23.8.25

Açúcar

 


Açucareiro com tampa, decorado com orquídeas, Sarreguemines, França. Cerca de 1910.
Fábrica de Cerâmica Utzschneider & Co.

Daqui.

Rir também é preciso

 


23.08.1927 – Sacco & Vanzetti

 


Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti foram acusados do homicídio de duas pessoas, nos Estados Unidos, e acabaram por ser condenados à pena de morte e electrocutados em 23 de Agosto de 1927, apesar de, cerca de dois anos antes, uma outra pessoa ter confessado ser autora dos crimes.

Na sessão do tribunal em que a sentença da condenação foi lida, Vanzetti incluiu o seguinte nas suas longas declarações finais:

«I would not wish to a dog or to a snake, to the most low and misfortunate creature of the earth. I would not wish to any of them what I have had to suffer for things that I am not guilty of. But my conviction is that I have suffered for things that I am guilty of. I am suffering because I am a radical and indeed I am a radical; I have suffered because I am an Italian and indeed I am an Italian...if you could execute me two times, and if I could be reborn two other times, I would live again to do what I have done already.»

Nunca pararam as reacções e os protestos contra um caso que, com toda a sua trama, passou a funcionar como um símbolo de desrespeito flagrante pelos princípios da justiça na América.

Deu origem a um filme, inspirou escritores, pintores, músicos como Woody Guthrie. Joan Baez viria a consagrar uma das canções mais divulgadas, até Dulce Pontes interpretou «The Ballad of Sacco e Vanzetti», etc., etc.







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Boa!

 


O país em modo de rescaldo

 


«Se mesmo António Costa, depois da absoluta tragédia que foi Pedrógão, teve condições para voltar a ganhar eleições, não há nada que indique que Luís Montenegro, com o tempo como aliado, não possa apagar os efeitos de um Verão desastroso. Há, no entanto, sinais que podem perdurar, independentemente dos esforços de contenção de danos feitos nos últimos dias.

Um desses sinais é o da inexistência da ministra da Administração Interna. É a segunda vez que Luís Montenegro escolhe uma titular para uma pasta estratégica que aos primeiros sinais de uma crise se mostra inexistente. É ele o responsável, mas é ela o rosto da ausência governamental, lapidarmente registada na fuga do “vamos embora”. O peso deste erro de elenco está não só no facto de ser uma pasta com dossiers sempre importantes, como a segurança ou a protecção civil, mas por ser a tutela de polícias e bombeiros. Ambas são forças com uma imensa implantação territorial, uma ligação forte à comunidade e onde o Chega tem conseguido uma boa implantação.

Outra marca perene é a de que o Governo é frágil a gerir crises. Já tinha sido assim com o apagão, foi agora com os incêndios. Muito hábil na refrega política, o executivo atrapalha-se quando a crise a gerir está no país e não nos corredores de São Bento, do Parlamento ou dos ministérios.

Para quem domina a comunicação pelo silêncio, Luís Montenegro tinha obrigação de saber quando é mesmo preciso falar. O contraste entre o primeiro-ministro que entrou nos telejornais para comunicar os resultados de uma banal operação policial e aquele que só ao fim de quase um mês de incêndios é que se dirigiu ao país é uma imagem que permanecerá.

Depois de tanta inacção, o anúncio apressado de tantas medidas — com o episódio caricatural das taxas moderadoras — também não ajuda a contrariar a imagem de que o executivo é mais guiado pela necessidade de resolver um problema político do que a de ir à essência das questões que fazem com que sejamos o país da União Europeia com a maior percentagem de território ardida.

E o pior de tudo é o que já cá estava e que nada do que aconteceu nos últimos dias irá dissipar. Um interior abandonado, um país centralista e com falta de planeamento, um dispositivo operacional desorganizado e políticos que, em vez de evoluírem com os erros cometidos no passado, acham que têm de começar tudo de novo para fazer prova de vida e mostrar iniciativa. Até à próxima crise.»


22.8.25

Perfume

 


Frasco de perfume Arte Nova, com uma base de vidro azul-cobalto, enfeitada com filigrana de latão ou bronze. O centro é uma mulher em relevo, de cabelos esvoaçantes.

