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27.10.18
Dica (822)
Bolsonaro’s Conservative Revolution (Matthew Aaron Richmond)
«Jair Bolsonaro's core support lies with wealthy Brazilians. But the far-right figure wouldn't have gotten this far if he hadn't also established a formidable base among the poor.»
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Esse Brasil não!
«Amanhã, Deus vai provar que se fartou de ser brasileiro e vai dar ao Brasil o pior Presidente da sua história: Jair Bolsonaro. Vai dar-lhe um Presidente que pela sua boçalidade, pela sua arrogante ignorância e desprezo pela cultura e pelos simples valores daquilo a que chamamos sociedades civilizadas, pelo seu apelo ao ódio e à violência, pela sua indisfarçada vontade de perseguir os mais fracos e pobres dos brasileiros, de discriminá-los pela cor, pelo sexo, pela raça e pela classe social, deveria encher de vergonha aqueles que, de entre os seus votantes, são os mais bafejados pela fortuna e pela educação — e que são precisamente, dizem as sondagens, os que mais entusiasticamente se preparam para levar ao Planalto um fascista declarado. Todos os que amam deveras o Brasil jamais lhes poderão perdoar. Tudo, menos o Brasil de Bolsonaro.
Desses, já ouvi toda a espécie de autojustificações — primeiro, dadas de mansinho, envergonhadamente, tentando convencer que quem olha de fora não sabe o que se passa lá dentro; depois, já de forma clara e sem vergonha alguma, mesmo com orgulho — um orgulho que nem é abalado por se juntarem à massa ignara dos 70% de brasileiros que recolhem toda a sua informação no WhatsApp e no Facebook, que passam o dia a receber informações que sabem ser falsas e divulgá-las adiante, e a quem também nada incomoda que o seu valente candidato se acobarde sob uma falsa convalescença para fugir ao debate e ao confronto com o seu adversário. Aliás, nem lhes interessa saber o que ele pensa sobre o que quer que seja, basta-lhes saber que é contra o PT e que, se preciso for, os vai prender, torturar ou matar, conforme ameaça — não se sabe ainda se apenas como desejo ou mesmo para valer. Porém, se tudo se resumia a votar contra o PT, podiam ter escolhido Alckim, à direita, ou Ciro Gomes, no centro-esquerda. Mas preferiram a extrema-direita fascista e, com eles, arrastaram o Brasil. Não, não têm desculpa alguma. Mesmo que seja uma verdade penosa constatar que o próprio PT deu uma contribuição decisiva para o descrédito das instituições democráticas brasileiras e que, face à emergência de uma real ameaça fascista e sabendo da rejeição que o partido tinha junto de uma larga maioria de eleitores, não foi capaz do gesto patriótico de renunciar a uma candidatura presidencial e apagar-se perante quem pudesse travar Bolsonaro. Mas daí a apoiá-lo vai uma imensa diferença, que cobrirá para sempre de vergonha quem o fez. O Brasil de Bolsonaro não.
Meus íntimos irmãos brasileiros: eu não quero dar lições algumas a ninguém e por favor não me confundam com um Boaventura Sousa Santos. O país é vosso, o voto é vosso e até são livres de eleger quem o vá destruir de alto a baixo, da Amazónia até ao Rio Grande do Sul. Podem, com o vosso voto de amanhã, ajudar a restabelecer a ditadura, por golpada parlamentar e emenda constitucional ou por quartelada concertada com o capitão Bolsonaro. Podem convencer o povo de que a corrupção, a miséria, as desigualdades sociais, o crime e a violência são tudo obra exclusiva do PT ou culpa da democracia e não responsabilidades antigas e próprias — como se demonstra, por comparação, olhando para a história das democracias e das ditaduras. Podem, sinceramente (embora incompreensivelmente, para mim) acreditar que, sacrificando a democracia, resolvem todos os problemas endémicos do Brasil. Podem tudo isso, mas não podem impedir que quem cresceu a amar o Brasil da liberdade seja incapaz de continuar a amar o Brasil fascista. O Brasil de Bolsonaro será vosso, porque assim o quiseram; de quem, de fora, ama o Brasil, não.
