uma montanha, a pedido do Rei Kuena. Conta a lenda que esse rei tinha uma relíquia de Buda sem saber onde a guardar. Atou-a a um elefante e esperou para ver onde ele a colocava. O elefante subiu a uma montanha, ajoelhou-se e morreu. O rei decidiu então que o templo fosse construído nesse lugar.


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«Obrigada, camarada Rui…



… livraste-me de uma estopada!» 

«O fim dos debates quinzenais com o primeiro-ministro e a sua substituição por sessões a cada dois meses foi aprovado com apenas os votos a favor do PS e do PSD. Mas na bancada socialista 28 deputados votaram contra e cinco (incluindo Pedro Delgado Alves, que presidiu ao grupo de trabalho do regimento) abstiveram-se. Na bancada do PSD sete deputados votaram contra e desafiaram a disciplina de voto imposta.
Estes sociais-democratas juntaram-se assim a BE, CDS, PAN, Chega, Iniciativa Liberal e a Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues, ambas deputadas não inscritas.»
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Serge Reggiani morreu num 23 de Julho



Serge Reggiani morreu em 23 de Julho de 2004 e foi certamente um dos grandes cantores franceses que marcaram algumas gerações, mesmo em Portugal, antes de a língua francesa ir desaparecendo lentamente da vida dos mais novos. Pela interpretação, pelo encanto pessoal, pelo compromisso político, certamente pelos poetas que ajudou a conhecer ao divulgá-los nas letras de muitas canções.

Nasceu em Itália e ainda criança instalou-se com os pais em França para escapar ao fascismo. Começou como ajudante de barbeiro, inscreveu-se no Conservatório com 19 anos, estreou-se no teatro onde contracenou com Jean Marais, entrou em alguns filmes. Passou no entanto rapidamente à clandestinidade na Resistência francesa. Regressou ao cinema depois do fim da guerra, mas foi como cantor que se consagrou, a partir de 1964. Entre muitos outros, cantou Boris Vian, Rimbaud, Prévert e Appolinaire.

Algumas das canções a não esquecer:





E esta, acima de todas as outras:


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O dia em que Rui Rio quer deixar António Costa ir "trabalhar"



«Parece um dia bom para a democracia portuguesa, dizia eu. Mas não é um dia para a celebrar, porque entre os tais 32 projetos há um enorme passo atrás: é a proposta que fará com que o primeiro-ministro deixe de ir prestar contas aos deputados de 15 em 15 dias, passando a ter presença obrigatória apenas de dois em dois meses. Facto: a proposta que abriu caminho é do PSD, maior partido da oposição. Facto: Rui Rio justificou a mudança explicando ao Expresso que é preciso "deixar o primeiro-ministro trabalhar".

Há dois anos, uma investigadora da London School os Economics publicou um raro trabalho onde comparou o modo como os chefes de governo de 32 países prestavam contas aos respetivos Parlamentos. O exercício é desafiante: se assumirmos como bom o argumento de que é preciso "deixar o primeiro-ministro trabalhar", então ficamos a saber que no Reino Unido Boris Johnson mal consegue trabalhar, porque os deputados em Westminster têm quatro mecanismos diferentes de o chamar a responder: um debate semanal (repito, semanal), perguntas de emergência, declarações políticas sobre temas de atualidade (com direito a perguntas da oposição) e até três idas obrigatórias a uma comissão que zela pela transparência.

O Reino Unido não é caso único: em Itália, os deputados também fazem "perder tempo" a Giuseppe Conte sistematicamente, com quatro mecanismos de controlo; no Luxemburgo e Irlanda há três. Na Bélgica, Noruega, Nova Zelândia, Espanha, Islândia e Áustria são dois. Em Portugal, nesta perspetiva, António Costa tinha o privilégio de poder "trabalhar" bastante mais: só uma vez tinha de ir prestar contas ao Parlamento. Podia parecer pouco, mas era de 15 em 15 dias. A partir de hoje, se a proposta que junta PSD e PS for aprovada, será menos penoso: terá de ir responder aos deputados apenas quatro, cinco vezes por ano, muito abaixo de Reino Unido, Irlanda, República Checa e Dinamarca, onde todas as semanas têm lá lugar marcado. E até ficará com mais tempo do que o chefe de Governo da Roménia, que é obrigado a prestar lá contas apenas uma vez por mês.»

