25.2.23

Carruagens

 


Carruagem ferroviária Arte Nova, Utrecht, Países Baixos, 1904.

Daqui.
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Verdades comprovadas

 


(Quando já não há ideias num partido político, apenas restam ambições pessoais.)
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Seriam 80. A sério?

 


«George Harrison nasceu a 25 de fevereiro de 1943, em Liverpool, no Reino Unido. Foi guitarrista, cantor, compositor e produtor que obteve fama internacional como o guitarrista principal dos Beatles. Geralmente denominado “o Beatle quieto”, Harrison aderiu ao hinduísmo e ajudou dessa forma a ampliar os horizontes dos outros elementos que compunham os Beatles.

Como artista a solo, Harrison lançou vários singles e álbuns que se tornaram grandes sucessos e, em 1988, cofundou a superbanda Traveling Wilburys. Músico prolífico e criativo, participou como guitarrista convidado em temas de Badfinger, Ronnie Wood e Billy Preston e colaborou em canções e músicas com Bob Dylan, Eric Clapton, Ringo Starr e Tom Petty, entre outros. A revista ‘Rolling Stone’ posicionou-o na 11.ª posição na lista dos ‘100 Maiores Guitarristas de Todos os Tempos’. Harrison foi também incluído, por duas vezes, no Rock & Roll Hall of Fame: como membro dos Beatles em 1988 e, postumamente, em 2004, pela sua carreira solo.»

Daqui.
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O que é um ponto sem retorno da história: a invasão da Ucrânia

 


«A um ano da invasão russa da Ucrânia não há maneira de fugir do tema, porque qualquer outra matéria é infinitamente menos importante. A invasão é um daqueles pontos sem retorno que na história do mundo marcam um antes e um depois, e a partir do qual nada é semelhante. Precisamos de pensar diferente, e agir de modo novo, até porque uma das características destes pontos sem retorno é serem sempre uma surpresa.

Os eventos mais importantes da história têm essa característica de não serem previsíveis, por muito que a posteriori se reconstruam sequências de causas que parecem apontar para aí. Na verdade, tanto podiam apontar no sentido do evento-surpresa como de muito outros eventos que não aconteceram. A razão desta surpresa é que há uma dimensão não-humana na história que vem da complexidade do mundo e do nome que têm estes artigos de “ruído do mundo”. Ninguém controla tudo, existe o acaso muito mais poderoso do que a necessidade e a “seta do tempo” na história não é diferente da da física: a desordem aumenta.

A invasão russa da Ucrânia vista a posteriori parece ter algumas “razões”. Os propagandistas pró-Putin repetem sempre essas razões com mais ou menos dolo. Uma é de que a guerra começou em 2014, com o “golpe” da Praça Maidan. Mesmo que se admita toda a descrição dos eventos que aparecem associados a esse “golpe”, só um, normalmente escamoteado por esses propagandistas, pode ser considerado o início da guerra, a anexação do território ucraniano da Crimeia, a que o tenebroso “Ocidente” fez vista grossa. Tudo o resto, incluindo o conteúdo anti-russo do “golpe”, está longe de justificar a invasão. A entrada da Ucrânia na NATO e na UE foi sempre recusada pelo “Ocidente”, mesmo que agora se perceba que a “razão” por que foi a Ucrânia invadida aplicava-se aos países bálticos, onde o sentimento anti-russo é virulento, e onde existe um enclave russo, mas que têm sido defendidos até agora por pertencerem à NATO.

A teorização mais ampla da invasão é uma variante da tese geopolítica de Alesandr Dugin sobre a necessidade de combater a unipolaridade resultante do fim da URSS, que implica a hegemonia de valores que são intrinsecamente anti-russos, os do capitalismo, do liberalismo político e traduzem o poder global americano. A Eurásia levantar-se-ia contra essa hegemonia com a ascensão de uma nova versão da URSS, e da China, criando um mundo multipolar em contrapartida da unipolaridade. As suas teses geopolíticas influenciam quer a extrema-direita, quer os restos do movimento comunista.

Em Portugal, Dugin foi editado muito antes da invasão, por uma pequena editora nacional-socialista – e aqui o nome não é um anátema, é mesmo o que é –, e influencia muitos artigos do Avante! e algumas publicações recentes, como o livro de Albano Nunes, um dos raros dirigentes do PCP com enormes responsabilidades na área internacional que ainda diz claramente que o derrube do capitalismo tem que ser feito “pela força”. Os comunistas, de um modo geral, não citam Dugin directamente, mas é evidente a sua influência geopolítica.

O “Ocidente” não tem as mãos limpas em muitos conflitos, particularmente no conflito israelo-árabe e no apoio político à Arábia Saudita, motivado pela necessidade de controlar as fontes de energia, fizeram asneiras trágicas no Kosovo, na Líbia, no Iraque, no Afeganistão, quase sempre com resultados inversos aos pretendidos (uma das características da frase weberiana do “ruído do mundo”), e na guerra mundial contra o terrorismo do ISIS, mas convém lembrar que o 11 de Setembro foi em Nova Iorque e não em Moscovo. Mas à data da invasão da Ucrânia o “Ocidente” estava em recuo, com a política errática de Trump e o seu isolacionismo anti-NATO, e com a renitência dos aliados europeus em cumprir as suas obrigações em despesas militares. Mais ainda: a opinião pública principalmente na Europa desligara-se do apoio à NATO e estava pouco disposta em gastar mais dinheiro na defesa.

