21.11.20

21.11.1975 – O juramento no Ralis

 



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Estado de Emergência a quanto obrigas

 


Almoçar uma açorda de gambas às 12h não dá muito jeito, mas já cá canta e o meu fogão continua religiosamente fechado. Mas espero que António Costa não anuncie mais logo que os restaurantes vão passar a encerrar às 11h.
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O recuo da cultura das humanidades e a democracia

 


«Algum do processo de usura da democracia, de crescimento do populismo, de tribalização da política, da cloaca das redes sociais, está para além do sentimento de exclusão económica, social e cultural, está para além dos efeitos perversos da corrupção e do nepotismo, e do racismo e xenofobia modernos. Está na fragilidade do suporte cultural que é essencial para a sobrevivência da democracia, que é uma escolha cultural no sentido lato contra a natureza. Repito, a democracia não é um regime natural, mas artificial. Natural era andarmos todos a comer-nos uns aos outros, e todos os regimes que assentam na violência e na ordem do poder estão mais próximos dessa natureza do que da democracia. O que distingue a escolha democrática é exactamente ser uma opção, uma escolha, que nos afasta da barbárie através de um conjunto de procedimentos cujo objectivo é dar poder a todos, pela soberania do voto, e construir sociedades reguladas pela lei, em que não vale tudo. É imperfeito, mas é o melhor que temos, e está a ruir diante dos nossos olhos à custa de muita covardia, abolia e inércia. 

Um dos aspectos dessa crise democrática é o recuo daquilo que, à falta de melhor, podemos chamar humanidades. Não vou entrar aqui na discussão sobre as “duas culturas”, que tem algum sentido em particular onde uma das “culturas” não é reconhecida como tal, ou pelo menos como igual à outra. Não me esqueço de um antigo flashback feito numa escola, ainda com Vasco Pulido Valente, em que ele gozava com Cavaco Silva porque este não sabia quantos Cantos tinham os Lusíadas. Eu perguntei-lhe se ele sabia o Princípio de Arquimedes ou o que era a inércia, e se não achava que isso era ignorância, e a coisa ficou por ali. Para mim não tem sentido a distinção contraditória, porque os rudimentos de uma cultura científica fazem parte das humanidades. 

Vamos, por isso, usar uma definição comum de vulgar de “humanidades”, para não complicar, que contém a literatura, a arte, a música, o direito, as ciências sociais, a história, num contexto de aproximação ao “homem” que desde a Renascença e o Iluminismo tem traços comuns. Inclui uma ideia da fragilidade da vida humana, do serviço do “bem comum”, dos direitos humanos, da liberdade, a começar pela mais importante historicamente, a liberdade religiosa, do valor da igualdade, do papel da educação na luta contra a servidão, na emancipação e dignificação do trabalho, na recusa da violência, do respeito pelas escolhas de género e da aceitação de que cada um é livre de viver a vida que quer desde que não seja à custa da liberdade de outrem. É um sistema de valores ideal, que não nos protege em absoluto contra a barbárie, mas ajuda. E sem ele, como “visão do mundo” e contexto, a democracia não é possível, porque ele é uma peça fundamental na ecologia da democracia. Não é por acaso que todos os anti-democratas se manifestam contra esta tradição iluminista, que foi historicamente muito importante nos debates e decisões da independência dos EUA, e preferem falar das perversões do jacobinismo. 

Mas esta cultura de humanidades é uma cultura, implica conhecimento, saber, referências, capacidade para viver experiências indirectas. É livresca? Também é, porque implica ler livros e não pensar que meia dúzia de simples competências num computador ou num telemóvel o substitui. E é incompatível com os traços anti-intelectuais típicos da ignorância agressiva das redes sociais que extravasam para a vida política no negacionismo da ciência que tem morto muita gente na actual pandemia. A crise da leitura, associada à crise do silêncio, do tempo e do espaço do pensar, a crise do valor do saber e das mediações que implica a democracia, reduz o espaço para o sentimento humanístico. É por isso que não se pode embarcar no mito da “geração mais bem preparada”, quando essa “preparação” pouco mais é do que um frágil diploma, conseguido com muito laxismo do lado das escolas, sem ler um livro fora da sebenta, com mais consumo das indústrias de simplificação e da logomaquia que vão do futebol ao Facebook, do engraçadismo dos vídeos virais, ou à adoração das imagens no Instagram. 