Daqui.

A escravatura é recente

 


Um governo ignorante

 


Daqui.

Excesso de confiança

 


«Há imagens que se colam. A do abraço entre o líder parlamentar e o ministro da Presidência, de sorriso aberto e copos de gin na mão enquanto o país ardia, é a de um Governo totalmente alienado por circunstâncias políticas que lhe têm sido demasiado favoráveis. E os abraços veraneantes não destoa¬ram das palavras. De quase uma hora de discurso na Festa do Pontal sobraram sete minutos para o tema que monopoliza as preocupações dos portugueses há um mês. Antes de tudo, Montenegro primeiro-ministro queria discordar de Montenegro líder da oposição. Em 2022 pedia para “não se distrair as pes¬soas”, remetendo os incêndios “mais para o lado do clima”, e recordava que “as vagas de calor muito acentuadas” já eram previsíveis. Em 2025 fala de uma “tragédia fruto das circunstâncias meteorológicas, que são particularmente difíceis e adversas”, com “elevadas temperaturas, níveis baixos de humidade e ventos fortes”.

Depois, queixou-se das televisões, porque dividiam os ecrãs com “metade da imagem com labaredas e a outra metade da imagem com a Festa do Pontal”. Uma divisão fiel à realidade: enquanto as labaredas cobriam o país, o Governo fazia a festa no Algarve. Mas não é fácil para quem foge das entrevistas e raras vezes responde a jornalistas e à oposição lidar com os momentos em que perde o controlo da narrativa. Nada a fazer: o fogo ofuscou o regresso da Fórmula 1, que só poderia ser tema, naquele momento, para quem tivesse decidido ignorar o país. Como as perceções ainda continuam a ser tudo para Montenegro, aquele ecrã dividido levou-o a suspender finalmente as férias e a pedir o auxílio europeu para o combate aos incêndios, que, escassas horas antes, a ministra tinha garantido ser desnecessário. Poucos dias depois de ter acordado para o que se passava, disse que “estamos todos muito esgotados”, um estranho plural para quem andou desaparecido.

Não houve, fora dos PowerPoint e dos pacotes, teste em que Luís Montenegro tenha passado. Falhou em todos os momentos críticos e decisivos, incluindo os mais previsíveis. Falhou nos períodos tradicionalmente difíceis para as urgências. Falhou na resposta à crise aguda da habitação, que se agravou com as medidas implementadas pelo Governo. Parece encaminhar-se para falhar nas contas públicas, sem que nenhuma melhoria no funcionamento do Estado o pareça justificar. E falhou na reação aos fogos, independentemente das condições estruturais, que não vão mudar. Por ter falhado em tudo é que andamos há meses a falar de imigrantes. Espanta-me que a culpa dos incêndios também não seja deles. Mas o mais estranho para um Governo mais obcecado com as perceções do que com políticas que não sejam, como a contrarreforma laboral, encomendadas por quem diligentemente serve é falhar na capacidade de sentir inquietações mais evidentes do país. O oportunismo eleitoral, que o fez copiar as políticas do Chega, não se traduz numa ligação mais intensa aos sentimentos populares. “O senhor não merece estar aqui”, ouviu Montenegro de uma mulher no funeral de um bombeiro, na Covilhã. Uma frase assassina que já deve estar a fazer Ventura, o único político mais taticista do que Montenegro, vacilar na colagem ao Governo.

O falhanço comunicacional da Festa do Pontal não foi um deslize. É o estado da arte de um Governo alienado. Os resultados de 18 de maio, que deixaram todas as alternativas bloqueadas, foram maus conselheiros. Com o crescimento do Chega e a catástrofe socialista, Montenegro está concentrado na oportunidade histórica de ferir de morte o PS, tornando o PSD no partido hegemónico do centro político. Conta com a extrema-direita para mudanças na legislação laboral, para as políticas de imigração e, porque devemos levar a sério os apelos de Relvas, para uma revisão constitucional. E, mesmo assim, espera que o PS tenha “aprendido” com o castigo eleitoral depois de uma crise política desejada e cumpra a função de se responsabilizar pelo próximo Orçamento do Estado. É este “à vontadinha” que promove a incompetência e o alheamento da realidade. Os bons Governos precisam de algum medo, e Montenegro e a sua tropa acreditam que estão sozinhos no terreiro. Estão cheios de si. Tão cheios que só se veem a si mesmos. Um ano e meio de um Governo minoritário que falhou todos os testes decisivos parece ter chegado para ganhar a displicência de uma maioria absoluta e de oito anos de poder.»