Com a invasão, tudo mudou e esse foi talvez o maior erro de Putin. A maioria dos europeus e não só, as nações mais industrializadas do mundo, com excepção da China, conheceram um significativo crescendo da legitimação da NATO e o seu efeito imediato foi o apoio militar crescente à Ucrânia. A tudo isto acresce o apoio político: em nenhuma circunstância Putin pode ganhar a guerra que iniciou. E é isso que impede a “paz” russa e é a primeira grande consequência do ponto sem retorno da invasão.

O mundo depois da invasão russa mudou completamente, em particular a sensação de risco de guerra que induz tanto o medo como a vontade de resistir. Em Portugal, como em muitos outros países, a condenação da invasão é quase unânime e não é fruto da propaganda “ocidental” nem da desinformação. É isso, por exemplo, que num clima da contestação social impede o PCP de recuperar o que perdeu, porque o apoio, enviesado que seja, à invasão é um forte anátema junto da opinião pública, mesmo para muitos militantes do PCP. Acresce que não há nenhuma fidelidade a “princípios” que justifique a atitude ambígua face à invasão, e isto é um eufemismo, a Rússia de Putin é uma versão autocrática e imperial, eslavófila, e a ideia da Eurásia versus “Ocidente” é muito parecida com a de “espaço vital” hitleriano. Ambas têm em comum uma afirmação de valores entre o paganismo e a ortodoxia, contra a decadência do “Ocidente”, dito de outras maneiras, contra as democracias. A correlação entre a democracia e a decadência tem uma longa e sinistra história.

A partir do momento em que isso tem uma expressão militar agressiva, acabou a complacência. Não é uma guerra semelhante à Guerra Fria, é mesmo uma guerra a sério que tem que ser ganha no plano convencional. Se passar daí, é o Armagedão, mas isso também “eles” sabem.»

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Lucy in the sky...

 


Os responsáveis pela subida das rendas são o Bloco e o PCP - diz ele...
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24.2.23

Água

 


Conjunto para água Arte Nova, Fritz Heckert boémio, vidro esmaltado, 1900.
 
Daqui.
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Grande entrevista a André Ventura

 


Já foram publicadas as duas partes (aviso já que são longas…) que demonstram que pode haver entrevistas muito úteis e bem diferentes daquelas a que estamos habituados, tanto no conteúdo como no estilo. Créditos para a jornalista Salomé Martins Leal.

Primeira parte:

Segunda parte:
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24.02.1927 - David Mourão-Ferreira

 


David Mourão-Ferreira faria hoje 96 anos. Um dos nossos grandes poetas do século XX, ficcionista também (quem não se recorda de Um amor feliz), acidentalmente político como Secretário de Estado da Cultura, de 1976 a Janeiro de 1978 e em 1979, autor de alguns poemas imortalizados pelo fado, na voz de Amália Rodrigues.

Dois poemas ditos pelo próprio:






Amália:




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Minuto de silêncio pelas vítimas da guerra na Ucrânia (sem a presença do PCP e do PAN)



 


«Fonte oficial do gabinete de Inês de Sousa justificou à agência Lusa a ausência da deputada com o facto de os trabalhos da comissão eventual para a revisão constitucional terem terminado na quinta-feira já depois das 22:30.

Em comunicado divulgado na quinta-feira, o PCP considerou de “particular gravidade” o “posicionamento de submissão” do Governo português perante a “escalada armamentista” na Ucrânia, e defendeu ser premente que “os Estados Unidos, NATO e União Europeia cessem de instigar e alimentar a guerra”.»

Comentários para quê?
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Grande melão

 


«Quando três membros do Governo passam quase três horas a anunciar um pacote de medidas ao país, o caso é sério. Todos guardamos marcas mais ou menos impressivas da tortura que eram as infindáveis conferências de imprensa do ministro Vítor Gaspar a anunciar colossais aumentos de impostos nos tempos do país falido, e, embora a galáxia socialista seja perita em propaganda, percebeu-se que a aparição de António Costa, Fernando Medina e Marina Gonçalves não era para falar de vacas que voam. Com a habitação já não dá para brincar mais.

O primeiro-ministro sabe disso há muito tempo, mas pecou onde normalmente peca — deixa andar, que logo passa —, e foi de promessa em promessa até ao falhanço final. Em 2015 vinham milhares de casas, em 2018 a luz chegaria em 2024, mas no arranque de 2023 Costa levou com uma sondagem na testa. Realizado em dezembro, ainda antes da remodelação que criou precisamente o Ministério da Habitação, o estudo de opinião do ISCTE para o Expresso e a SIC era claro: 90% dos portugueses diziam que há um problema com habitação no país. E dissecavam-no em linha com o que há muito é percecionado por toda a gente: falta habitação pública, falta regulação do mercado, falta oferta privada e pesa o Alojamento Local. Aos partidos, o estudo apontava a falha de não colocarem a habitação como central na discussão política. E de repente o mundo mudou.