Querem um exemplo do que é uma resposta à barbárie assente nas humanidades? Olhem para a fotografia: Unamuno, velho e débil, em plena guerra civil espanhola, diante de Millan Astray, legionário, mutilado de guerra, o típico herói fascista, que dizia que sempre que ouvia falar de cultura puxava da pistola, numa sala aos gritos de braços ao alto. Não se sabe bem os termos exactos do que disse Unamuno, mas teve que ser tirado da sala protegido, mas o que é importante é que sentiu o dever de ter que dizer ao falangista numa sala cheia de falangistas que “vencer” não é “convencer”. A coragem na defesa do sentimento humanista é hoje mais importante do que nunca.» 

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20.11.20

O PSD pula e avança

 


(Expresso, 20.11.2020)
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É isto


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Mariana Mortágua – hoje, sobre o OE2021

 


«O Bloco de Esquerda apoiará um Orçamento que responda à crise, não contam connosco para um Orçamento que falhe ao país»
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Respostas mínimas, crise máxima

 


«Há duas formas de errar profundamente na resposta a uma crise. A história mostra que a mais habitual é ignorar a origem da crise, o que leva não só a respostas erradas como a na maior parte das vezes ao desastre. A segunda forma, menos banal mas não menos problemática, é a de responder com medidas pequeninas perante uma grande crise - o tamanho importa nas respostas públicas para a economia. 

Foi no sossego do seu cargo dourado de governador do Banco de Portugal que Mário Centeno entrou no debate sobre as respostas públicas na presente crise. Estando o país com a segunda vaga da pandemia nas mãos, havendo vários setores económicos que legitimamente contestam a falta de apoios públicos, tendo disparado o desemprego assustadoramente batendo agora à porta de 655 mil pessoas (das quais só 230 mil recebem subsídio), o refastelado governador afirmou doutamente que “mais do que nunca, as novas políticas devem atuar na margem”. De uma penada esclareceu o caminho que defende: limitação dos apoios sociais e à economia, medidas pontuais com duração restrita no tempo e nos montantes. Afinal, tentar tapar com remendos o enorme buraco que a crise económica está a criar - assim não vamos lá. 

Centeno até reconhece efeitos estruturais desta crise (pudera!), mas dá um rotundo não a respostas estruturais. Por ele não se mudam apoios sociais durante uma crise, nem se usa o investimento público para dar um empurrão à economia. Porquê? Porque em primeiro lugar está a dívida pública, só depois as pessoas, a economia e o país. Parece que recuamos a outros tempos de má memória. 

A dívida pública já foi o argumento com que nos chantagearam em crises anteriores. Serviu para legitimar um programa destruidor da troika, implementado por PSD e CDS, que cumpria uma agenda punitiva contra os países do sul. Como hoje sabemos, a austeridade acrescentou crise à crise que já existia. É um dos exemplos em que as medidas económicas implementadas não tinham relação nenhuma com a crise que verdadeiramente existia - seguiam uma agenda ideológica (quer nacional, quer europeia). 

A nova cartilha Centeno ressuscita esse papão para pedir contenção. No entanto, sem medidas fortes para enfrentar a crise, será a força da crise que nos dominará. Sabemos o que acontecerá se não protegermos o emprego e o tecido económico: as falências suceder-se-ão e o desemprego será catapultado. Não é teoria, é a certeza de um mau futuro a desenhar-se à nossa frente se seguirmos os mandamentos do governador. E, se ainda estamos a tempo de evitar esse cenário, o momento em que as medidas anti-crise são executadas é uma variável fundamental para o seu sucesso. Chegar tarde pode, muitas vezes, significar chegar tarde de mais. São estes os riscos que corremos. 

Depois das palavras do novel governador, foi a vez da Comissão Europeia entrar neste debate. Desta feita, perdeu-se em elogios ao Orçamento do Estado apresentado pelo Governo. Mas há elogios que são venenosos: afirmam existirem “sustentabilidade orçamentais prudentes no médio prazo” e que “as medidas de apoio devem ser temporárias e não comprometer a política orçamental no período pós-crise” - quase parecem repetir Centeno (ou terá sido ao contrário?). 

A prudência aqui não é uma virtude, pode ser um grave problema como estamos a ver, deixando pessoas e setores económicos para trás. Soa a desistência. E, se deixarmos a crise avançar, mais difícil e custoso será sair dela. Não por acaso, num comprimento de onda bem diferente, o presidente do Parlamento Europeu, defendeu o cancelamento da dívida gerada no combate à covid. 

