4.12.21

04.12.1961 – Uma espectacular fuga de Caxias

 


Em 1961, oito presos políticos personificaram uma fuga do forte de Caxias, não menos espectacular do que a de Peniche, ocorrida quase dois anos antes, mas muito menos conhecida provavelmente por não envolver Álvaro Cunhal.

Mais informação e um vídeo AQUI.
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O passageiro que chegou atrasado

 

«Na hora de bater com a porta da Administração Interna, não teve, porém, a coragem e a decência de admitir que foi, única e exclusivamente, uma vítima da sua própria sobranceria, impunidade e irresponsabilidade políticas. Num exercício propagandístico e autoelogioso, em que exibiu dados estatísticos que nada têm a ver com o caso que o fez abandonar o cargo de ministro da Administração Interna, comunicou ao país que só não saiu antes porque António Costa não deixou. Um agradecimento envenenado a quem, durante demasiado tempo, deu cobertura institucional aos seus desmandos. Porém, a imagem que ficará para a história será a de um ministro que, a propósito da morte de um homem atropelado por uma viatura de Estado que seguia a velocidade excessiva com ele no banco de trás, perdeu mais tempo a dourar as suas conquistas governamentais do que a dirigir-se à família enlutada e a proteger o motorista agora acusado pelo Ministério Público de homicídio por negligência. Não assumiu a sua responsabilidade política, não defendeu a dignidade das funções que desempenhava.»

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Tarde partiu Cabrita, sublinhado a desumanidade

 


«Tive, no início de toda esta lamentável história de Eduardo Cabrita, o cuidado de me resguardar de comentários excessivos. De não participar nos tribunais plenários que hoje funcionam em permanência na comunicação social e nas redes sociais. E, ainda menos, no exército de moralistas tão deslocado para um país onde são muito poucos os que cumprem os limites de velocidade (incluo-me nos prevaricadores e já fui multado por isso). Por uma simples razão: pouco sabia e o caso, envolvendo uma morte e uma possível acusação de homicídio involuntário, não permite a mais pequena leviandade.

A acusação parece confirmar a ausência de responsabilidades criminais do demissionário ministro da Administração Interna. Ao dizer que era apenas um passageiro o ministro expôs um facto indesmentível, moral e criminalmente relevante. Se essa era a forma e o momento para o dizer, é outra questão. Antes e depois desta acusação, várias coisas podiam ter sido ditas pelo ministro sem beliscar a investigação. E não foi seguramente para preservar a investigação que se manteve no lugar. A prova de que a sua demissão não perturbava a investigação, por nada ter a ver com ela, é ela acontecer depois de se conformar que ele não tem responsabilidades criminais. Exatamente porque não era por responsabilidades criminais que se poderia ter de demitir. Era pelas mesmas razões políticas que o levam a demitir-se quando António Costa passou a ter uma campanha eleitoral pela frente. Razões políticas.

Eduardo Cabrita não se demite porque teve o azar de ir no banco de trás de um carro que colheu mortalmente um trabalhador. Isso até poderia levar uma demissão porque, independentemente das responsabilidades diretas, o fragilizava para o exercício do cargo. As demissões não correspondem sempre à assunção da culpa, podem corresponder à consciência de que fragilidade política de um ministro tornou o exercício do cargo impossível: é difícil um ministro da Administração Interna impor o respeito pelas regras da estrada quando esteve envolvido na morte de alguém por incumprimento dessas regras por parte do seu motorista. Mas também não é por isso que Cabrita não tinha qualquer futuro. É pela sua desumanidade.

Nada impedia que, durantes estes meses, Eduardo Cabrita tivesse dirigido palavras públicas à memória da vítima e à sua família, fosse qual fosse a sua responsabilidade no acidente. Nada impedia que fizesse o que qualquer ser humano normal, ainda mais um político, faria no seu lugar: contactar diretamente a família logo depois do acidente, disponibilizando-se pessoalmente para todo o apoio. E tudo lhe dizia para não ter dado aos seus serviços indicações para publicar imediatamente uma nota em que tentava responsabilizar a pessoa que tinha acabado de morrer. Aí não se preocupou em preservar a investigação que seguramente viria.

Da mesma forma, seria de esperar que, no momento da demissão, tivesse uma palavra para a família do falecido. E uma palavra para o seu motorista, homem que o acompanhou durante estes anos e está agora acusado de homicídio involuntário. Tudo isto grita aos nossos ouvidos uma assombrosa falta de empatia. A mesma falta que o levou a manter-se um silêncio de oito meses depois da morte de Ihor Homenyuk. E a esperar nove meses para escrever à viúva.