26.10.18
José Cardoso Pires morreu há 20 anos
Morreu em 26 de Outubro de 1998. Vinte anos passam bem mais depressa do que se pensa quando se é jovem, pesam muito quando a vida vai avançando. O Zé continua a fazer-me falta como amigo e dou por mim a imaginar o que escreveria sobre o Portugal de hoje, se ainda fosse vivo. Não estaria certamente muito entusiasmado.
Retomo um belo texto que uma das suas filhas, Ana Cardoso Pires, leu em 10.03.2008 na Biblioteca Nacional, na cerimómia de entrega de parte do espólio do pai àquela instituição.
«Há pouco, sentada no escritório do Zé, em casa da minha mãe, no meio de caixotes e pastas que ele não conheceu, recordava outros escritórios do Zé. Aqueles que ele enchia de fumo; de papéis pelo chão; de chá com limão, de água ou leite gelados; de prolongados silêncios; de ataques de mau génio. Mas sobretudo de memórias.
No escritório do Zé, raramente entravam amigos e copos de uísque. Era um espaço concentracionário, incaracterístico, independente, onde mantinha engaiolados os demónios da escrita, que se empenhava em domar ou provocar, conforme as marés.
O escritório do Zé ainda hoje existe – e ele nem o conheceu na sua localização actual e na versão estaleiro de obras. No entanto, estou certa de que o reconheceria sem hesitações: uma grande janela, por onde entram vozes anónimas em diálogos longínquos, e as estantes transbordando de livros e papéis de muitas memórias.
O escritório do Zé mudou várias vezes de espaço físico. Sempre com o mesmo desprendimento pela qualidade do mobiliário, sucessivamente recauchutado por ele próprio para se adaptar a necessidades de momento. Pormenores. Permanecia o importante: os livros e os papéis de apoio da memória.
Por isso, o que hoje nos traz aqui, a cerimónia a que assistimos, foi o lançamento da primeira pedra do novo escritório do Zé. Agora com estantes novas e aberto a quem o queira conhecer. Através dos livros e papéis da sua memória.
E como nos dias de festa, cantam as nossas almas: p’ró menino José, uma salva de palmas.»
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O terrível mundo novo
«Com passos rápidos, mas seguros, o mundo caminha para o regresso à Idade Média. A Inquisição das redes sociais simboliza este tempo em que não se debatem ideias: gritam-se certezas, com o objectivo de calar tudo o resto.
A intolerância vai crescendo no dia-a-dia, nas mensagens de ódio do Twitter, na incapacidade para escutar o que o outro tem a dizer. As pessoas querem respostas rápidas às suas aparentes preocupações. O culpado é o "outro". Não admira também que se caminhe do insulto fácil para um mundo de violência. Que passa da verbal para a física. O que se passou por estes dias nos EUA, as ameaças de Jair Bolsonaro sobre a Folha de S. Paulo, o assassínio de Jamal Khashoggi, são vértices deste "buraco negro" que ameaça a democracia, a cultura e a tolerância. Quando Donald Trump evita condenar explicitamente as ameaças bombistas sobre uma série de figuras democratas nos EUA e, também, sobre a CNN, sabe o que faz. Ele tem sido uma fonte de insultos à CNN, a Obama e a Hillary Clinton. Ou a pessoas de "outra cor", como se viu agora nas suas declarações sobre a marcha de migrantes que está a chegar às portas dos EUA. Com as eleições para a câmara baixa dos EUA a entrar na recta final, há muito em jogo. E os EUA parecem à beira de uma guerra civil entre apoiantes e adversários de Trump. O ódio está a consumir as democracias. E há quem aposte nisso.