Não é inevitável sermos vencidos pela crise, deixar cair empresas que eram viáveis antes da pandemia, permitir a destruição de postos de trabalho que serão necessários daqui a meses. Essa é a proteção que precisamos para o país e que é justificada por este momento de emergência. Não queremos recauchutar chantagens nem abrir portas a fantasmas, é uma resposta corajosa que se exige em nome do futuro do país.» 

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19.11.20

Um ano sem José Mário Branco

 



E esta canção de Novembro será sempre a minha.
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Covid: origem dos contactos

 


Quando António Costa explicou aos portugueses as restrições do actual EE, recorreu a um colorido gráfico da DGS para justificar aquelas que maior surpresa e consequências provocaram: o recolhimento durante os fins de semana, a partir das 13h, para a maioria esmagadora dos portugueses. Esse gráfico tinha uma grande mancha amarela que mostrava que 68% dos contactos tem origem em CONTEXTO FAMILIAR. Quem então ousou duvidar ou questionar a percentagem em questão foi considerado por multidões de ser uma espécie de herege que duvidava da infalibilidade do papa. 

Entretanto, terá sido explicado hoje, na reunião do Infarmed, o seguinte, por André Peralta Santos, director de Serviços de Informação e Análise da DGS: «Em 81% dos casos não se sabe onde surgiu o contágio, mas na proporção onde há dados, 60% têm origem em contexto familiar»

Não é preciso ser grande matemático, é só fazer as contas, como alguém já disse em tempos… (60% de 19%? ...)
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A democracia não pode ser refém de quem não a quer

 


«A União Europeia (UE) adiou a adesão da Turquia para as calendas gregas, com o receio não assumido da integração de um país muçulmano, baseando-se no argumento sensível e sensato do incumprimento do Estado de direito. Erdogan encontrou nessa recusa dissimulada os argumentos para diminuir ainda mais as liberdades e garantias num país historicamente hesitante entre o Ocidente e o Oriente. 

A ameaça a esse denominador comum europeu da democracia e do Estado de direito não veio de Ankara, mas sim do cavalo de Troia do populismo nacionalista que tomou conta de Varsóvia e de Budapeste. Polónia e Hungria, ao bloquearem a aprovação do orçamento plurianual, não estão apenas a paralisar as economias dos restantes Estados da União num cenário de crise geral. Estão a sabotar as regras e valores básicos de uma comunidade assente em princípios democráticos e a fazer a defesa da sua autocracia. 

A retaliação dos dois países, por causa do mecanismo que faz depender o acesso a fundos extraordinários do respeito pelo Estado de direito, que prejudica todos os cidadãos europeus e a própria UE, expondo a sua inércia e inaptidão num momento tão crucial, é a confissão de quem não nutre pela democracia qualquer empenho ou respeito e que faz da discriminação e da perseguição a minorias uma política desumana e nada cristã. Só Angela Merkel pode conseguir uma decisão por unanimidade. 

Merkel, a defensora do alargamento a leste, é o espelho da moderação na Europa, e não hesitou em se afastar higienicamente desse populismo autocrático no momento certo, quando se torna cada vez mais atraente transformar esse capital eleitoral em algo palpável e açoriano. Rui Rio pode falar alemão, mas não é Merkel. 

Donald Trump inspirou autocratas por todo o lado e alguns deles têm assento no Conselho Europeu. A eleição de Joe Biden não terá reflexos apenas nos EUA. A vitória da moderação, nestes tempos de radicalização e polarização, pode representar um novo período de valorização da democracia e de rejeição da demagogia mentirosa de políticos sem escrúpulos. A boa notícia é esta: Trump vai deixar de ser a caução destes autocratas. A má notícia é que estes poderão não ter assento em Washington, mas continuarão a ter o seu lugar à mesa em Bruxelas. A democracia europeia não pode ser refém de quem a recusa.» 