O político não se limita a tratar da gestão técnica mais ou menos competente dos dossiers que tem em mãos. Trata da gestão emocional da relação com os governados, porque dela depende a sua autoridade política e, em última análise, o cumprimento das suas funções. Se assim não fosse, bastavam-nos burocratas e tecnocratas. Se não ficarmos apenas pela decência humana, a ausência de empatia é uma questão política.

Usar este momento de despedida, em que todas as palavras deviam ser para os desgraçados desta história – a vítima mortal, a sua família e o motorista que pode acabar condenado –, para fazer um autoelogio político é grotesco e volta a confirmar a incapacidade de perder cinco minutos com o sofrimento dos outros. Nem naquele momento se recordou deles. Esse elogio, a ser feito, caberia ao primeiro-ministro e a terceiros.

Esta demissão, em vésperas da campanha eleitoral, não resolve a desumanidade, sublinha-a. Ela não resulta de qualquer leitura política do que se passou, porque o resultado da investigação não nos traz nada de novo que aumente a responsabilidade do ministro. Ela nem sequer resolve qualquer problema político da falta de autoridade de um ministro que só tinha mais dois meses de mandato. Ela resulta de um mero cálculo eleitoral. O que anula uma acusação que até podia ser junta: a do aproveitamento político da oposição desta tragédia. Porque a demissão não tem outra função que não seja a de diminuir o impacto eleitoral deste episódio. Ela corresponde à lógica de tudo aquilo a que podemos chamar de aproveitamento político. Não no que ele tem de natural – o escrutínio dos servidores públicos ou a consciência de que a sua autoridade não depende apenas de pressupostos formais –, mas no que ela tem de mais mesquinho – o mero cálculo eleitoral.

A culpa de tudo isto é, em última análise, do primeiro-ministro. A ele se deveu a manutenção de um cadáver político depois de oito meses de silêncio no caso do SEF. Deixar alguém neste estado político com uma pasta desta sensibilidade não foi apenas um insulto ao Estado e às suas instituições. Foi uma desumanidade para o seu amigo, que ele sabia que estaria, a partir daquele momento, irremediavelmente fragilizado e seria um alvo fácil de todos os ataques. Não ter feito a remodelação antes das autárquicas – apenas porque queria guardar a substituição de João Leão para depois do orçamento – correspondeu à habitual autoconfiança que tantas vezes trama António Costa. Esta demissão, feita neste momento, acaba por ser a cereja em cima do bolso. Não é por vir tão tarde. É por parecer tão conveniente. Tanto que não o será.»

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3.12.21

O eclipse



 

Eclipse do Sol, Lisboa, 17.04.1912.
Fotografia de Joshua Benoliel.

(Informação sobre este eclipse AQUI e AQUI.)
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03.12.1930 – Jean-Luc Godard

 


Jean-Luc Godard chega hoje aos 91. Passou a infância na Suíça, estudou mais tarde etnologia na Sorbonne, mas o centro da sua vida passou para o Cine-Clube du Quartier Latin. Foi lá que conheceu François Truffaut e Jacques Rivette e foi com eles que lançou, em 1950, La Gazette du Cinema. A partir do início de 1952, iniciou a sua actividade nos celebérrimos Cahiers du Cinéma.

Tenho bem presente a sua primeira longa metragem – À bout de souffle – e outras se seguiram, das quais guardo num «cofre» muito especial La chinoise e, sobretudo, Pierrot le fou.

NESTE POST de 2019, vídeos destes três filmes e de uma longa entrevista que Paulo Branco lhe fez em 2011.
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Benfica – Sporting

 


É logo à noite, mas desde todo o dia de ontem que uma faixa lateral da Av. Lusíadas está vedada a estacionamento (sempre cheia de carros em dias úteis por ser perto de uma estação do Metro) para isto: ser ocupada por caravanas de comes e bebes, encostadas umas às outras (há muitas, só fotografei estas), onde se está mesmo a imaginar como (não) poderão ser respeitadas regras mínimas de distanciamento, de uso de máscaras, e até de higiene, por aqueles que, uma hora depois, vão ter de mostrar Certificado de Vacinação e resultado de teste quando entrarem no estádio. Assim, os Ómicrons deste mundo riem-se de nós, pulam - e avançarão.
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A sexta-feira menos negra