Nada disto parece normal. Mas é. Por trás desta retórica de intolerância estão interesses primários. Os de Jair Bolsonaro com os chefes do agro-negócio brasileiro que quer desmatar a Amazónia, com consequências incalculáveis para o planeta, mas com lucros claros para alguns bolsos. Os da família Trump (mas também da Grã-Bretanha ou Espanha) no negócio de venda de armas à Arábia Saudita (o petróleo é aqui algo redundante), que não deixa ver o claro envolvimento do círculo de poder de Mohammad bin Salman, o príncipe herdeiro, no "escândalo Khashoggi". Este é o tempo em que alguns vendem a sua alma por lucro. E depois culpam os outros, com frases musculadas, pelas incertezas em que os povos vivem. O contágio populista está a chegar ao Sul da Europa. Não apenas a Itália, mas também a Espanha (com o Vox) ou a Portugal (onde aprendizes de feiticeiro vão acendendo algumas fogueiras). Os novos bárbaros encostam uma faca à garganta da democracia. Pelo caminho, o antigo guru de Trump, Steve Bannon, instalou-se na Europa para a desagregar, fomentando grupos extremistas de direita para o assalto ao poder. Isto perante a complacência e os erros sistemáticos dos poderes constantes da política europeia. Não admira que os Verdes subam na Alemanha: outros discursos de combate a este extremismo cego são necessários.
Porque esta é uma guerra maior: a do populismo contra a globalização, da barbárie contra a cultura, do grito contra o debate. As novas técnicas eleitorais, baseadas em falsidades e na utilização dos meios digitais, chacinam todo o debate sério. E a cultura das "novas tecnologias" ajudou a esta nova fronteira entre o "nós" e os "outros". Um novo mundo vem aí, uma mistura do que escreveram George Orwell e Aldous Huxley. E não vai ser muito agradável.»
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25.10.18
Abstenham-se, abstenham-se!
Meus amigos de direita (porque também os tenho e com prazer) já sabem a receita: nas próximas legislativas, abstenham-se, abstenham-se, na vossa abstenção estará também o (nosso) ganho!
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O ministro veste Prada
«Mário Centeno é o ministro da moda. É, à escala europeia, um "influenciador". Em vez de espalhar a sua influência nas redes sociais, criando ali um público fiel que vai atrás das suas opiniões sobre quais os produtos que deve comprar, exerce-a na União Europeia. E, claro, no Governo. Onde, mais do que um "influenciador", é um árbitro do gosto.
Os ministros gostam do que Centeno gosta. Se Centeno gostar de Prada, no dia seguinte todos os ministros passarão a vestir Prada. Ou a levar computadores dentro de malas Prada. Se um dia destes, por motivos de contenção, Centeno passar a preferir Primark, lá teremos os ministros, obedientes, a vestir na marca baratinha que serve os portugueses com menor poder de compra. Mas Centeno, vá lá saber-se porquê, acha que Prada é sinónimo de luxo. Poderia ter escolhido, para outras sensibilidades, a Louis Vuitton ou a Armani. Mas gostos são gostos. Ou então não foi um acaso.
O certo é que, como disse no Parlamento: "Hoje não é apenas o PIB que veste Prada. Também o desemprego, o saldo primário das contas públicas, o investimento e as contas públicas. Hoje todos vestimos Portugal e os portugueses têm orgulho nisso." Que o PIB vista Prada, ainda vá lá. Que o desemprego envergue Prada, já é mais duvidoso. A metáfora não convence. A Prada não está ao alcance de um desempregado ou de quem ganha o salário mínimo nacional. A menos que compre na contrafacção, o que vai contra os princípios de caça fiscal de Centeno.
Centeno, não sei se se recorda, talvez tenha tentado fazer um trocadilho com o célebre livro (e filme) "O Diabo veste Prada", sobre a relação de trabalho de uma jovem com a sua chefe, que tem um coração tão quente como Átila, o Huno. Aí é mais difícil decifrar a metáfora de Centeno: quem veste Prada, no livro, é um Diabinho. Assim, quem veste Prada neste filme nacional? O ministro, o PIB, Bruxelas, os portugueses? Ou o Diabo está a enganar-nos a todos, envergando Prada? Passos Coelho deve estar a rir neste momento: ele, que dizia que o Diabo voltaria a surgir, não imaginaria que Centeno o poria a vestir Prada.»