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Uma fotografia antiga

 


Vê-se que esta fotografia já é antiga por duas razões:

- Os netos ainda podiam visitar as avós;
- A avó ainda não estava também agarrada a um telemóvel.
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18.11.20

Estado de Emergência 24.11.2020

 


O PR está hoje a ouvir os PARTIDOS para recolher opiniões sobre o eventual EE a ser decretado, vai-lhes contando o que, supostamente, o GOVERNO lhe dirá para justificar o dito EE, alguns partidos saem das audiências e revelam o que, supostamente, o GOVERNO dirá ao PR para justificar o dito EE, o PR fará um decreto com base naquilo que, supostamente, o GOVERNO lhe disse para justificar o EE, os partidos votam na AR aquilo que o PR lhes disse que, supostamente, o GOVERNO lhe iria pedir para justificar o EE. É mais ou menos isto, não é?
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18.11.1943 - Manuel António Pina





Manuel António Pina chegaria hoje aos 77, continua connosco, mas todos gostaríamos de saber o que pensaria dos dias que correm, a ler novos poemas, a saber como se comportavam os seus gatos.

A rever: o trailer de um excelente filme de Ricardo Espírito Santo.




A recordar: a última crónica que publicou no JN:

Coisas sólidas e verdadeiras (01.08.2012)

«O leitor que, à semelhança do de O'Neill, me pede a crónica que já traz engatilhada perdoar-me-á que, por uma vez, me deite no divã: estou farto de política! Eu sei que tudo é política, que, como diz Szymborska, "mesmo caminhando contra o vento/ dás passos políticos/ sobre solo político". Mas estou farto de Passos Coelho, de Seguro, de Portas, de todos eles, da 'troika', do défice, da crise, de editoriais, de analistas!

Por isso, decidi hoje falar de algo realmente importante: nasceram três melros na trepadeira do muro do meu quintal. Já suspeitávamos que alguma coisa estivesse para acontecer pois os gatos ficavam horas na marquise olhando lá para fora, atentos à inusitada actividade junto do muro e fugindo em correria para o interior da casa sempre que o melro macho, sentindo as crias ameaçadas, descia sobre eles em voo picado.

Agora os nossos novos vizinhos já voam. Fico a vê-los ir e vir, procurando laboriosamente comida, os olhos negros e brilhantes pesquisando o vasto mundo do quintal ou, se calha de sentirem que os observamos, fitando-nos com curiosidade, a cabeça ligeiramente de lado, como se se perguntassem: "E estes, quem serão?" Em breve nos abandonarão e procurarão outro território para a sua jovem e vibrante existência. E eu tenho uma certeza: não, nem tudo é política; a política é só uma ínfima parte, a menos sólida e menos veemente, daquilo a que chamamos impropriamente vida.»
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A culpa da extrema-direita não é da esquerda. É dos convertidos e facilitadores de direita

 


«Parece um conto surrealista mas não é: apesar da derrota, em 2020 Trump teve mais dez milhões de votos que em 2016. Quatro anos de miserável, incompetente, boçal, esquizofrénica presidência Trump depois, dez milhões de pessoas gostaram tanto do que viram que correram a votar. Foi a prestação de Trump como Presidente que lhes ganhou o voto. 

Acrescente-se aos recém-convertidos a base eleitoral republicana que permaneceu leal ao Presidente, não renegando adoração com os escândalos e subterrâneos morais em que Trump a cada semana se enredava. E concluímos: os eleitores de Trump votam na peça porque a apreciam. Gostam do conteúdo e deliram com o estilo. 

Nos últimos quatro anos garantiram-nos que as direitas de índole trumpista eram culpa dos tresloucados desvarios da esquerda, da corrupção, das feministas e dos gays com a mania de sair da casca, de Hillary Clinton que era tão, mas tão corrupta que obrigou os pobres dos eleitores a votar num Presidente que encheu a administração de lealistas, incluindo filha e genro, e aproveitou o cargo para gerar clientela aos seus hotéis e resorts. Ora, é falso: votam na direita populista-reacionária porque gostam deste produto político. A nova direita não é uma reação à esquerda, é um movimento revolucionário por direito próprio. 

E, como ficou escancarado com a não aceitação da derrota de Trump, nem valorizam a democracia. Preferem um líder autoritário defendendo os interesses exclusivos dos seus indefetíveis. Não se incomodam se for corrupto, desde que entregue resultados impondo os seus valores. O que lhes repugna é a convivência democrata, aceitar a decisão das maiorias e negociar consensos. 

Foi uma descoberta que fiz desde 2016. Pessoas que considerava politicamente próximas de mim afinal deleitadas com um racista, boçal, misógino, com passado financeiro sinuoso. Almas que ingenuamente reputara de liberais de súbito apreciando um isolacionista e protecionista com discursos nacionalistas e ataques vis à liberdade de imprensa. 

