21.12.24

Pedagogia realista

 


Martim Moniz, a fotografia do ano.

 

Esta foto amadora será a foto portuguesa do ano. Porque marca um caminho, uma escolha, um estado de espírito. Não é quando o ódio chega ao poder que nos devemos assustar. É quando deixa de parecer ódio e o poder se chega a ele. A resistência começa agora. Eles já ganharam. Não há qualquer cordão sanitário. E quanto mais tempo demorarmos a percebê-lo mais cúmplices seremos. Acabou a tolerância com os que acreditam que ceder é o caminho. Chega!

Daniel Oliveira no Facebook

Algures na Rota da Seda

 


Eu vi isto. Mas as Fotografias que tirei são mais modestas...

«A Muralha da Cidade de Khiva, localizada no Uzbequistão, é uma fortificação histórica em torno da antiga cidade de Itchan Kala, a cidade interior de Khiva.

Construída principalmente nos séculos XVII e XVIII, a parede é feita de tijolos de lama e tem aproximadamente 8 a 10 metros alta com um perímetro de cerca de 2,2 quilómetros. Possui inúmeras torres e bastiões, fornecendo uma defesa estratégica contra invasores.

O design arquitetónico do muro reflete a rica herança cultural da região e contribui para o status de Khiva como Património Mundial da UNESCO... Créditos: Nós amamos Alienígenas Antigos,»


Carlos do Carmo

 


Seriam 85, hoje.



Para dar “visibilidade” à lei e à ordem, como diz o primeiro-ministro?

 


«“Visibilidade?” Certamente. De que há em Portugal pessoas que vivem e trabalham e que não têm a cor certa, não têm a religião certa, não vestem como nós, não têm os nossos costumes e que não falam ou falam mal português. E que, ao não ser isto tudo, dar “visibilidade” a essa gente estranha é criminoso. Uma rua inteira cheia de “monhés”, “banglas” e nepaleses e resultou “na detenção de duas pessoas e na apreensão de quase 4000 euros em dinheiro, bastões, documentos, uma arma branca, um telemóvel e uma centena de artigos contrafeitos” (o que em qualquer feira do país é fácil de apanhar). Os 4000 euros não se sabe muito bem de quê. Para uma rua inteira, é pouco e eu conheço muitas ruas em Lisboa em que seria possível apanhar o mesmo, ou muito mais, dependendo do sítio, e se acrescentássemos Cascais, então estaríamos a falar de centenas de milhares de euros. E se a operação se estendesse a algumas sedes partidárias, então haveria mais bastões.

Pode-se e deve-se falar de insegurança, real e de percepção, pode-se e deve-se falar de emigração, legal e ilegal, sem vir logo com o anátema do Chega. Aliás, um dos erros crassos da esquerda é não defrontar esses problemas, eliminando-os logo como sendo de mera percepção, o que em si mesmo deveria merecer atenção e cuidado. As estatísticas são apenas um lado da questão e pouco valem em muitos bairros da cidade. A esquerda esquece que muitos dos que sofrem mais com a insegurança gerada, por exemplo, pelo tráfico de droga, pela existência de gangues, de formas endémicas de violência associadas ao controlo de territórios, e pela participação criminosa de emigrantes, brasileiros, de gente do Leste, de chineses, de africanos já nascidos em Portugal, são os mais pobres, os mais excluídos, os que vivem em bairros onde tudo é perigoso, para si mesmos e para a sua família, os seus filhos em particular.

E a esquerda também esquece que, se há um problema de percepção da criminalidade, acima da criminalidade real, isso se deve a que as cidades estão cada vez mais agressivas, os transportes cada vez mais demorados, as ruas com o caos do trânsito mais cansativas e perigosas, e no convívio entre pessoas há cada vez menos educação e um trato mais hostil. E deve-se a que há menos dinheiro, mais facilidade na distracção pelo vazio, menos saber e conhecimento, e que todos dispõem hoje de instrumentos que destroem a sociabilidade, e são usados para o controlo de proximidade, como os telemóveis.

A operação do Martim Moniz foi feita para este mundo de insatisfação, ressentimento, culpabilidade dos outros, de medo. É por isso que, no caso das pessoas encostadas à parede na Rua do Benformoso, neste caso, o Governo do PSD e CDS comportou-se como o Chega, em ideologia, em política, em racismo e actuou como o Chega. Ora Chega já basta um.