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24.10.18
Brasil: enquanto há vida…
Sondagem IBOPE 21-23.10.2018.
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Rosa Parks morreu num 24 de Outubro
Rosa Parks morreu em 24 de Outubro de 2005, com 92 anos. Era costureira, vivia em Montgomery e apanhava todos os dias o mesmo autocarro. A história é conhecida: no dia 1 de Dezembro de 1955, a parte da frente do mesmo, reservada a passageiros brancos, já não tinha nenhum lugar vago e o condutor ordenou que Rosa se levantasse e cedesse o seu. Recusou e foi presa, facto que desencadeou uma reacção em cadeia, nomeadamente o boicote dos autocarros de Montgomery durante um ano.
Mas não se tratou de um impulso isolado: há muito que Rosa se recusava a entrar nos autocarros pela porta traseira e que era activista em outras causas, nomeadamente na luta pelo direito ao voto. Ficou ligada, para sempre, juntamente com Luther King e tantos outros, à luta pela emancipação dos negros, sendo muitas vezes qualificada como «the first lady of civil rights» ou «the mother of the freedom movement».
Mais de seis décadas depois, e alguns milhares de quilómetros a Sul, um cafajeste brasileiro ameaça hoje, ferozmente, negros e outras minorias. A conquista de direitos humanos fundamentais nunca está garantida, é necessário lutar para que não seja aniquilada.
Versão Pete Seeger:
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Eucaliptos, avozinhas e exibição dos foragidos capturados
«O novo normal tem destas coisas: tem duas faces como Janus, é simultaneamente apocalíptico e banalizador, não poderia ser uma coisa sem a outra. Tem que assustar e anestesiar, mostrando um mundo tremendo a que não podemos resistir e entretendo quem desvia o olhar. Esse mundo é ameaçador, Bolsonaro radicaliza a ameaça de prisão dos seus adversários no Brasil, Trump questiona trinta anos de contenção no desarmamento nuclear, um jornalista é assassinado de encomenda num consulado da Arábia Saudita, nada é hoje impossível ou sequer improvável. E o novo normal é ao mesmo tempo rasteirinho, parecendo até que, nestes últimos dias, essa banalidade tomou conta de Portugal: o que se discute é o transcendente assunto dos beijos dos avós, que já deu em prosas várias de tudólogos encartados, ou se o Presidente arruinou a pátria ao arrancar uns eucaliptos infestantes, o que suscitou uma reação magoada dos defensores do “petróleo verde”, ou se uma dirigente política tem um relógio de vinte e um milhões de euros, uma das mais delirantes efabulações de um aprendiz de fakista que, adorador de Bolsonaro, reconhece brejeiramente que nem sempre escreve “a verdade a 100%”. Não é fácil, mas é a vida, parafraseando um célebre dito, é melhor que nos habituemos.
Há nisto uma decadência de normas comuns de respeito pelo espaço público que parece irreversível. É aliás impulsionada por instituições que o deviam guardar: uma associação de polícias divulga fotografias forjadas para desse modo criticar um ministro, e a falsificação parece-lhes um ato legítimo. Aqui, o que é mais revelador é que são polícias e que têm por certo que o efeito da condenação pública da mentira é menos grave do que o ganho imediato com o insulto ao governante. Na mesma espiral, uma associação de militares da GNR sugere que os “criminosos” têm que ser tratados como se estivessem condenados e como se parte da pena ainda não lavrada fosse um antecipado enxovalhamento público e linchamento mediático.
