«"Mais do que nunca, as novas políticas devem atuar na margem". Esta foi a frase escolhida por Mário Centeno, durante a 10.ª conferência do Banco de Portugal, para defender a limitação dos apoios do Estado à economia, em volume e duração.
O governador admite que a crise terá efeitos estruturais mas recusa qualquer alteração de fundo nos apoios sociais ou um apoio "massivo" à economia. Preocupa-o que o investimento público vá além dos projetos já em curso e que sejam criadas "barreiras à mobilidade do trabalho", ou seja, medidas legais que visem travar os despedimentos.
Com palavras diferentes e de forma mitigada, o argumento de Mário Centeno tem a mesmíssima matriz ideológica que, no passado, sustentou as políticas de austeridade e as "reformas estruturais" que castigaram o país.
Porém, sem medidas orçamentais e legais para manter empregos e penalizar os despedimentos (como o aumento do valor das indemnizações aos trabalhadores despedidos), o resultado será o aumento brutal do desemprego, muito dele de caráter estrutural. Após a pandemia, este desemprego não será absorvido pelos setores que Centeno designa como "mais dinâmicos". Sobretudo, isso não acontecerá sem um investimento público forte e dirigido, combinado com um apoio massivo que sustente rendimentos, pois é da procura interna que depende boa parte das empresas. E, mesmo com a adoção dessas políticas (coisa que o Governo resiste a fazer), o desemprego aumentará. Sem novas regras para os apoios existentes e a criação de outros, este novo desemprego só pode transformar-se em desigualdade e pobreza, agravadas e estruturais.
Mário Centeno conforma-se com o pior cenário. E tudo em nome de uma preocupação - o aumento da dívida pública. Ora, a realidade já provou que a dívida é caprichosa e ingrata, que se alimenta do desemprego e da recessão. Políticas débeis, como aquelas sugeridas por Centeno, não conseguirão evitar essa deriva.
Mais eficaz seria, como referia o presidente do Parlamento Europeu, cancelar a dívida gerada no combate à covid. Fazê-lo é apenas uma decisão política. Mas o que pode esperar-se, quando vemos os partidos socialistas europeus a defenderem condicionalidades para o acesso aos fundos de recuperação, chegando a admitir sanções por incumprimento das orientações da Comissão?
Com a crise regressa, pelas mãos do costume, o discurso das inevitabilidades. Em 2012, os decisores europeus escolheram impor um plano de reengenharia social e económica baseado no empobrecimento da população trabalhadora. Impõe-se um corte definitivo com as ideias que geraram aquelas políticas erradas. E engana-se quem achar que a experiência do passado faz desta uma batalha ganha. Ela está só a começar.»
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