Eu respeito as diferenças, ideológicas e políticas de religião e de cor. Combato, nas diferenças de costumes, a menorização da mulher no mundo muçulmano, a excisão feminina e a retirada das meninas das escolas logo que chegam à puberdade para se casarem, no caso dos ciganos. Isso deve ser combatido sem complacência, como a violência doméstica entre caucasianos brancos. Mas se se quer falar de crimes, quando é que são encostados à parede os que vivem do emprego ilegal, pagando salários de miséria, sem quaisquer direitos laborais, os que obrigam a trabalhar em condições extremas em temperaturas altíssimas nas estufas, os que exploram esse proletariado da bicicleta que atravessa as nossas cidades com mochilas de alimentos a qualquer hora do dia ou da noite?

Desses emigrantes há muito quem goste porque vive de os explorar. E sentam-se nas mesas das altas negociações com o Governo em nome da “modernização da agricultura” ou do turismo, e são recebidos com todos os salamaleques, que por acaso é uma palavra de origem árabe. Ou os que nunca mais permitem a construção de uma mesquita no Martim Moniz para atirar os muçulmanos para mesquitas ilegais em apartamentos onde grassa o fundamentalismo, ou que os obrigam a orar na rua, para ainda acentuar mais o medo da ignorância.

Para um partido como o PSD, cujo fundador unia duas influências dominantes, a da doutrina social da Igreja e a da social-democracia europeia, é uma mancha de vergonha. E podem ter a certeza, agora que se divertem com a simplificação de achar que a divisão esquerda-direita é a que separa críticos da operação e seus apoiantes, que então a Santa Igreja Católica Apostólica Romana estaria aqui bem do lado da esquerda, se se dessem ao trabalho de ler o Catecismo da Igreja Católica ou, no PSD, de lerem o seu Programa original, a sua concepção humanista da pessoa humana, a quem esta fila de “banglas”, “monhés” e nepaleses encostados às paredes provocaria repugnância e denúncia.

E deveriam perguntar-se: se fosse eu a caminhar pela rua, teria sido encostado à parede e revistado?»


20.12.24

Ponche, porque não?

 


Taça de ponche Arte Nova com colher e copos originais, de cobre platinado e esmaltado. Cerca de 1903.
Provavelmente alemão.

Daqui.

20.12.1973 – «… más alto que Carrero Blanco!»

 


«Arriba Franco, más alto que Carrero Blanco!» – dizia-se em Espanha, há 51 anos.




.

Já nem ri , nem vê imagens do Martim Moniz

 


Encostados à demagogia

 


«Com a conivência e a análise do Ministério Público e a natural cobertura da lei, ponderadas que foram as variáveis e os diversos indícios, a decisão de fazer uma “operação especial preventiva” no Martim Moniz, em Lisboa, torna a fractura social ainda mais exposta. A narrativa anti-imigração ganhou força pela colagem do centro-direita ao discurso maniqueísta da extrema-direita e, agora, substantiva-se numa operação policial em que encostam cerca de 30 pessoas à parede para encontrar uma arma branca. É assim que erguemos um muro.

A presença massiva de armas é, habitualmente, uma das mais fortes razões que sustentam a autorização judicial destas operações policiais. A construção da narrativa podia até ter sentido um abalo ao saber-se que o único detido tem nacionalidade portuguesa. Mas nem isso. A confrangedora demagogia racista do discurso anti-imigração ganhou pela acção e não pela cura dos resultados. Falar em prevenção numa operação deste calibre, onde dezenas de pessoas são encostadas à parede pelo lugar, pela desconfiança e pela cor da pele, é um atestado inqualificável de como fazer tudo ao contrário, menorizar a justiça e sair pela porta dos fundos. Um protótipo de racismo de Estado, pelo que obsceno é pouco.

O efeito dissuasor é muitíssimo questionável, sobretudo porque se percebe que há uma tentativa de criar uma história que acaba por se consubstanciar em muito pouco, quando há tantas outras formas de tratar questões tão sensíveis como estas. Uma delas é evidente: as camaratas ilegais onde centenas de imigrantes vivem, sem condições senão a da exploração total, nas traseiras de tantas lojas de “souvenirs” de Lisboa e Porto. O que esperam as autoridades para fazer o que realmente é necessário, antes que uma tragédia literalmente rebente, ao invés de criar uma falsa sensação de segurança ao encostar três dezenas de pessoas para apanhar uma mão cheia de nada? Totalmente desproporcional.

E assim chegamos a um balanço provisório da Polícia onde constam alguns artigos contrafeitos, 4600 euros em numerário e um detido português por posse de arma branca e droga. Isto, enquanto as imagens falam por si, valiosas pela apreensão evidente de que a demagogia ganhou e do que pode vir a repetir-se. Sem menosprezar a necessidade de regular e criar policiamento de proximidade em zonas críticas, a operação do Martim Moniz é tudo o que não se deve fazer. Basta sair à rua numa qualquer noite de fim de semana numa grande cidade. Quem sabe se com portugueses teriam igual ou melhor sorte.»


