A excelente reportagem que o
Público publicou, no passado dia 14, sobre as reacções de um grande grupo de pessoas (do qual fiz parte) à leitura que fizeram dos seus processos elaborados pela PIDE, inclui o testemunho de Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) (*). Confesso que senti logo um certo incómodo por o ver inserido numa história com a qual me parecia nada ter a ver. Mas percebo que a jornalista Clara Viana (CV) tenha querido inquirir pessoas de vários quadrantes. Só penso que teve «pouca sorte» nesta escolha específica, porque MRS tem imaginação fértil e nem sempre consegue dominá-la. Julgo que terá sido o caso.
Entretanto, foi publicado um post em
O Tempo das Cerejas sobre o conteúdo de algumas das declarações de MRS, deixei comentários na respectiva Caixa e seguiu-se uma troca de
mails (que ainda dura, mais ou menos «triangulada» por mim) com o autor do texto, Vítor Dias (VD), e com a jornalista CV.
Decidi, portanto, sair também das catacumbas.
É natural que MRS tenha processos abertos na PIDE e que lá estejam alguns dos factos que vêm relatados no
Público. Mas não todos. Choca, sobretudo, a impressão geral de história oposicionista que quer deixar no leitor. Ninguém é obrigado a ter passados «com bom aspecto», o que não vale é burilá-los.
Por exemplo:
MRS diz que «nasceu para a PIDE» aos 16 anos (o que deve ter acontecido em 1964, já que tem agora 60) porque, enquanto o pai era dignitário do regime, ele pertencia à «oposição liberal». Oposição liberal em 1964? Alguém se lembra do que poderá ter sido? Se pretende referir-se à ala liberal de Marcelo Caetano, essa só nasceu uns cinco anos mais tarde...
Diz também,
sem denunciar que se trata de invenção da PIDE, que esta registou que ele, de «ideias perigosas», era visto a colar cartazes e a distribuir propaganda subversiva de madrugada. Cartazes? Como diz VD, só se fossem recreativos. Outros só foram permitidos, e poucos, nas campanhas eleitorais de 1969 e de 1973 e, aí, juro pelas alminhas que nunca ninguém viu MRS do lado das oposições – nem a PIDE. Propaganda subversiva? De que organizações – do PC, do MRPP? Dos católicos progressitas garanto eu que não era.
Enfim...
Não se pode reescrever o passado, Professor Marcelo. Não vale a pena tentar.
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(*) Já
me referi a este tema num outro
post e o texto integral da reportagem do
Público (onde realcei, a vermelho, as declarações de MRS) pode ser lido
aqui.