27.2.21

Na vida pré-Covid…

 


Parece quase irreal que, há quatro anos, eu tenha passado um 27 de Fevereiro rigorosamente do outro lado do mundo. Na… Tasmânia!

A sua verdadeira relíquia é o Monte Wellington, com 1.271 metros de altitude e do cimo do qual se tem uma vista espectacular de 360º sobre Hobart e arredores. Montanhas, pedras, vegetação e água quase a perder de vista! Absolutamente inesquecível.






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Transporte de animais: o que se passa nos portos em Portugal?

 



«Ontem tivemos a oportunidade de questionar a ministra da agricultura portuguesa na comissão de inquérito do Parlamento Europeu sobre o transporte de animais (ANIT). Estamos longe de garantir o bem estar animal em Portugal e na UE.
Deixo-vos aqui a minha intervenção que, infelizmente, ficou sem resposta.»

Marisa Matias
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Desconfinem os cabeleireiros!

 

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Rabo de fora, gato escondido

 


«Em janeiro estavam registadas no Instituto do Emprego e Formação Profissional cerca de 420 mil pessoas desempregadas. São mais 100 mil do que em janeiro do ano passado, apesar das medidas de apoio à economia e às empresas, nomeadamente das diversas modalidades de lay-off. Foram apanhados por esta vaga de desemprego sobretudo trabalhadores em situações de precariedade.

Contudo, aquele número não inclui outros que são precários profundos: do trabalho informal, "colaboradores" de empresas parasitas de fornecimento de mão de obra, imigrantes sem papéis, ou pessoas obrigadas a serem empresárias de si mesmo. São vítimas de uma dupla desproteção: não têm vínculo com as empresas para quem efetivamente trabalham e são excluídos, total ou parcialmente, da proteção social.

A maior parte não pode sequer registar-se como desempregada ou aceder ao subsídio de desemprego. Todos os dias aparecem aos milhares, sem rendimentos ou com magríssimos apoios sociais criados durante a pandemia, a socorrerem-se de instituições diversas, para se alimentarem e sobreviver.

A pandemia realçou o lugar e o valor central do trabalho. Velhas e novas tecnologias, o teletrabalho, a robotização, a inteligência artificial, as plataformas digitais, a possibilidade de realizar trabalho remoto estão aí, e vão influenciar a organização e as formas de prestação do trabalho de muitas pessoas. Mas é uma fraude dizer-se que no futuro não haverá empresas e que os trabalhadores terão de passar a ser "colaboradores" sem contratos de trabalho, pendurados em plataformas comandadas por algoritmos. O anúncio desse futuro apocalítico (feito até por quem do alto do seu império escreve as leis) serve para estilhaçar, desde já, o emprego protegido por legislação que assegura segurança e quadros de direitos e deveres reconhecidos pelas partes - trabalhadores e entidades patronais.

O comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais (Expresso Economia online, 24 de fevereiro" afirma: "quando uma pessoa trabalha para ou através de uma plataforma não deve ser colocada numa situação em que a proteção social ou os direitos laborais básicos não se aplicam". Magnífico. Todavia, continua: "Para mim a questão não é se a pessoa é um funcionário ou um trabalhador por conta própria".

E acrescenta que, mesmo em situações em que são prestados serviços às plataformas através de novas empresas ou enquanto trabalhadores independentes, "devem existir direitos à proteção social, como em casos de doença, acidente ou desemprego". Aqui está o rabo do gato escondido. A oferta de uma proteção, paga sobretudo por quem executa o trabalho e pouco ou nada por quem o contrata, como pretexto para expandir a precariedade nas plataformas digitais.

Em muitas plataformas os trabalhadores já hoje são forçados a baixar o custo das tarefas a que podem concorrer até ao limite do suportável ou até ao prejuízo, na esperança de no futuro serem selecionados para outras tarefas. No passado o trabalho realizado em casa por adultos, crianças e idosos também era intermediado por mercadores que se limitavam a vender os produtos e a acumular as margens de lucro.

Isto não pode ser o Pilar Social Europeu. A extensão da proteção social em caso algum compensa a perda de segurança resultante da inexistência de contratos de trabalho, enquadrados pelo Direito do Trabalho e pela ética.»