Martim Moniz, 19.12.2024

 


19.12.24

Governo e imigrantes

 


«No Martim Moniz, bem no centro de Lisboa, o Governo mobilizou a PSP para uma acção de pura propaganda contra imigrantes, bem ao estilo dos tempos do fascismo. Acompanhados pelas câmaras das televisões, os agentes entraram na rua, encostaram as pessoas à parede e revistaram-nas. É a segunda acção deste género na zona, num curto espaço de tempo.

Todo este aparato policial e mediático parece ser mais fácil de mobilizar do que ideias e propostas de políticas públicas que resolvam os reais problemas das populações.

Exigimos um tratamento humano para com quem trabalha em Portugal, independentemente da sua origem. Não é aceitável que pessoas, mais uma vez, sejam tratadas como suspeitas e tenham as suas caras colocadas contra a parede, numa grande encenação mediática, quase cinematográfica.

O movimento Vida Justa repudia estas acções de pura propaganda populista e está solidária com todas as pessoas que elas atingem.»

«Vida Justa» no Facebook.


19 de Dezembro – Piaf e O’Neill

 


Pouco terá havido em comum entre Édith Piaf e Alexandre O'Neill, excepto que no dia em que Alexandre nasceu Édith festejou o seu nono aniversário, já pelas estradas de França com os pais, em circos itinerantes, depois de uma aparente cegueira cuja cura foi atribuída a um milagre de Santa Teresa de Lisieux.

Ambos nasceram a 19 de Dezembro (de 1915 e de 1924), ambos foram grandes e todos os pretextos são bons para os trazer de volta. 


De O'Neill:

A história da moral

Você tem-me cavalgado
seu safado!
Você tem-me cavalgado,
mas nem por isso me pôs
a pensar como você.

Que uma coisa pensa o cavalo;
outra quem está a montá-lo.

Alexandre O'Neill, De Ombro na Ombreira, 1969


Quanto a Piaf, escolher é sempre difícil. Uma das mais belas canções sobre Paris e outra das minhas preferidas desde sempre:




.

19.12.1961 – A morte saiu à rua num dia assim

 

Desenho de Dias Coelho 


José Dias Coelho tinha 38 anos e era membro do PCP na clandestinidade quando foi assassinado pela PIDE, no dia 19 de Dezembro de 1961, junto ao Largo do Calvário, em Lisboa, numa rua que tem hoje o seu nome.




 

.

Alexandre O'Neill

 


Chegaria hoje aos 100!

Acontecimento nacional de 2024: Tumultos em Lisboa, revolta e imitação

 


«Romão Monteiro, 33 anos, Matosinhos, 1994; Ângelo Semedo, 17 anos, Cova da Moura, 2001; Manuel António Tavares Pereira, (Tony), 24 anos, Bairro da Bela Vista, 2002; Carlos Reis (PTB), 20 anos, Bairro do Zambujal, 2003; José Carlos Vicente (Teti), 16 anos, Bairro 6 de Maio, 2004; João, 17 anos, Bairro Amarelo, 2005; Edson Sanches (Kuku), 14 anos, Bairro da Laje, 2009; Nuno Rodrigues (Mc Snake), 30 anos, Alcântara, 2010; Diogo Filipe Borges Seidi (Musso), 15 anos, Bairro 6 de Maio, 2013; Ihor Humenyuk, 40 anos, Aeroporto Humberto Delgado, 2020.

Fico-me pelos mortos, fico-me pelos casos conhecidos. Deixo de fora os espancamentos, em que o caso da esquadra de Alfragide, em 2015, deu mais nas vistas pela sua barbaridade, caracter claramente racista e ter, como vítimas, dirigentes associativos. Uns morreram do tiro, outros do espancamento, uns na rua, outros depois da passagem pela esquadra. Foram poucos os casos em que a culpa não morreu solteira ou com punições quase simbólicas.

O que aconteceu a Odair Monir é tudo menos novidade. É recorrente. Sempre perante a indiferença geral da comunidade, que acha que o que se passa nestes bairros fica nestes bairros. A não ser, claro, que lhes perturbe o quotidiano. E foi isso que aconteceu em novembro deste ano: o País acordou, pela primeira vez, para a reação violenta e aparentemente desorganizada aos recorrentes casos de violência policial.