O pacote parece um teste de cruzinha — prefere um apoio à renda, um benefício fiscal no crédito, um arrendamento compulsivo ou que o Estado lhe subalugue a casa — e deixou-se contaminar pela ideia mais tóxica que a direita abocanhou para fazer barulho. Mas os pés de barro do pacote são outros. Helena Roseta, que sabe do que fala desde que, em 2018, teve que bater com a porta do grupo de trabalho que no Parlamento preparava medidas sobre arrendamento porque o PS decidiu adiar tudo por razões orçamentais e só deu luz verde à lei de bases da habitação um ano depois, já veio pôr o dedo na ferida. “Uma publicação em PowerPoint não substitui o acesso aos projetos de diploma necessários”, até porque “há medidas que já existem e há outras que já se tentaram e não deram em nada”.

Depois de sete anos a empurrar com a barriga, o Governo fez o que se faz sempre quando as sirenes tocam — disparou uma bazuca. E está todo contente porque já ninguém o pode acusar de não ter iniciativa política. Mas, quando o Presidente da República comparou o pacote a um melão, expôs a fragilidade da coisa: nem o Governo sabe o que vai sair dali.

A crer noutra sondagem, desta vez da Universidade Católica — estamos sempre a duvidar delas, mas voltamos sempre lá —, António Costa tem tempo. Mais de metade dos inquiridos (53%) acha o desempenho do Executivo socia¬lista mau ou muito mau, mas 70% defendem que o melhor é, mesmo assim, deixá-lo cumprir o mandato até ao fim. Faltam três anos e Costa conhece bem o país — deixa andar, que passa. Pode ser que o melão se aproveite.»

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Um ano

 

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23.2.23

Mansões

 


Mansão Ahmet Afif Pasha Yali, Arte Nova, em Yenikoy, Istambul, 1900-1910.
Arquitecto:Alexandre Vallaury.
A Mansão Yali (mansão à beira-mar) está localizada na costa europeia do Mar do Bósforo.

Daqui.
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23.02.1987 – Desde há 36 anos, o Zeca de outra maneira

 


Já tudo foi escrito, já tudo foi recordado, nada será esquecido. Mas é sempre uma data para voltar a ouvir algumas das suas canções, entre tantas possíveis, e o extraordinário concerto, no Coliseu de Lisboa, em 1983. Quem lá esteve nunca o esquecerá. E eu estive.



Mais vídeos AQUI.
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Humor à maneira

 

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Brasões da Praça do Império: como criar património colonial em 2022

 


«Por duas vezes, em 2016 e 2021, alguns milhares de pessoas assinaram duas petições promovidas pela Nova Portugalidade, uma associação de extrema-direita que se tem dedicado ao revisionismo histórico em relação ao Estado Novo. O objetivo dos peticionários era garantir, na requalificação da Praça do Império, em Lisboa, “a não remoção dos brasões florais ali existentes no passado” (que incluíam os das antigas províncias ultramarinas, hoje Estados independentes), porque a praça projetada “deve ser preservada fiel, autêntica e integralmente”. A não remoção de uma coisa que existiu no passado desafia, à partida, a lógica, mas já lá vou.

Para os peticionários, o projeto de reformulação da praça teria o “propósito claro, indisfarçável e puramente ideológico de remover os brasões, em particular os que aludem ao antigo Ultramar português, num ato de lastimável talibanismo cultural” e numa “manipulação autoritária da História e o afunilamento de opiniões”. Um afunilamento que resultaria da “importação de uma tradição que não é portuguesa, mas anglo-saxónica”. A tradição genuinamente portuguesa seria, claro, a que afirma que “Portugal foi uma nação africana”. A deles.

A Nova Portugalidade exigia, assim, que se suspendesse o atual projeto e “promover um projeto de reabilitação que não preveja alterações formais e conceptuais, valorizando toda a estrutura existente e preservando-a integralmente para o futuro, incluindo todos os brasões florais, históricos e ultramarinos, lá representados.”

A PRAÇA QUE ORIGINALMENTE NÃO TINHA BRASÕES

Comecemos pelo mínimo de enquadramento (aconselho, para análise mais pormenorizada deste caso, a leitura exaustiva do relatório da Assembleia Municipal de Lisboa sobre a petição, muitíssimo útil para este artigo), que faltou a muito colunista automático que, em 2016 e 2021, veio em defesa do património e contra a reescrita da História, contribuindo para um atentado ao património e para reescrever a História.

O Jardim da Praça do Império, desenhado pelo arquiteto-chefe da Exposição do Mundo Português de 1940, Cottinelli Telmo, ajardinado por Vasco Lacerda Marques, tendo no centro uma fonte com as armas das famílias dos principais descobridores, autoria de António Lino, ligou o Mosteiro dos Jerónimos ao rio. Para isso, o edificado então ali existente foi demolido. E não havia brasões alguns.