Em todo este discurso catastrofista há um gosto pelo superlativo, uma vontade de chamar a atenção pelos propósitos mais extravagantes, uma forma de confrontação que adote o apoplético como norma, um culto do susto e, portanto, várias explorações dos sentimentos mais assustadores. O tremendismo é, em si próprio, uma linguagem. Um exemplo: um editorial de um jornal, esta segunda.feira, afirma que o acesso à aposentação “se tornou uma palhaçada”. Isto não acontece num jornal de escândalos. Uma “palhaçada”? No discurso político, aliás parente próximo deste jornalismo justiceiro, à medida que nos aproximamos das eleições de 2019 mais sobressairá a mesma atitude.
O ponto é este: a barreira das regras civilizadas, a tal da presunção de inocência, do predomínio da lei igual para todos, das obrigações que uma farda deve respeitar, o princípio da objetividade e contenção da comunicação social, tudo cede perante esta avalanche. A banalidade, como o debate dos beijinhos ou dos eucaliptos, só narcotiza, o que já é grave, sobretudo quando a tensão está noutro lado, na ecologia do insulto e da mentira. No novo normal, a verdade não vai ser mesmo a 100%, como diz, feliz, o homem do relógio.»
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23.10.18
Dica (821)
Cavaco sai muito bem do livro que escreveu sobre si (Ferreira Fernandes)
«A partir de cinquentão, qualquer pessoa sabe que as memórias recentes são menos fiáveis do que as antigas. Como os computadores, apagamos mais depressa a memória RAM, a de agorinha, do que a memória ROM, de longa duração. Infelizmente, Cavaco Silva preferiu escrever sobre seus recentíssimos tempos de Presidente e não os de acionista privilegiado do BPN. No segundo tomo de Quinta-Feira e Outros Dias, de Cavaco Silva, livro apresentado esta quarta-feira ao público, alguns episódios só têm três anos.
Perdemos, pois, a possibilidade de saber mais sobre um mistério interessante e até hoje inexplicado, o do BPN, onde da antiga memória armazenada se poderia esperar uma sinceridade porque, enfim, o que lá vai, lá vai.»
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Mas a Itália não é Grécia…
Uma história com consequências imprevisíveis.
A ler também (sem deixar de ver o vídeo): Un eurodiputado italiano de la Lega Nord "pisa" los papeles de Moscovici con su zapato.
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23.10.1956 - A «Revolução Húngara»
A chamada «Revolução Húngara» começou numa terça-feira, 23 de Outubro de 1956, no centro de Budapeste, com uma manifestação de milhares de estudantes que tentaram ocupar a rádio para transmitirem as suas exigências: fim da ocupação soviética e a implantação de um «verdadeiro socialismo». Foram detidos e quem do lado de fora exigia a sua libertação foi alvejado pela polícia a partir do interior do prédio.
Espalhada a notícia, a revolta alastrou primeiro a toda a cidade de Budapeste e depois ao resto do país, provocou a queda do governo e a sua substituição. Mas em 4 de Novembro deu-se a invasão pelas tropas do Pacto de Varsóvia e a resistência não durou mais de seis dias.
Pouco mais de duas semanas, portanto, que se saldaram por duas dezenas de milhares de mortos e por um verdadeiro êxodo de cerca de 200.000 húngaros, sobretudo jovens, que fugiram do país e pediram asilo um pouco por toda a Europa e também na América, do Norte ao Sul. Conheci uns tantos na Universidade de Lovaina, uns anos mais tarde.
Hoje a Hungria tem um dos governos mais sinistros da União Europeia, sem que esta pareça importar-se suficientemente com o facto, líder de uma política militante de rejeição de refugiados e não só. Os estudantes de 56 são agora velhos ou já morreram. Gostava bem de saber o que pensam disto tudo os meus amigos Eva, Nicholas e Elisabete, mas perdi-lhes o rasto…
. A PSP, a GNR e Bolsonaro
«O que denigre a imagem dos profissionais da PSP, ao contrário do que afirma o Sindicato Vertical de Carreiras da Polícia, não é a pronta e acertada reacção do ministro da Administração Interna. Eduardo Cabrita ordenou um inquérito às circunstâncias da fuga de três arguidos do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, suspeitos de dezenas de roubos a idosos, e à divulgação das fotografias dos mesmos após as detenções em Gondomar. Os sindicatos não gostaram disso e acharam que o ministro estava a tomar o partido dos “delinquentes”. Se os sindicatos estão convencidos de que uma fuga patética daquele tipo e a exposição de detidos daquela forma não são suficientes para que um ministro e qualquer um de nós queira saber o que se passou, então é porque acham que os polícias estão acima de qualquer suspeita pelo simples facto de possuírem um crachá.
