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20.7.19
O eufemismo do excesso ou o excesso dos eufemismos?
«Anda por aí uma preocupação descabelada por parte de algumas pessoas, muitas delas pagas para opinarem nos jornais ou nas televisões, com o ser moderado, bem-comportado, bem-pensante, para que ninguém lhes chame radicais. Anti-radicalistas, portanto.
Ouvi, com estes ouvidos que a terra há-de comer – como se diz na minha província alentejana –, que o racismo é uma opinião. Agressiva, mas opinião. O comentador que disse tal coisa – para além de mostrar desconhecimento da Constituição da República Portuguesa, dos tratados internacionais que vinculam o Estado Português e da lei penal portuguesa – já foi tido como radical. Moderou-se e se calhar estragou-se, do ponto de vista de quem possa ter apreciado o estilo.
Dou graças a Deus – eu, que nem ao nível das crenças nem das ideias posso ser tida como fazendo parte da cristandade – por não me identificar, há décadas, com nenhum dos partidos existentes no panorama político nacional, à esquerda ou à direita. Nem ao centro, moderado q.b., e que nem sei o que seja a não ser isso mesmo – uma paródia, a que pertencem quase todos os comentadores e colunistas que tenho ouvido, com algumas e muito honrosas excepções. Na minha opinião, claro.
Penso, até, que foram essa moderação, essa contenção, essa contemporização e espírito conciliador a razão por que os pides não responderam criminalmente por aquilo que fizeram, e que, depois disso, ninguém respondeu pela privação da liberdade de quatrocentas e tal pessoas, entre as quais eu, a 28 de Maio de 1975. Conciliou-se tudo, faziam todos parte da cristandade, nada de radicalismos, credo!
Mas que ao menos fiquem a saber que não perdoo. Não só não perdoo a quem me torturou e a quem me prendeu depois, como não perdoo a quem não os julgou por isso.
De ambas as vezes, houve quem falasse de “excessos”. Assim na tortura bárbara, quando o espancamento, programado e anunciado, me fez perder os sentidos e o pide que o tinha ordenado, o inspector do meu processo – Américo da Silva Carvalho –, entrou e o apelidou assim, de “excessivo”. Mais tarde, também apelidaram de “excessos” as prisões e os maus tratos de 1975. “Excessos”, disseram também os pretensamente moderados de então.
Segundo os moderados de agora, também Fátima Bonifácio se terá “excedido”. Só que isso não muda nada.
19.7.19
Não sei se ria, ou... sei lá!
«Os bebés-robô são uma banalidade nas escolas públicas norte-americanas. Dois terços dos agrupamentos escolares têm simuladores de recém-nascidos que os estudantes do 10º ano levem para casa uma vez por ano. Não é uma brincadeira, é uma política pública para tentar reduzir as gravidezes na adolescência e já é um ritual de entrada na puberdade.
O robô parece um Nenuco e “age” como se fosse humano. Chora, grita, faz chichi, tem fome, cólicas e todas as coisas que nos mantêm acordados durante a noite quando os nossos filhos nascem. Como são robôs, as acções dos adolescentes ficam registadas. Deram o biberão de três em três horas? Lembraram-se do arroto? Deixaram-no a chorar sozinho? Mudaram a fralda? Abanaram-no com brusquidão para o calar? Seguraram-lhe a cabeça com cuidado?»
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Zeca Afonso «de interesse nacional»? PS absteve-se
Parlamento quer que obra de Zeca Afonso seja classificada de interesse nacional.
«A obra do cantor José Afonso deve ser classificada como de interesse nacional. A recomendação é do Parlamento e foi aprovada esta sexta-feira com os votos favoráveis de todos os grupos Parlamentares menos do PS, que se absteve.»