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Europa: um marco histórico?



«1. Foi uma maratona longa, turbulenta, acintosa, mas ao cabo de cinco dias lá conseguiram o consenso indispensável para lavrar o comunicado da reunião do Conselho Europeu com suficiente ambiguidade para que cada um pudesse reclamar, no final, a sua fatia de sucesso.

Diga-se de passagem que sempre tem sido assim. De facto, avançando aos solavancos, o projeto europeu foi traçando o seu caminho até aqui, esclarecendo na prática subsequente as imprecisões proclamatórias solenemente assumidas. A mutualização da dívida, apesar de todos os travões e armadilhas congeminadas pelo grupo de países liderados pela Holanda, representa um feito inédito e constitui, sem dúvida, um marco histórico.

2. Contudo, sabemos bem que as divergências exibidas ao longo dessa atribulada reunião são mais profundas e antigas. São expressão da mesma desconfiança e dos mesmos egoísmos que impuseram as políticas de austeridade aos "preguiçosos" do Sul, a indiferença cínica perante as vagas de refugiados e imigrantes, a complacência obscena que aceita a impunidade das violações graves dos princípios democráticos, da separação dos poderes e do Estado de direito, na Hungria ou na Polónia. Testemunho também da espantosa ausência de um mínimo de solidariedade que tivesse garantido, enfim, uma resposta pronta ao pedido urgente de socorro da Itália, em fevereiro, quando o primeiro impacto da pandemia atingiu o continente europeu.

3. Esta já não é a Europa a que aderimos com entusiasmo em 1985, na expectativa de consolidar o regime democrático emergente, de blindar a proteção dos direitos fundamentais e romper definitivamente com o país "orgulhosamente só" - mesquinho, trauliteiro e paroquial - da era salazarista dos "pobrezinhos mas honrados!". Este já não é o tempo cavaquista do "bom aluno" de mão estendida, ávido dos fundos europeus, pronto a substituir os tratores por carros todo-o-terreno e a mandar para as urtigas toda a frota pesqueira, no afã de se transformar rapidamente numa estância exótica de turismo e num espaço qualificado de prestação de serviços.

4. Era um passo inevitável e a hiena financeira dos Países Baixos estava bem consciente disso! Não aceitar a partilha de responsabilidades e condenar metade da Europa ao agravamento incomportável das respetivas "dívidas soberanas" significava precipitar a desagregação imediata de toda a construção europeia. Um risco logo sinalizado pelo eterno regulador: os mercados financeiros internacionais. Foi um "marco histórico"? Sim. Mais propriamente, o "canto do cisne". Outra Europa há de renascer desta terra de ninguém.»

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22.7.20

Templos, Mesquitas e outros que tais (1)



Nikkō Tōshō-gū. Nikkō, Tochigi, Japão, 2006.

Templo xintoísta que se insere num conjunto impressionante de Santuários, que é património mundial da UNESCO. Começou a ser construído em 1617, foi-se expandindo, alguns dos elementos do santuário foram por vezes destruídos parcialmente pelo fogo e reconstruídos ao longo dos séculos.






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Conclusões?


«Outra consequência deste endividamento comum é ele ter de andar em paralelo com o estabelecimento de uma união política. Não só historicamente sempre assim foi (nas cidades renascentistas italianas, os parlamentos desenvolveram para assegurar a contração, gestão e pagamento de dívida pública) como a União terá necessidade de tomar decisões comuns acerca de como recolher estes recursos e como os aplicar. E para tal há que garantir que numa união política todos os Estados respeitem o Estado de direito. Daí que a cimeira dos últimos dias tenha acabado por dar um passo importante num outro tema que os leitores habituais desta crónica conhecem bem: como garantir que os valores consagrados logo no artigo 2 do Tratado da União Europeia — democracia, estado de direito, direitos humanos — são respeitados em tudo o que a União e os seus Estados-membros fazem? Desse ponto de vista, ainda bem que não levou vencimento a posição de António Costa na semana passada (mas não do governo português, aparentemente) de que se deveria desligar valores e dinheiros. Não só não se devem desligar valores e dinheiros como não se devem desligar valores e nenhum outro programa da União. O problema foi o Conselho ter empurrado com a barriga a questão dos valores da União até ao momento em que foi preciso unanimidade para decidir de dinheiros. As conclusões acabaram por ficar com uma formulação atenuada mas suficientemente clara para dizer o seguinte: terá de haver uma proposta de condicionalidade para o orçamento e o fundo de recuperação ligada aos valores do artigo 2 e essa não pode ficar dependente da unanimidade.