A escolha deste espaço para a exposição de propaganda do Estado Novo, em 1940, tinha uma história. A centralidade daquela zona para a exaltação da identidade nacional e imperial vinha de antes: da reabilitação do Mosteiro dos Jerónimos; da trasladação das ossadas de Camões para os Jerónimos; da escolha de Belém para a comemorações do nascimento do Infante D. Henrique, da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia e do Achamento do Brasil, no final do século XIX; e da escolha do Palácio de Belém como sede da Presidência, em 1912.

Na década de 1960, na celebração dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique, foi usada de novo. O Padrão dos Descobrimentos, que pretendia ser efémero para a exposição de 1940, foi só então construído em betão e pedra. E, nesse mesmo momento, acontece a XI Exposição de Floricultura, em que são exibidas as armas das capitais de distrito, das províncias ultramarinas e das ordens de Aviz e de Cristo. Tratava-se de uma exposição provisória, que não fazia parte do projeto original de Cottinelli Telmo e Vasco Lacerda Marques. Fruto do seu anacronismo e efemeridade, acabou, como geralmente acontece, abandonada e irreconhecível.

Em 2015, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou um concurso de conceção para a elaboração de projeto de renovação do Jardim da Praça do Império. O júri era composto por Simonetta Luz Afonso, Adriano Moreira, Elsa Peralta, um representante da Associação de Arquitetos Paisagistas, três representantes dos serviços da Câmara. Simoneta Luz Afonso e Adriano Moreira estariam, tenho a certeza, como representantes do “talibanismo cultural e indisfarçável pulsão ideológica”. O projeto não contemplava a “conservação” dos arranjos florais com os brasões.

Até que os ativistas da Nova Portugalidade apareceram. Não se tratava de manter as coisas como estavam, mas, em 2021, tornar permanente o que não o fora, reconstruindo o passado no presente. Mas o que tinham em mente era mais do que isso, como veremos.

SEM VALOR PATRIMONIAL

Nunca esteve em causa qualquer atentado ao património. O projeto de restauro respeitava a Carta de Florença, onde se lê que “se um jardim desapareceu totalmente ou se os vestígios que restam servem apenas para traçar conjeturas sobre as suas sucessivas fases, a reconstituição não deve ser considerada”. E até se diz que, “em princípio, não se deve privilegiar uma época em prejuízo das demais”, que foi o que os peticionários defenderam, privilegiando uma intervenção efémera, no quadro de uma Exposição de Floricultura, entretanto perdida, em prejuízo do projeto inicial. Não por razões patrimoniais, mas políticas.

Por outro lado, os brasões não eram património classificado. E não é por acaso. Não preenchem qualquer requisito presente na Lei de Base de Proteção do Património Cultural, como se explicava no relatório da Assembleia Municipal: não são marcados por uma específica autoria, não apresentam desenhos originais, não correspondem a elementos de antiguidade e memória coletiva da cidade e nem se inserem no perfil arquitetónico do projeto da Praça do Império.

Por fim, estamos perante as ruínas do que foi arte efémera, nunca pensada para ali permanecer como património. Claro que pode haver uma passagem do efémero para o perene. Foi o que se fez, por razões políticas e não patrimoniais, com o Padrão dos Descobrimentos, em 1960. Mas quando se quer preservar na memória a arte efémera ela é fotografada, por exemplo. A própria Assembleia Municipal recomendou que fosse criado um circuito interpretativo, no túnel de acesso ao Padrão dos Descobrimentos, mostrando a evolução da Praça. Só que a Nova Portugalidade procurava uma afirmação política, não uma preservação patrimonial. Se as coisas fossem como defendem, andávamos a preservar os murais do MRPP, que têm o valor histórico de retratar um determinado período da nossa vida política. Não o fazemos.

Foi o próprio Cottinelli Telmo a escrever: “conservar bocados da Exposição (...) parece-me erro! São restos, ruínas, farrapos.” Imagine-se em relação a uma exposição temporária de floricultura, plantada duas décadas depois.

Sobrava então o “valor espiritual”, um eufemismo dos peticionários para falar do “valor ideológico” do que não tem valor patrimonial. E aí, entramos no debate estritamente político em que o país que construiu o seu regime democrático constitucional com base no fim da sua vocação imperial quer celebrar, não as “descobertas” ou a expansão, mas a possessão das colónias, que os brasões representam, na sua marca datada dos anos 60. É bom recordar que estes brasões foram criados em 1935, sem qualquer lastro histórico para além de alguns elementos heráldicos anteriores. Ou seja, mesmo do ponto vista simbólico o seu valor patrimonial é irrelevante.

Não era sequer o Império que os peticionários queriam celebrar, era a representação política que o Estado Novo fazia do Império. Não por acaso, repetiram, na petição, toda a retórica e a linguagem que a ditadura usava para o caraterizar. Não havendo qualquer tentativa de preservação patrimonial que, como veremos, os próprios peticionários abandonaram para abraçar uma solução que desrespeita grosseiramente o que ali alguma existiu ou foi projetado, é um património político e ideológico, eles sim, que defenderam.

