15.6.24

Que belo prédio!

 


Casa Dolors Alesan de Gibert, Barcelona, 1902.
Arquitecto: Enric Fatjó i Torras.


Daqui.

Ministra da Saúde

 


Independentemente de ter ou não razão no que diz, esta senhora que exerce as funções de ministra da Saúde é tão agreste que alguém devia explicar-lhe que o povo tem razão quando diz que não é com vinagre que se apanham moscas. Livra!

O DN soma e segue

 


Depois da despedida de Ana Drago, que publicou ontem o seu último artigo, é hoje a vez de António Brito Guterres:

Eram os dois comentadores, bem à esquerda, que lia sempre no jornal em questão. Talvez por isso foram arquivados.

A exigência é uma bola

 


«O Europeu de futebol ainda não tinha começado e metade do país já arrumara na cabeça a convicção de que a seleção tem de ser campeã - incluindo-se, neste lote de irritantes otimistas, o mais alto magistrado da Nação, Marcelo Rebelo de Sousa, e o líder do Governo, Luís Montenegro. “Só esperamos a vitória” é um clássico das narrativas lusitanas quando o tema é o desporto-rei. A catarse coletiva chega a ser infantil, porque fazemos equivaler os méritos da pátria ao número de golos marcados pelos deuses que vestem calções. Na verdade, é assim entre nós como em múltiplas latitudes, mesmo em países mais frios (no clima e nas expectativas) e supostamente mais desenvolvidos.

Todavia, esta propensão para nos entregarmos a atos de fé revestidos a autoconfiança não encontra paralelo noutras áreas de atividade. Se os portugueses fossem tão exigentes em tudo o resto como o são com a seleção nacional de futebol estaríamos, provavelmente, a ombrear nas estatísticas de bem-estar com os finlandeses ou com os suecos. Mas basta percorrer um pouco do Mundo para se ter uma noção de como o futebol é, hoje, porventura, o maior embaixador da portugalidade. Ignorar o seu poder afrodisíaco é um exercício falhado de autismo. Esta anestesia a que nos entregaremos durante semanas é benigna (é o ópio do povo, certo?), mas não podemos deixar de lamentar que o nível de exigência que colocamos no futebol não se estenda a outros campos em que vamos progredindo. A bola, ao contrário do que sucede na vida, é resultadista. Ou se ganha ou se perde. Vive desse pragmatismo forrado a palpitações fortes. Ora, salvo honradíssimas exceções, Portugal continua a conviver pacificamente com o mantra do poucochinho. Demos o nosso melhor, mas infelizmente não conseguimos. O “anda bater que tu bates bem” será apenas uma memória.»


14.6.24

Taças

 


Taça com tampa, em prata e pedras semipreciosas, 1901.
Projecto de Kate Harris.


Daqui.

As pessoas estão ao serviço das coisas

 


14.06.1940 - «Les loups sont entrés à Paris»

 


Há 84 anos, o exército alemão entrou em Paris de onde já tinham fugido dois terços da população. 

Como primeiro acto da ocupação foi retirada a bandeira tricolor do Ministério da Marinha e colocada uma com a cruz gamada no cimo do Arco do Triunfo.





O dia seguinte

 


«As eleições foram para a “Europa”, mas os resultados parecem sempre ser adequados para leituras “nacionais”. Entre empates, vitórias e derrotas, os seus efeitos são relevantes para os próximos meses da política portuguesa.

O PS sai vitorioso. E isso tem como consequência que a estratégia de oposição e a própria liderança de Pedro Nuno Santos saiu reforçada. Os muitos que nos últimos três meses andaram a tentar forçar os socialistas a viabilizar políticas e orçamentos do governo das direitas, ficaram (momentaneamente) paralisados. O problema do resultado das europeias para o PS é hoje outro - é que para essa estratégia de alternativa ao grande bloco das direitas lhe faltam hoje parceiros com quem construir uma maioria social de esquerda.