O texto aprovado foi este:
Projeto de Resolução n.º 2262/XIII/4.ª
Recomenda a classificação da obra de José Afonso como de interesse nacional
Exposição de motivos
Em 2 de agosto de 2019 cumprir-se-ão os 90 anos do nascimento de José Afonso. Poeta, compositor e intérprete, José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, também conhecido como Zeca Afonso, foi uma figura maior da cultura portuguesa.
A sua obra ímpar conta, entre muitas outras, com canções como ‘Os vampiros’, 'Venham Mais Cinco', 'O Que Faz Falta', 'Os Índios da Meia Praia', ‘A Morte saiu à rua’, ‘Menino do Bairro Negro’, 'Grândola, Vila Morena' – sendo esta última uma das duas canções-senha escolhidas pelo Movimento das Forças Armadas na madrugada libertadora do 25 de Abril de 1974.
Em 1953, são editados os seus primeiros discos, ambos de 78 rotações e gravados no Emissor Regional de Coimbra da Emissora Nacional, com fados de Coimbra. Foram então editados pela Alvorada, não existindo hoje exemplares. Já em 1956, José Afonso vê editado o seu primeiro EP, intitulado Fados de Coimbra. O quarto disco, um EP para a Rapsódia intitulado Balada do Outono, é editado em 1960. Em 1962 é editado o álbum Coimbra Orfeon of Portugal, pela norte-americana Monitor e, em 1963, é editado outro EP de «Baladas de Coimbra». Já o EP «Cantares de José Afonso», o único gravado para a Valentim de Carvalho, é editado em 1964, ano em que, pela mão da Ofir, é editado o álbum «Baladas e Canções», reeditado em CD pela EMI em 1996.
Quando regressa a Lisboa, depois de estar em Moçambique entre 1964 e 1967, José Afonso assina contrato discográfico com a Orfeu, para quem acabaria por gravar mais de 70 por cento da sua obra. Seguem-se, na obra discográfica, os álbuns «Cantares do Andarilho», «Contos Velhos Rumos Novos», «Traz Outro Amigo Também», «Cantigas do Maio», «Eu Vou Ser Como a Toupeira», «Venham Mais Cinco», «Coro dos Tribunais», «Com as Minhas Tamanquinhas», «Enquanto Há Força», «Fura Fura».
Em 1981, após dois anos sem editar, José Afonso regressa com o seu álbum «Fados de Coimbra e Outras Canções», em homenagem a seu pai e a Edmundo Bettencourt, a quem o disco é dedicado. No ano seguinte, manifestam-se os primeiros sintomas da esclerose lateral amiotrófica e, em 29 de Janeiro de 1983, o espetáculo no Coliseu é realizado com José Afonso já em dificuldades. É depois publicado o duplo álbum «Ao Vivo no Coliseu» e, por alturas do Natal, sai «Como Se Fora Seu Filho». O último álbum, «Galinhas do Mato», é editado em 1985.
A Associação José Afonso (AJA) lançou recentemente uma petição para "declarar a obra de José Afonso de interesse nacional” para tornar o acesso ao trabalho do reconhecido artista não só mais fácil, mas mesmo possível. De acordo com a AJA, " a sua obra encontra-se esgotada, sem editora que assuma a respetiva reedição, impossibilitando assim o seu acesso público". Esta Associação refere ainda que existe “um imbróglio jurídico, porque a Movieplay [a editora que detém os direitos comerciais da obra de José Afonso] está em situação de insolvência e não se sabe do paradeiro dos masters das músicas gravadas pelo Zeca Afonso”.
O Grupo Parlamentar do PCP considera que é urgente preservar e divulgar a obra de José Afonso, permitindo o seu acesso a todos, pelo que considera que o Governo deve envidar todos os esforços para recuperar toda a obra do músico, tendo em vista a sua reedição.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:
Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo:
1. A classificação da obra de José Afonso como de interesse nacional, nos termos e para os efeitos previstos na Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro;
2. O desenvolvimento das diligências necessárias para recuperar toda a obra do músico, tendo em vista a sua reedição e divulgação.