Os tumultos, inéditos em Portugal, podem explicar-se por um ambiente polarizado pela extrema-direita, que tornou o confronto com as minorias e com os moradores dos bairros periféricos mais claro e direto. Pelo cansaço de populações acossadas pelo permanente assédio policial – na região de Lisboa, as ações mais ‘musculadas’ aumentaram 769% entre 2012 e 2021. Pela impunidade descarada perante os casos mais graves – os condenados da esquadra de Alfragide voltaram, apesar da decisão judicial, para a PSP. E a proteção que parece merecer o discurso racista propagado pelo Chega e alimentado dentro das forças de segurança. Não há ação sem reação, sabemos pela história.

Por fim, é provável que haja um fenómeno de imitação cultural. Os motins e ações depois da morte de George Floyd, nos Estados Unidos, chegaram com enorme intensidade em Portugal, levando até a uma das primeiras manifestações no período da pandemia. Da mesma forma que a extrema-direita cresce com a globalização cultural e política facilitada pelas redes sociais, cresce a reação dos jovens dos bairros periféricos. Seja a reação violenta, como foram os tumultos, seja a reação pacífica e política, como foi a impressionante manifestação na Avenida da Liberdade, em que estes jovens exigiram, pela primeira vez, o direito à cidade. Não será a última. Estas comunidades têm, pela primeira vez, jovens lideranças mais qualificadas e politizadas.

Se, independentemente da inaceitável violência dos tumultos, de que resultou uma vítima inocente que carregará para sempre as marcas desta violência, este fenómeno devia merecer, acima de tudo, atenção política, e não apenas policial. Para além de uma reunião com associações, para picar o ponto e sem qualquer agenda, o poder político repetiu o erro de sempre, mesmo quando os sinais foram tão fortes. O governo, como a generalidade dos meios de comunicação perante, passou a tratar a consequência da morte de Odair Moniz como mera questão de polícia.

Não foi só o ritmo mediático que, de um dia para o outro, transformou a consequência em causa. Foi o próprio poder político que inverteu, de forma consciente e premeditada, o discurso que lhe seria exigido. A PSP, desaparecida nas explicações a dar pela morte de um inocente, sentou-se no palco para prometer “tolerância zero” com os tumultos, enquanto se comprometia com uma versão dos acontecimentos que não só não tinha como garantir ser verdadeira, como tinha vários indícios de que não o seria. Terá, depois de a ter defendido, de responder por ela.

No mesmo momento em que instrumentalizavam as forças de segurança e ações de grande impacto sem outra explicação que não fossem as “perceções” politicamente alimentadas pela extrema-direita e os tabloides, Luís Montenegro e António Leitão Amaro associaram o governo à detenção dos suspeitos de envolvimento nos tumultos. Não só os transformaram em culpados, como puseram, pela sua intromissão, em causa a independência das investigações. Com a PSP e o governo a atravessarem-se por uma versão não confirmada dos casos, que espaço de manobra tem a PJ (que responde ao poder político) para os contrariar?

Este comportamento contrastou com o silêncio perante as notícias de que provas terão sido plantadas para responsabilizar Odair Moniz pela sua própria morte e que as chefias ter-se-ão substituído ao agente na elaboração do auto de notícia, enquanto este depunha na Polícia Judiciária. Aí, a ministra da Administração Interna falou de uma investigação em curso, pormenor que o governo ignorou na investigação aos tumultos. E, no entanto, é pela morte de um cidadão às mãos de quem é fardado e armado pelo Estado que o poder político tem, antes de tudo, de dar a cara. Sobretudo quando a vítima é a única vida perdida em toda esta história.

A secundarização política e mediática da morte de Odair diz-nos o que as revoltadas populações destes bairros sempre souberam: que as vidas dos seus valem menos numa sociedade que os vê como subcidadãos. É desta sensação de menoridade que nasce a revolta. E, independentemente da justa condenação moral, é daí que costuma nascer a violência. É o que sobrará se os mecanismos do Estado de Direito não funcionarem.»


18.12.24

Vaso de Outono

 


«Paisagem outonal». Vaso em vidro duplo, com decorações gravadas e esmaltadas de floresta de Outono, sobre um fundo «degradé» de tons amarelo, verde e azul.
François-Théodore Legras (1839 - 1916).

Daqui.

A primeira machadada no império – Índia, 1961

 


Foi na manhã de 17 de Dezembro de 1961 que tiveram início as operações militares que levaram à ocupação da cidade de Pangim, capital de Goa, na noite do dia seguinte. O «império português» levou então uma grande machadada com a anexação de parte do seu território pela União Indiana. Lembro-me bem da consternação quase generalizada que os acontecimentos provocaram no país, mesmo em certos meios da oposição. Houve algum tempo depois uma peregrinação a pé a Fátima (julgo que para que os céus nos devolvessem a «católica» Goa).