Já a AD não conseguiu capitalizar os sucessivos anúncios de medidas pelo Governo de “dar tudo a todos” e a aposta em Sebastião Bugalho não rendeu - o jovem comentador não conseguiu trazer de volta ao PSD o voto tresmalhado dos jovens liberais. Pelo contrário, a IL conseguiu com Cotrim de Figueiredo ter o grande resultado da noite. A esquerda à esquerda do PS viveu (mais) uma noite difícil - e as palavras de alívio das lideranças do Bloco e do PCP aquando da eleição de cada um dos seus eurodeputados pareceram ignorar que a perda eleitoral se tem vindo a acentuar neste espaço político desde 2019. Creio que não é cedo para admitir essa perda, se houver coragem de assumir algumas mudanças políticas. Aliás, ou estas esquerdas encontram uma fórmula que lhes permita politizar e representar o mal-estar social que se acumulou na sociedade portuguesa nos últimos anos, ou ficarão reduzidas a franjas minoritárias, que pouco conseguem influir nas políticas e nos debates nacionais. Hoje, o risco não é a eventual perda de identidade política, é antes a irrelevância no quadro nacional.

Já a estrondosa derrota do Chega, reduzida a metade do resultado das legislativas, não pode deixar de ter consequências no curto prazo. Ao contrário da extrema-direita pelo continente afora, o Chega não tem, e não quer ter, um discurso ou sequer uma ideia digna desse nome sobre a questão europeia e da pertença ao euro. Também por isso, Ventura não conseguiu mobilizar o eleitorado que tinha ido buscar à abstenção nas legislativas. Mas o custo dessas ausências - de ideias e de eleitores - é que ficou com a sua estratégia nacional comprometida. A partir de dia 9 de junho, é ao Chega, e apenas a este partido, que passa a ser apresentada a fatura sobre a aprovação do próximo orçamento de Estado e vida futura do governo da AD.

No domingo, Ventura ficou entre a espada e a parede. Por um lado, até Outubro não há tempo suficiente para se instalar um clima de mal-estar à direita contra a AD, que aliás governará até lá em registo de campanha eleitoral permanente. Por isso, os custos de deitar abaixo um governo de direita e abrir a hipótese de regresso da esquerda ao poder podem revelar-se fatais para Ventura. A pressão para apoiar o Orçamento - e não chega sequer a abstenção - será significativa. Por outro lado, se viabilizar o Orçamento torna-se co-responsável pelos fracassos e fraquezas que, mais tarde ou mais cedo, o Governo da AD vai exibir. Portanto, é risco o voto de protesto que, na extrema-direita, é contra tudo e contra todos. Mesmo assim, se a cadência política se mantiver em velocidade de cruzeiro, o entendimento entre AD e extrema-direita parece hoje inevitável.

E de França, chega-nos o sinal. O líder d’Os Republicanos, a direita conservadora e tradicional francesa, anunciou a intenção de estabelecer uma coligação eleitoral com a extrema-direita de Le Pen, para as eleições relâmpago que Macron marcou no rescaldo das ondas de choque das europeias. Esse anúncio fez os republicanos entrarem em convulsão interna, mas a mensagem é clara - à direita acabou a estratégia do cordão sanitário.

Estranha é esta Europa. Parece hoje mais fácil abrir o caminho para poder aos nacionalismos neofascistas do que impor políticas sociais e redistributivas que respondam ao mal-estar acumulado pelos efeitos de quatro décadas de neoliberalismo.

Os tempos de escuridão aproximam-se. Preparemo-nos.

PS - A pedido da Direção do DN esta é a minha última crónica. Estou certa que nos encontraremos mais à frente. Foi um prazer ter estado aqui todas as semanas.»


13.6.24

Esquerda unida em França

 


Notícia desta noite.

Turismo? Há 75 anos já aliciávamos camones

 


Cartaz de 1949

Um pouco mais de azul (11)

 





Eles já passaram!