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26.2.21

Confinar... desconfinar

 


Expresso, 26.02.2021
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O país do medo

 

«Se foi pelo medo que há um ano, mal acordámos para o susto, nos fechámos em casa, é agora pelo medo que ainda ninguém nos sabe dizer como vamos sair desta. Fazer um plano com indicadores percetíveis sobre quando e como podemos pensar em desconfinar parece um tormento para os nossos decisores políticos. Num dia, o tema é tabu, no outro, há um ministro que acena com o regresso à escola. E o primeiro-ministro, que adora arejar a popularidade com vídeos de propaganda, desvia as atenções para a ‘bazuca’ que anuncia como milagre para reformar o país de forma estrutural. Tem sorte. Os costumes, na pátria, continuam brandos. Portugal adora acreditar em milagres.»

Ângela Silva, Expresso 26.02.2021
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Um povo incapaz de moderação?

 


«O doutor Samuel Johnson terá declarado um dia que era capaz de abstinência, mas nunca de moderação. Uma análise que podia bem ser feita a propósito dos portugueses: o modo ciclotímico como coletivamente reagimos à pandemia e gerimos o confinamento aparenta alternar entre o excesso e a abstinência, tocando ao de leve na moderação.

Em curtas semanas, o espírito do tempo passou de um quotidiano em que quase parecia que a covid tinha desaparecido para um confinamento radical, que depois se transformou num consenso em torno da necessidade de uma métrica clara da qual passariam a depender todas as decisões. Este consenso logo evoluiu para um debate sobre o desconfinamento. Talvez a moderação que nos faltou no passado recente seja útil no momento atual.

Não se pense, no entanto, que esta inclinação para excessos é uma versão atual da frase atribuída a Júlio César sobre o povo que, nos confins da Ibéria, não se governava, nem se deixava governar. A questão não é de índole cultural, é antes política e institucional. E, na verdade, não precisamos de um calendário, mas, sim, de critérios claros.

A ideia de que era possível ‘governar pelos números’ ganhou tração após a penúltima reunião no Infarmed. Por momentos, parecia que estava a emergir um consenso na sociedade portuguesa sobre a necessidade de identificar uma bateria de indicadores que possibilitasse alguma despolitização das decisões quanto ao ritmo e escolhas do desconfinamento. Um consenso que, como muitos outros, se desfez em ar à primeira oportunidade.

Porventura o motivo principal para este rápido processo de rarefação reside no facto de a tal bateria de indicadores não ter surgido. A questão gera perplexidade a quem observa à distância: se se foi tornando claro que há variáveis cruciais para a gestão do confinamento, qual o motivo para que as decisões não se baseiem na variação desses indicadores? Se o que deve informar as decisões é a variação no índice de transmissibilidade (o tal Rt de que, entretanto, todos já ouvimos falar), os níveis de testagem e o rácio de positividade, bem como a pressão sobre o SNS, medida através da taxa de ocupação de camas em UCI, por que motivo não se trabalhou num quadro de bordo que cruze estas dimensões com a evolução da vacinação, a capacidade de rastreio e a propagação de novas variantes? Entre cientistas e decisores políticos, devíamos ter tido uma resposta pública a estas dúvidas.

Até porque a sociedade portuguesa vai fazendo o que pode — como revela, por exemplo, a forma como o tema da prioridade à educação foi ganhando o espaço que, desafortunadamente, não teve no primeiro confinamento. O que talvez sirva para revelar que, afinal, este povo não só se deixa governar como até ajuda a que a governação obtenha melhor desempenho.»

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25.2.21

Evite engasgar-se

 


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Isto não é fake, está mesmo no site da DGS.
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Mamadou Ba

 


Que atire a primeira pedra a Mamadou Ba depois de ouvir esta entrevista de 26 minutos, ontem, na TVI24.
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Foi você que falou de “cancelamento”?



