«O momento em que o primeiro-ministro reuniu o país, à hora de jantar, para relatar operações policiais num dos “países mais seguros do mundo” vai continuar a ecoar como uma marca da comunicação política deste Governo. Mesmo que o problema possa não ser grave, se existe uma alegada percepção de gravidade por parte da população, há que mostrar energia e exibir músculo.
Foi com a segurança, é com a saúde. Não se sabe se a alegada “utilização abusiva” do Serviço Nacional de Saúde por parte de estrangeiros é mesmo um problema – pelo menos, para o inspector-geral das Actividades em Saúde, não é. A haver casos, são certamente fonte de sentimento de injustiça, mas um bom sistema de saúde, aberto a quem nos visita, também é uma marca importante, num país que tem no turismo uma das suas mais importantes fontes de riqueza.
Mesmo assim, e sem esperar resultados de uma auditoria entretanto lançada, o PSD, o CDS e o Chega acham necessário alterar a Lei de Bases da Saúde para impedir o acesso de quem não esteja numa situação de estada ou residência legal no país. Com a quantidade de excepções enunciadas, não dá para perceber muito bem que situações ficam abrangidas, mas o importante é dar um “sinal”, tal como afirmou o deputado do CDS, João Almeida.
Com mais uma esperada disputa parlamentar com a esquerda neste tema, o sinal dado, não por acaso, vai ao encontro do que a cartilha nos diz serem os temas que alimentam a ascensão do Chega. Se o Chega constrói narrativas que alimentam percepções, o Governo, numa marcação cerrada, responde com medidas que são mais percepções de acção, mas que ajudam a preencher a agenda política.
O problema é que essa estratégia era mais explicável quando a incerteza sobre a aprovação do Orçamento do Estado fazia pairar a possibilidade de eleições. Ultrapassado o cabo Bojador, o registo mantém-se, só que não faltará muito até todos perceberem que algo, que pode não ser mais do que um por cento dos casos atendidos no SNS, distrai, mas não resolve os problemas na Saúde. Ou que nos falta mão-de-obra imigrante.
Luís Montenegro, até na forma como durante meses convenceu o país de que a aprovação do Orçamento era um problema do PS, tem sido um mestre na gestão das “percepções”. Mas o tempo é outro e exige que nos mostre que o seu foco não está na correria aos temas do Chega. O país precisa de ambição para lá das causas fracturantes, senão sobressai a percepção de que não está a ser governado no que realmente importa.»
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