 


«Fascistas, racistas não passarão! Não passarão?

Custa escrever, custa acreditar, mas eles já passaram! É difícil reconhecer o que não queremos ver, porque constitui uma derrota e uma ameaça. Estamos em estado de negação. Este é um fenómeno internacional. O que começou por ser “impossível”, “um fenómeno residual”, “só uma minoria”, passou a estar omnipresente no espaço público, contaminou as ruas, os media, a Assembleia da República. Condiciona eleições, impõe agendas políticas e mediáticas, um clima de tensão e de agressividade permanente e designação de bodes expiatórios.

A extrema-direita tem o talento cobarde de atacar sempre, prioritariamente, as populações mais vulneráveis, com menos possibilidade de organização, minorias com pouco ou nenhum poder, que por vezes se encontram em modo sobrevivência, sem tempo, energia ou recursos para travar lutas de defesa da sua dignidade, igualdade e mesmo segurança. Foi de segurança, aliás, que uma pessoa migrante, originária do Bangladesh, trabalhador em estufas como cortador de cravos, falou esta semana publicamente com André Ventura. Desesperado, com a voz embargada de emoção, disse ao líder da extrema-direita portuguesa ter mandado embora a sua filha pequena nascida em Portugal por ter medo, insistindo no facto de Ventura passar o tempo a dizer coisas racistas.

Muito se tem escrito sobre a psicologia dos racistas, sobre quem odeia o outro, muitas vezes até para desculpabilizar ou relativizar o racismo. Mas raramente se fala do que sentem as pessoas discriminadas que são alvo de ódio racista, xenófobo, misógino ou LGBTfóbico. A pessoa que interpelou André Ventura deu-nos uma amostra do que sente uma pessoa vítima de discurso de ódio. Os efeitos negativos do discurso racista, de ódio “são reais e imediatos para as vítimas de propaganda de ódio feroz provocando sintomas fisiológicos e angústia emocional, que variam desde um medo no estômago até um pulso acelerado e a dificuldade em respirar, pesadelos, transtorno pós-traumático, hipertensão, psicose e suicídio”, escreve Mari J. Matsuda no artigo "Public response to racist speech: considering the victim's story" (1989). Não é preciso ser vítima de violência física para sentir os efeitos do racismo no seu corpo. As palavras, os discursos que conduzem depois a mão de quem passa para a violência física já são armas por si só.

O discurso de ódio não serve somente para que os grupos que o propagam criem coesão entre si, nem para fixar a identidade dos sujeitos alvos do ódio, “o ódio também atua desfazendo o mundo do outro através da dor”, escreve a filósofa Sara Ahmed em The Cultural Politics of Emotion (2004). Essa dor pode ser física, mas também mental e moral com repercussões nefastas sobre a saúde das pessoas vítimas do discurso de ódio. Além disso, as vítimas são, como descreve ainda Mari J. Matsuda, “restringidas na sua liberdade pessoal” e recorrem, para não receber mensagens de ódio, a estratégias de evitamento que põem em causa as suas vidas, como abandonar empregos, casas, renunciar à educação, evitar determinados locais públicos ou restringir o seu próprio exercício dos direitos de expressão. “Por mais que se tente resistir a uma peça de propaganda de ódio”, explica Matsuda, “o efeito na autoestima e no sentimento de segurança pessoal é devastador”.

Geralmente, os seres humanos não gostam, e têm medo, de ser odiados, desprezados ou isolados.“Por mais irracional que seja o discurso racista, ele acerta no local emocional onde sentimos mais dor”, sublinha Matsuda, que insiste no facto de esta sensação de solidão ser também sentida consoante a resposta institucional, do Governo, da polícia ou dos tribunais. A forma como os polícias preferiram no 10 de junho proteger um ajuntamento neonazi enquanto reprimiam com violência manifestantes antirracistas é só um dos exemplos do abandono institucional. Eles já passaram! E, por isso, o tempo da prevenção já passou, devemos passar à fase de organização para um ataque frontal ao problema e o primeiro passo passa por admitir: eles já passaram!»


