23.5.25

A culpa é

 


«A culpa é da conjuntura. Existe uma vaga de extrema-direita por todo o mundo que é irresistível e há que esperar que passe. Embora o factor Trump tenha sido apontado como causa para as recentes vitórias de partidos de esquerda no Canadá e na Austrália. Deve ter sido um milagre. Líderes políticos de esquerda que conseguem persuadir o povo de que as suas propostas são as melhores é inconcebível neste momento, porque a vaga é irresistível. Apesar de há apenas três anos se falar da mexicanização do regime, porque o PS e a esquerda iam obviamente eternizar-se no poder, sem alternativa, como o Partido Revolucionário Institucional, que governou o México entre 1929 e 2000.

A culpa é do povo, que é racista. Embora 75% do povo não vote no Chega. E Ventura tenha o maior índice de rejeição de todos os líderes partidários. Mas é racista, o povo. Apesar de, há dois anos, ter dado maioria absoluta ao PS. Foi uma grande massa de racistas que, após a madura ponderação de que só racistas são capazes, resolveu dar a maioria dos lugares do Parlamento ao Partido Socialista.

A culpa é dos imigrantes. São muitos e vêm de países exóticos. Embora tenham vindo porque há trabalhos que os portugueses não querem fazer, designadamente no turismo, que tem contribuído para os superavits. Mas, se é certo que a economia portuguesa precisa de imigrantes, devíamos ter optado por estrangeiros europeus, que são mais parecidos connosco. Até porque o que não falta por aí são espanhóis, franceses, italianos, alemães, ingleses, belgas, austríacos, dinamarqueses, suecos, noruegueses, finlandeses e holandeses ansiosos para virem trabalhar na nossa restauração a troco do salário mínimo.

A culpa não é certamente dos baixos salários. A dificuldade de pagar a renda e a conta do supermercado gera uma alegria de viver que deixa as pessoas com uma boa disposição solar.

A culpa não é certamente da comunicação social. Filmar durante horas as traseiras de uma ambulância enquanto ela se encaminha para o hospital é informação em qualquer parte do mundo.

A culpa não é certamente do Presidente da República. Três eleições legislativas costumam decorrer no espaço de 12 anos. Concentrá-las num período de apenas quatro anos não produz qualquer efeito negativo, designadamente o de transmitir a ideia de que, em democracia, os governos são tão frágeis que não resistem ao chumbo de um orçamento, ou a um parágrafo do qual nunca mais ninguém ouviu falar.

A culpa não é certamente de vários factores. Há-de ser só um. Só temos de descobrir qual é. Parece-me fácil. Boa sorte para todos nós.»


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