«No pior discurso de sempre enquanto primeiro-ministro (até a comunicação ao país sobre as apreensões de objectos furtados parece hoje, em comparação, uma ópera de Verdi) Luís Montenegro fartou-se de se queixar da “veemência” dos comentadores que são alegadamente mais “veementes” do que os políticos em funções.
Num discurso errático e “piegas” (com pena de si próprio e de quem o critica), o primeiro-ministro também se chorou pelo facto de as televisões, naquela quinta-feira negra, terem duas imagens ― uma “janela” aberta para os directos da Festa do Pontal, onde os ministros e dirigentes do PSD confraternizavam e bebiam à saúde do seu partido, e outra “janela” aberta para os incêndios que estão a devastar o país.
Luís Montenegro já nos tinha dado exemplos variados da sua falta de noção, como o processo Spinumviva demonstrou. O distanciamento dos portugueses em choque com os incêndios, que foi óbvio no discurso, foi mais um episódio de que o poder, muitas vezes, cega.
Pode-se fazer uma festa no meio de um velório? Em algumas culturas, sim. Em Portugal, não acontece. Quando o Governo exige aos imigrantes que respeitem “a nossa cultura” está a falar de não beber enquanto decorre um velório ou, antes pelo contrário, de aproveitar a ocasião para se divertir ao máximo? Convém esclarecer, já que os imigrantes seguramente vão ficar baralhados.
Não houve Governo durante os incêndios. À última hora, alguém (talvez o Presidente da República que foi tão crítico ― e bem ― da forma como o Governo PS lidou com os incêndios de 2017) deve ter explicado ao primeiro-ministro que a ausência de comando político durante uma crise nacional como os incêndios é um problema.
A somar a isto, ver as imagens, nas revistas sociais, de um “Montenegro mais magro” a mergulhar nas águas do Algarve enquanto o país ardia transmite uma percepção de alheamento. No caso, não foi só percepção, atendendo à demora em accionar a ajuda internacional.
É interessante como um Governo tão preocupado com as “percepções” sobre a imigração e sobre a segurança, que acabou de tornar a lei dos Estrangeiros tão dura que foi considerada inconstitucional, não se importa com as outras percepções sobre a sua ineficácia política em relação aos incêndios. Ou importou-se na vigésima quinta hora, quando Montenegro anunciou que ia suspender as férias, já num gesto de tentar remediar o irremediável.
Quem ouviu Montenegro criticar as televisões por “preencherem os ecrãs com metade da imagem com labaredas e outra metade com a Festa do Pontal” viu, naquele discurso, um grau elevado de descolamento da realidade. Torna-se ainda mais absurdo quando vindo de uma pessoa que, no passado, exigiu um “pedido de desculpas” a António Costa pelos incêndios durante o mandato do antigo primeiro-ministro.
Montenegro sustentou, no discurso do Pontal, que é possível “fazer a festa” e acompanhar o que se passa no terreno. Pois, mas as percepções de que ninguém está a acompanhar a sério foram evidentes. E, já agora, também era possível comemorar o 25 de Abril e chorar a morte do papa Francisco – aliás, com muito mais propriedade – e Montenegro suspendeu as festividades.
Ainda bem que o primeiro-ministro cancelou as férias. Como se provou pelo discurso e toda a parafernália do Pontal, não estavam a ser reparadoras.»