Assembleia da República, 4 de julho de 2019
Os Deputados,
ANA MESQUITA; PAULA SANTOS; JOÃO OLIVEIRA; ANTÓNIO FILIPE; JERÓNIMO DE SOUSA; RITA RATO; FRANCISCO LOPES; DIANA FERREIRA; JOÃO DIAS; JORGE MACHADO; PAULO SÁ; CARLA CRUZ; BRUNO DIAS; ÂNGELA MOREIRA
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Sondagens ? Isto vai, isto vai…
AXIMAGE - JULHO versus (JUNHO)
PS: 37,5%.....(35,6%)
PSD: 23,6%.....(23,1%)
BE: 9,4%.....( 9,0 %)
CDU: 6,8%......( 6,8%)
CDS: 4,9%.......( 6,6%)
PAN: 4,0%.......( 4,0%)
(Fonte: Jornal de Negócios)
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«Deram-lhe o Nobel porquê?»
«A pergunta que Trump coloca a Nadia Murad, refugiada yazidi e Prémio Nobel da Paz em 2018, aquando da sua visita à Casa Branca, diz mais sobre a atenção que o presidente norte-americano dedica aos assuntos internacionais humanitários do que sobre a sua inóspita e habitual falta de tacto. Habituado a cuspir palavras, os últimos dias de Trump têm feito salivar os mais abjectos racistas e xenófobos, colocando a opinião pública dos EUA num patamar de extremismo e radicalização que dificilmente deixará de ser transportado como nota maior para as próximas eleições presidenciais em 2020.
A pedra de toque pode mesmo ser a toque de caixa. "Send her back" ("enviem-na de volta"), foi o cântico racista inflamado por Trump no seu discurso na Carolina do Norte, a propósito da congressista democrata Ilham Omar, nascida na Somália mas cidadã norte-americana desde os 17 anos. Eis o gatilho para os mais fracturantes e definidores temas da campanha eleitoral que se avizinha: racismo, patriotismo e os conflitos culturais. Donald Trump é bem capaz de testar umas palavras em espanhol na campanha, como muitos candidatos democratas já ensaiaram nos dois debates televisivos do mês passado, mas pode mesmo ser o inglês que o trame.
"Trump on tweets" é cada vez mais um parente próximo de "Trump on acids". Se é verdade que a comunicação singular e sintética do presidente tem já uma longa folha de serviço de atrocidades e nem isso o impediu (pelo contrário) de ganhar eleições, também é revelador que o racismo dos seus mais recentes tweets domingueiros o tenha agora baptizado com um cognome pouco abonatório: "un-American". Numa sondagem anteontem revelada, uma clara maioria dos americanos considera as suas declarações ofensivas e anti-americanas. Trump não esconde a vontade de enviar para os países de origem quatro mulheres que têm sido, a alto e bom som, vozes críticas da administração norte-americana. Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Ayanna Pressley e Rashida Tlaib têm muitas coisas em comum: americanas, democratas, congressistas, demasiadamente jovens e com origens étnicas insuficientemente arianas para o gosto presidencial. A bola de neve destas eleições pode muito bem ser às cores.
Qualquer processo de destituição de Trump, nesta fase, é um presente envenenado. A vitimização e a demagogia habitual encarregar-se-ão de retirar dividendos de qualquer tentativa de "impeachment". Assistiremos a Trump com exposição ao desgaste. O cântico algo russo "lock her up" ("prendam-na"), atirado a Hillary Clinton nas eleições de 2016, pode agora ser vingado em bom inglês com sotaque. "Send him back".»
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18.7.19
Vá lá, Portugal não é a Grécia
É o Estado grego que paga salários aos padres ortodoxos, não há separação entre Estado e igreja.
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Descolonizar o saber e o poder
«Os conflitos sociais têm ritmos e intensidades que variam consoante as conjunturas. Muitas vezes acirram-se para atingir objectivos que permanecem ocultos ou implícitos nos debates que suscitam. Num período pré-eleitoral em que as opções políticas sejam de espectro limitado, os conflitos estruturais são o modo de dramatizar o indramatizável.