E as numerosas acusações de apalpões, assédios e violação? Davam os possíveis crimes como ‘questões da vida privada’ (obrigada pela posição política de considerarem mulheres objetos a serem apalpados a gosto) e, na verdade, mostravam-se deliciados com os abusos de Trump. Finalmente, um político punha as mulheres no seu lugar. (A misoginia de Trump tem um apelo tão grande que até os homens negros e latinos votaram com expressividade em Trump em 2020.) 

Cidadãos deveras escandalizados com abusos autoritários e mentiras de Sócrates, porém sorridentes e babados com as falsidades compulsivas de Trump e a essência de animal feroz que não permitia escrutínio ao seu poder, que tentava ilimitado. Ateus de sempre, possuidores em tempos de pouco subtil escárnio pelo catolicismo, transformados em defensores da cristandade (daquela que nada tem que ver com fé, mas sim com clubismo cultural divisivo). 

Nem só em Portugal esta mudança ocorreu. Anne Applebaum escreveu um livro este ano, O Crepúsculo da Democracia, contando a sua experiência com numerosos ex-amigos que saíram da direita democrática para abraçarem a extrema-direita, desde celebridades como a apresentadora da Fox News Laura Ingraham até jornalistas ou intelectuais, com influência mas menos conhecidos. Na versão inglesa tem o subtítulo O Falhanço da Política e [sintomaticamente] a Separação de Amigos. 

Applebaum recorrentemente conta festas ou reuniões acontecidas nos anos 1990 ou no início dos 2000, frequentadas pelas pessoas da então a direita. E termina comentando que muitos desses participantes já não falam entre si. Atravessam a rua se avistam ao longe algum dos antigos amigos, para não se cruzarem. Os centristas e os extremistas já não se toleram mutuamente. 

Parece a história da minha vida nos últimos anos, perplexa e horrorizada assistindo a quem tinha escrito blogues comigo ou tido almoços prazenteiros de discussão política, pessoas que me convidaram para projetos procurando uma direita aberta, cosmopolita e moderna, afinal defenderem – com gosto e convicção – ideias atentatórias da democracia e da dignidade da maioria dos seres humanos (entre os quais eu, por ser mulher). 

Este movimento de radicalização existiu na direita em porções significativas, e não foi culpa da esquerda. Ainda não passou tempo suficiente para conseguirmos perceber de onde vieram as deslocações tectónicas. Alguns serão somente oportunistas. No PSD, a maioria estará nessa prateleira. Por alguma razão obscura, vinda da bolha em que os partidos tendem a viver e os afasta da realidade do eleitorado, convenceram-se que o país quer o regresso a uma moral salazarista, de gente séria, austera, deixando os vícios e os excessos para os degenerados ricos das grandes cidades. 

Contudo, para muitos, o meu palpite vai na linha de não ter havido mudança. Simplesmente estão confiantes, nestes últimos anos, da admissibilidade de demonstrarem as suas ideias sem filtros. 

Por outro lado, o espaço político da extrema-direita não engloba só o Chega. Inclui os que a promovem e os que não se lhe opõem. Há muitos adeptos da tal nova direita e confessos admiradores de Trump na IL. No CDS, Nuno Melo aspira a ser um herdeiro conservador-populista se a estrela de Ventura se apagar. No PSD, tantos admiram pouco secretamente Ventura. Todos, com ímpetos suicidários, têm-se esforçado por promover a extrema-direita. De tão enlevados com as novas/bafientas ideias, nem percebem que promover um concorrente que com eles dividirá um número finito de eleitores lhes retirará votos e deputados. 

Neste momento vejo a direita em muito maus lençóis – moralmente e eleitoralmente. Mas só tem de se queixar de si própria. Por não ter tido líderes que conseguiram construir uma plataforma progressista e reformista de direita, optando ideologicamente por um regresso à moral e ordem social passadas, não terem entranhado a democracia. Podem gritar com a esquerda quanto quiserem: os pecados continuam próprios e de criação exclusiva da direita. 

Como se resolve este imbróglio ideológico e moral da direita? Não sei. Desde logo porque a direita que se opõe à deriva extremista é reduzida. Tendo a pensar que somente com consequências muito dramáticas desta radicalização à direita, em algum país, se mudará a maré. Escalada de terrorismo, ditadura declarada, atropelos aos direitos humanos. E, por cá, se ficarem eleitoralmente em cacos o partido de extrema-direita e os partidos facilitadores. Para que renasça outra direita diferente.» 