Os factos são conhecidos, mas vale a pena recordar o célebre discurso que Salazar fez na Assembleia Nacional, em 3 de Janeiro de 1962 (*). É um longo elogio (de 24 páginas A5) ao «pequeno país» que manteve o seu território «com sacrifícios ingentes», ignorados e combatidos por quase todos e, antes de mais, pela ONU, desde sempre objecto de um ódio muito especial.

Ficam algumas passagens a começar pela primeira frase do texto: «Não costumo escrever para a História e sinto ter de fazê-lo hoje, mas a Nação tem pleno direito de saber como e porque se encontra despojada do estado Português da Índia». Mais: «Não sei se seremos o primeiro país a abandonar as Nações Unidas, mas estaremos certamente entre os primeiros. E entretanto recusar-lhes-emos a colaboração que não seja do nosso interesse directo.» Há que perguntar se vamos no bom caminho «quando se confiam os destinos da comunidade internacional a maiorias que definem a política que os outros têm de pagar e de sofrer».

Amplamente conhecida é a frase que encerra o discurso: «Toda a Nação sente na sua carne e no seu espírito a tragédia que se tem vivido, e vivê-la no seu seio é ainda uma consolação, embora pequena, para quem desejara morrer com ela.»

(*) Estava afónico «com as emoções das últimas semanas» e quem o leu, de facto, foi Mário de Figueiredo.
.

Este Moedas é um colosso

 


Não deixem de ler a notícia AQUI.

Palestina

 


O almirante e os possíveis contra-almirantes

 


«Apesar das autárquicas serem primeiro e dependerem mais de decisões partidárias (o PSD ainda tem de escolher o candidato ao Porto, ao PS ainda falta o candidato a Lisboa), as eleições presidenciais estão sempre a regressar ao debate público.

Só na cabeça do ajudante de campo do governo, Rui Rocha (e na de Ventura, claro), é que se acredita que previsões de défice feitas pelo Banco de Portugal são escritas pelo governador num guardanapo para preparar, sabe-se lá com que vantagem, a candidatura presidencial de Mário Centeno. Mas esta previsão, que não tem qualquer relação com as eleições, e a reforma imediata de Gouveia e Melo para o libertar para os seus “direitos cívicos”, acabaram por trazer o tema de volta.

Vivemos, nesta matéria, uma anomalia democrática: a de ter um governador do Banco de Portugal e um Chefe do Estado-Maior da Armada, no ativo, como candidatos quase confessos a Presidente da República. Como escrevi há dois meses, são dois produtos de António Costa, que os promoveu como seu escudo protetor. O primeiro, para ganhar credibilidade junto da Europa, quando cometia o pecado político de se aliar ao resto esquerda; o segundo para afastar a vacinação dos ataques da oposição e dos bastonários que para ela trabalhavam, pondo um militar, que então não tinha qualquer interesse partidário, à frente do processo.

Os dois candidatos partilham um mistério: qual o seu pensamento político, para além das suas especialidades?

De Gouveia e Melo, sabemos que não teve qualquer problema em usar as Forças Armadas para uma promoção política, o que só nos pode deixar inquieto quanto ao seu perfil político. Não sabendo o que pensa, sabemos que acha que “somos uma grande nação que se dividiu no estado português, no estado cabo-verdiano, no estado brasileiro, no estado angolano...”, o que, aparentemente, atira por terra a ideia de um homem centrista e moderado.

Estou a dizer que é um radical? Não. É provável que nem o almirante tenha consciência do alcance do que disse. Estou a dizer que é provável que aconteça com ele o que acontece a pessoas pouco politizadas que, mesmo assim sendo, se atiram para as águas que desconhecem: que ache coisas difusas e pouco pensadas, quase sempre alinhadas com mitos e lugares-comuns, mesmo que sejam perigosos. Sem se dar sequer conta. Estou a dizer que é provável que Gouveia e Melo saiba tanto de política como eu sei de submarinos.

Suspeito que não seremos apenas nós a descobrir, no processo de candidatura do almirante, o que ele pensa politicamente. Será ele mesmo. Também descobrirá se aguenta a pressão política de uma campanha, já sem o tratamento mediático a que teve direito durante a pandemia, que em tudo contrastou com o escrutínio ao seu antecessor. Ou talvez o tenha, mesmo numa corrida eleitoral. Não são poucos os jornalistas que se pelam pela autoridade da farda. Lembro-me de Fernando Nobre e como espatifou, num mês, a credibilidade que construiu em décadas.

Os sinais não são os melhores. As inenarráveis ilustração e texto da revista da Armada, em que o CEMA era comparado a D. João II, diz-nos o que sabem todos os que privaram com Gouveia e Melo: que, se depender do seu ego, tem a maioria absoluta garantida. Não é difícil imaginar o que pensa de si quando, sem qualquer experiência política ou cívica, se acha em condições de ser o principal árbitro das nossas instituições democráticas. Seria como passar da recruta para chefe da Armada num ano.