Os conflitos estruturais do nosso tempo decorrem da articulação desigual e combinada dos três modos principais de desigualdade estrutural nas sociedades modernas. São eles, capitalismo, colonialismo e patriarcado, ou, mais precisamente, hetero-patriarcado. Esta caracterização surpreenderá aqueles que pensam que o colonialismo é coisa de passado, tendo terminado com os processos de independência. Realmente, o que terminou foi uma forma específica de colonialismo – o colonialismo histórico com ocupação territorial estrangeira. Mas o colonialismo continuou até aos nossos dias sob muitas outras formas, entre elas, o neocolonialismo, as guerras imperiais, o racismo, a xenofobia, a islamofobia, etc.
Todas estas formas têm em comum implicarem a degradação humana de quem é vítima da dominação colonial. A diferença principal entre os três modos de dominação é que, enquanto o capitalismo pressupõe a igualdade abstracta de todos os seres humanos, o colonialismo e o patriarcado pressupõem que as vítimas deles são seres sem plena dignidade humana, seres sub-humanos. Estes três modos de dominação têm actuado sempre de modo articulado ao longo dos últimos cinco séculos e as variações são tão significativas quanto a permanência subjacente. A razão fundante da articulação é que o trabalho livre entre seres humanos iguais, pressuposto pelo capitalismo, não pode garantir a sobrevivência deste sem a existência paralela de trabalho análogo ao trabalho escravo, trabalho socialmente desvalorizado e mesmo não pago. Para serem socialmente aceitáveis, estes tipos de trabalho têm de ser socialmente vistos como sendo produzidos por seres humanos desqualificados. Essa desqualificação é fornecida pelo colonialismo e patriarcado. Esta articulação faz com que as pessoas que acham desejável a desigualdade social do capitalismo tendam a desejar também a continuação do colonialismo e do patriarcado, e sejam, por isso, racistas e sexistas, mesmo que jurem não sê-lo. Esta é a verdadeira natureza dos grupos políticos de direita e de extrema-direita. Se, numa dada conjuntura, as preferências racistas e sexistas vêm ao de cima é quase sempre para expressarem a oposição ao governo do dia, sobretudo quando este é menos pró-capitalista que o desejado por tais grupos.
O drama do nosso tempo é que, enquanto os três modos de dominação moderna actuam articuladamente, a resistência contra eles é fragmentada. Muitos movimentos anticapitalistas têm sido muitas vezes racistas e sexistas, movimentos anti-racistas têm sido frequentemente pró-capitalistas e sexistas e movimentos feministas têm sido muitas vezes pró-capitalistas e racistas. Enquanto a dominação agir articuladamente e a resistência a ela agir fragmentadamente, dificilmente deixaremos de viver em sociedades capitalistas, colonialistas e homofóbicas-patriarcais. Talvez por isso, e como se tem visto ultimamente, aos jovens de muitos países seja hoje mais fácil imaginar o fim do mundo (pelo agravamento da crise ambiental) do que o fim do capitalismo. A assimetria entre a dominação articulada e a resistência fragmentada é a razão última da tendência das forças de esquerda para se dividirem em guetos sectários e das forças de direita para se promiscuírem em amálgamas ideológicas na mesma cama do poder.
17.7.19
Eu creio que este país ensandeceu
«Depois de ter sido aprovada a lei que prevê multas a quem deitar as beatas ao chão, as entidades que ficarem obrigadas a disponibilizar cinzeiros aos clientes vão poder candidatar-se a apoios para financiamento no âmbito do Fundo Ambiental.»