 

«O “cancelamento” de figuras públicas por causa de opiniões consideradas menos corretas é muito popular nos Estados Unidos. Ondas de julgadores usam as redes sociais e o espaço público para banirem alguém por alguma coisa que disse ou defendeu, obrigando-o a ceder, a mudar de posição ou a fingir que mudou. Ou a calar-se. A conversa é mais difícil do que parece. Qualquer pessoa tem o direito a reagir a uma opinião que lhe desagrada ou repugna. A democracia vive disso. Quando isso passa a ser viral os efeitos podem ser devastadores. E, no entanto, cada um dos que reage não faz mais do que usar a sua liberdade de expressão. Cabe-lhe distinguir se participa num linchamento que serve para criar medo de falar ou num debate livre com contraditório.

Também não é indiferente a função da pessoa que é contestada. Se for alguém que ocupa um cargo de relevância política, o escrutínio das suas opiniões é inerente à sua função. Exigir que as pessoas não avaliem as suas opiniões é querer amputar a democracia de conteúdo. Os políticos não são meros gestores. O que pensam e dizem conta. É o que mais conta, aliás.

Para se vitimizarem, sectores mais conservadores da nossa sociedade importaram de forma bastante amplificada as dores das vítimas da cultura de cancelamento nos EUA. Mas basta passear pelas redes sociais para perceber como o debate é um pouco deslocado. Sim, há uma cultura de trincheira que se instalou em todo o lado, onde a persuasão foi substituída pelo julgamento, a opinião livre pelo tribalismo e o argumento pelo insulto. À esquerda e à direita. Mas, tirando em alguns nichos no Twitter e alguns artigos de jornais, o “politicamente correto” é um produto gourmet de consumo limitado em Portugal. Mesmo na Academia, é quase irrelevante. Se há madraças políticas neste país, são as faculdades de economia, onde pontos de vista ideológicos são impostos como se de ciência exata se tratasse. Ainda recentemente tivemos sinais da dificuldade que essas faculdades têm em ver o seu nome associado à livre expressão do pluralismo.

Na semana passada, os mártires do “politicamente correto”, com posição hegemónica no espaço de opinião, dedicaram-se a rasgar as vestes por causa do escrutínio a posições que o novo presidente do Tribunal Constitucional deixou escritas sobre assuntos de relevância constitucional. Não escrevi sobre o tema porque nem ele me aquece muito nem, no início, achei que um artigo escrito há onze anos tivesse relevância suficiente. Quando todos os artigos surgiram ficou evidente um padrão de opinião. Legitima e livre, mas nem por isso irrelevante quando tem relação com o cargo que o jurista agora ocupa. Respeitar a liberdade de expressão não é tornar as opiniões inconsequentes. Isso é, aliás, desrespeitá-la. Quando são públicas e se relacionam com a função num determinado cargo público, devem ser debatidas e escrutinadas.

Enquanto as supostas vítimas do “politicamente correto” se queixam de qualquer crítica feita em qualquer rede social, sem qualquer consequência que não seja a legítima manifestação de discordância de cada um, acontecem coisas realmente graves neste país. Verdadeiras tentativas de cancelamento, mas em versão musculada.

Trinta mil pessoas assinaram uma petição, que levarão ao Parlamento, propondo a deportação de um cidadão português por ter chamado criminoso de guerra a Marcelino da Mata. A contestação é esta afirmação é legítima e livre, a consequência que propoem é reveladora. Não sei quantos xenófobos haverá em Portugal. Mas trinta mil já são seguros. Porque quem acha que um português que nasceu noutro país merece pena diferente pelo uso da sua liberdade de opinião do que quem nasceu em Portugal assume-se sem margem para dúvidas como xenófobo. Acha que há cidadãos de segunda, com liberdades de segunda e opiniões de segunda, dependendo do lugar onde nasceram.

Comparar o escrutínio, absolutamente natural em democracia, de posições sobre matérias constitucionais de um presidente do Tribunal Constitucional aos apelos de deportação por delito de opinião é um insulto à nossa inteligência. Defender a liberdade de expressão não é defender a indiferença perante a opinião. É defender que o escrutínio se faz dentro das regras democráticas.