Ter alguém de que desconhecemos o pensamento político, sem experiência cívica ou política (a não ser que dirigir uma operação logística já habilite a ser chefe de Estado), evidentemente egocêntrico e com uma cultura militar dada a algum autoritarismo, não é o que esta democracia frágil aconselha. Mas não tenho dúvidas que responde ao ar dos tempos. Não é remédio para a doença, é sintoma.

Haja, à direita, um candidato forte (Leonor Beleza, que já se pôs fora) ou fraco (Marques Mendes, que ainda terá de fazer muitos fretes televisivos para conquistar o apoio do PSD) e uma candidatura transversal como a Gouveia e Melo, se não engordar imenso ou esvaziar totalmente, temos o cenário ideal para haver, pela primeira vez desde 1986, uma segunda volta. E o debate será, se assim for, quem vai à segunda volta: o candidato da AD, ou o da esquerda?

Não me parece que Mário Centeno (já nem falo de António José Seguro) seja o candidato capaz de mobilizar toda a esquerda que não fuja para o almirante. Cativações e o mais baixo investimento do século, medindo-se com a direita no défice, não é o que mais une os eleitores de esquerda para eleger um Chefe de Estado (não um ministro das Finanças). E não vale a pena pensar nos eleitores do centro se nem à segunda volta se for. Para alem disso, Centeno será, disso não tenho dúvidas, o pior Presidente para Pedro Nuno Santos – a explicação de Churchill sobre a diferença entre inimigos e adversários esclarece quem tenha dúvidas.

Se Centeno, Seguro ou até Vitorino forem as escolhas do PS, é difícil o resto da esquerda não ir a jogo. Por mais fragilizada que esteja, são 12% dos votos, indispensáveis no confronto com a direita para ir a uma segunda volta. Uma candidata como Elisa Ferreira, respeitada, mulher e longe de ser esquerdista, talvez pudesse conquistar o apoio do Livre, Bloco e PAN (o PCP estará sempre fora).

Se Pedro Nuno Santos escolher o tecnocrata centrista para voltar a tentar provar, pela enésima vez, que não é Pedro Nuno Santos, o mais provável é que apareça um candidato independente à esquerda, capaz de entrar em algum eleitorado socialista e de ter o apoio de outros partidos de esquerda.

Na sua jubilação, Sampaio da Nóvoa colocou-se na linha de partida. É uma repetição, é verdade. Mas a sua autoridade académica, o seu perfil republicano (com a probabilidade de ter o apoio de Ramalho Eanes), o facto de ter conseguido 23 %, quase sem apoios partidários e contra o fortíssimo Marcelo, não ter ligações aos partidos e vir da sociedade civil faria dele um bom contra-almirante. Sobretudo se não tivesse, como Gouveia e Melo não terá, o apoio de nenhum dos partidos do arco poder. Com uma vantagem: como concorreu há dez anos, sabemos perfeitamente o que pensa e que até se safa em campanha.»


O SNS pendurado num telefonema

 


17.12.24

Why not?

 


O SNS também está de “portas escancaradas”?

 


Tudo porque pouco mais de 43 mil pessoas atendidas não estavam abrangidas por seguros, protocolos, convenções internacionais, acordos de cooperação ou Cartão Europeu de Seguro de Doença, sem cuidar de saber se naquele conjunto estão incluídos alguns dos 400 mil à espera de regularização ou alguém dos 26 milhões de turistas que visitaram o país. É a tese do SNS de “portas escancaradas”.


17.12.1906 – Fernando Lopes-Graça

 


Seriam 118.



D. Henrique Eduardo Passaláqua, o nacionalista imperfeito

 

Capa da Revista da Armada

«Começo por fazer um mea culpa, confessando a incapacidade de silenciar a batota de um almirante que utiliza os meios do Estado para promover a sua pré-candidatura presidencial. Não posso, sequer, apontar-lhe o dedo por fazer o que nunca teria sido feito, de forma pacóvia, por governos sucessivos e autarcas em revistas que têm mais fotos dos incumbentes que páginas nas ditas publicações. Retribuir a atenção que ele nos impinge de forma tortuosa é beneficiar o infractor dando-lhe publicidade para lá daquela que ele pagou com o dinheiro dos nossos bolsos. Não há como escapar, acontece com ele o que acontece com a generalidade dos populistas, são beneficiados porque não parámos de falar deles e são beneficiados quando calamos a denúncia das suas diatribes encapotadas. Fazendo uso do direito à indignação, decretado em tempos pelo pai da democracia portuguesa, que não lhes aproveite o nosso silêncio.

Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, de seu nome completo, já nos tinha tentado convencer que “a farda ajuda” a resolver os problemas em Portugal, dando de si próprio a imagem de um timoneiro que impõe a autoridade, a ordem e a disciplina, como é suposto termos visto no combate à pandemia. D. Henrique, no entanto, não apenas se apresenta como o homem do leme, como se arroga com capacidade de ensinar alguma coisa a D. João II. Este rei, a quem chamamos Príncipe Perfeito, também tinha defeitos e nunca se pode esquecer que a centralização do poder e a repressão sobre a nobreza (mandou matar ou matou quem lhe fazia frente) fez dele o percursor do absolutismo.

Obviamente, não é esta faceta de D. João II, autocrata que não olhou a meios para manter e reforçar o seu poder, que D. Henrique quer realçar. O que ele quer é que nos lembremos deste rei inteligente e hábil que delineou um projecto que acabaria por levar os portugueses pelo mar até à Índia e que depois fez nascer toda a portugalidade. Tinha-me passado completamente despercebido, até o ouvir no podcast Lei da Paridade, mas o almirante aproveitou uma das suas palestras como CEMA para dizer o seguinte: “Portugal é uma grande nação dividida em diferentes estados, digamos a portugalidade, somos uma grande nação que se dividiu no estado português, no estado cabo-verdiano, no estado brasileiro, no estado angolano, etc.”. “Vamos ver se nos entendemos”, como dizia Oliveira Salazar, antes de começar a explicar porque é que em relação ao Portugal ultramarino nós tínhamos razão e o resto do mundo não, esta tirada de D. Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo é uma pérola!

Com as devidas distâncias, porque não se imagina D. Henrique Eduardo a mandar suprimir a existência dos seus adversários, começa a não ser difícil imaginar o almirante-candidato a promover a existência de um partido nacionalista que o ajude a centralizar poder no palácio de Belém. Ao apresentar-se fardado e associado a D. João II, o candidato quer ser visto como alguém que, além de garantir a lei e a ordem, também é capaz de resgatar o orgulho nacional e devolver o país a um caminho de grandeza, para benefício do povo que vem sendo prejudicado pela acção da nobreza partidária. Esta imagem que valoriza as tradições e o nacionalismo está para lá da questão de saber se o candidato é militar ou não, até porque já terá passado à reserva, porque a ideia mais forte é a de que D. Henrique Eduardo Passaláqua vem de fora da política partidária.

Se por tudo isto, os portugueses escolherem Gouveia e Melo para a Presidência da República é a democracia a funcionar, mas convém que se procure explicar o que está em jogo, a começar pelo facto do presidente não ter entre as suas competências a de governar o país. A não ser que subverta o sistema.»


Poligrafar o Polígrafo

 



16.12.24

O Natal do sinaleiro

 


Os «mais crescidos» devem lembrar-se.

16.12.1938 – Liv Ullmann

 


Liv Ullmann nasceu em Tóquio, filha de pais noruegueses e chega hoje aos 86.

Começou a carreira como actriz de teatro na Noruega, na década de 1950, mas foi como musa e companheira de Ingmar Bergman (com quem viveu alguns anos e de quem teve uma filha) que se tornou célebre. Como esquecer «Persona», o seu primeiro filme de 1966 («A Máscara», em Portugal), como não ter retido as imagens do seu papel em «Saraband» (2003), o último filme realizado por Bergman – só para citar dois exemplos. 

Ficam aqui dois vídeos:




.

A culpa é nossa

 


O’Neill e os idiotas

 


A política das percepções

 


«O momento em que o primeiro-ministro reuniu o país, à hora de jantar, para relatar operações policiais num dos “países mais seguros do mundo” vai continuar a ecoar como uma marca da comunicação política deste Governo. Mesmo que o problema possa não ser grave, se existe uma alegada percepção de gravidade por parte da população, há que mostrar energia e exibir músculo.

Foi com a segurança, é com a saúde. Não se sabe se a alegada “utilização abusiva” do Serviço Nacional de Saúde por parte de estrangeiros é mesmo um problema – pelo menos, para o inspector-geral das Actividades em Saúde, não é. A haver casos, são certamente fonte de sentimento de injustiça, mas um bom sistema de saúde, aberto a quem nos visita, também é uma marca importante, num país que tem no turismo uma das suas mais importantes fontes de riqueza.