21.8.25

Uma bela casa

 


Uma casa residencial Arte Nova, 1902. Tbilisi, Geórgia.
Simon KIdiashvili.

Daqui.

Alexandre O’Neill

 


39 anos sem ele.

21.08.1968 - Numa madrugada de Praga



Na noite de 20 para 21 de Agosto de 1968, as tropas do Pacto de Varsóvia invadiram a Checoslováquia , pondo fim à chamada Primavera de Praga que durou pouco mais de sete meses.



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(Fotos de Josef Koudelka, Invasion of Prague, Thames & Hudson, 2008.)
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Ramos de giesta e alguidares

 


«"Fala-se em aumentar o investimento na Defesa. Como pode este país falar disso quando os nossos concidadãos têm que enfrentar o fogo com ramos de giesta, baldes, alguidares e mangueiras de regar o jardim?" A crítica, em forma de pergunta, foi feita por Xavier Viegas, um dos maiores especialistas em incêndios e professor jubilado da Universidade de Coimbra, na semana passada, no JN, quando as chamas já tinham livre trânsito no Centro e Norte do país, e enquanto todos assistíamos, em sucessivos diretos televisivos, que se mantêm desde então, ao desespero das populações de tantas aldeias com o fogo à porta, sem ajuda visível.

Foi há cerca de um mês que o primeiro-ministro explicou o impacto de antecipar, ainda este ano, a meta de investimento de 2% do PIB (a riqueza anual produzida no país) em Defesa: mais 1300 milhões de euros, que somam aos mais de quatro mil milhões que já se gastam todos os anos. Ou seja, o que Luís Montenegro propôs ao país é que o Orçamento do Estado reserve, todos os anos, mais de cinco mil milhões de euros dos impostos dos portugueses para a Defesa. Acresce que há um compromisso de chegar a 5% do PIB até 2035, ou seja, e a "preços" atuais, uma escalada de custos até aos 14 mil milhões de euros por ano.

Não há dúvida de que se vive um período de incerteza e confrontação. E que União Europeia (Portugal incluído) não pode continuar dependente de uma potência pouco fiável (os EUA de Trump) ou incapaz de se defender perante a ameaça de autocratas imperialistas (a Rússia de Putin). Mas, como em tudo, é preciso fazer as contas. Racionalizar, integrar, cooperar, até fundir, se necessário, o poderio militar europeu, antes de começar a gastar. E estabelecer prioridades para o combate. Começamos pelos caças, mísseis e navios, ou por garantir que há algo mais do que ramos de giesta, alguidares e mangueiras de jardim?»


O que são NbSs?

 


20.8.25

Pesa-papéis

 


Pesa-papéis “Flor de Macieira”, de vidro Favrile iridescente. Cerca de 1915.
Tiffany Studios, Nova Iorque.

Daqui.

Não vamos embora

 


«À primeira vista, é "apenas" um gesto de inabilidade política, indelicadeza e desrespeito pelo escrutínio a que qualquer titular de cargo público está sujeito. Terminada uma curta declaração sobre os incêndios, a ministra da Administração Interna ignora uma pergunta dos jornalistas, levanta-se e dirige ao staff um sonoro "Vamos embora". O que acaba por ser, simbolicamente, uma síntese perfeita do que sucessivos governos têm feito ao país que arde e sofre as consequências do abandono.

O Estado tem ido embora, literalmente, de concelhos onde foram encerrados serviços públicos que eram essenciais para assegurar proximidade, conhecimento do território, qualidade de vida e dinâmicas locais de emprego. E tem ido embora a cada decisão que acentua assimetrias e concentra recursos e investimento em Lisboa - o que acontece em praticamente todas as áreas setoriais. Se analisarmos orçamentos e modelos de decisão e governação, somos um país profundamente centralizado e em que grande parte do território é, de facto, paisagem.»