Orbán bem pode proclamar vitória por o assunto não ter ficado ainda fechado, mas a verdade é que agora depende da nossa pressão sobre as presidências alemã e portuguesa que esse mecanismo de defesa do Estado de direito se vote, depressa e forte. E temos de garantir que Portugal tenha um papel ativo nesse campo.»

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Estão a rir porquê?



Porque convenceram todos de que tinham conseguido vitórias?
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Que mil troikas floresçam




Desde ontem, quase só ouvimos gritos de vitória e de felicidade pela «fortuna» que vamos receber da UE e o Tio Patinhas que temos sempre no horizonte esfregou as mãos de contente. Mas trago más notícias ao aconselhar que leiam o que escreveu Daniel Oliveira:

«Enquanto o Conselho destruía qualquer ideia de solidariedade entre Estados, voltando a sublinhar a distância entre as ilusões que muitos têm sobre a União e a realidade, um outro dossier está prestes a ser fechado: o quadro financeiro plurianual, que vigorará até 2027. Sem reforço orçamental nem redistribuição de encargos, Portugal terá, em plena crise, um corte nos fundos de coesão. Porque os custos da perda de receita pela saída do Reino Unido não foram distribuídos com critérios de coesão. Coesão é um palavrão do passado. A União, hoje, é mais mata-mata. Mas houve reforços de verbas: no controlo de fronteiras, para agradar à extrema-direita, e na defesa, dinheiro que vai direitinho para a indústria alemã e francesa.

A coisa não fica por aqui. Ao desconto (rebates) que 2,9 mil milhões de euros que quatro países do norte – chamar-lhes “frugais” é comprar a sua própria narrativa, baseada numa mentira descarada – já tinham conseguido em relação ao que deveriam ter de pagar, conquistaram, no Conselho Europeu, mais mil milhões. Foi um dia em cheio.

Mas o episódio mais lamentável foi mesmo a conclusão da negociação do Fundo de Recuperação. Os autodenominados “frugais” conseguiram impor a sua vontade e ela será um importante prego (mais um) no caixão que está a ser velado em Bruxelas. Bem sei que há negociações e depois chega-se a um meio termo. Mas não se chegou a meio termo nenhum. Chegou-se a meio termo nos valores, não no essencial.

A Holanda e aliados conseguiram uma vitória impensável: não só haverá condicionalismos na distribuição de dinheiro que pretendia responder a uma emergência, como a sua imposição ficará está nas mãos de uma minoria. O “supertravão” às transferências poderá ser acionado por qualquer país que ache que outro, na sua ótica (e nos seus interesses, obviamente), não cumpre os objetivos E só uma maioria qualificada (não chega uma maioria simples) pode aprovar essas transferências. O que quer dizer que, à boleia da pandemia, uma minoria de Estados – e não a Comissão – ganhou o poder formal de determinar políticas de cada Estado. Está preparado o caldo para o caos e a desagregação. A Holanda venceu em toda a linha, como nunca imaginou que venceria. Agora sim, gostava que António Costa tivesse falado grosso.

Isto é muito pior do que em 2011. Em vez da troika, em vez do FMI, da Comissão Europeia ou do BCE, que por pior que sejam são estruturas transnacionais, cada país ganhou uma arma de chantagem, que só será eficaz contra os que estão em situação mais difícil, não podem dispensar estes apoios e não têm peso político no conselho. É o último ato de um processo de subalternização quase colonial de uns Estados em relação a outros. No meio de uma pandemia. Nem no meu pior pessimismo alguma vez pensei que a UE se pudesse tornar em coisa tão grotesca.