Na mesma semana, André Ventura espalhou um vídeo de uma aula à distância, captado ilegalmente, para acicatar o ódio dos seus apoiantes contra um professor devidamente identificado, sem qualquer instrumento de defesa, que referiu uns factos que ele acha que não podem ser referidos nas aulas. Apesar de tudo, não nos podemos queixar. Por cá, ainda não se prendem rappers pelo conteúdo das suas músicas.

Há uma total dessintonia entre a vitimização de um sector político da sociedade e o seu comportamento. Perante qualquer critica, queixam-se do cancelamento e da censura do “politicamente correto”. Mas para os que se atrevem a confrontar as suas posições exigem processos disciplinares e deportações. O objetivo da vitimização militante e da intimidação agressiva é o mesmo: ficarem a falar sozinhos. Foi sempre o que fizeram na História. Até chegarem ao poder e usarem meios mais eficazes. Não é que nos escondam ao que vêm. A deportação é, como foi no passado, o mais simpático que têm para oferecer.»

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O que puder ser...

 


@André Ruivo

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24.2.21

12º Estado de Emergência

 



Pode ser lido AQUI.
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Israel – só o interesse político é que ordena

 



«O Estado hebraico vai dar também 5000 doses da vacina à Guatemala, que já abriu a sua embaixada em Jerusalém, e às Honduras, que planeiam fazê-lo.»
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24.02.1927 - David Mourão-Ferreira

 


David Mourão-Ferreira faria hoje 94 anos. Um dos nossos grandes poetas do século XX, ficcionista também, acidentalmente político como Secretário de Estado da Cultura, de 1976 a Janeiro de 1978 e em 1979, autor de alguns poemas imortalizados pelo fado, na voz de Amália Rodrigues. 


Ler e ver mais neste post do ano passado.
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Guerra colonial: um passado que não passa?

 


«A morte de Marcelino da Mata veio relançar o debate sobre a guerra colonial. Na verdade, ele nunca deixou de aqui estar. O facto de se manter uma amnésia induzida sobre este acontecimento histórico faz com que ele regresse sucessivamente, e de formas nem sempre expectáveis.

A guerra é uma recordação difícil. Decorreu no quadro de uma ditadura que fez um forte investimento na legitimação ideológica da sua presença colonial, ao mesmo tempo que censurava a opinião e prendia opositores. Não se consegue entender a longevidade da guerra sem se ter isso em mente. Como não se pode perceber a mudança introduzida na sequência do 25 de abril, marca fundacional do regime democrático, sem se remeter para a guerra e, mais concretamente, para o papel que tiveram os militares do MFA – e os movimentos de libertação – na queda do Estado Novo e no fim do colonialismo.

Só isto bastaria para tornar problemáticas as palavras do PR e do ministro da Defesa na sequência da morte de Marcelino da Mata, bem como o teor do voto de pesar no Parlamento. A natureza burocrática do texto é um sintoma das suas omissões: ao remeter no abstrato para a “coragem e bravura individual” do comando, esquece a tradução concreta de certos atos macabros, que o próprio fez em várias entrevistas, e que configurarão crimes de guerra. O argumento formalista, que consiste no elenco das condecorações, omite que foram dadas por um regime cujo derrube, justamente no quadro de uma derrota política na guerra, é a razão da democracia que temos. Inadvertidamente ou não, tratou-se de uma reencenação da heroicidade colonialista do Estado Novo, tingida de silêncios sobre atos que em alguns casos (a Operação Mar Verde é um exemplo) mereceram explícita condenação das Nações Unidas.

Não é correto dizer, como se ouviu por estes dias, que na Guiné se cometeram atrocidades “dos dois lados”. Essa equivalência não só ilide o contexto colonial em que a guerra se processa, como não resiste à prova histórica. Não quero transformar este texto num cortejo de horrores, mas já existe muita informação – inclusive testemunhos de ex-combatentes – que comprova isso mesmo. Basta querer conhecer. Por outro lado, e se é verdade que a guerra é a guerra, também não é certo considerar que todos aqueles que nela participaram se regiam pela mesma bitola ou tiveram os mesmos comportamentos. Boa parte dos ex-combatentes foram levados para África para combater numa guerra da qual tentaram sair ilesos. Por causa dela, vários deles sofrem, ainda hoje, sequelas físicas e psicológicas, por vezes estendidas às suas famílias, e vão morrendo sem grande atenção pública. Também por isso, a guerra é uma recordação difícil.