CRIAR PATRIMÓNIO PARA REABILITAR O COLONIALISMO

Numa coisa estava toda a gente de acordo: a recuperação dos brasões era, pelo nível de degradação e a inexistência de profissionais especializados para o fazer, inviável. Os próprios peticionários reconheciam que o património que o projeto de recuperação supostamente iria destruir era irrecuperável. Ou seja, a conversa da destruição patrimonial serviu para agitar fantasmas que uns idiotas inúteis transformaram em crónicas indignadas. Não havia nada de recuperável.

Da defesa da manutenção do projeto construído pelo Estado Novo, porque nada podia ser mudado, os peticionários passaram para a fase seguinte: aquilo poderia ser reproduzido na calçada, dando-lhe o caráter permanente que nunca teve. Subitamente, o argumento que tinha sido usado contra todas as alternativas apresentadas (como a reprodução dos símbolos heráldicos dos atuais Estados de Língua Oficial Portuguesa), que era o respeito absoluto pelo projeto de Cottinelli Telmo, evaporou-se. Podíamos, afinal, recriar, mudar, inventar. Até podíamos fixar no chão os brasões que o Estado Novo criou para as colónias, em pleno século XXI. Já não estamos a falar de preservação de seja o que for, mas da construção, em 2022, de um monumento ao colonialismo, com brasões de províncias ultramarinas que não existem, projetadas e desenhadas agora, sem relação com o que alguma vez existiu ou teve para existir.

O que eles queriam não era conservar património que já era irrecuperável, mas criar património novo. Às expensas da autarquia, exigiam ter um monumento às suas próprias convicções políticas. Este grupo político de extrema-direita, que se faz passar por defensor da memória histórica, apossou-se de uma praça de Lisboa, como se tivesse qualquer direito de pernada sobre a história do país, apesar da ditadura de que se sentem herdeiros ter sido derrotado há quase meio século.

Na petição, lamentava-se ser dada “mais atenção ao memorial à Escravatura no Campo das Cebolas do que à comemoração da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”. Esclarecedor é que o indigno empedrado já tenha sido inaugurado com a presença do Presidente da República, enquanto o memorial nem ainda saiu do papel. Talvez diga alguma coisa do poder que estas pessoas vão ganhando.

Dirão que nada disto tem importância, são apenas pedras de calçada. Equívoco displicente. A extrema-direita sempre teve, em Portugal, um problema para se impor: a memória. O que ali estava em causa não eram os símbolos do Império, mas os símbolos do Estado Novo, para quem o Império era instrumental. Desmemoriar, passando a contar a nossa História através da imagética do Estado Novo, é essencial para se naturalizar. E fazem-no à boleia de quem não quer chatices com coisas simbólicas.

E assim conseguiram impor a Lisboa, em pleno século XXI e em nome da proteção do património que nunca existiu, um empedrado definitivo com brasões coloniais que nunca estiveram projetados ou existiram dessa forma, tornando definitivos arranjos florais que se pretendiam efémeros. Nunca foi a preservação do património, que os próprios não se importaram de adulterar grosseiramente, que esteve em causa. Foi a afirmação, no presente, de um discurso derrotado pela História. Foi, ao contrário do que acusam outros, uma afirmação estritamente ideológica.»

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22.2.23

José Medeiros Ferreira

 


A não perder: este documentário quando for exibido na RTP 2. Vim há pouco da antestreia e gostei muito.
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Medidas sobre Habitação?

 


De PowerPoint em PowerPoint até se chegar a um PDF. Entretanto, «Keep Calm».
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36 anos sem o Zeca

 



Amanhã, não hoje...
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Volta para a tua terra: o exemplo de Get Back dos Beatles

 


«Poucos saberão que o “volta para a tua terra” tão caro à extrema-direita (e aos que com ela namoram) poderia ser a melhor tradução para Get Back dos Beatles, editado em single, em Abril de 1969, e incluído no álbum Let it Be, em 1970. Chegou a chamar-se No Pakistanis e o objetivo era ridicularizar o discurso anti-imigração que proliferava na Grã-Bretanha da altura.

A inspiração proveio do discurso “Rivers of Blood” (Rios de Sangue) proferido pelo parlamentar inglês Enoch Powell, num encontro do Partido Conservador, em Birmigham, a 20 de Abril de 1968. Powell afirmou que os ingleses brancos deixariam de ter emprego, leito no hospital ou lugar na escola para os filhos por causa do número crescente de imigrantes, cujo modo de vida lhes era estranho. Os imigrantes iriam conduzir o Reino Unido ao caos e à guerra social e fazer correr sangue. Sem esquecer o seu comprometimento com uma visão de superioridade da cultura ocidental, Powell recorreu a uma passagem do livro VI da Eneida de Vergílio, em que uma profecia da Sibila de Cumas fala do “Tibre a espumar com muito sangue”. Powell pretendia impedir o Race Relations Act (Projeto de Lei de Relações Raciais) que o parlamento viria a aprovar e tinha o apoio do governo trabalhista de Harold Wilson.