25 de Abril, a única data fundadora

 



12.6.24

As portas perseguem-me

 


A porta mais redonda de Paris? Arte Nova, 1913.
Arquitecto: Eugène Petit.


Daqui.

Logótipos? Ahahahah

 


Organizem-se!

Viemos de longe

 


De muito longe

Se chegar onde quer, Costa vai fazer política ou fazer pela vida?

 


«O anúncio do apoio do governo à candidatura de António Costa à presidência de Conselho Europeu teve a falta de gravitas a que a política nacional nos começa a habituar, confundindo-se o plano partidário com o institucional. Como deixou claro que essa decisão estava tomada há muito, não há dúvidas sobre a razão para o fazer num naquela circunstância: Luís Montenegro precisava que o foco das atenções se afastasse da sua derrota eleitoral (por um voto se ganha, por um voto se perde, como ele incessantemente nos tem explicado para tentar governar como se a diferença de 50 mil votos lhe desse uma maioria absoluta) e tirou Costa da cartola. De caminho, afastou Bugalho das televisões, naquela noite, no que foi uma humilhação escusada.

Apesar de ficar mais claro porque António Costa não participou na campanha do Partido Socialista, o anúncio do apoio do atual primeiro-ministro é indiferente. Os portugueses gostam de ter personalidades que ponham Portugal “no mapa” e não havia como não retribuir o que os socialistas fizeram por Barroso. O que defendem é indiferente, desde que sejam portugueses. O que diz bem da falta de europeísmo dos políticos europeístas. Até chegarem ao lugar, claro. Como se viu por Barroso durante a crise financeira.

A candidatura de Costa tem tudo para correr bem. O presidente do Conselho tem de ser socialista, Sanchez é mais costista do que qualquer ex-ministro de Costa e, com a hecatombe do SPD, o PSOE passou a dividir com os italianos a liderança dos socialistas europeus. Sendo que, ao contrário dos democratas italianos, governa. Mas mesmo que assim não fosse, Olaf Scholz também apoia o ex-primeiro-ministro português. Dos quatro lideres de governo socialistas, três querem Costa. A que se junta um provável apoio de Macron.

A questão é a de sempre: para além do orgulho de uma Nação que adora ser notada, ganhamos alguma coisa com a esta presidência? Talvez o facto de Costa ser um socialista do Sul da Europa e a proximidade com o governo espanhol possa ser positiva nos debates sobre o alargamento e a nova organização política da União, quando esta se descentra para leste. Talvez as cautelas que Costa mostrou perante o voluntarismo de Ursula von der Leyen possa vir a ser útil, pelo menos como forma de pressão política. Tudo depende se Costa quer fazer política, como Guterres faz, ou fazer pela vida, como Barroso fez.

Por fim, a ironia de tudo isto: os mesmos que quiseram tramar Costa, fazendo com ele o que não fizeram com Marcelo no caso das gémeas, acabaram por lhe dar uma ajuda – sem a queda do governo, o calendário eleitoral não lhe permitiria concorrer a este cargo, que tanto desejava – e exibir a leviandade da justiça portuguesa em toda a Europa. Tramou-se o país, que trocou uma maioria absoluta por uma crise política que pode tornar-se estrutural.»

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Françoise Hardy

 


Morreu a menina de «Tous les garçons et les filles de mon age».

11.6.24

Outra porta

 


Uma bela porta que ganhou o segundo prémio do Concurso de Fachadas de Paris. 1899,
Arquitecto: Gabriel Ruprich-Robert.

Daqui e não só.

De França, ainda

 


Écologistes, France Insoumise, Parti communiste français e Parti socialiste lançam  um apelo para a constituição de um «Front Populaire» que reúna todas as forças de esquerda humanistas, sindicais, associativas e cidadãs.