 


«Importado dos Estados Unidos, o Black Friday, que ocorre imediatamente a seguir ao Dia de Acção de Graças, já está entre nós e não termina à meia-noite da sexta-feira, de um brilho tão ofuscante que se torna “negra”. É o dia em que as multidões, atraídas por descontos que dão que pensar sobre o que é o valor da mercadoria, acorrem às lojas mal abrem as portas, antes que esgotem as “ofertas”, e aí entregam-se ao polach das compras de Natal. Cada consumidor sente que tem de correr contra o tempo e chegar primeiro que os outros porque o tempo e os stocks são limitados. Dá-se assim uma exibição exasperada do capitalismo como religião (quem o disse, há quase um século, nem podia imaginar a força analítica das suas palavras), como objecto de um culto que dura todo o ano, todos os dias, todas as horas, mas adquire um grau de euforia selvagem quando chega a festa do Natal, celebrada em regime pagão.

Esta ocasião incita a ir buscar ao armário das relíquias o conceito antigo de alienação, caído em desuso por estar associado (ainda que não exclusivamente) a uma teoria social e política que não goza hoje de muitos favores, como tudo o que circula na órbita de nomes como Marx e Lukàcs. A vida alienada opõe-se à “boa vida”, que também tem os seus pergaminhos conceptuais, não é uma mera expressão da linguagem corrente. Mas recentemente alguém se encarregou de reabilitar o conceito de alienação, tornando-o apto para uma “crítica social” actualizada. Trata-se do sociólogo alemão Hartmut Rosa, uma vedeta universal da sociologia desde que publicou em 2005 um livro sobre Aceleração (é precisamente esse o título), sobre a mudança das estruturas temporais na modernidade. A sua tese fundamental é a de que a alienação é determinada pela aceleração, nas suas três dimensões: a aceleração técnica, a aceleração das trocas sociais e a aceleração do ritmo de vida. A aceleração é, pois, um processo totalitário característico da modernidade e, progressivamente, foi dominando todos os aspectos da nossa vida. Ela é responsável por uma crónica falta de tempo, essa doença social do nosso tempo que nas suas manifestações mais graves se manifesta sob a forma de burn-out. A aceleração provoca uma perda de controlo sobre a nossa própria vida, e é por isso que Hartmut Rosa a considera a principal fonte de alienação, de desvio em relação a uma “boa vida”. Enquanto membro da última geração da Escola de Frankfurt, o autor de Aceleração recupera esta questão de Adorno: como construir uma “boa vida” no seio da vida má, da vida mutilada, isto é, alienada.

O conceito de alienação provoca reservas porque está associado à concepção de uma “verdadeira” humanidade e de vida autêntica, ou seja, a algo em que hoje só é possível acreditar com uma boa dose de beatitude e de anacrónicas ilusões. Mas Hartmut Rosa, nomeando a alienação como uma “patologia social” do nosso tempo, resgata-a de projecções passadistas e nostálgicas. O antídoto que ele apresenta contra a aceleração e a alienação que dela deriva é a “ressonância”. Os seus últimos trabalhos têm consistido precisamente na construção e desenvolvimento do conceito de ressonância que se refere a uma relação entre o sujeito e o mundo caracterizada pela reciprocidade e pela transformação mútua. A alienação, pelo contrário, é a impossibilidade de estabelecer essa relação.

Um dos contributos maiores deste sociólogo é o de nos fazer perceber que uma das maneiras de examinar a estrutura e a qualidade das nossas vidas é concentrarmo-nos sobre motivos temporais. Por isso é que há uma “má vida” que atinge hoje também a burguesia endinheirada, que tem um salário altíssimo, mas nunca tem tempo. A falta de tempo tornou-se um castigo infligido a todos. Excepto aos desempregados, para quem todo o tempo que têm passou a ser tempo excedente. Quando a regra em que vivemos é a falta de tempo, ter tempo é uma falha insuportável e até inocula culpa a quem dele usufrui. Ter tempo para além dos períodos calendarizados e codificados do lazer é sentido como um pecado.

O #Accelerate Manifesto, publicado em Inglaterra em 2013, da autoria de Alex Williams e Nick Srniceck, parecia contradizer esta análise da aceleração. Mas o que os autores deste manifesto defendiam era que devemos acelerar cada vez mais para aproveitar o que há de bom no capitalismo e deixá-lo chocar contra os seus próprios limites. Ou seja, alienarmo-nos exaustivamente até que a alienção se extinga por força de um mecanismo que conduz as coisas para além do seu próprio fim.»