Get Back surgiu numa jam session dos Beatles, nos Twickenham Studios, em Janeiro de 1969, e Paul McCartney resolveu usar uma passagem da letra de Sour Milk Sea de George Harrisson, que tinha sido gravado por Jackie Lomax, em que se dizia “Get back to where you should be”. A letra relacionava-se com os ensinamentos filosóficos de Guru Maharishi, mas a intenção de Get Back era diferente: combater os preconceitos racistas em relação aos imigrantes, principalmente os de origem paquistanesa, preconceitos reforçados com o discurso de Powell. Uma das letras iniciais chegou a incluir a frase “don’t dig no pakistanis, taking all the people jobs” (“não aceitem paquistaneses ficando com todos os empregos”), para além de referências a emigrantes porto riquenhos nos EUA. Contudo, os Beatles acabaram por mudar a letra e o título da canção com receio que a ironia fosse mal interpretada e acabasse por servir propósitos racistas e anti-imigração.

Nas versões editadas em disco, os Beatles mantiveram o refrão “Get Back to where you once belonged”, mas a assertividade da versão original perdeu-se. Tanto que chegou a correr o boato de que era uma mensagem para a namorada de John Lennon, Yoko Ono, de que ela não era bem-vinda entre o grupo.

Nas últimas décadas, os discursos anti-imigração tornaram-se uma das bandeiras da extrema-direita nos países mais desenvolvidos, esquecendo-se os seus defensores da importância dos imigrantes não só para a economia e a sobrevivência do estado social, mas para a transformação cultural. Sem imigrantes não teria havido jazz, nem rock, nem reggae, nem hip-hop, nem outros estilos musicais que nasceram das influências culturais. Sem essa mistura nem sequer o fado teria existido.... Uma política racista de escolha selectiva de imigrantes, como alguns propõem, terá como consequência a estagnação económica, social e cultural. E a música contemporânea, cada vez mais marcada pelos fluxos migratórios, será uma das áreas da produção cultural mais atingidas.»

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Contra Regra (4)

 


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21.2.23

Fachadas

 


Fachada na Casa "Pons i Trabalho " Barcelona, 1908.
Arquitecto: Joan Baptista Pons i Trabal.


Daqui.
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Assim, como?

 

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Manuel Linda

 


O tempo passa e esquecemos que certas pessoas vão somando graves dislates quando abrem a boca.

Caí hoje em afirmações do bispo do Porto, que ouvimos recentemente a propósito de pedofilia, e que, exactamente há três anos, abordava o tema da eutanásia e dizia que, para muitos, “cultura necrófila sobrepôs-se à defesa da vida”. (Observador, 21.02.2020)

Suspeito que ninguém lhe terá então explicado o que é «necrofilia»: «acto de violar cadáveres, utilização de cadáver para saciar desejos sexuais; uso de cadáver com finalidade sexual. Atracção sexual mórbida por cadáveres».

E assim vamos, com a cabeça entre as orelhas…
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Lisboa, uma cidade de desigualdades

 


«Ler as histórias de sobrelotação habitacional que se seguiram ao incêndio da Mouraria na rua do Terreirinho fez-me detestar, por momentos, aquilo em que se transformou Lisboa. Cresci nesta cidade, vivi nela durante muitos anos, conheço os bairros, é o meu local de trabalho. Assisti à gentrificação de Lisboa nos últimos anos, à entrada de fundos imobiliários estrangeiros que saquearam a cidade, ainda antes de esta se tornar moda entre os nómadas digitais.

E todos assistimos à implosão de vistos Gold que fomentou a compra de imóveis por valores elevados, apenas para servirem como meio de obtenção de títulos de residência e nacionalidades.

Numa cidade com um parque habitacional público tão reduzido, era uma questão de tempo até chegarem as consequências dramáticas. A especulação imobiliária praticada pelos proprietários foi estrangulando quem desejava continuar a habitar na cidade, tornando muito difícil a possibilidade de adquirir imóveis ou de arrendá-los com rendimentos demasiado baixos face à especulação praticada.

Lisboa tem atraído desde os mais ricos até aos mais pobres, e é na diferença de tratamento que conseguimos ver como se tornou uma cidade de profundas desigualdades. Os milhares de migrantes que partem dos seus países de origem e escolhem Lisboa para uma vida melhor encontram dificuldades de todo o tipo: burocráticas (junto das autoridades competentes lentas ou ausentes) e de procura de habitação (face a proprietários que muitas vezes recusam arrendar a imigrantes mesmo tendo contratos de trabalho).

Na verdade, são as suas comunidades já presentes em Lisboa que têm feito o papel de mediação cultural, acolhimento e integração.

Observámos a cidade a adaptar-se a uma economia da precariedade que faz com que muitos destes imigrantes apenas consigam obter uma fonte de rendimento através dos seus transportes, sem vínculos ou proteção laboral, trabalhando o máximo número de horas possível em plataformas de entrega de refeições ou transporte.

Durante a pandemia foram esses trabalhadores que vimos nas ruas desertas a garantirem a sobrevivência de tantos pequenos negócios, garantindo também que nada faltava aos que permaneciam em teletrabalho.

Não é invulgar descer a Avenida da Liberdade e vê-los a dormir em bancos de jardim durante pequenas pausas agarrados às bicicletas como se se agarrassem à vida. É principalmente na Mouraria que muitas destas comunidades já criaram raízes e ainda têm a hipótese de encontrar um quarto ou uma cama.