«Nous appelons à la constitution d’un nouveau front populaire rassemblant dans une forme inédite toutes les forces de gauche humanistes, syndicales, associatives et citoyennes.»


Grandes capas, grandes esperanças

 


A França no caminho do nosso futuro

 


«O resultado das eleições europeias em Portugal é uma boa notícia. O PS e o PSD, os partidos fundadores da nossa democracia liberal, continuam a representar cerca de 60% do eleitorado e a extrema-direita desce em relação às legislativas. Teríamos razões para celebrar se o nosso destino dependesse apenas das opções do eleitorado português. O nosso destino, porém, passa pelo futuro da União Europeia.

Fiquemos, para já, pelo futuro da democracia no nosso continente. E aqui, só podemos estar profundamente inquietos com a vitória esmagadora da extrema-direita em França, com 31,3 % dos votos – mais do dobro do Renaissance, o partido da maioria presidencial, que ficou em segundo lugar, com 14,6%.

Apesar das vitórias da extrema-direita em França e na Itália, e do seu avanço na Alemanha, há quem se congratule com a composição do Parlamento Europeu, onde os grandes partidos – PPE, Socialistas, Liberais e Verdes – mantêm uma maioria confortável.

Mas celebrar esta vitória é esquecer que a Europa é uma união de Estados onde a França é um país-chave, pelo seu peso demográfico, pela sua força militar e pela convicção europeísta de uma parte dos seus dirigentes políticos. Se a extrema-direita vier a vencer as eleições presidenciais de 2027, a própria existência da União Europeia estará em risco. Com Marine Le Pen no Eliseu, regressaríamos à Europa dos nacionalismos identitários, as relações entre a França e a Alemanha sofreriam uma fratura mortal e Putin teria um aliado em Paris.

É bom lembrar que enfrentamos uma guerra de agressão na Ucrânia e que a França é a primeira potência militar da União. Macron tem manifestado um apoio incondicional aos ucranianos, o que tem levado França a estar na mira de uma violenta campanha de desinformação e das ameaças de Putin. A gravidade da situação foi bem compreendida pelos ucranianos que manifestaram a sua inquietação com o futuro do apoio europeu, sobretudo numa altura em que se perfilam as eleições americanas de novembro.

Chegados aqui, tentemos perceber o que se pode passar em França. O Presidente Macron dissolveu o parlamento e convocou eleições antecipadas. A aposta de Macron é que volte a funcionar, pelo menos na segunda volta, o princípio do apelo ao voto no candidato do arco republicano com maiores possibilidades de vitória. Foi esse princípio que dificultou, no passado, a eleição de deputados da extrema-direita. Foi o arco republicano que permitiu a Macron derrotar Marine Le Pen, em 2022, por 58% dos votos contra 41%.

A aposta de Macron é extremamente arriscada e perigosa. O partido de Le Pen tem hoje apoios mais amplos na sociedade francesa, com uma agenda que já se banalizou. Depois de duas derrotas frente a Macron, Marine Le Pen iniciou um bem-sucedido processo de “desdiabolização”. Mesmo assim, ainda pode ser derrotada se a esquerda se unir à volta do programa do Partido Socialista (13,8% dos votos nas europeias) e dos ecologistas (5,5%) e assumir o princípio da desistência republicana, incluindo para os candidatos do LR (7,2%), o partido da direita democrática. A dificuldade vem do partido da esquerda radical de Jean-Luc Mélenchon (LFI, 10%), que defende uma linha de rutura do arco republicano, na esperança de conseguir chegar à Presidência no meio do caos. Sem ele a aliança da esquerda é fraca, com ele é hoje extremamente difícil.

Até há pouco tempo, a esquerda esteve unida na NUPES, sob a liderança do LFI, graças aos bons resultados de Mélenchon nas presidenciais e o fracasso absoluto da candidata socialista, que não atingiu nem 2% dos votos em 2022. A NUPES rompeu-se com a dificuldade da LFI em condenar o ataque do 7 de outubro do Hamas.