Há dois outros elementos a sublinhar. Em primeiro lugar, o corte com a ditadura fez-se instaurando um peculiar pacto de silêncio sobre a guerra, optando-se por não enfrentar um passado, então recentíssimo, no qual se haviam cometido as atrocidades típicas de uma guerra em solo colonial, com massacres de populações, tratamento brutal a prisioneiros e uma efetiva ligação entre o Exército, as tropas especiais e a PIDE/DGS. Em segundo lugar, esta violência incomoda porque entra em contradição com a narrativa lusotropicalista que o Estado Novo promoveu e que permanece fortemente enraizada na memória pública. Se Portugal não tinha colónias, se a presença em África foi ampla e amigavelmente acolhida pelas populações locais, como enquadrar a guerra neste discurso?

Com efeito, a guerra colonial foi o desfecho tardio de um império já anacrónico. É um dos capítulos desta vasta história europeia que, encerrada em termos políticos, vai teimando em manter-se viva como imaginário nacional e nas suas distintas reverberações sociais, de que o racismo é uma das suas faces mais visíveis. Foi com a consciência de que seria necessário enfrentar essa página da história que Macron encomendou um relatório para se fazer um inventário sobre a colonização e a guerra na Argélia. Na sua sequência, o conceituado historiador Benjamin Stora entregou, no mês passado, um conjunto de 22 recomendações ao Presidente francês, entre as quais se contam várias iniciativas memoriais conjuntas entre os dois países: de entre elas, o esclarecimento de alguns massacres e crimes cometidos; a abertura de arquivos e o impulso a investigação comum sobre este passado; a renovação dos programas escolares; a promoção de exposição e colóquios sobre a guerra nas suas múltiplas faces, incluindo a recusa da guerra, e sobre as independências africanas.

Como é óbvio, não advogo nenhuma cópia a papel químico do conjunto destas recomendações. A questão é outra: o que é que Portugal pretende fazer para enfrentar, de forma cabal, os persistentes silêncios sobre este passado?»

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23.2.21

Fernando Rosas

 




E, no entanto, alguma boa gente, que (ainda?) nada tem a ver com o Chega, nem pestanejou antes de difundir nas redes sociais esta notícia falsa sobre Fernando Rosas.
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As manifestações racistas passaram para outro patamar

 


«Uma sessão organizada pela Associação de Estudantes da Escola Secundária de Camões, via Zoom, foi interrompida por várias pessoas com ataques racistas e neonazis. Segundo o "Público", a sessão tinha como tema "A Influência da Escravatura no Sistema e o Racismo Institucional", contava com a colaboração de um grupo de alunos africanos e foi interrompida pouco depois de ter início.

De rosto disfarçado, os infiltrados mostraram imagens de suásticas e de pessoas negras violentadas. No vídeo que ficou gravado ouvem-se sons de macacos e várias vozes, em inglês, a dizer "preto volta para África". Foram ainda desenhadas suásticas nos rostos de pessoas negras e de quem estava a falar.»


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Se a vacina fosse de roer!

 


«A máscara dos nossos dias disfarça-nos o sorriso e ajuda a encobrir um país sem dentes para algumas nozes. Literalmente! Por mais que as televisões os escondam - e que até uma produtora tenha pago a dentadura do cidadão Fernando Jorge da Silva dos Santos, a quem chamamos de "Emplastro" -, faltam dentes a mais de metade da nossa população. Discreto, por entre a mórbida contagem dos números da pandemia, o último Barómetro Nacional de Saúde Oral revela que 70% dos portugueses vivem com falta de dentes naturais, e que a onze em cada cem compatriotas faltam mais de seis dentes. Ora, explicando os avós que é pela boca que a saúde começa, aí temos o estado da arte em matéria de saúde pública.