Quem defenda isto em Portugal escusa de vir, noutros momentos, falar do glorioso passado do país. É na defesa do presente e do futuro que se mede o patriotismo. Por ignorância (os sinais de impreparação têm sido demasiado frequentes) ou má-fé, Rui Rio veio defender, ainda na fase negocial, a posição dos ditos “frugais”. Ao que parece, acha bem que sejam os outros a decidir o que se faz em Portugal. Como não governa nem faz imposição, esperam que países estrangeiros façam as duas coisas por si. Se outros, concentrados nos seus próprios interesses, nos impuserem regras que nos sejam prejudiciais, lá virá responsabilizar o governo pela situação em que estamos. A pergunta que sobra: se é assim que querem, faz sentido continuarem a defender que Portugal seja um país independente?

A ideia de que as regras que serão impostas têm como objetivo o bom uso do dinheiro e não os interesses específicos de quem as impõe é de tal forma infantil que qualquer pessoa que a defenda não cumpre os mínimos de maturidade política para governar um Estado. A Holanda é tão ciosa do bom uso do dinheiro dos outros países que até fica com os impostos deles para não os estourarem com mulheres e vinho. Pôr uns Estados a decidir onde outros investem é péssima ideia. Porque concorrendo uns Estados com outros que tiver essa possibilidade irá tentar travar investimentos de competidores que ponham em risco a sua supremacia. A expansão de um porto que concorra com o de Roterdão, a recuperação de um setor que compita com o de um dos países com força política. É por isso que estas coisas mais específicas costumam ser decididas na Comissão. Ou não aprenderam nada com a história da abertura das fronteiras?

Para os inocentes que não perceberam que o cumprimento das regras do Estado de Direito apareceram nas negociações para mais do que a barganha negocial, deviam perguntar-se porque mostra esta preocupação líderes políticos que nem se deram ao trabalho de expulsar Órban do PPE. Costa não o devia ter dito, porque Órban devia não merece defesa de ninguém, mas é evidente que não é na transferência de fundos que isto se resolve. É na expulsão da Hungria da União Europeia. Pôr isto no debate teve como única função, para quem tem vivido muitíssimo bem com o regime húngaro nestes anos, arranjar mais um argumento para dar poder de chantagem a uma minoria.

O que foi acordado neste fim de semana foi pior do que não haver acordo e deveria ter sido bloqueado até novo Conselho. Como escreveu Martim Silva, a “bazuca foi um tiro no pé”. Foi mais um passo para a destruição do projeto europeu. Mas uma coisa ficou provada: quatro países podem impor a sua vontade à Alemanha e França. É preciso quererem muito. A Holanda, que é de longe o país que mais ganha com o mercado interno e o euro, construiu uma narrativa interna que já não permite que a opinião pública aceite qualquer tipo de solidariedade europeia. E conseguiu derrotar o eixo franco-alemão. Disse-me um grande e falecido amigo, já há uns bons anos: desta União, não voltaremos a ter boas notícias. O poder que derruba o mau é sempre pior. A isso dá-se o nome de decadência.»

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21.7.20

StayaWay?



Eu não sei o que é a Associação D3 -- Defesa dos Direitos Digitais, mas aqui fica este parecer:

«Em comunicado, a D3, além de destacar a sua "profunda preocupação e apreensão pela falta de transparência no seu desenvolvimento", sublinha "as consequências implicadas pelo uso generalizado de uma solução tecnológica, com eficácia não comprovada e com muitas dúvidas por responder".

"O Governo português está a apoiar oficialmente uma aplicação (app) que enviará informação para a Apple e Google, sem qualquer acordo com estas empresas para assegurar que os dados de utilização da app não vão ser utilizados para outros fins. Exigimos outro respeito pela integridade dos dados dos cidadãos, particularmente num momento em que muitos se aproveitam da instabilidade atual. Não é aceitável que estas duas gigantes possam ser partes fundamentais de um mecanismo de saúde pública, sem qualquer transparência pela forma como operam", referem.»
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Decide quem manda e quem espera vir a mandar



Ter de ir de quinze em quinze dias à AR, ser interpelado pelos outros e, ainda por cima, com o povo a ver pela TV, é mesmo uma chumbada!