António Guerreiro
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2.12.21

Acontece aos melhores

 

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ONU alerta para emergência humanitária em 2022

 



A nossa estimativa para 2022 é de 274 milhões de pessoas a necessitar de ajuda humanitária. (…)



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Uma pessoa tenta compreensiva, mas…

 

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Tão político que é este veto...

 


«Por duas vezes, a Assembleia da República aprovou, por bastante mais que a maioria absoluta de deputados – 138 em 230 – a despenalização da morte assistida. Uma lei cautelosa que reconhece que, em casos estritamente delimitados, a irreversibilidade da degradação física e o sofrimento atroz por ela provocado justifica aceitar a vontade de antecipação da morte de quem experimenta esse fim de vida dilacerante.

Em ambos os casos, o Presidente da República recorreu à sua prerrogativa constitucional de não promulgar o que o Parlamento aprovou. Num primeiro tempo, invocou para isso dúvidas de constitucionalidade. Agora invoca dúvidas de interpretação jurídica. Sublinhe-se que, no seu requerimento de apreciação da lei pelo Tribunal Constitucional, o Presidente da República não solicitou que essa apreciação incidisse sobre a variedade de fórmulas verbais (“doença incurável e fatal” em dois artigos e “natureza incurável da doença” num outro) usadas para referir a condição de doença de extrema gravidade como requisito para a solicitação da morte medicamente assistida.

Que fique bem claro: a variedade terminológica para enunciar o requisito de doença existia realmente já na versão inicial da lei. E isso não foi assumido pelo Presidente da República como obstáculo a uma inequívoca determinabilidade do conceito em apreço. Que o Presidente da República só tenha então suscitado dúvidas sobre os conceitos de “lesão definitiva” e de “sofrimento intolerável” e não sobre os diferentes modos como estava acolhida normativamente a condição de doença fatal é relevante. Era-o na altura, é-o mais ainda agora que o Presidente veta a lei por entender que há uma variedade terminológica na enunciação do requisito da doença que lhe causa “inesperadas perplexidades”.

Leia-se então a lei. Diz o artigo 3.º que “[p]ara efeitos da presente lei, considera-se morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde.” E o artigo anterior define doença grave ou incurável” como “doença grave que ameace a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade”. Alguma dúvida de que em ambos os casos o que se prevê é uma doença de extrema gravidade que põe em risco a subsistência mesma da vida, causando um sofrimento atroz ao paciente? Não, nenhuma. Nenhum espaço para inclusões anedóticas ou para desgraduações da fatalidade em causa. É sempre e só de doença fatal que se fala. O que não é o mesmo que falar, sempre e só, de morte iminente. Aspirará porventura o Presidente da República a que assim venha a ser. Mas, porque estamos num Estado de Direito com separação de poderes, a única aspiração que pode ser lei é a da maioria dos representantes do povo.

Causam, pois, perplexidade as perplexidades tardias do Presidente da República. Causa perplexidade que um veto político venha enroupado com a veste de veto por razões jurídicas. O tempo e o modo da justificação do veto presidencial têm um alcance político evidente. E pretendido pelo seu autor. Veto mais político que este era difícil.»

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1.12.21

As crianças (3)

 


Nazaré, 1959.
Fotografia de Artur Pastor.
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Rosa Parks

 


1 de Dezembro de 1955, o dia em que Rosa Parks recusou levantar-se para dar o lugar em que estava sentada a um branco, num autocarro de Montgomery.

Ver AQUI um post de 2020.
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Joséphine Baker

 


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Pedro Tamen

 


Seriam 87, hoje.
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Porque é que ainda os oiço?

 


«Estive a fazer uma lista das previsões realizadas nas últimas 72 horas pelos analistas, jornalistas e comentadores políticos que pululam por aí: são muitos, mas a esmagadora maioria pensa mais ou menos da mesma maneira, o que é monótono. Como espetáculo é mesmo uma maçada. Porém, por isso mesmo, é fácil fazer uma síntese do que encontrei:

António Costa pode ganhar as eleições legislativas de 30 de janeiro.

Rui Rio pode ganhar as eleições legislativas de 30 de janeiro.

Vai haver Bloco Central.

A crise política favorece o Chega.

A crise política prejudica o PCP.

A crise política afeta o Bloco.

O CDS vai desaparecer.