Durante anos bloqueámos a chegada dos dentistas brasileiros. Durante outros tantos, resistimos a integrar a medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde, mesmo quando a maioria dos portugueses reclama essa como a mais cara das especialidades médicas. Como nunca é tarde para começar, o plano de emergência que o governo colocou à discussão destina 1,4 mil milhões de euros à área da saúde, no âmbito da chamada "bazuca" ou "vitamina" de 16 mil milhões que Portugal irá receber da União Europeia, através do Plano de Recuperação. O documento de intenções do governo fala em saúde oral, mas não se compromete com metas nem com números. A avaliar pelo que diz a Ordem dos Médicos Dentistas, faltarão mais de 200 destes profissionais para dotar a rede de centros de saúde de condições para a prestação de cuidados primários que começam na boca. A integração está prometida há anos - oxalá seja desta, a pretexto da pandemia.

A máscara dos nossos dias disfarça meio país desdentado e encobre-nos o sorriso, a curva mais bonita do corpo, essa maravilhosa contração muscular para que convocamos espontaneamente lábios e olhos para exprimir emoções, como diversão, alívio ou prazer, e nos desarma em frações de segundos. O sorriso é o nosso primeiro cartão de apresentação. Mas até isso a pandemia nos rouba. Mascarados, evitamos os autorretratos a que chamamos de selfies, e até a história da fotografia há de assinalar o tempo em que deixámos de associar o uso da câmara a momentos felizes, porque ela ajudava a apagar os fracassos e a dor, a editar o passado, muitas vezes para voltar a ele.

Há dias, numa reportagem de televisão, uma enfermeira espanhola, exausta, dizia para a câmara: "No último ano tivemos de ser fortes; vamos ver se até ao final deste conseguimos voltar a ser felizes"... Por ora, com as vidas suspensas na espera da vacina, sonhamos em voltar a sorrir, a mais barata das terapias. E mesmo sem dentes, ao menos que nos sobre o siso.»

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22.2.21

Pergunta incómoda

 

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Como não invejar quem assim pensa



...a menos de cinco meses de chegar aos 100!
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34 anos sem o Zeca

 


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Contas de Leão

 


«Perante a tragédia social e económica que vivemos, visível a olho nu quando se caminha pelas ruas de Lisboa ou do Porto e se veem estabelecimentos comerciais definitivamente encerrados e centenas de placas de casas à venda, o Governo foi anunciando a uma velocidade extraordinária mais e mais apoios. Uns sobre os outros, uns corrigindo os outros. No início ainda se fazia o rastreio público das medidas, agora é um remoinho de palavras, siglas, nomes estimulantes. Confesso que houve uma altura que quase me assustei. Tinha de ser, mas este dinheiro viria de onde? Até que veio o milagre.

O salário médio subiu 3,5% e o emprego cresceu no último trimestre do ano passado. Não é incrível? Num momento em que o PIB cai num ano mais do que toda a última crise, a recessão nunca aterrou na Portela. Não chegou às pessoas. E só isso poderia explicar que, chegados ao fim de 2020, o défice tenha ficado muito abaixo do previsto. 3,7 mil milhões abaixo do estimado pelo Governo em outubro. João Leão explicou: as receitas foram mais do que se esperava. Alguns liberais rejubilam: os impostos são o problema! Sim, a receita total deveria ter sido de 83 mil milhões e foi de 84 mil milhões. A diferença entre a despesa prevista (97 mil milhões) e a que foi executada (94,4 mil milhões) é mais significativa: 2,6 mil milhões. Ela nem sequer chegou ao que foi previsto antes da pandemia. Gastou menos 835 milhões do que tinha previsto. Como é possível?

Tudo o que o governo poupou pode ser medido, como fez a economista Susana Peralta, em dinheiro para trabalhadores em situações dramáticas, apoios às empresas, compra de material para o SNS, de computadores para as escolas. Mário Centeno, o ministro das Finanças com os mais medíocres níveis de investimento público da nossa história recente, dizia que era preciso uma almofada para quando viesse uma tragédia. Acham que a tragédia chegou? Como dizia Passos Coelho, não sejam piegas.