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17.11.20

Praga, 17.11.1989 – A «Revolução de Veludo»

 


Poucos dias depois da queda do Muro de Berlim, com início no campus universitário e concentração final na mítica Praça Wenceslas, teve lugar uma marcha pacífica de estudantes, que pretendia assinalar a morte de Jean Opletal em 1939 e o encerramento das universidades checas pelos nazis. A manifestação foi fortemente reprimida pela polícia, facto que desencadeou uma onda de eventos que iria durar até final do ano e que congregou um número crescente de participantes. 

Momento alto em 27 de Novembro, dia de greve geral, em que Mikhaïl Gorbatchev fez uma declaração em que condenou a operação do Pacto de Varsóvia, que pôs termo à Primavera de Praga em 1968, numa clara demonstração de ausência de suporte ao governo da Checoslováquia por parte da União Soviética. 


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Natal será como um Estado de Emergência quiser

 


A imagem lembra a Última Ceia mas tanto faz, tudo isto será este ano como o vírus e mais alguém quiser. Mas fica aqui um bom modelo para o Natal.
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Como se chega ao poder

 



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Fantasmas de um Natal passado

 


«"Mais do que nunca, as novas políticas devem atuar na margem". Esta foi a frase escolhida por Mário Centeno, durante a 10.ª conferência do Banco de Portugal, para defender a limitação dos apoios do Estado à economia, em volume e duração. 

O governador admite que a crise terá efeitos estruturais mas recusa qualquer alteração de fundo nos apoios sociais ou um apoio "massivo" à economia. Preocupa-o que o investimento público vá além dos projetos já em curso e que sejam criadas "barreiras à mobilidade do trabalho", ou seja, medidas legais que visem travar os despedimentos. 

Com palavras diferentes e de forma mitigada, o argumento de Mário Centeno tem a mesmíssima matriz ideológica que, no passado, sustentou as políticas de austeridade e as "reformas estruturais" que castigaram o país. 

Porém, sem medidas orçamentais e legais para manter empregos e penalizar os despedimentos (como o aumento do valor das indemnizações aos trabalhadores despedidos), o resultado será o aumento brutal do desemprego, muito dele de caráter estrutural. Após a pandemia, este desemprego não será absorvido pelos setores que Centeno designa como "mais dinâmicos". Sobretudo, isso não acontecerá sem um investimento público forte e dirigido, combinado com um apoio massivo que sustente rendimentos, pois é da procura interna que depende boa parte das empresas. E, mesmo com a adoção dessas políticas (coisa que o Governo resiste a fazer), o desemprego aumentará. Sem novas regras para os apoios existentes e a criação de outros, este novo desemprego só pode transformar-se em desigualdade e pobreza, agravadas e estruturais. 

Mário Centeno conforma-se com o pior cenário. E tudo em nome de uma preocupação - o aumento da dívida pública. Ora, a realidade já provou que a dívida é caprichosa e ingrata, que se alimenta do desemprego e da recessão. Políticas débeis, como aquelas sugeridas por Centeno, não conseguirão evitar essa deriva. 

Mais eficaz seria, como referia o presidente do Parlamento Europeu, cancelar a dívida gerada no combate à covid. Fazê-lo é apenas uma decisão política. Mas o que pode esperar-se, quando vemos os partidos socialistas europeus a defenderem condicionalidades para o acesso aos fundos de recuperação, chegando a admitir sanções por incumprimento das orientações da Comissão? 

Com a crise regressa, pelas mãos do costume, o discurso das inevitabilidades. Em 2012, os decisores europeus escolheram impor um plano de reengenharia social e económica baseado no empobrecimento da população trabalhadora. Impõe-se um corte definitivo com as ideias que geraram aquelas políticas erradas. E engana-se quem achar que a experiência do passado faz desta uma batalha ganha. Ela está só a começar.» 