Os sindicatos e associações das forças de autoridade deveriam preocupar-se tanto com a presunção de inocência dos seus inscritos e associados (claro que a autoria das fotografias em causa será sempre uma especulação) como com a presunção de inocência dos detidos. Os suspeitos, é assim que juridicamente são, não foram ainda sujeitos a qualquer juízo. Percebe-se a solidariedade entre forças da autoridade, mas não é aceitável que a Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda diga, sem qualquer prurido, que os criminosos “não são merecedores do mesmo respeito e consideração” que o cidadão comum.
O que denigre a imagem dos profissionais da polícia — generalizando o que não pode ser generalizado, porque há sempre polícias bons e polícias maus, como nos filmes — é um sindicato que recorre a montagens com imagens de idosos espancados noutros países europeus para nos fazer crer que estes foram vítimas daquele trio de “criminosos perigosos” e com isso atacarem nas redes sociais a tutela com que estão em conflito. A publicação consciente de fotografias fora do contexto, com o argumento de que se trata da defesa de colegas vilipendiados por um ministro, não é apenas um tique “Bolsonaro” de mau gosto. É pura manipulação. E manipulação é coisa séria, que não seria de esperar de um sindicato de polícia que se diz vertical.»
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22.10.18
Macau e a maior ponte do mundo
«É considerada a maior travessia do mundo sobre o mar, vai ligar Hong Kong, Zhuhai e Macau, e será inaugurada na terça-feira, mas só condutores com uma autorização especial poderão circular sobre esta ponte.
A ponte custou aos governos das três regiões cerca de 1,9 mil milhões de euros e a estrutura principal mede 29,6 quilómetros, com uma secção em ponta de 22,9 quilómetros e um túnel subaquático de 6,7 quilómetros que liga duas ilhas artificiais, tendo assim uma extensão total de 55 quilómetros. (…)
É inaugurada dez anos depois, sendo considerada um marco do projeto de integração regional da Grande Baía, que prevê a criação de uma metrópole mundial a partir dos territórios de Hong Kong, Macau e nove localidades da província chinesa de Guangdong - Cantão, Shenzhen, Zhuhai, Foshan, Huizhou, Dongguan, Zhongshan, Jiangmen e Zhaoqing. Segundo os media locais, o Presidente chinês, Xi Jinping, estará presente na cerimónia de abertura oficial da ponte ao público.»
(Daqui)
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O Brasil é aqui
«Nos 50 anos do Maio de 68 ocorre-me que tão pouco tempo passou para aqui chegarmos. Aqui, a este lugar onde é proibido (não) proibir. O Brasil vive um momento-chave e de todas as partes há quem ache que não temos nada que ver com isso. Em bom rigor, no sentido estrito, até nem é connosco, mas não é preciso pensar muito para perceber que é. A discussão não anda longe da que foi feita recentemente em relação à Hungria, nem do mal que faz a toda a gente haver no mundo um governo como o de Duterte, nas Filipinas, ou do estremecer que foi a eleição de Trump nos Estados Unidos. Mas, feitas as contas, isso quer dizer o quê? Que é a vida? Que temos de acostumar-nos? Que nesta casa comum não temos nada que ver com nada? Recuso a ingerência, mas recuso igualmente a apatia fria e calculista de quem acha que no silêncio é que está o ganho.
