10.6.24

Quase tudo na mesma, com o Chega mais entalado

 


«As últimas eleições europeias foram em 2019. A realidade política era radicalmente diferente. O PS estava em crescimento e o PSD, separado do CDS, em grandes dificuldades; ainda havia “geringonça” e Bloco e CDU ainda valiam quase 17%; o Chega, ainda sem existência formal, teve de concorrer numa coligação às cavalitas de outros partidos; a IL dava os primeiros passos; e o Livre estava longe de qualquer eleição. É, por isso, enganador comparar este resultado com os de então. Apesar de serem eleições diferentes (a começar por um universo mais restrito de eleitores), as legislativas estão tão próximas que é impossível não as ter como referência, se queremos fazer alguma leitura política da noite de ontem. Até a semelhança dos resultados o demonstra.

Disse, na sexta-feira, na SIC Notícias, que o normal seria a AD alargar a sua vantagem em relação ao PS. Saiu de uma vitória em legislativas muito recente, o que dá sempre gravitas à liderança. Ao fim de três meses, vive o habitual estado de graça (que não teve no primeiro mês). A sucessão de anúncios de medidas, num clima de campanha governativa, tenderia a favorecer Bugalho. O cabeça de lista da AD não se pode queixar da falta de empenhamento do primeiro-ministro, enquanto tal. Pelo contrário, o PS saiu de uma derrota recente e tem estado sob grande pressão para ser a muleta do governo.

Qualquer resultado que não correspondesse a um aumento desta diferença só poderia ser explicado, disse-o há dois dias, pelos cabeças de lista das duas principais forças. A conclusão é que Pedro Nuno Santos acertou ao escolher Marta Temido e Luís Montenegro falhou ao escolher Sebastião Bugalho. Uma lição de humildade para a bolha mediática.

Luís Montenegro, sendo primeiro-ministro, tem a sua liderança firme e não precisava de vencer. Também Pedro Nuno Santos, se tivesse perdido, não corria risco de ser defenestrado. Mas entraria mais frágil na difícil situação em que o PS se encontra. Quando olhamos para os círculos eleitorais, percebemos que os socialistas restauram a distribuição habitual d mapa nacional.

O único partido que pode cantar vitória é a IL, o que até vai em contraciclo com a sua família política europeia. Fica claro que, em eleições com maior abstenção, a IL é quem consegue levar os seus eleitores às urnas, para o que não será estranha a sua composição sociocultural. Por outro lado, grande parte deste resultado deve-se a Cotrim Figueiredo, o que demonstra o erro da mudança de liderança.

Mas a única verdadeira notícia destas eleições é o travão na ascensão do Chega. Fica claro que este partido depende dos índices de abstenção. Ou seja, que, ao contrário do que muitos pensam, o eleitorado da extrema-direita portuguesa não é mais militante do que os restantes. Pelo contrário. Rita Matias responsabilizou o “sistema”.

Apesar das derrotas relativas, BE e PCP mantêm representação, o que, com a não eleição do Livre (que é de novo vítima das suas primárias, que cria um inevitável divórcio entre a direção partidária e o candidato, que Rui Tavares nem tentou disfarçar), tem relevância para o futuro da esquerda portuguesa. A fragmentação partidária deste espaço, acompanhada por uma perda de votos, pode vir a ser fatal para este espaço político. Como se viu, o Livre, que roubou muito voto ao BE, podia ter sido responsável pelo desaparecimento de todos estes partidos no Parlamento Europeu. Como aconteceu em Espanha ou França, a esquerda ainda vai sofrer bastante antes de se refundar.

Quanto ao PAN, não estamos apenas perante uma derrota circunstancial, por escolha de um mau candidato. Com o crescimento do Livre, o espaço ecologista está a ser ocupado e estamos a assistir às exéquias dos animalistas. O PAN é passado.

Não faria demasiadas leituras nacionais. Estes resultados dizem pouco sobre o que poderia acontecer numas legislativas, caso o governo caísse. Mas não deixa de ter um efeito político. A AD deve começar a pensar se, mesmo sabendo que no fim do ano pode começar a faltar o dinheiro para o foguetório, será boa ideia jogar na roleta de uma crise política. A julgar pelo tempo absurdo que Montenegro ocupou na noite eleitoral, percebeu a dificuldade.

Mas o mais relevante foi termos ficado a saber que, com este resultado, não há um eleitorado indefetível que lhe permita fazer cair o governo sem correr um enorme risco. Ou seja, é sobre o Chega que a AD tem mesmo de começar a fazer pressão política.

A esquerda não tem, no entanto, grandes razões para respirar de alívio. O País mudou muito desde 2019. A maioria eleitoral de direita, que foi rara nestes 50 anos, não parece ser conjuntural. Ela tem um carater geracional, o que deve fazer a esquerda pensar na sua estratégia para lá dos jogos táticos de cada momento. Quando a direita resolver as coisas com a extrema-direita, como foi resolvendo em quase toda a Europa (e até nas regiões autónomas), a maioria será consistente e difícil de derrotar.

Como nota final, a deselegância de Montenegro. Para tentar ofuscar a derrota da AD com uma notícia sobre o apoio a António Costa para presidente do Conselho Europeu, Montenegro tomou conta do palco e deixou Bugalho sem tempo de antena nas televisões. Apostar nos jovens, para usar e deitar fora.

Sobre a única coisa para que estas eleições interessam, que são os resultados no conjunto da União e o que eles nos dizem do caminho que a Europa está a seguir, escreverei na próxima quarta-feira. A dissolução do parlamento francês e a demissão do primeiro-ministro belga são só o primeiro efeito do abalo que se espera no continente.»


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