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16.11.20

Ana Gomes sobre Marcelo e acordos nos Açores

 


Ainda não vi ninguém chamar a a atenção para o que Ana Gomes disse ontem sobre este tema, na SIC N. Parece-me importante ouvir AQUI, minutos 22:38 a 22:42.
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Maus presságios

Passei há pouco por uma sapataria normalíssima que na montra, renovada para a nova estação, só tinha pantufas e chinelos de quarto.
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Ventura já deu a Rio a “moderação”. É ver o que se segue

 


«As eleições dos Açores provocaram uma mudança no sistema político impossível de imaginar há algum tempo. A ideia de que os partidos da direita estavam prontíssimos para se aliar à extrema-direita já tinha sugerido por Rui Rio quando afirmou na entrevista à RTP que tudo podia acontecer “se o Chega se moderar”. A minimal polémica que estas palavras suscitaram dava a entender que o PSD estava pronto para a associação. Já está: em domingo de recolher obrigatório o deputado André Ventura dá uma entrevista à Lusa em que oferece aquilo que Rui Rio tinha pedido: a sua “moderação”. Não é preciso mais nada para que uma coligação pré-eleitoral venha a ser possível. Ou um lugar de relevo num futuro governo. A avaliar pelo entusiasmo que vai na direita por finalmente agora começar a ver a possibilidade de chegar ao poder, tudo parece possível para o partido Chega. 

É verdade que nem toda a direita está de acordo com esta mudança estrutural que teve como corolário épico a negociação para o governo PSD nos Açores. Neste jornal, Pacheco Pereira e Francisco Mendes da Silva já escreveram sobre o fenómeno. Na edição desta segunda-feira, Jorge Moreira da Silva, claramente atónito, pede um congresso para definir política de alianças. Infelizmente, desconfio de que estas são posições minoritárias. A direita já incluiu o Chega nas suas contas e caminha alegremente para a bancarrota política. 

Então qual é a “moderação” que Ventura ofereceu a Rui Rio? Demarcou-se de Salazar e manifestou-se contra a penalização do aborto. Quanto ao casamento gay, apesar de o partido ser contra, ele defende o princípio legal e também não defende o princípio legal. Ou, para o citar ipsis verbis, desmentindo a entrevista da Lusa em que quase se declara a favor do casamento gay: “Fake news. Em momento algum disse ser a favor do casamento homossexual. Falei de direitos que as pessoas homossexuais não podem deixar de ter”. O que o líder do Chega disse na entrevista é o seguinte: “A minha posição pessoal é a de que um casal de homens ou de mulheres não deve ter menos direitos do ponto de vista da sua presença na sociedade do que um casal homem-mulher”. Estava feita a declaração para efeitos de moderação e, depois, segue-se o desmentido para satisfazer o partido. Este é o procedimento, mas é muito possível que seja o suficiente para Rio ficar satisfeito.» 

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15.11.20

Em Estado de Emergância

 


Fique em casa.
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Covid e comunicação




«Os especialistas ouvidos pela Lusa apontam também a urgência de adequar a mensagem aos diferentes públicos, traçando uma diferença para o que se verificou na primeira vaga, em que o desconhecimento e a perceção de risco eram globais; agora, já se sabe mais sobre o novo coronavírus e diferentes grupos da população olham para o SARS-CoV-2 de forma distinta. 

"A comunicação não pode ser um ato generalizado que funciona em todos os contextos, para todos os públicos, em simultâneo" (…) "A complexidade do vírus e a forma irregular como se comporta acarretam uma especial necessidade de segmentar as mensagens". (…) 
"Têm de ser encontrados canais e parcerias estratégicas, até a nível tecnológico, para chegar a públicos diferentes. É importante perceber onde as pessoas vão agora buscar a informação e em quem é que confiam. Este é um passo fundamental, mas envolve a humildade de quem está a trabalhar a mensagem"».
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15.11.1969 - Washington: «Give Peace a Chance»

 



Há 51 anos, nuns EUA hoje irreconhecíveis, teve lugar «Moratorium March on Washington», considerado o maior protesto anti-guerra da história dos Estados Unidos, contra o conflito que então tinha lugar no Vietname: uma manifestação quase totalmente pacífica de meio milhão de pessoas, que se integrou num vasto movimento que percorreu a América, de S. Francisco a Boston, e não só. Apesar disso e como é sabido, a guerra em questão iria durar ainda quase seis anos, até 30 de Abril de 1975.

No protesto de Washington participaram políticos como Eugene McCarthy, George McGovern e Charles Goodell e cantores como Peter, Paul and Mary, Arlo Guthrie, John Denver e Pete Seeger que interpretou a celebérrimo canção «Give Peace a Chance» (lançada por John Lennon na Primavera desse ano), juntamente com os outros cantores e com a multidão que a terá repetido durante dez minutos.




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