O que se passa no Brasil é um retrocesso gigante e não apenas para quem vive no Brasil. Dizia Agustina Bessa-Luís que pode fazer-se uma revolução sem revolucionários, o que não pode fazer-se é uma revolução sem argumentos. Penso nesta frase e repasso-a para extrapolar que também um retrocesso não se pode fazer sem argumentos. Mas parece que isto é pedir muito. Entre a democracia e a sua antítese, entre o humanismo e a selva, entre a convivência pacífica e a guerra permanente, entre a igualdade e a subtração, entre a liberdade e a opressão, naturalizam-se os negativos. Bolsonaro não pode ser naturalizado pela simples razão de que ninguém sobrevive na sua equação dos a excluir. Duterte quer matar todos os toxicodependentes, Bolsonaro quer fazer a castração química de todas as pessoas que não sejam heterossexuais. Admiradores de ditadores e de torturadores são elevados à condição de democratas porque supostamente dizem umas "verdades", que mais não são do que gigantes mentiras convertidas em massa acrítica.
Tudo isto tem de fazer-nos pensar muito bem sobre os vários falhanços não corrigidos ou, muitas vezes, sequer avaliados. Falhanços das forças políticas democráticas, falhanços na promoção da igualdade, falhanços na defesa da liberdade.
Comovo-me com a gente valente que, no Brasil, não desiste da inevitabilidade que querem fazer valer os mercados, uma parte dos media, as elites corruptas. Comovo-me com as mulheres, os negros, os homossexuais e as lésbicas, a gente pobre que levanta a cabeça sabendo que Bolsonaro lhes quer pôr a cabeça a prémio. Não acredito que todas as pessoas que apoiem Bolsonaro sejam racistas, xenófobas, homofóbicas ou sexistas e é também por isso que me comovo mais ainda com todas as pessoas que não escolhem o silêncio.
As eleições no Brasil não são um campeonato entre o PT de Lula e Bolsonaro. São um jogo, sim, ou melhor, foram convertidas num jogo, mas é um jogo sobre a democracia, sobre o Estado de direito, sobre a nossa capacidade de vivermos juntos em comunidade com as nossas diferenças. O Brasil é aqui.
Voltando a Agustina, "mudar o mundo é mudar os ponteiros onde se marca o bem e o mal. Não quer dizer pô-los ao contrário, mas dar-lhes andamento certo". Este Brasil está para além de quem legitimamente pode escolher o futuro através do seu voto. Somos todos e todas nós que podemos mudar os ponteiros. Somos todos e todas nós a ver-nos ao espelho.»
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21.10.18
A barbárie está a avançar por cá mais depressa do que previsto
«O Sindicato Vertical de Carreiras da Polícia partilhou este sábado uma publicação no Facebook onde o Ministro da Administração Interna surge numa montagem junto às caras de três idosos espancados, sugerindo que essas serão as vítimas dos três fugitivos do Porto. (…)
Em primeiro plano aparece a fotografia de Catherine Smith, que foi estrangulada e espancada com uma trela quando passeava o seu cão em Tulse Hill, no sul de Londres, em 27 de julho do ano passado; o segundo caso diz respeito a John Charles Junyent, dono do restaurante La Botticella, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, que em 2015 foi espancado por um funcionário; a terceira imagem é de um idoso que há cinco anos foi espancado por criminosos que invadiram a sua casa, na cidade de Tremedal, no interior da Bahia, também no Brasil.»
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Orbán, Trump, Bolsonaro: como chegámos até aqui? (II)
«Mas é mesmo fascismo o que aí vem? Se Bolsonaro chegar à Presidência do Brasil daqui a uma semana, devem os brasileiros preparar-se para uma versão séc. XXI do fascismo? A recorrente atitude de descartar qualquer comparação entre Hitler e Mussolini e figuras como Bolsonaro (ou Trump, ou Orbán, ou Salvini) decorre de um velho vício que é o de, anacronicamente, julgar que o fascismo não existe sem bigodinhos ridículos, paradas noturnas com archotes e Auschwitz – e, contudo, por aí não faltam deportados, campos de prisioneiros, discriminação racial, milícias, retórica anticomunista e discursos de ódio.