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João Semedo
(20.06.1951 – 17.07.2018)
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Von der Leyen: um erro crasso dos socialistas ibéricos
«Já vimos este filme antes, e não acabou bem. Em 1994 os governos da União Europeia estavam com dificuldade em escolher um sucessor para Jacques Delors. Como sempre, queriam alguém que satisfizesse toda a gente e não fizesse sombra a ninguém. Delors, que governara a Comissão durante dez anos, tinha personalidade e isso é que não podia mesmo ser. Depois de excluírem três candidatos mais prováveis, os chefes de Estado e de governo optaram por uma quarta escolha: Jacques Santer, primeiro-ministro do Luxemburgo.
O Parlamento Europeu detestou a opacidade do processo de nomeação e ameaçou chumbar o nome de Santer para a presidência da Comissão Europeia. Suspeitando uma notícia na geralmente sonolenta política europeia, os jornalistas dirigiram-se a Estrasburgo pela possibilidade de assistirem a uma estreia: pela primeira vez na história, era possível que o Parlamento Europeu chumbasse uma nomeação. Na última hora, porém, os socialistas portugueses e espanhóis, de António Guterres (então ainda líder da oposição) e Felipe González, viraram o bico ao prego e decidiram apoiar o luxemburguês. Jacques Santer passou à rasca e tornou-se o presidente da Comissão Europeia eleito com menos apoio no Parlamento Europeu. Até ontem, inclusive.
A partir daí Jacques Santer foi sempre um presidente da Comissão fraco, com pouco respeito por parte das outras instituições e pouca autoridade sobre os seus comissários. A sua Comissão foi permanentemente afetada por problemas de clientelismo, nepotismo, favoritismo e até corrupção. Em 1999, Jacques Santer acabou por se demitir antes da apresentação de uma moção de censura no Parlamento Europeu que decerto perderia. A UE perdeu quatro anos, perdeu credibilidade e perdeu o respeito dos cidadãos — em alguns casos, até hoje. Lamentavelmente, com o apoio dos socialistas portugueses e espanhóis.
Esta terça-feira Ursula von der Leyen foi aprovada no Parlamento Europeu com 383 votos — apenas nove votos acima dos 374 necessários. É a presidente da Comissão eleita com menos apoio parlamentar desde Jacques Santer. Não ficámos muito longe de se fazer história, com a primeira rejeição de uma nomeação do governos para a Comissão Europeia.
16.7.19
E esta? Algum espanto?
Já se percebeu para onde caminhamos, com o mais alto patrocínio da Nação, ou é necessário fazer um desenho?
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Porque é que Pedro Nuno Santos vai mesmo ser líder do PS
«Aconselho a entrevista que Vítor Gonçalves fez a Pedro Nuno Santos. Não por encontrarem por lá uma cacha ou grande novidade. Nem sequer por o ministro ter desenvolvido um discurso especialmente denso ou sofisticado sobre o futuro do país ou da esquerda, o que se passou nos últimos quatro anos ou o que se passará nos próximos quatro. Apenas porque fica claro porque é que, mais tarde ou mais cedo, Pedro Nuno Santos será líder do PS.
O que causa impacto naquela entrevista é a clareza nas intenções, pouco habitual em dirigentes do PS. Clareza em assumir os aliados como aliados, os adversários como adversários, o campo político da esquerda como lugar de morada, a identidade socialista sem qualquer complexo e a convicção de que é da existência de campos que se apresentam como alternativa que depende a saúde da democracia. A isso, Pedro Nuno Santos juntou a assunção dos bloqueios europeus, contra os quais pouco mais consegue propor do que uma gestão de forças e expectativas. É a sua fragilidade. Para não se confrontar com esses bloqueios em todas as suas consequências, exagerou na capacidade que este Governo mostrou nos embates com Bruxelas e ignorou o papel de Centeno como controleiro do Eurogrupo em Lisboa.