Continuar a ler AQUI.

Nobel da Paz?

 


Os meios de conspiração social

 


«Todos os que têm dirigido a sua solidariedade para quem perdeu casa e outros bens nos incêndios deviam pensar melhor. Estão a esquecer a principal vítima do fogo, que é Luís Montenegro. No Algarve, o primeiro-ministro queixou-se das estações de televisão, que estavam naquele dia a “preencher ecrãs com metade da imagem com labaredas e outra metade com a Festa do Pontal”. Pretendia com isso dizer que a comunicação social tinha o objectivo maldoso e pouco subtil de mostrar que, enquanto parte do país ardia, vários membros do Governo estavam reunidos numa festa. Infelizmente, Montenegro ficou-se pela crítica, e não deu sugestões aos jornalistas acerca do modo como deviam noticiar dois acontecimentos que estavam, de facto, a ocorrer ao mesmo tempo. Talvez devessem mostrar apenas as labaredas. Ou mostrar apenas a Festa do Pontal. Ou mostrar as labaredas, depois mostrar outra coisa qualquer, e depois então mostrar a Festa do Pontal. Entre as imagens das labaredas e as da festa do PSD, uma reportagem que fizesse o papel que aquele gelado de limão desempenha nas refeições compridas, para limpar o palato entre um prato e outro. Talvez pudesse ser mesmo uma reportagem sobre gelados de limão, para garantir que o palato fica limpo e que ninguém associa as imagens do fogo às imagens da festa.

No espaço de pouco mais de um mês, Montenegro é o terceiro político que se queixa da perfídia dos jornalistas. Sócrates declarou ser vítima de uma conspiração da comunicação social, Ventura também se queixa de ter toda a comunicação social contra si, e agora é Montenegro que revela um plano da comunicação social para o atacar. O que isto indica é que a comunicação social é muito mais perigosa do que se pensa. Uma coisa é os jornalistas montarem uma conspiração contra uma pessoa. Duas conspirações já parece demasiado. Mas três conspirações é simplesmente ridículo. O plano parece óbvio: ao empreenderem tantas conspirações, os jornalistas pretendem conspirar contra a própria ideia de conspiração. Quando vários dirigentes políticos, e tão diferentes entre si, se queixam do mesmo suposto inimigo, ficamos com a ideia de que são paranóicos narcisistas com a mania da perseguição, o que é evidentemente impossível. Há realmente uma conspiração em curso. E destina-se a desacreditar quem denuncia conspirações.»


19.8.25

Regressam as taças

 


Taça esmaltada com gavinhas de videira e uvas. Vidro e ouro e esmalte gravado e pintado. Antes de 1896. Adquirida para a Exposição Universal de Paris de 1900.
Philippe-Joseph Brocard.

Daqui.

O Luís contra quem trabalha

 


«Talvez nunca, em 50 anos, um governo tenha tentado impor tamanho desequilíbrio do direito do trabalho. Trata-se, na realidade, de um novo Código do Trabalho, violentamente liberal, à medida e até indo além das reivindicações patronais, que desvaloriza profundamente o trabalho e que impõe uma verdadeira desconsideração pela pessoa do trabalhador em inúmeras matérias centrais. Não tenho dúvidas de que, por várias vias, esta proposta tem de ser derrotada. Nalguns casos, como nos despedimentos, o mais certo é cair por inconstitucionalidade. Noutros, como nas plataformas, por chocar com diretivas europeias. Haverá casos em que já se sabe não haver qualquer maioria parlamentar de suporte (como no luto gestacional). Mas acima de tudo, a ofensiva deve ser repelida pela indignação e mobilização coletivas. Há muito a melhorar na lei do trabalho? Com certeza. Em velhas questões, como o tempo do trabalho, a precariedade ou o salário, e em novas, como a digitalização, a gestão algorítmica ou o trabalho sob condições climáticas extremas. Mas impedir esta contra-reforma laboral é a primeira condição para que isso seja feito.»

Ler na íntegra AQUI.