Mesmo assim, e sem esperar resultados de uma auditoria entretanto lançada, o PSD, o CDS e o Chega acham necessário alterar a Lei de Bases da Saúde para impedir o acesso de quem não esteja numa situação de estada ou residência legal no país. Com a quantidade de excepções enunciadas, não dá para perceber muito bem que situações ficam abrangidas, mas o importante é dar um “sinal”, tal como afirmou o deputado do CDS, João Almeida.

Com mais uma esperada disputa parlamentar com a esquerda neste tema, o sinal dado, não por acaso, vai ao encontro do que a cartilha nos diz serem os temas que alimentam a ascensão do Chega. Se o Chega constrói narrativas que alimentam percepções, o Governo, numa marcação cerrada, responde com medidas que são mais percepções de acção, mas que ajudam a preencher a agenda política.

O problema é que essa estratégia era mais explicável quando a incerteza sobre a aprovação do Orçamento do Estado fazia pairar a possibilidade de eleições. Ultrapassado o cabo Bojador, o registo mantém-se, só que não faltará muito até todos perceberem que algo, que pode não ser mais do que um por cento dos casos atendidos no SNS, distrai, mas não resolve os problemas na Saúde. Ou que nos falta mão-de-obra imigrante.

Luís Montenegro, até na forma como durante meses convenceu o país de que a aprovação do Orçamento era um problema do PS, tem sido um mestre na gestão das “percepções”. Mas o tempo é outro e exige que nos mostre que o seu foco não está na correria aos temas do Chega. O país precisa de ambição para lá das causas fracturantes, senão sobressai a percepção de que não está a ser governado no que realmente importa.»


15.12.24

Fininho mas azul

 


Vaso Arte Nova, montagem em estanho. Cerca de 1905.
Atribuído a Kralik.


Daqui.

É foleiro dizer que querem é poleiro

 



Difícil, muito difícil

 


A AIMA e a desilusão de quem escolhe Portugal para viver e trabalhar

 


«A AIMA é mais um organismo do Estado que não consegue dar a devida resposta às solicitações. Se é verdade que o número de imigrantes tem aumentado no nosso país, não é menos verdade que devem ser bem acolhidos e que podem ser uma mais-valia, tendo em conta o facto de termos uma população envelhecida e falta de mão de obra.

Não é aceitável que as pessoas, quando chegam a Portugal, se deparem com tamanha dificuldade para cá obterem um visto de residência que lhes permita arrendar uma casa, arranjar um emprego ou até estudar.

É obvio que é desejável que haja um controlo rigoroso da imigração, mas isso não implica a morosidade atual e o desrespeito por quem escolheu o nosso país para viver. Os processos têm que ser mais céleres e impõe-se um apoio direcionado para informação e acolhimento das pessoas. Se há falta de funcionários, contratem-se mais, mas não nos envergonhem com o serviço deficitário que estão a prestar.

As lacunas referidas anteriormente só interessam a quem procura mão de obra barata e “clandestina” ou quem arrenda quartos por valores inflacionados sem declarar às Finanças. Por outro lado, há empresários corretos que querem contratar algumas dessas pessoas e não o podem fazer enquanto estas não tiverem a sua situação regularizada.

O populismo barato que tenta criar uma onda anti-imigração não colhe, e não pode colher, sob pena de penalizarmos a nossa economia e de nos tornarmos naquilo que nunca fomos. Sempre fomos um povo hospitaleiro, humanista e grato, essa é a nossa génese e ninguém a pode adulterar.

É importante “distinguir o trigo do joio”, há muito boa gente que vem para cá para trabalhar com o intuito de conseguir obter uma vida melhor e esses não podem ser confundidos com os que nada querem fazer ou se dedicam à criminalidade.

É complexo fazer essa distinção de forma perfeita, sabemos disso, mas não há soluções perfeitas e também por cá temos gente boa e gente menos boa e não é por isso que os expulsamos de cá, muitas vezes, ainda lhes damos subsídios tendo a noção que não querem trabalhar ou escolhem a criminalidade como modo de vida.

Este tema merece uma reflexão de todos, lembremo-nos de quantos emigrantes temos atualmente e de quantos tivemos no passado, das pessoas que vivem em condições desumanas, das empresas que necessitam de mão de obra, dos oportunistas a quem esta situação serve que nem uma luva e de como se sentirão muitos dos imigrantes que cá estão e tantas vezes são olhados de lado.

Essas pessoas estão longe dos seus países, das suas famílias e, a grande maioria, apenas arriscou na procura legítima de uma vida melhor e merece todo o nosso respeito. Não podemos transformar os seus sonhos em pesadelos, desiludindo-os por nos terem escolhido.

Orgulhemo-nos e honremos a nossa história, dando um sinal claro de que não somos melhores nem piores do que outros países, somos orgulhosamente portugueses!»