24.5.08

Mães marroquinas e morangos espanhóis















A história conta-se depressa. Todos os anos, 12.000 mães marroquinas atravessam o estreito de Gibraltar para apanharem morangos em Espanha. Elas agradecem, os agricultores andaluzes também e os governos dos dois países enquadram a iniciativa.

Porquê mulheres, porquê mães? Porque são «mais fiáveis» e «mais dóceis» do que os homens e, sobretudo, porque se sabe que, terminada a tarefa, não tentarão ficar em Espanha. Regressarão para junto das suas crias. Esperando-se que as lambam como animais, se preciso for.

«Luta eficaz contra a imigração», chamam-lhe alguns. Terríveis habilidades da globalização, que tratam a mão-de-obra necessária – de pessoas, não de robôs nem de animais – como absolutamente descartável.

Não foi certamente este o mundo que esperámos para o século xxi, aquele com que sonhámos, na Europa e às suas portas. Mas ele aí está, civilizadamente e com uma enorme crueldade. Resta-nos pregar, militantemente, a indignação. Sendo realistas e continuando a tentar o que parece impossível.

23.5.08

Voos

É por estas, e também por outras, que gosto de Ana Gomes.

Maio de 68 e os seus ícones

Num número do N.O. de Maio de 1968, uma entrevista a Herbert Marcuse. Declarações datadas, certamente, mas como tal importantes.

«HM - En bon citoyen je n'ai jamais prêche la violence. Mais je crois très sérieusement que la violence des étudiants n'est que la réponse à la violence institutionnalisée des forces de l'ordre. (...)

Les étudiants ne sont pas pacifistes, pas plus que moi. Je crois que la lutte demeure nécessaire, plus nécessaire que jamais, peut-être, si un nouveau mode de vie doit devenir possible. Les étudiants voient en «Che» Guevara, en Fidel Castro, en Hô Chi Minh des figures symboliques qui incarnent la possibilité non seulement d'une nouvelle voie au socialisme, mais aussi d'un nouveau socialisme exempt des méthodes staliniennes».


Quando Che Guevara voltou ontem a Cannes, num filme de 4h30, recebido de modo desigual pela crítica (1 e 2).

boomp3.com

22.5.08

Obscurantismo militante












A propósito do 30º aniversário da lei italiana sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, Roma não desarma. O Osservatore Romano de hoje traz, entre outras, estas lapidares e extraordinárias afirmações:

«Os progressos médicos dos últimos trinta anos, sobretudo no que diz respeito à possibilidade de serem identificadas doenças ou malformações no feto, mudaram profundamente a aplicação da lei 194, tendo como resultado a transformação do aborto terapêutico numa praça de selecção eugenética.»

E ainda:
«A liberalização do aborto está historicamente ligada à instauração de dois sistemas totalitários nefastos: primeiro o soviético, depois o nazi.»

E eu acrescento:
Algumas das posições mais obscurantistas e mais nefastas sobre questões fulcrais para a humanidade, na segunda metade da século xx e neste início do xxi, ficarão para sempre historicamente ligadas à santa madre igreja católica.

21.5.08

Sem Henin

Até que enfim! Há vários dias que estava à espera deste post! Por estas paragens, só nós duas é que vamos sentir a falta de Justine Henin, Miss Woody.

O resto do mundo estará a ver, horas e horas por dia, vinte e dois rapazolas e alguns senhores com apitos e bandeirinhas. Com uma bola, sim, mas enorme, feiíssima, às caneladas, sem raquetes - e sem sossego.

Variação juvenil?














Comecei ontem a ler A Fenda, o livro que Doris Lessing publicou em 2007 (*). Não resisto a transcrever parte da página introdutória:

«Num artigo científico recém-publicado, foi apontada a probabilidade de a estirpe humana básica e primordial ser feminina e de o aparecimento dos homens ser mais tardio, à semelhança duma reflexão cósmica posterior. Não acredito que este tenha sido um advento isento de problemas. Esta ideia foi como um grão para uma mó já em actividade, pois eu vinha a perguntar-me havia tempos se os homens não seriam um género mais jovem, uma variação juvenil. Falta-lhes a solidez das mulheres, que parecem ter sido dotadas duma harmonia natural com as coisas deste mundo. Creio que a maior parte das pessoas concordaria com isto, pese embora a dificuldade de se chegar a uma definição. Os homens, em comparação, são instáveis e erráticos. Estará a Natureza a querer fazer alguma experiência?»


Vou ler o resto: estou curiosa, muito curiosa...


(*) Editorial Presença, Lisboa, 2008, 212 p. Recensão de Eduardo Pitta aqui.

20.5.08

Maio de 68 - Sartre e Cohn-Bendit




Num número do Nouvel Observateur de Maio de 68, «L’imagination au pouvoir»,uma longa conversa de Jean-Paul Sartre com Daniel Cohn-Bendit.