Alguma dúvida?

 


O Chega quer a porta escancarada à Quarta República: vão fazer-lhe a vontade?

 


«Há muita gente a infantilizar o debate político, querendo reduzir tudo ao preconceituoso “eles e nós”. Se alguém criticar uma decisão do Governo, seja qual for, só pode ser por clubismo. Os críticos são sempre dos outros e nestes “outros” cabe tudo, desde os outros (partidos) propriamente ditos aos jornalistas, aos comentadores, aos juízes do TC e ao Presidente da República. É muito mais do que as célebres forças de bloqueio e acaba por ser triste ver gente com tanta responsabilidade ter uma visão tão afunilada da vida.

Sim, há comentadores à esquerda e à direita, uns mais do que outros. Também há, à direita e à esquerda, uns mais alinhados e outros mais independentes. O que não há é cor política, nem cartão partidário, que dê razão a uns e a tire aos outros. Enquanto a discussão for da treta, os argumentos não servem para nada e as evidências passam ao lado. O problema é que, muitas vezes, a falta de argumentação é intencional.

Recapitulemos: Não foram apenas dois juízes do Tribunal Constitucional a pôr em causa a honorabilidade de oito dos seus colegas neste órgão de fiscalização. Houve muita gente a sugerir que se derrote a esquerda, arrasando o equilíbrio construído ao longo de décadas neste tribunal, e outros a defender que a maioria eleitoral (leia-se PSD, Chega e IL) reveja, pelo caminho, a lei fundamental porque ela não representa a vontade da maioria. Como se fosse viável ter uma Constituição à la carte. E é mais do que tudo isso, porque o embrulho vem com um laço feito por um primeiro-ministro que afirma sem afirmar; acusa sem acusar; diz não acreditar mas acredita que os juízes do TC fazem política, beneficiando os partidos da oposição.

E porque é que isto importa? Porque serve os propósitos de Ventura, desde a primeira hora apostado em fazer implodir o regime para fazer nascer a Quarta República. “Queremos outro regime para Portugal porque esta República já não serve”, disse o líder do Chega quando se apresentou como candidato presidencial, acrescentando, para quem tivesse dúvidas sobre a constitucionalidade das suas propostas políticas: “estamos nas tintas para a Constituição”. Ventura sabe muito bem ao que anda e há três anos já defendia que temos “uma Constituição que olha para um país de emigração e não de imigração, como aquele em que nos tornámos”. Portanto, façam o favor de assumir que é a reboque da vontade do Chega que tudo isto está a acontecer.

À direita, nem todos os comentadores e actores políticos se limitaram a pedir vingança, nem todos acusaram a esquerda por aquilo que a direita se apresta a fazer; houve quem argumentasse que a composição do TC não representa a actual maioria, defendendo que é legítimo que essa maioria faça valer os dois terços dos votos que lhe permitem escolher os novos juízes. Tenho de concordar: é inteiramente legítimo. Mas há um problema: significa que o líder do PSD reduz a cinzas o “não é não”. Importa bastante, porque o problema nunca foi ter o Chega a ajudar numa governação da direita democrática - a aprovar a descida do IRC, por exemplo -, o problema é ter o PSD rendido à ideia de que é necessário mudar as balizas constitucionais - seja o texto fundamental, seja a composição do tribunal - para poder governar sem espartilhos. Aliados ao Chega, nunca saberemos onde isto vai acabar. Pensar que é possível levar Ventura pela trela é não ter aprendido nada com o crescimento da extrema-direita, em Portugal e não só.

Não tiro prazer nenhum em ser tão tremendista, mas, perante o que leio e ouço a muitos políticos e comentadores de direita, sou forçado a acreditar que está em curso uma tentativa de alterar o regime constitucional que vigora em Portugal desde 1982, data da revisão que instituiu o Tribunal Constitucional. Serei sempre mais feliz se estiver completamente enganado.»


18.8.25

Nómadas digitais

 



Lata, lata e mais lata

 


E um esforço titânico para não dizer isto com o seu sinistro sorriso.