É uma população vulnerável por ser alvo de racismo e xenofobia, de exploração laboral, mas também exploração habitacional, com proprietários a cobrar, sem escrúpulos, por beliches em espaços com condições indignas e de sobrelotação. O incêndio da Mouraria não foi espoletado por uma crise de imigração, mas sim por uma crise de habitação transversal a muitas classes e origens, um dos maiores problemas sociais que enfrentamos.

O diagnóstico está feito há algum tempo, mas a quem compete apresentar soluções? Ao Governo, a órgãos nacionais, mas também às autarquias. Nenhum pode descartar responsabilidades. E, lamentavelmente, o que vimos nos últimos tempos foram tentativas à direita de criar a narrativa de que este seria um problema de imigração.

Não é a chegada de imigrantes que causa o problema, é a falta de condições políticas e de vontade política para que todos, sem exclusão, possam habitar e trabalhar nesta cidade sem risco para a sua vida e dignidade.»

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20.2.23

Bons tempos...

 

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Copo meio cheio

 





Fevereiro é um excelente mês para viajar pelo hemisfério Sul e diz-me o Facebook que, em 20 de Fevereiro, já me aconteceu estar na desconcertante Singapura, em Cópan, nas Honduras, onde iniciei um minucioso percurso pela civilização Maia em vários países da América Central, e em Napier, na Nova Zelândia, uma cidade que enche os olhos com edifícios «Art Déco», reconstruídos depois de um terrível terramoto que os destruiu em 1931.

Confinada já não estou, como em anos passados, e finada ainda não – o que já não é nada mau!
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José Medeiros Ferreira

 


Chegaria hoje aos 81. Faz falta.

Para informação adicional clicar AQUI.
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Os esquecidos dos sismos

 


«Faz hoje duas semanas, a terra tremeu violentamente na Turquia e na Síria. Nos últimos dias, o mundo comoveu-se com as histórias de sobrevivência de gente que desafiou todas as probabilidades e foi retirada com vida dos escombros dos prédios onde viviam. Não haverá muitas mais para contar. Ontem as operações de busca foram oficialmente suspensas na maior parte do território turco.

O último balanço ronda os 45 mil mortos, a maioria na Turquia. Mas, duas semanas depois, continuamos a não ter noção real do que se passa na Síria.

Várias organizações têm lançado apelos dramáticos sobre a situação no Noroeste do país. Estamos a falar de uma região controlada por forças opostas ao Presidente Bashar Al-Assad onde mais de quatro milhões de pessoas já dependiam de assistência humanitária antes dos terramotos.

Mas, depois dos sismos, o apoio humanitário não só não aumentou, como foi travado a fundo.

“Temos falhado com as pessoas no Noroeste da Síria. Sentem-se abandonadas com razão”, reconhecia, há dias, Martin Griffiths, secretário-geral da ONU para os Assuntos Humanitários.

Duas passagens fronteiriças para a zona mais afectada pelo sismo, que Assad manteve fechadas nos últimos anos, foram entretanto aprovadas pelo Conselho de Segurança. Mas os dias passam – e as poucas organizações no terreno continuam a traçar o cenário de uma região esquecida.

O apoio que tem vindo a chegar de fora é insignificante, afirmou a Médicos Sem Fronteiras neste domingo. Com um alerta: está a ficar com os armazéns vazios. David Beasley, do Programa Alimentar Mundial, disse o mesmo à margem da Conferência de Segurança de Munique. Está a ficar sem dinheiro para a operação na Síria.

O que se está a passar naquela região já devastada pela guerra, e onde se estima agora que 8,8 milhões de pessoas precisem de apoio, exige um nível de solidariedade internacional que não temos estado a ver – os EUA acabam de dar um sinal com um reforço de 100 milhões de dólares que se somam aos 85 milhões aprovados anteriormente para ajuda humanitária na Turquia e na Síria.

Mas é também preciso mais empenho político para enfrentar outros obstáculo: os rebeldes que controlam o Noroeste do país estão a dificultar a chegada dos parcos apoios, segundo a ONU; e várias organizações dizem que, se Assad não autorizar a abertura de mais postos fronteiriços, será impossível fazer chegar o apoio necessário.

“A menos que a Europa queira uma nova onda de refugiados”, como disse Beasley em Munique, é essencial que a comunidade internacional deixe de falhar e se envolva a sério.»

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19.2.23

Chá

 


Caixa para cá em estilo japonês, de prata, cobre e outros metais. Cerca de 1880.
Tiffany & Co, desenho de Edward Chandler Moore.

Daqui.
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Carnaval?

 



Parece que foi o primeiro grande sucesso do Chico. Há 57 anos? Não pode ser, foi anteontem!