Com o Partido Socialista a liderar uma união de esquerda, há possibilidade de emergência da necessária aliança entre a esquerda e o centro, à volta de um programa ecológico, de combate à desigualdade e solidário com o futuro dos ucranianos e dos palestinos, que permita a derrota de Le Pen já nas legislativas de 20 de junho.

A dissolução tem ainda outra faceta. Se a extrema-direita alcançar a maioria absoluta na Assembleia, um primeiro-ministro lepenista irá inevitavelmente sofrer com o desgaste da governação, o que pode impedir a vitória de Marine Le Pen nas presidenciais. Como a política externa e de defesa são competência presidencial, um governo de extrema-direita pode ser um mal menor. Este é um cálculo ainda mais arriscado e incerto. Com enormes fricções entre o Presidente e o Governo, seria muito provável que os franceses atribuíssem os insucessos do executivo a Macron, um Presidente impopular.

A decisão de Macron é muito arriscada, mas tem, pelo menos, o mérito de vincar que a polarização do campo democrático não travou a ascensão da extrema-direita – pode mesmo ter sido a menos má das opções possíveis.

O futuro de França e da Europa joga-se na esperança de um compromisso da maioria dos franceses com os valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade, que se traduza em alianças e políticas capazes de os fazer perdurar.»


10.6.24

Pontes

 


Ponte da Liberdade que atravessa o Danúbio em Budapeste. Arte Nova, construída no final do século XIX, reconstruída após a Segunda Guerra Mundial.

Daqui.

10 de Junho de 1974




O primeiro 10 de Junho depois da Revolução de 1974 foi «comemorado» assim: um grupo de quarenta e oito artistas plásticos pintou no Mercado do Povo, em Lisboa, um mural que viria a desaparecer num incêndio em 1981. Entre os pintores, muitas caras conhecidas: Júlio Pomar, João Abel Manta, Nikias Skapinakis, Menez, Vespeira, Costa Pinheiro, etc., etc.

O filme é um documento precioso, da autoria de Manuel Costa e Silva e foi-me disponibilizado, já há uns anos, por Fernando Matos Silva.
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Memórias do 10 de Junho

 

@João Abel Manta


Quase tudo na mesma, com o Chega mais entalado

 


«As últimas eleições europeias foram em 2019. A realidade política era radicalmente diferente. O PS estava em crescimento e o PSD, separado do CDS, em grandes dificuldades; ainda havia “geringonça” e Bloco e CDU ainda valiam quase 17%; o Chega, ainda sem existência formal, teve de concorrer numa coligação às cavalitas de outros partidos; a IL dava os primeiros passos; e o Livre estava longe de qualquer eleição. É, por isso, enganador comparar este resultado com os de então. Apesar de serem eleições diferentes (a começar por um universo mais restrito de eleitores), as legislativas estão tão próximas que é impossível não as ter como referência, se queremos fazer alguma leitura política da noite de ontem. Até a semelhança dos resultados o demonstra.

Disse, na sexta-feira, na SIC Notícias, que o normal seria a AD alargar a sua vantagem em relação ao PS. Saiu de uma vitória em legislativas muito recente, o que dá sempre gravitas à liderança. Ao fim de três meses, vive o habitual estado de graça (que não teve no primeiro mês). A sucessão de anúncios de medidas, num clima de campanha governativa, tenderia a favorecer Bugalho. O cabeça de lista da AD não se pode queixar da falta de empenhamento do primeiro-ministro, enquanto tal. Pelo contrário, o PS saiu de uma derrota recente e tem estado sob grande pressão para ser a muleta do governo.

Qualquer resultado que não correspondesse a um aumento desta diferença só poderia ser explicado, disse-o há dois dias, pelos cabeças de lista das duas principais forças. A conclusão é que Pedro Nuno Santos acertou ao escolher Marta Temido e Luís Montenegro falhou ao escolher Sebastião Bugalho. Uma lição de humildade para a bolha mediática.