Pedro Nuno Santos acredita que a única forma de salvar a democracia é garantir que ela tem, dentro do seu próprio campo, alternativas políticas. Não estamos a falar de alternância no poder, em que o pessoal político muda para aplicar receitas semelhantes. Isso é o que tem matado a democracia como exercício de escolha entre caminhos divergentes, única forma de a manter aberta. Isto não quer dizer que a democracia não consiga reproduzir nas instituições os consensos que existem na sociedade. Consegue e deve fazê-lo. Quer dizer que a democracia não pode deixar de ter, no campo dos que a defendem, um plano B. Porque se desistirmos disso é fora do campo democrático que esse plano alternativo se construirá.
Em Portugal, os dois blocos terão de ser liderados pelo PS e pelo PSD, não devendo isso corresponder a um bloco central alternante, em que os pequenos se anulam. Isso seria ainda pior do que o passado, porque faria desaparecer a representação política de um quarto dos eleitores, que acabariam por migrar para margens antidemocráticas. Estes blocos têm de corresponder às sínteses dos que os compõem, dependendo essas sínteses do peso eleitoral relativo de cada um.
15.7.19
Costa, o aluno fiel que nunca desilude
Prefiro nem comentar. Mas deixo o que Eduardo Paz Ferreira escreveu no Facebook:
PAROLE, PAROLE
é o título de uma canção interpretada por Dalida e Alain Delon, em que um vai respondendo às sucessivas promessas do outro com a expressão palavras, palavras.
Porque será que me lembrei dessa música ao ler que o secretário geral do partido socialista instruiu os euro deputados socialistas portugueses a apoiarem a candidata alemã do PPE depois desta ter formalizado em carta diversas promessas?
Será porque este modelo de cartas está velho, gasto e só serviu para que tudo ficasse como antes?
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A EMEL ligou o complicómetro
Entrou em funcionamento o complicómetro da EMEL. Em breve, o PAN pedirá estacionamento à porta para quem tem pelo menos dois animais domésticos, já que estes têm de ir ao veterinário, precisam de ser levados de carro para passear, etc., etc.
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Os ursos do Algarve
«A população do Algarve, pouco acima das 400 mil pessoas, duplica no pináculo do calor. Instala-se um novo Algarve de turistas portugueses (fora os outros) no velho Algarve de residentes portugueses (fora os outros). Nada disto é novo. Como não é concluirmos que a imutabilidade pitoresca daquela geografia de excessos se presta, ano após ano, a visões menos condizentes com raios de sol e banhos de maresia. Vias de acesso congestionadas e decrépitas (não falo, obviamente, da A22, onde o assalto nas portagens é dos mais ultrajantes no nosso extenso mapa de extorsão rodoviária, mas sim da remendada mas inescapável EN125); um evidente excesso populacional e o decorrente impacto na sobrecarga das infraestruturas; e, sobretudo, uma resposta paupérrima ao nível dos cuidados de saúde. É sobre este último ponto que quero debruçar-me.
Num dos vários trabalhos que o "Jornal de Notícias" publicou sobre a região, contámos a história de Vera Correia e de Rui Costa, um jovem casal de Silves prestes a ter o primeiro filho, e de quão corajosa se tinha tornado a sua decisão de "programar" o primogénito para nascer no verão. Isto porque o parto pode coincidir com uma data em que a maternidade de Portimão esteja fechada. Ora, se Portimão não der resposta, Vera pode ir para Faro. Mas se Faro não der resposta (hipótese muito provável), o bebé tem de nascer em Lisboa. O marido, Rui, resume de forma cruel o drama desta e de tantas famílias que vivem num Algarve que os portugueses adoram adorar mas adoram esquecer. "Nós não somos ursos. Não existimos só nos meses de verão, para depois hibernarmos e acordarmos no ano seguinte".
Fernando e Alda certamente que concordam: decidiram mudar-se desse mesmo Algarve para Braga pelo direito à saúde. Ele é doente oncológico e desistiu de se tratar na região onde nasceu para poder salvar a vida. "Não há outra hipótese". Os algarvios, ao contrário do que sucede com os ursos-pardos, ainda não estão em extinção. Mas não é de esperar que, para o ano, acordem menos em perigo depois dos nove meses de hibernação e de esquecimento a que já os habituamos.»