HOJE, na TV Brasil:

«As artistas realizam performances de clássicos da obra de Chico Buarque como "A Banda", "Quem te viu, quem te vê", "Sem Compromisso", "Noite dos Mascarados", "Construção", "Apesar de Você", "Roda Viva" e "Vai Passar". Entre outros sucessos do cantor e compositor, a produção conta com grandes títulos do cancioneiro nacional como "Canto de Ossanha", dos saudosos Baden Powell e Vinícius de Moraes, e a marchinha "Ó Abre Alas", de Chiquinha Gonzaga.
O bloco presta homenagem a Gal Costa ao interpretar o hit "Balancê". A composição de Alberto Ribeiro e João de Barro, o Braguinha, foi uma obra marcante na carreira da artista baiana. A regravação da música em 1979 colocou a diva em destaque na cena da MPB.»


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António Gedeão (Rómulo de Carvalho)

 


Morreu num 19 de Fevereiro. Há 26 anos.

Clicar AQUI.
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E se discutíssemos política a sério?

 


«Nos últimos meses não se tem discutido política, no sentido nobre da palavra, mas sim coscuvilhice, a que dificilmente se pode chamar política. Os grandes temas, no sentido de projecto de soluções ou interrogações sobre elas, não têm feito parte nem dos meios de comunicação, nem das redes sociais, nem do debate no Parlamento. Além do mais, isto é tóxico para a saúde mental e social das pessoas, já de si sujeitas diariamente às descrições da guerra e às dificuldades da vida quotidiana com a inflação e os anúncios de possibilidade de recessão. É a insegurança e o perigo que se respiram na sociedade.

Excepto um ou dois casos, que devem ser discutidos no contexto da orientação política, tudo o resto é actividade detectivesca, para servir interesses de combate político rasteiro. O esquema é conhecido e até já deu lugar a estudos académicos. Da parte das estruturas do Ministério Público há “fugas” de novidades ou de matérias que já deviam estar arrumadas. São publicadas em dois tipos de jornais com públicos bem diferentes, ou mesmo num pequeno jornal regional. Daí partem para as redes sociais, onde são alimentadas de dados e de comentários que não têm que responder a ninguém em termos de responsabilidade. E está feito um caso. As agências políticas vão trabalhá-lo. Os jornais sérios e as televisões não têm outro remédio senão pô-los também na agenda. Esta actividade detectivesca é muito mais rentável do que seguir o membro de um casal a mando do outro.

Eles pensam?

Entretanto, a oposição de direita não diz quais são os seus projectos e soluções para a situação actual. O que é que pensam em termos de industrialização do país? Não basta dizer que é necessário injectar dinheiro na “economia”. Qual economia? O que é que analisam em termos de inflação, da dívida pública, do risco da recessão? O que é que pensam da evolução da guerra europeia, da ajuda portuguesa, do papel da Europa?

Qual é o plano que têm em relação aos salários, às reformas? Que ideias concretas têm em relação à pobreza, que se estende a mais de um quarto da população? Qual é a posição que tomam e as soluções para as colocações, os vínculos e as carreiras dos professores? Qual o plano que defendem para salvar o Serviço Nacional de Saúde? O que pensam do número de camas hospitalares? E concretamente, o que propõem para fixar os profissionais deste sector no serviço público?

Que análise fazem, detalhadamente dos vários sectores de aplicação do PRR? Que proposta é que têm para diminuir a utilização de combustíveis fósseis? O que é que propõem para a Administração Pública?

Estou a falar de propostas concretas, com números, com avaliação do existente e soluções para o futuro. Não falo de protestos, críticas soltas, palavras de ordem, mesmo que ditas com veemência. Seria uma boa discussão, séria, nestas matérias. E tal como o primeiro-ministro disse a respeito dos casos, o Governo tem-se posto a jeito. Na Educação, na Saúde, nos salários, no funcionamento da Administração Pública, não estão à vista ou em curso soluções concretas e sólidas, apesar dos discursos estereotipados – finalmente há uma proposta na habitação.

E a oposição de direita não pensa, fala sem saber. No entanto, tem muito mais palco do que a oposição de esquerda. Este clima é muito propício a situações perigosas. É inegável que o neoliberalismo deu lugar a desigualdades crescentes. E o ostentado luxo dos muitos ricos faz nascer fantasias miméticas em cabeças mais simples dos pobres e mal remediados, que gostariam de ser assim e não só através das revistas de cabeleireiro e as histórias do jet set.

Organizações de extrema-direita mostram-lhes soluções e salvadores. Fazem-lhes ver que o capitalismo, limpo de “casos”, será bom e chegará a todos. Lembremo-nos do papel do juiz Sérgio Moro e da sua rede no Brasil, no lançamento do bolsonarismo. E não esqueçamos a tentativa de golpe de Estado, com militares, ocorrida há poucos meses na Alemanha e de que ninguém voltou a falar, excepto o jornal online setenta e quatro, num bom artigo. E da ascensão da extrema-direita em todos os países da Europa.

Há todos os ingredientes – mal-estar psicológico e social, política à base de “casos”, empobrecimento, dificuldades de acesso à administração pública, redes sociais sem filtro, a guerra e o seu armamentismo, poucas soluções reais à vista. Os protestos apresentados são espampanantes, apalhaçados, como foram sempre nesse quadrante. E vêm ao encontro do “até têm razão”, que ouve por aí quem anda na rua de olhos e ouvidos abertos.»

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