«Nos últimos meses não se tem discutido política, no sentido nobre da palavra, mas sim coscuvilhice, a que dificilmente se pode chamar política. Os grandes temas, no sentido de projecto de soluções ou interrogações sobre elas, não têm feito parte nem dos meios de comunicação, nem das redes sociais, nem do debate no Parlamento. Além do mais, isto é tóxico para a saúde mental e social das pessoas, já de si sujeitas diariamente às descrições da guerra e às dificuldades da vida quotidiana com a inflação e os anúncios de possibilidade de recessão. É a insegurança e o perigo que se respiram na sociedade.
Excepto um ou dois casos, que devem ser discutidos no contexto da orientação política, tudo o resto é actividade detectivesca, para servir interesses de combate político rasteiro. O esquema é conhecido e até já deu lugar a estudos académicos. Da parte das estruturas do Ministério Público há “fugas” de novidades ou de matérias que já deviam estar arrumadas. São publicadas em dois tipos de jornais com públicos bem diferentes, ou mesmo num pequeno jornal regional. Daí partem para as redes sociais, onde são alimentadas de dados e de comentários que não têm que responder a ninguém em termos de responsabilidade. E está feito um caso. As agências políticas vão trabalhá-lo. Os jornais sérios e as televisões não têm outro remédio senão pô-los também na agenda. Esta actividade detectivesca é muito mais rentável do que seguir o membro de um casal a mando do outro.
Eles pensam?
Entretanto, a oposição de direita não diz quais são os seus projectos e soluções para a situação actual. O que é que pensam em termos de industrialização do país? Não basta dizer que é necessário injectar dinheiro na “economia”. Qual economia? O que é que analisam em termos de inflação, da dívida pública, do risco da recessão? O que é que pensam da evolução da guerra europeia, da ajuda portuguesa, do papel da Europa?
Qual é o plano que têm em relação aos salários, às reformas? Que ideias concretas têm em relação à pobreza, que se estende a mais de um quarto da população? Qual é a posição que tomam e as soluções para as colocações, os vínculos e as carreiras dos professores? Qual o plano que defendem para salvar o Serviço Nacional de Saúde? O que pensam do número de camas hospitalares? E concretamente, o que propõem para fixar os profissionais deste sector no serviço público?
Que análise fazem, detalhadamente dos vários sectores de aplicação do PRR? Que proposta é que têm para diminuir a utilização de combustíveis fósseis? O que é que propõem para a Administração Pública?
Estou a falar de propostas concretas, com números, com avaliação do existente e soluções para o futuro. Não falo de protestos, críticas soltas, palavras de ordem, mesmo que ditas com veemência. Seria uma boa discussão, séria, nestas matérias. E tal como o primeiro-ministro disse a respeito dos casos, o Governo tem-se posto a jeito. Na Educação, na Saúde, nos salários, no funcionamento da Administração Pública, não estão à vista ou em curso soluções concretas e sólidas, apesar dos discursos estereotipados – finalmente há uma proposta na habitação.
E a oposição de direita não pensa, fala sem saber. No entanto, tem muito mais palco do que a oposição de esquerda. Este clima é muito propício a situações perigosas. É inegável que o neoliberalismo deu lugar a desigualdades crescentes. E o ostentado luxo dos muitos ricos faz nascer fantasias miméticas em cabeças mais simples dos pobres e mal remediados, que gostariam de ser assim e não só através das revistas de cabeleireiro e as histórias do jet set.
Organizações de extrema-direita mostram-lhes soluções e salvadores. Fazem-lhes ver que o capitalismo, limpo de “casos”, será bom e chegará a todos. Lembremo-nos do papel do juiz Sérgio Moro e da sua rede no Brasil, no lançamento do bolsonarismo. E não esqueçamos a tentativa de golpe de Estado, com militares, ocorrida há poucos meses na Alemanha e de que ninguém voltou a falar, excepto o jornal online setenta e quatro, num bom artigo. E da ascensão da extrema-direita em todos os países da Europa.
Há todos os ingredientes – mal-estar psicológico e social, política à base de “casos”, empobrecimento, dificuldades de acesso à administração pública, redes sociais sem filtro, a guerra e o seu armamentismo, poucas soluções reais à vista. Os protestos apresentados são espampanantes, apalhaçados, como foram sempre nesse quadrante. E vêm ao encontro do “até têm razão”, que ouve por aí quem anda na rua de olhos e ouvidos abertos.»
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