A Iniciativa Liberal pode subir.

Do PAN não se fala mas pode ir para um governo PS.

Vamos ter crises políticas sucessivas.

A seguir fui fazer uma lista das previsões falhadas e das notícias erradas nos últimos seis anos e que foram transmitidas ao povo português pelos tais analistas, jornalistas e comentadores políticos, essa pequena multidão freneticamente preocupada, minuto a minuto, com os destinos da Nação.

Lembrei-me destas:

Paulo Rangel ia ganhar as eleições internas do PSD e Rui Rio saia da vida política.

Fernando Medina ia ganhar as eleições na Câmara de Lisboa.

O PCP ia aprovar todos os orçamentos do PS.

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, ia ser "remodelado".

Em eleições legislativas, Rui Rio iria ter o pior resultado de sempre do PSD.

Francisco Rodrigues dos Santos ia perder a liderança do CDS.

Nuno Melo ia conquistar o CDS.

O PSD de Rio não ia aceitar o apoio do Chega nos Açores.

O Chega ia roubar votos à CDU nas autárquicas.

A Iniciativa Liberal ia ter imensos votos em Lisboa.

António Costa ia remodelar o governo.

Passos Coelho ia voltar.

O PS ia conseguir aprovar todos os orçamentos da legislatura.

Em eleições legislativas, Rui Rio iria afundar o PSD.

Marcelo achava que Costa ia para Bruxelas.

Os cuidados intensivos não iam aguentar a pandemia.

O Serviço Nacional de Saúde ia entrar em colapso.

A ministra da Saúde, Marta Temido, ia ser "remodelada".

Passo Coelho ia voltar.

A Festa do "Avante!" ia espalhar a pandemia.

Iam faltar testes à Covid-19.

A União Europeia ia entregar vacinas rapidamente.

Luís Montenegro ia vencer Rui Rio.

Costa ia convencer Centeno a ficar no novo governo.

Rui Rio ia ser uma tragédia para o PSD.

A "geringonça", na segunda legislatura, ia ter um acordo escrito.

António Costa ia demitir-se por causa da lei de contagem do tempo de carreira dos professores.

O ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues ia ser "remodelado".

O roubo de Tancos ia ser classificado como "ato terrorista".

Joana Marques Vidal ia sair da Procuradoria-Geral da República.

Joana Marques Vidal ia ficar na Procuradoria-Geral da República.

Afinal, Joana Marques Vidal saiu mesmo da Procuradoria-Geral da República.

Passos Coelho ia voltar.

Assunção Cristas ia fazer do CDS o maior partido da direita.

Rui Rio ia perder para Santana Lopes.

Não ia ser possível aumentar reformas e pensões.

O IRS não ia baixar.

O Novo Banco não ia custar dinheiro aos contribuintes.

A União Europeia ia sancionar Portugal por causa das medidas da "geringonça".

O "rating" da dívida pública de Portugal ia descer.

Os juros da dívida iam subir.

Passos Coelho ia ficar na oposição.

Marcelo não ia aceitar as contas orçamentais de António Costa.

António Costa ia demitir o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.

O PS não ia aceitar as exigências do PCP e Bloco.

A "geringonça" não ia cumprir os compromissos com Bruxelas.

A "geringonça" ia levar o país à bancarrota.

A "geringonça" só ia durar um ano.

Cavaco Silva não ia dar posse a um governo apoiado por PCP e Bloco.

Não ia haver governo PS.

Faço então um balanço sobre a utilidade, o rigor e a inteligência do jornalismo político português e, irritado, espanto-me com a minha estupidez de viciado em intriga palaciana: mas por que carga de água ainda oiço esta gente, que nada diz ao país?!»

30.11.21

A Ribeira

 


Ribeira, Porto, anos 50/60.
Fotografia de Artur Pastor.
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Marcelo e a Eutanásia (2)

 


Leituras:

Marcelo e a Eutanásia

 

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No limite do tempo

 


[Excerto]

«Volvidas décadas de avisos de cientistas, ativistas pelo clima, discursos políticos e apelos de personalidades diversas, continuamos sem ser capazes de responder à situação de emergência climática em que nos encontramos.

As discussões continuam centradas na (fundamental, mas não suficiente) transição energética e na ideia de dissociação (decoupling) do crescimento económico da exploração de recursos naturais finitos.