Há 50 anos, Vasco Gonçalves em Almada




 

Foi em 18 de Agosto de 1975 que Vasco Gonçalves proferiu, em Almada, perante 15.000 pessoas, um discurso que durou uma hora e meia e que foi transmitido em directo pela RTP. Pode ser visto e ouvido em dois vídeos AQUI e AQUI.

Um discurso que acabou com Vasco Gonçalves lavado em lágrimas, como descreve o Diário de Lisboa do dia seguinte:




Dramática foi a carta que Otelo lhe escreveu 24 horas depois: «Percorremos juntos e com muita amizade um curto-longo caminho da nossa História. Agora companheiro, separamo-nos. Julgo estar dentro da realidade correcta deste País ao assim proceder. (...) Peço-lhe que descanse, repouse, serene, medite e leia. Bem necessita de um repouso muito prolongado e bem merecido pelo que esta maratona da Revolução de si exigiu até hoje. Pelo seu patriotismo, a sua abnegação, o seu espírito de sacrifício e de revolucionário».

O V Governo Provisório, que tomara posse dez dias antes, tinha as semanas contadas e não houve muralha de aço que lhe valesse. A 19 de Setembro, Pinheiro de Azevedo assumiria as rédeas do VI. O 25 de Novembro estava à vista.
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No Pontal, um primeiro-ministro a brincar com o fogo

 


«No pior discurso de sempre enquanto primeiro-ministro (até a comunicação ao país sobre as apreensões de objectos furtados parece hoje, em comparação, uma ópera de Verdi) Luís Montenegro fartou-se de se queixar da “veemência” dos comentadores que são alegadamente mais “veementes” do que os políticos em funções.

Num discurso errático e “piegas” (com pena de si próprio e de quem o critica), o primeiro-ministro também se chorou pelo facto de as televisões, naquela quinta-feira negra, terem duas imagens ― uma “janela” aberta para os directos da Festa do Pontal, onde os ministros e dirigentes do PSD confraternizavam e bebiam à saúde do seu partido, e outra “janela” aberta para os incêndios que estão a devastar o país.

Luís Montenegro já nos tinha dado exemplos variados da sua falta de noção, como o processo Spinumviva demonstrou. O distanciamento dos portugueses em choque com os incêndios, que foi óbvio no discurso, foi mais um episódio de que o poder, muitas vezes, cega.

Pode-se fazer uma festa no meio de um velório? Em algumas culturas, sim. Em Portugal, não acontece. Quando o Governo exige aos imigrantes que respeitem “a nossa cultura” está a falar de não beber enquanto decorre um velório ou, antes pelo contrário, de aproveitar a ocasião para se divertir ao máximo? Convém esclarecer, já que os imigrantes seguramente vão ficar baralhados.

Não houve Governo durante os incêndios. À última hora, alguém (talvez o Presidente da República que foi tão crítico ― e bem ― da forma como o Governo PS lidou com os incêndios de 2017) deve ter explicado ao primeiro-ministro que a ausência de comando político durante uma crise nacional como os incêndios é um problema.

A somar a isto, ver as imagens, nas revistas sociais, de um “Montenegro mais magro” a mergulhar nas águas do Algarve enquanto o país ardia transmite uma percepção de alheamento. No caso, não foi só percepção, atendendo à demora em accionar a ajuda internacional.

É interessante como um Governo tão preocupado com as “percepções” sobre a imigração e sobre a segurança, que acabou de tornar a lei dos Estrangeiros tão dura que foi considerada inconstitucional, não se importa com as outras percepções sobre a sua ineficácia política em relação aos incêndios. Ou importou-se na vigésima quinta hora, quando Montenegro anunciou que ia suspender as férias, já num gesto de tentar remediar o irremediável.

Quem ouviu Montenegro criticar as televisões por “preencherem os ecrãs com metade da imagem com labaredas e outra metade com a Festa do Pontal” viu, naquele discurso, um grau elevado de descolamento da realidade. Torna-se ainda mais absurdo quando vindo de uma pessoa que, no passado, exigiu um “pedido de desculpas” a António Costa pelos incêndios durante o mandato do antigo primeiro-ministro.