«PS e PSD aprovaram, em votações indiciárias, a proposta socialista que prevê que os debates com o Governo passem a ser mensais com a alternância entre o primeiro-ministro e membros do executivo em plenário, o que levará a que António Costa só tenha de ir ao Parlamento uma vez a cada dois meses. O PSD concordou com a proposta por ser próxima da sua. BE, PCP, CDS, PAN, Iniciativa Liberal e Joacine Katar Moreira votaram contra.»
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Da Índia, com dedicatória aos privilegiados como nós




«Com mais de um milhão de casos oficiais e quatro dezenas de milhares de novos casos reportados diariamente, a Índia é um dos país onde a epidemia enfrenta uma situação especialmente crítica. As medidas tomadas para a enfrentar poderão ter contribuído para agravar uma situação sanitária que normalmente já não é boa nos hospitais públicos.

Segundo um funcionário de saúde explicou à indiatvnews, "como a cidade está novamente em confinamento desde 15 de julho, trabalhadores não têm aparecido no serviço diariamente para manter as instalações livres de cães e de porcos, os quais andam pelo hospital às vezes à procura de comida".»
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Ao Pingo Doce sabe bem pagar tão pouco



«Um acordo europeu para medidas de urgência de resposta à crise (se existir) não é um ato de "solidariedade" e quem assim o apresenta apenas alimenta uma caricatura: transferências do grupo "frugal", liderado pela Holanda, para os "esbanjadores", que Portugal integra.

A ideia da "solidariedade" é errada, em primeiro lugar, porque a UE tem capacidade para financiar um ambicioso plano de recuperação através do BCE, sem exigir qualquer outra transferência entre países.

Em segundo lugar, porque o que os países europeus precisam é de instrumentos para lidar com a crise. A integração europeia eliminou e/ou centralizou esses poderes (como a emissão de moeda) e agora os "frugais" sequestraram-nos. Aos países que necessitem de financiamento, querem impor um programa liberal-autoritário, mesmo se essa não foi a escolha democrática dos seus povos. Uma espécie de servidão por dívida, já não à troika mas agora à Holanda (o que não parece desagradar a direita em Portugal, a julgar pela palavras de Rui Rio). Não deixa de ser irónico que o projeto europeu seja posto em xeque por governos da família socialista, mas esse sempre foi o prognóstico de quem, à esquerda, criticou a UE: uma Europa que, uma e outra vez, falha aos seus povos está condenada ao fracasso.

A ideia de um acordo europeu como ato de solidariedade é, finalmente, errada porque a "frugalidade" que tornaria os Países Baixos moralmente superiores é obtida à custa dos impostos que deveriam ser cobrados em outros países europeus. Todos os anos, o paraíso fiscal holandês cobra 10 mil milhões de impostos sobre os lucros que são desviados dos restantes países da UE. Um regime que nenhum país bloqueia, devido à livre circulação de capitais na UE, e que não é alterado porque os Países Baixos têm o poder de vetar legislação fiscal a nível europeu. Se considerarmos que a contribuição líquida dos Países Baixos para o orçamento europeu é de 4,9 mil milhões, o nosso parceiro "frugal" do centro da Europa é afinal financiado anualmente em 5 mil milhões de euros por estados como Portugal, que veem essa receita desaparecer das suas contas públicas.

Esta hipocrisia é a mesma que, ao longo dos tempos, serviu as maiores empresas portuguesas: ao mesmo tempo que exigiam em Portugal leis e regras à medida dos seus interesses, não hesitaram em registar as suas sociedades em Amsterdão. Entre elas estão todas as maiores da Bolsa portuguesa. Em período de crise, o que se pede a essas empresas não é solidariedade. É apenas decência: mudem as vossas sedes para Portugal e paguem cá os vossos impostos.»