Depois de terem promovido a fascização das relações de trabalho (precariedade e falta de liberdade na relação com o empregador, ação coletiva e sindicalização assumidas, na maioria dos casos, como necessariamente clandestinas), a questão reside em saber se os grupos sociais e políticos que se reservam a possibilidade de usar a carta da fascização do Estado acham ainda que os seus interesses estão suficientemente garantidos nos sistemas formalmente liberais em que vivemos. Exatamente como aconteceu na era do Fascismo (1918-45), o problema é mais de oportunidade do que de necessidade: mais do que avaliar a necessidade de proteger os seus interesses eliminando (política e fisicamente) os seus opositores e a resistência social, porque julgados demasiado fortes, o que hoje se pergunta quem empurra Bolsonaro para o poder (e com ele acordou uma agenda económica e social) é se se pode dar ao luxo de perder esta oportunidade, a primeira que se lhe oferece desde o fim da ditadura militar (1985).
Há duas semanas defendi aqui a ideia de que vivemos um pouco por todo o mundo um estádio adiantado de uma transição autoritária, na qual, sem que se quebre a aparência da continuidade do sistema democrático, se evolui na direção da ditadura – exatamente como aconteceu com o fascismo e o nazismo, entronizados no poder por via constitucional. A pergunta, portanto, é se são suficientes os instrumentos que já estão operativos (Estado securitário Big Brother que viola direitos humanos e liberdades fundamentais em nome de uma emergência tornada permanente; inventar uma pretensa invasão demográfica para securitizar as migrações, naturalizar o racismo e dividir os explorados em torno de identidades étnicas/culturais) ou se, pelo contrário, é preciso partir para a violência institucionalizada do Estado.
Que triunfem personagens como Trump e Bolsonaro em duas das sociedades mais violentas e mais policializadas do mundo (segundo o World Prison Brief, 2,1 milhões de presos nos EUA, 0,66% de toda a população, a proporção mais alta de todo o mundo; 700 mil no Brasil, 0,32%; por comparação, 0,13% em Portugal, 0,18% na Venezuela, 0,12% na China), é a prova de como a violência se naturalizou nas relações sociais. Uma parte muito significativa dela é praticada pelas forças policiais, legitimadas que estão por uma opinião que a justifica e que, quanto menos aceitar explicações sociais, mais tende a julgar que a solução é mais violência ainda. Por exemplo, ocupando militarmente cidades inteiras; se necessário, suspendendo o Estado de Direito; se preciso, impondo a ditadura. E aí está Bolsonaro prometendo cinco ministros militares e fazendo campanha no BOPE (Batalhão de Operações Especiais), no Rio, onde foi dizer que, se for eleito, “a classe militar terá um dos nossos” em Brasília (Estado de São Paulo, 15.10.2018). Bolsonaro no poder será sempre violência de Estado; não que ela seja novidade, mas haverá mais, e mais legitimada. E, além dela, haverá a violência praticada por quem se sente politicamente legitimado pela ideologia do Estado.
Em 1924, ano e meio depois de Mussolini chegar ao poder, o deputado socialista Matteotti não precisou de ser detido pela polícia e executado por uma via legal que ainda nem sequer havia sido implantada; matou-o uma squadra de militantes fascistas. No Brasil dos esquadrões da morte e dos assassinos da vereadora Marielle Franco, percebe-se bem do que estou a falar: matar ativista de esquerda é coisa bem mais fácil do que matar Kashoggi. Confrontado com as suas responsabilidades no caso Matteotti, Mussolini, chefe de um governo de coligação que ainda tolerava a existência de oposição legal, limitou-se a dizer: “Se o fascismo é uma associação de delinquentes, sou eu o chefe dessa associação! Se toda a violência foi o resultado de um determinado clima histórico, político e moral, a responsabilidade é minha, porque este clima histórico, político e moral criei-o eu”.»
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