Montenegro sustentou, no discurso do Pontal, que é possível “fazer a festa” e acompanhar o que se passa no terreno. Pois, mas as percepções de que ninguém está a acompanhar a sério foram evidentes. E, já agora, também era possível comemorar o 25 de Abril e chorar a morte do papa Francisco – aliás, com muito mais propriedade – e Montenegro suspendeu as festividades.

Ainda bem que o primeiro-ministro cancelou as férias. Como se provou pelo discurso e toda a parafernália do Pontal, não estavam a ser reparadoras.»


A tragédia que espere

 


Se Marques Mendes ainda fosse comentador de serviço no Domingo à noite, com um outro partido no governo, chovariam constelações de críticas. Como está convencido de que vai ser Presidente, sai-lhe isto:

"Há um tempo para tudo e este não é ainda o tempo de fazer um balanço, uma avaliação ou de fazer críticas por mais legítimas e pertinentes que elas sejam."


17.8.25

Verdade

 


Alexandra Leitão

 


Federico García Lorca

 


Federico García Lorca conta-se entre as primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola. Foi fuzilado, com apenas 38 anos, em Agosto de 1936, entre os dias 17 e 19, pelo seu alinhamento político com os Republicanos e por ser declaradamente homossexual.

Todos os anos nesta data, em Viznar, perto de Granada, ciganos cantam, dançam e dizem poesia em honra de Lorca e de cerca de 3.000 fuzilados pelos franquistas, cujas ossadas se encontram por perto. De madrugada, à luz de velas e das estrelas, sem nada programado, sem nenhuma convocação formal.







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Não houve fogo no Pontal

 


«Se a ocasião era de ouro para marcar a agenda política, como Luís Montenegro o fez em outros anos, o Pontal de 2025 fica para história como o de um primeiro-ministro estranhamente a jogar à defesa em início de mandato. O arranque não está isento de problemas, mas o executivo lançou iniciativas e seria uma boa ocasião para afirmar a sua validade. Mas o que se teve foi um Montenegro minimalista e acossado.

Não é negligenciável que o Pontal tenha sucedido num momento de extrema gravidade na gestão dos incêndios florestais. O fogo que faltou no Pontal sobrava no país e o primeiro-ministro acusou o toque dos ecrãs divididos entre a tragédia e a festa social-democrata. Por muito que as alterações climáticas e a situação meteorológica sejam justificações, Montenegro sabe bem que esta é uma daquelas alturas em que o país avalia a capacidade do Estado estar presente junto de quem precisa. A avaliação não é satisfatória e a estratégia do silêncio, para não fixar a imagem de um Governo impotente, é contenção de danos, como o é o anunciado cancelamento das férias do primeiro-ministro.

Montenegro também não está a gostar do tom crítico em relação às iniciativas legislativas em torno das medidas de restrição da imigração. Voltou a visar a comunicação social no discurso, reafirmou a legitimidade eleitoral das suas iniciativas e deu uma no cravo e outra na ferradura em relação a Tribunal Constitucional. Foi tudo “normal”, mas não quer acreditar que os juízes possam “fazer um juízo político quando a sua função é fazer um juízo jurídico”.

Uma crítica dentro do “normal”, que não deixou antever qual vai ser o caminho do Governo para aprovar a legislação, o que poderia ter dado um motivo de interesse ao Pontal. Da mesma forma, também não acrescentou nada nos dossiês que mais incomodam os portugueses, a saúde e a habitação.

E foi de contenção de danos que o líder do PSD se ocupou, ainda que indirectamente, numa parte significativa do discurso, com o anúncio de medidas para o Algarve. Há que tentar inclinar a seu favor a balança das eleições que, no último sufrágio, pendeu para o Chega.

A enumeração fastidiosa de uma série de medidas já tomadas em diferentes áreas e a defesa das “pequenas mudanças” com impacto na vida dos cidadãos compuseram o quadro, que soou a pouco, especialmente quando se traça uma imagem tão favorável do país, onde até há margem para prometer um superavit até ao fim do ano.

“O Governo está preocupado com o futuro do país”, disse Montenegro. O que será bom é o país não estar preocupado com a falta de estamina do Governo.»


Separação de poderes

 


Maria Castello Branco