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20.7.20

Vidas antes desta Covida (1 - 16)


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Sondagens Legislativas



Foram divulgadas hoje, uma da Aximage e outra da Intercampus. Nada de especialmente inesperado, mas há que registar algumas diferenças entre os resultados apresentados pelas duas empresas.
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20.07.1969 - A Lua


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Descentralizar, diferenciar e comunicar na resposta à covid-19



«Ao terminar mais uma sessão no Infarmed, a 8 de julho, o Presidente da República incluiu na sua síntese final o seguinte: "É o fim de um ciclo. Este é um modelo que tem de ser ajustado. Ou seja, Portugal vai evoluir de um modelo macro para micro, que incidirá mais sobre os concelhos, as freguesias ou até os bairros." Nada mais acertado. Mas com mais de dois meses de atraso.

A resposta à pandemia que levou ao confinamento, em meados de março, foi, inevitavelmente, centralizada, generalizada e normativa, seguindo um modelo de comando central de emergência de saúde pública, obrigando à obediência. Em contraste no "pós-confinamento geral", complexo e prolongado, haveria que descentralizar, diferenciar e promover a decisão informada por parte de todos, incluindo os cidadãos.

Esta transição requer uma clara rutura com a forma e o conteúdo da informação assumida durante o confinamento. Já não será a diária e fatigante repetição dos somatórios, médias e acumulativos nacionais, agora de reduzido interesse. Passará, necessariamente, a estar focada na comunicação dos riscos locais de infeção e nas respostas que estes suscitam.

H. Bauchner escreve em JAMA, junho 2020: "As perceções e decisões das pessoas em relação ao risco associado à covid-19 dependem, pelo menos, da resposta às perguntas seguintes: como está a transmissão da doença na comunidade onde me movimento? Qual o risco de exposição a essa doença que assumo? Como se responde a essa exposição ao vírus?" Neste contexto, diz a OMS em relação à abertura das escolas - não deve fazer-se se houver transmissão da doença na comunidade onde a escola se situa. Especialmente nesta situação, há que ter consciência da complexidade da comunicação do risco quando estão envolvidos, simultaneamente, vários atores sociais.

Um dos melhores exemplos vem da Nova Zelândia, onde, desde há muito, o território é mapeado com quatro níveis de alerta associados à avaliação dos riscos de transmissão da doença: nível 4 (transmissão na comunidade); nível 3 (clusters e transmissão ocasional na comunidade); nível 2 (só clusters); nível 1 (sem transmissão, com o vírus ainda circulando internacionalmente). O foco é claro: saber se existe ou não transmissão num determinado território e se esta se processa na comunidade de uma forma sustentada. Ou seja, se se pode "apanhar" a doença sem saber onde. Esta abordagem tem óbvias vantagens na fase do pós-confinamento geral:

- Põe-se o foco, precocemente, na transmissão da doença, nos riscos inerentes e na diferenciação local e não noutras considerações de lógica menos aparente (calamidade, contingência e alerta). A indisponibilidade para reconhecer a importância da diferenciação local só foi "quebrada" a partir da situação observada na Área Metropolitana de Lisboa.

- Faz-se em todo o território nacional - em Portugal, excetuando a situação na região de Lisboa, o país está classificado de forma uniforme como em estado de "alerta". Isto apesar de múltiplos outros focos, como o de Reguengos de Monsaraz, onde há transmissão comunitária.

- Uma vez adotada uma "geografia" com base nos níveis de risco, cada um destes níveis tem predeterminadas as respostas necessárias. Isso torna desnecessários dispositivos políticos de decisão para cada novo incidente na evolução epidemiológica. Assim se evitam também atrasos arriscados.

- A propósito da resposta de um surto em comunidades contíguas, no norte de Espanha, onde contrasta a resposta pronta em Aragão com o atraso de uma semana na Catalunha, com custos visíveis, comenta Fernando Garcia, da Universidade Pompeu Fabra: "É algo que requer uma dose justa de sensibilidade, músculo e inteligência. Não se podem ir confinando comunidades aos primeiros incidentes observados, mas fazê-lo tarde de mais resulta em situações difíceis de controlar" (El País, 12 de julho 2020).

