«Com passos rápidos, mas seguros, o mundo caminha para o regresso à Idade Média. A Inquisição das redes sociais simboliza este tempo em que não se debatem ideias: gritam-se certezas, com o objectivo de calar tudo o resto.
A intolerância vai crescendo no dia-a-dia, nas mensagens de ódio do Twitter, na incapacidade para escutar o que o outro tem a dizer. As pessoas querem respostas rápidas às suas aparentes preocupações. O culpado é o "outro". Não admira também que se caminhe do insulto fácil para um mundo de violência. Que passa da verbal para a física. O que se passou por estes dias nos EUA, as ameaças de Jair Bolsonaro sobre a Folha de S. Paulo, o assassínio de Jamal Khashoggi, são vértices deste "buraco negro" que ameaça a democracia, a cultura e a tolerância. Quando Donald Trump evita condenar explicitamente as ameaças bombistas sobre uma série de figuras democratas nos EUA e, também, sobre a CNN, sabe o que faz. Ele tem sido uma fonte de insultos à CNN, a Obama e a Hillary Clinton. Ou a pessoas de "outra cor", como se viu agora nas suas declarações sobre a marcha de migrantes que está a chegar às portas dos EUA. Com as eleições para a câmara baixa dos EUA a entrar na recta final, há muito em jogo. E os EUA parecem à beira de uma guerra civil entre apoiantes e adversários de Trump. O ódio está a consumir as democracias. E há quem aposte nisso.
Nada disto parece normal. Mas é. Por trás desta retórica de intolerância estão interesses primários. Os de Jair Bolsonaro com os chefes do agro-negócio brasileiro que quer desmatar a Amazónia, com consequências incalculáveis para o planeta, mas com lucros claros para alguns bolsos. Os da família Trump (mas também da Grã-Bretanha ou Espanha) no negócio de venda de armas à Arábia Saudita (o petróleo é aqui algo redundante), que não deixa ver o claro envolvimento do círculo de poder de Mohammad bin Salman, o príncipe herdeiro, no "escândalo Khashoggi". Este é o tempo em que alguns vendem a sua alma por lucro. E depois culpam os outros, com frases musculadas, pelas incertezas em que os povos vivem. O contágio populista está a chegar ao Sul da Europa. Não apenas a Itália, mas também a Espanha (com o Vox) ou a Portugal (onde aprendizes de feiticeiro vão acendendo algumas fogueiras). Os novos bárbaros encostam uma faca à garganta da democracia. Pelo caminho, o antigo guru de Trump, Steve Bannon, instalou-se na Europa para a desagregar, fomentando grupos extremistas de direita para o assalto ao poder. Isto perante a complacência e os erros sistemáticos dos poderes constantes da política europeia. Não admira que os Verdes subam na Alemanha: outros discursos de combate a este extremismo cego são necessários.
Porque esta é uma guerra maior: a do populismo contra a globalização, da barbárie contra a cultura, do grito contra o debate. As novas técnicas eleitorais, baseadas em falsidades e na utilização dos meios digitais, chacinam todo o debate sério. E a cultura das "novas tecnologias" ajudou a esta nova fronteira entre o "nós" e os "outros". Um novo mundo vem aí, uma mistura do que escreveram George Orwell e Aldous Huxley. E não vai ser muito agradável.»
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