Heroicidades














Karoline Mayer , uma alemã nascida em 1943 e que vive no Chile desde 1968, acaba de publicar uma autobiografia initulada «El secreto siempre es el amor».

Membro de uma congregação religiosa, enfermeira, adepta da Teoria da Libertação, conhecida como «a madre Teresa da América Latina», trabalha há quarenta anos junto dos mais pobres e criou, em 1990, uma fundação que presta assistência a mais de 28.000 pessoas.

Teve de enfrentar Pinochet depois de ter recusado um lugar que lhe foi oferecido num ministério e acabou por ser presa. Experimentou também a hostilidade das autoridades eclesiásticas, incluindo as da sua própria congregação, que veio a abandonar.

No livro agora publicado, refere-se a uma visita que o então cardeal Ratzinger fez à sua comunidade, por ocasião de uma visita ao Chile, em 1988: «Cuando esperábamos escuchar de él un discurso cristiano, enraizado en los evangelios, se descolgó recordando que aquel día era la festividad del santo emperador Heinrich II y de su esposa Kunigunde».

E, vinte anos mais tarde, diz sobre o mesmo Ratzinger, agora na versão Bento XVI:
«Mi hermano el Papa no sabe lo que es trabajo pastoral.»

E ela lá continua o seu - na área da saúde, na formação de crianças e de jovens, na reabilitação de toxicodependentes. Há quarenta anos.

19.5.08

O Costa, o Rio e o sexo


ADENDA (*)


















Não sei se chegará a ser uma polémica, mas, desde ontem à noite, que leio, em vários blogues (nem fixei quais), louvores a António Costa porque abriu as portas da Câmara de Lisboa para receber e felicitar o Sporting por ter ganho a Taça, como contrapartida para recordar querelas entre Rui Rio e o FCP e dizer mesmo que ele, Rio, deveria cobrir a cara de vergonha perante o exemplo de Costa. Até houve quem aproveitasse para acusar Pacheco Pereira nem sei de quê (nem interessa, fica sempre bem acusá-lo de qualquer coisa), só porque é amigo de Rui Rio. Haja deus!

Que isto é país de futebol, e ontem um dia especial, tudo bem: deu-me jeito percorrer Lisboa deserta e até dei os parabéns a alguns clorofilinos.

Não esperava era ler hoje, logo pela manhã, que «Quatro em cada cinco portugueses prefere praticar sexo a assistir a um jogo de futebol».

Ora bem: então não estavam todos a ver o jogo?

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(*) Parece que sete em cada dez espanhóis preferem futebol a sexo.
E há ainda quem duvide da nossa identidade nacional – real ou nas respostas a sondagens.

18.5.08

Como quase sempre ao Domingo

... a crónica de Nuno Brederode Santos, no DN, hoje sobre as eleições no PSD :

«Quando a semana fez a sua entrada em cena, podia sentir-se essa brisa fugidia e leve que a esperança cívica sempre traz consigo. Eu senti-lhe o perfume, no meu vasto latifúndio urbano: vinha da hera molhada, por detrás das duas promissoras buganvílias, e volteava em meu redor sem peso nem insistência. Uma visita educada, portanto.

Ela acorre sempre que o cidadão se livra de um constrangimento intolerável. E era o caso. Jardim tinha acabado de dizer o que só ele ainda não tinha dito: que não tinha apoios no Continente para poder avançar. (...)

O certo é que, definidas as candidaturas, podíamos deixar Santana improvisar programas de Governo, Passos Coelho arriscar o neoliberalismo em concessões às mais confusas tradições doutrinais do partido e Ferreira Leite tornar-se agora social (numa perigosa consonância com Cavaco, que, esperemos, não redunde já em vice-versa) – e sentarmo-nos a assistir. Para o efeito, comprei até um frasco de tremoços. Directas
obligent e o PSD não canta sozinho esse fado. Apenas canta pior».

Cavaco e os jovens, ainda

De Alberto Gonçalves, no DN de hoje:

«Não tarda, a politização dos petizes exigirá submetê-los a leituras da Constituição após os 36 meses de vida, à contemplação obrigatória do Canal Parlamento após os dezoito e à inscrição dos fetos em organizações de carácter interventivo e social até aos seis. O parto poderia decorrer nas sedes concelhias dos partidos, aliás uma resposta definitiva ao sumiço das maternidades.

Assim, e só assim, o país estará apto a produzir gerações jovens conscientes e esclarecidos, que se levam completamente a sério, dizem "atempadamente" sem um pingo de ironia e tendem a lamuriar-se junto dos crescidos com interessante insistência. Face a isto, apenas não se percebe a razão do corrente barulho em volta de crianças desaparecidas, maltratadas ou retiradas à força dos pais biológicos e adoptivos. O futuro que o professor Cavaco promete às crianças restantes não é mais radioso».