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14.7.19
Macron, o mal amado
Hoje, em Paris, nas comemorações da Tomada da Bastilha. Cá se fazem, cá se pagam.
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O Expresso, esse semanário de referência
Enviei ao Expresso a seguinte mensagem:
Exmos. Senhores,
Gosto de Palavras Cruzadas e faço as do vosso jornal desde que este existe. Quando peguei nas publicadas ontem, 13.07.2019, percebi que o paradigma tinha mudado: de simples passatempo, tinha-se passado para uma plataforma em que se permite um graçola de mau gosto sobre uma classe profissional, logo na primeira linha: 1.ENSINAM QUANDO NÃO ESTÃO EM GREVE. (Resposta certa: PROFESSORES.)
Como assinante do vosso jornal, não quero deixar de contribuir para esta vossa nova fase e proponho que, na próxima semana, incluam o seguinte: 1.SEMANÁRIO COM 46 ANOS, QUE JÁ TEVE RESPEITO PELOS SEUS LEITORES. (Resposta certa:?)
Cumprimentos
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Colonialismo e crueldade
«De 1922 a 1927, George Orwell serviu o império britânico no norte da Birmânia, como oficial da polícia. Dele é a frase: “O passado pertence aos que controlam o presente.”
Eric Blair, nascido em 1903, vinha da baixa classe média, ou de uma classe média sem dinheiro, mas entrou em Eton, a mais elitista das escola, a escola dos príncipes. Foi vítima de bullying, e sobreviveu às sevícias e humilhações, mas não tentou frequentar Oxford ou Cambridge. Os cinco anos de snobismo e complexo de casta chegaram. Aos 19 anos, estava na Birmânia. Logo se apercebeu da situação colonial, uma exploração cruel dos nativos pela supremacia branca. Dessa experiência birmanesa resultou um livro, um romance, “Dias da Birmânia”, e dois ensaios de génio, “Shooting an Elephant” (Matar um Elefante) e “A Hanging” (Um Enforcamento). São textos que retratam, com a empatia e compaixão que caracterizavam a escrita seca e precisa de Orwell, a tragédia da exploração capitalista colonial e do racismo. O romance, “Dias da Birmânia”, está escrito num estilo soberbo, enfeitado, que Orwell depois renegou (era o primeiro romance e tinha os vícios habituais) e descreve exemplarmente os tipos coloniais. Não é tanto a crueldade mas a suprema indiferença pelos nativos, os asiáticos, a sua invisibilidade, a prestação esclavagista vista de cima para baixo como um direito do funcionário, do comerciante ou do proprietário colonial. Os nativos, escreveu Orwell, eram para os colonialistas, nativos. Interessantes mas, finalmente, inferiores.
O império estava no estertor, em breve a Índia escaparia das algemas e com ela o Paquistão, e, claro, a Birmânia. A tragédia dos rohingya não é compreensível sem conhecer estes capítulos do colonialismo britânico, que sempre se reclamou, em relação ao português, mais avançado e mais culto, menos brutal e troglodita. Basta ler os guias da Índia para ver como os portugueses são acusados, na sua missão cristianizadora, de terem destruído os belos templos das cavernas da ilha de Elephanta, a que demos o nome, em frente a Bombaim, transformando-os em campos de tiro. As estátuas das divindades hindus estão desfiguradas pelas balas dos portugueses, numa selvajaria profana contra os profanos. Sagrado era o que os cristãos diziam que era sagrado. Quem não fosse cristão, ou se convertia ou era destruído. Este foi o modelo da cristandade portuguesa durante séculos. O padrão e a cruz. Deixámos, por esse mundo fora, um império construtor de fortalezas e igrejas, e legiões de cristãos de pele diferente da nossa. Cristãos católicos da Ásia a África, fomos os responsáveis primeiros.
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