No meio do incêndio, João Leão fechou a torneira por causa da conta da água. Estas poupanças não se medem só num SNS que resistiu enquanto pôde, mas não consegue os milagres da contabilidade criativa das Finanças, empurrando mortos para o ano seguinte. Medem-se na nossa capacidade de resistir à pandemia. Confinar como outros fizeram não é apenas uma questão de vontade, é uma questão de possibilidade. Se os apoios não chegam, se o dinheiro não entra na economia por outra via, as pessoas têm de fazer pela vida. No fim, para além dos péssimos números na pandemia, pagaremos com uma destruição ainda mais profunda da economia. E sem economia, as contas públicas e o equilíbrio orçamental vão à vida. João Leão só tem de perguntar porquê a um antigo líder da oposição, que o disse vezes sem conta: chamava-se António Costa.

À minha volta, vejo precários ou pessoas com pequenos negócios que ficaram sem chão debaixo dos pés. Mandava-lhes notícias de vários apoios que o Governo anunciava. As histórias que me contaram são a de uma gincana burocrática que acaba quase sempre da mesma forma: não é elegível. Ou em nada. E isso explicará porque somos o terceiro país que menos gastou na resposta à pandemia numa zona Euro que, ela própria, gastou muito menos do que os EUA.

Está na altura de dar alguma substância aos apelos de estabilidade, para quando esta pandemia passar. Todos os dias, importantes figuras do PS dizem, em tom de ameaça, que quem for responsável por uma crise política pagará por isso. A estratégia está a resultar otimamente: o PS mantém-se bem nas sondagens enquanto o Chega absorve descontentamento. Mas antes que cheguemos aos impasses franceses e italianos, onde a alternativa é qualquer coisa para não ser a extrema-direita, seria bom assentarmos nisto: quem não faz tudo para minorar o impacto de uma crise económica e social alimenta uma crise política. E pagará caro por isso. Porque a política, ao contrário das contas felizes de João Leão, não paira sobre a realidade.»

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21.2.21

Não está fácil…

 


(Público, 21.02.2021)

Nem sei o que dizer.
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Olhares sobre o racismo

 



A ler: SOS Racismo: o mito acabou.
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Érica à janela: "Difícil"

 


«O JN contava, há dias, o caso de Érica que "nem à janela consegue internet para as aulas". Ao fim de uma semana de ensino à distância, ela pousou o computador no parapeito e sorriu para a fotografia. Mas a palavra que lhe saiu com o sorriso foi "difícil". O difícil dela tem explicação: a fibra, conta o JN, parou a pouco mais de um quilómetro da casa, algures na serra de Águeda.

Érica estás à janela com o teu portátil ao vento. Nem podes googlar a palavra "difícil". Se pudesses, encontrarias, no mesmo jornal que mostra o teu olhar à janela, puxando a fibra óptica, a óptima fibra de Raul Zurita, poeta chileno que recebeu, no ano passado, o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana. Engenheiro de formação, Zurita estabeleceu laços fortes entre a matemática, a ciência e a poesia. "Se cair uma ponte", disse ele, "muitas pessoas podem morrer. Se cair um poema, nada acontece. Mas é muito mais difícil construir um poema do que uma ponte." Ele tem a autoridade de quem é engenheiro e poeta, mas Érica talvez pergunte para onde dá a janela do chileno e quanta fibra estenderam nas serras em redor da casa dele.

"Quem faz um poema abre uma janela", dizia Mário Quintana, poeta estimável e homem gentil. Já Érica parece condenada a um verso coxo, aquele computador é uma janela que abre para nenhures. Quem faz, para Érica, um poema que estique fibra pela serra de Águeda?

Estico o fio de uma crónica que Cecília Meireles fez para a rádio Vozes da Cidade onde pontificavam Rubem Braga, Drummond, Fernando Sabino, uns quantos mais: "Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. (...) Marimbondos que sempre parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino." E por aí, Érica? "Difícil."

Ela não deve saber que investigadores da Universidade de Campinas produziram fibra óptica feita de ágar, coisa intrincada, um dispositivo que permite o estímulo de neurónios pela luz. O ágar é uma gelatina produzida a partir de um derivado de algas marinhas. No fim, a fibra óptica ganha forma em cilindros de ágar. Deve ser coisa de cabo submarino. Ora, como poderá Érica, com a janela virada para nenhures, encontrar ágar na serra de Águeda?»

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