- A informação centrada no "risco local" permite decisões inteligentes localmente, quando adaptada às múltiplas circunstâncias da comunidade. Decisões inteligentes são boas para a economia. Confinamento excessivo por falta de informação local relevante, não é bom para a saúde nem para a economia.

As dificuldades observadas podem também estar relacionadas com um equívoco óbvio - o de se terem confundido, durante demasiado tempo, duas necessidade distintas: por um lado, a da informação e comunicação entre técnicos qualificados e representantes do poder político, iniciativa de mérito indiscutível; por outro, o processo, inexistente, de aconselhamento científico sistemático, transparentemente regulado, independente do poder político, para uma estratégia de saúde pública para "pós-confinamento geral".

Esta é precisamente a altura para refletir sobre estas limitações. Nunca antes, na saúde pública moderna, se confinou e desconfiou massivamente. Há que avaliar e aprender. Tanto mais que estamos no limiar de um novo ciclo de acrescidas dificuldades: a abertura das escolas, as tentativas de regresso das pessoas ao seu SNS e as situações de saúde próprias do outono-inverno.»

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20.07.2020 / 00:59 – EUROPA?


Vou dormir. Amanhã é outro dia.

#HáMaisMundoParaAlémDestaTristeMantaDeRetalhos
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19.7.20

Vidas antes desta Covida (16)



Num país que gosta muito dos seus elefantes, antes da boda os noivos vão em passeio até à praia, Beruwela, Sri Lanka, 2011.
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19.07.1975 – O PS na Fonte Luminosa



No dia 19 de Julho, o PS organizou a famosa manifestação da Fonte Luminosa – marco importante na história d Verão quente de 1975.

Foi António Guterres que organizou o comício, no qual intervieram vários dirigentes socialistas, sendo Salgado Zenha o penúltimo e Mário Soares a encerrar, com um discurso violentíssimo contra o PCP e o governo de Vasco Gonçalves. No blogue, alguns excertos desse discurso, num post de 2018, que pode ser lido AQUI.
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Sobrevivência...


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As máscaras da Europa



«Não há grandes segredos. Verdadeiramente, no final é sempre uma questão de quem detém e distribui o capital. Poucas vezes a construção europeia, da solidariedade e do Estado de direito, do Estado social, da união entre povos e culturas, de conquistas civilizacionais únicas, esteve tão à prova como agora.

Os sinais são preocupantes, agigantam-se e não são recentes. Refletem-se, também, num desalento dos povos, que cada vez menos se reconhecem nas decisões burocratas de Bruxelas, da renitência empedernida de governos contabilistas, tendo como sintomas mais evidentes o crescimento dos populismos e dos extremismos.

O Conselho Europeu, onde se discute a resposta económica após a crise da covid-19, parte este domingo para a terceira ronda como começou. Dividido entre os países do Norte, os chamados frugais, e os do Sul, sem nome de registo, porque pelo menos há agora o pudor de não apontar o dedo aos gastadores, os do bom vinho, das mulheres bonitas e do modo de vida, esse sim, pior do que frugal quando se olha para os números e para a realidade: salários abaixo da média europeia, milhares de famílias dependentes das redes familiares e sociais, condições de vida precárias.

A pandemia que nos assaltou a todos agravou as diferenças sociais, entre quem resiste e quem mal subsiste. É esse o ponto que está em cima da mesa. A impassividade perante a pressão dos governos do Sul, numa frente que juntou Portugal, Espanha, Itália e França, sem que a visão da chanceler alemã ou da comissária europeia, ambas ainda a segurarem o que resta dos laços de interajuda comunitários, consiga evitar o risco de empurrar um acordo para outubro. Tarde, provavelmente demasiado tarde como depressa se verá na subida dos juros das dívidas soberanas.

O que está em cima da mesa não é muito mais do que a diferença entre ajudar sem exigir contas e apoiar com um caderno de encargos violento, à semelhança do que sucedeu durante a intervenção da troika. Mas hoje é o dia do Senhor. Pode ser que recebam alguma iluminação. A bem de todos nós.»

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