Luís Montenegro, sendo primeiro-ministro, tem a sua liderança firme e não precisava de vencer. Também Pedro Nuno Santos, se tivesse perdido, não corria risco de ser defenestrado. Mas entraria mais frágil na difícil situação em que o PS se encontra. Quando olhamos para os círculos eleitorais, percebemos que os socialistas restauram a distribuição habitual d mapa nacional.

O único partido que pode cantar vitória é a IL, o que até vai em contraciclo com a sua família política europeia. Fica claro que, em eleições com maior abstenção, a IL é quem consegue levar os seus eleitores às urnas, para o que não será estranha a sua composição sociocultural. Por outro lado, grande parte deste resultado deve-se a Cotrim Figueiredo, o que demonstra o erro da mudança de liderança.

Mas a única verdadeira notícia destas eleições é o travão na ascensão do Chega. Fica claro que este partido depende dos índices de abstenção. Ou seja, que, ao contrário do que muitos pensam, o eleitorado da extrema-direita portuguesa não é mais militante do que os restantes. Pelo contrário. Rita Matias responsabilizou o “sistema”.

Apesar das derrotas relativas, BE e PCP mantêm representação, o que, com a não eleição do Livre (que é de novo vítima das suas primárias, que cria um inevitável divórcio entre a direção partidária e o candidato, que Rui Tavares nem tentou disfarçar), tem relevância para o futuro da esquerda portuguesa. A fragmentação partidária deste espaço, acompanhada por uma perda de votos, pode vir a ser fatal para este espaço político. Como se viu, o Livre, que roubou muito voto ao BE, podia ter sido responsável pelo desaparecimento de todos estes partidos no Parlamento Europeu. Como aconteceu em Espanha ou França, a esquerda ainda vai sofrer bastante antes de se refundar.

Quanto ao PAN, não estamos apenas perante uma derrota circunstancial, por escolha de um mau candidato. Com o crescimento do Livre, o espaço ecologista está a ser ocupado e estamos a assistir às exéquias dos animalistas. O PAN é passado.

Não faria demasiadas leituras nacionais. Estes resultados dizem pouco sobre o que poderia acontecer numas legislativas, caso o governo caísse. Mas não deixa de ter um efeito político. A AD deve começar a pensar se, mesmo sabendo que no fim do ano pode começar a faltar o dinheiro para o foguetório, será boa ideia jogar na roleta de uma crise política. A julgar pelo tempo absurdo que Montenegro ocupou na noite eleitoral, percebeu a dificuldade.

Mas o mais relevante foi termos ficado a saber que, com este resultado, não há um eleitorado indefetível que lhe permita fazer cair o governo sem correr um enorme risco. Ou seja, é sobre o Chega que a AD tem mesmo de começar a fazer pressão política.

A esquerda não tem, no entanto, grandes razões para respirar de alívio. O País mudou muito desde 2019. A maioria eleitoral de direita, que foi rara nestes 50 anos, não parece ser conjuntural. Ela tem um carater geracional, o que deve fazer a esquerda pensar na sua estratégia para lá dos jogos táticos de cada momento. Quando a direita resolver as coisas com a extrema-direita, como foi resolvendo em quase toda a Europa (e até nas regiões autónomas), a maioria será consistente e difícil de derrotar.

Como nota final, a deselegância de Montenegro. Para tentar ofuscar a derrota da AD com uma notícia sobre o apoio a António Costa para presidente do Conselho Europeu, Montenegro tomou conta do palco e deixou Bugalho sem tempo de antena nas televisões. Apostar nos jovens, para usar e deitar fora.

Sobre a única coisa para que estas eleições interessam, que são os resultados no conjunto da União e o que eles nos dizem do caminho que a Europa está a seguir, escreverei na próxima quarta-feira. A dissolução do parlamento francês e a demissão do primeiro-ministro belga são só o primeiro efeito do abalo que se espera no continente.»