Embora a via do decoupling pareça atrativa, na verdade esta peca por continuar a insistir no crescimento económico como condição necessária para o conforto e bem-estar das populações, e por perpetuar esta ilusão de que é possível mudar continuando na mesma. Ou seja, defende-se, e bem, que é necessário estancar a exploração dos recursos naturais, mas continua-se a aspirar a um “crescimento sustentado”, evitando-se confrontar o sistema económico vigente que pretende serem possíveis níveis de crescimento infinitos num planeta finito.

Ao invés de se falar no decoupling do crescimento económico da exploração de recursos naturais, é imprescindível discutir-se o decoupling do bem-estar económico e social das populações do crescimento económico.

Em vez de nos focarmos unicamente em encontrar soluções (mais) verdes para continuar a produzir e a consumir este mundo e o outro, devíamos estar já muito mais focados em discutir como e em quê reduzir produção e consumo.

Em lugar de discussões em torno de como continuar a aumentar produção e consumo sem causar mais dano ao ambiente, importa isso sim questionar a necessidade dos aumentos de produção e consumo em si mesmos. Para quê insistir no aumento de produção se hoje 1/3 dos bens alimentares produzidos não chegam a alimentar ninguém, se 30% da produção de roupa em todo o mundo é descartada sem chegar a ser vendida, se um carro passa mais de 90% da sua vida útil parado? E do lado do consumo, não estamos cansados de saber que, na generalidade dos países do hemisfério Norte, comemos em demasia, compramos e descartamos roupa a uma velocidade incomportável, deslocamo-nos em excesso e trocamos de equipamentos tecnológicos com demasiada frequência?

À semelhança do guloso que espera um medicamento que lhe permita ingerir calorias sem aumentar de peso, somos viciados em consumo que esperam um milagre tecnológico que nos permita não abdicar do vício. Estamos unicamente preocupados com a transição entre tecnologias, e pouco focados em mudar estilos de vida. O ponto não devia estar em trocar o carro a gasóleo pelo elétrico, o plástico por papel ou a roupa de poliéster pela de algodão orgânico. Qualquer solução que a tecnologia traga terá impactos ambientais, pelo que o ponto fulcral tem de estar em menos deslocações (e muito menos deslocações em transporte individual), menos embalagens, menos roupa, etc, etc. Esta discussão é tão mais urgente se pensarmos que há milhões de indivíduos que ainda precisam de aumentar consumo para terem uma vida digna e confortável.

Qualquer aluno de economia aprende, nas primeiras aulas, que o grande desafio desta ciência social é procurar a utilização eficiente de recursos escassos para fazer face a necessidades ilimitadas. Que os recursos são escassos julgo que poucos terão ainda dúvidas, mas temos de começar a questionar-nos se serão mesmo as necessidades ilimitadas ou são ilimitadamente fabricadas pelo marketing, pressão social e aspirações de status

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29.11.21

O campo

 


Da série «Mundo rural», Alentejo, anos 40/50.
Fotografia de Artur Pastor.
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União Europeia

 


Fecha-se entre muros – de água nos mares, de arame em terra, com poucos aviões no ar.
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Uma legião de derrotados

 

«Rui Rio venceu o aparelho. Não me recordo de um caso em que essa vitória tenha sido mais clara, ainda mais com um limite bastante restrito de eleitores. Ou talvez, à última da hora, o aparelho se tenha dividido. Alguém que conheça melhor o partido conseguirá explicar como foi isto foi possível.

E voltou a derrotar as figuras do passado que se recusam a sair do palco. Sobretudo Passos Coelho e Cavaco Silva. O último, de forma direta e quase sempre sem o decoro que se esperaria de um antigo Presidente da República. A intervenção de Passos foi sempre mais discreta e por interpostas pessoas. Nunca conformados com a maioria de esquerda de 2015, os passistas esperam há anos que o povo se mostre agradecido pelo tempo em que se foi para além da troika. E desde que Rui Rio venceu que deixaram claro que o consideram um líder ilegítimo, em contraciclo com a radicalização ideológica que defendem. No sábado, apesar do apoio descarado da comunicação social, os passistas foram mais uma vez humilhados. Porque o seu maior objetivo não era tirar os socialistas do poder, era recuperar a liderança da direita que só lhes caiu no colo, no fim do socratismo, por um acidente histórico.

Depois, há aquele para quem este resultado não foi uma boa notícia: António Costa. A estratégia de dramatização para o voto útil que resultaria com Rangel e a sua tropa é mais difícil com Rui Rio. E o centro já não está no papo. Como já mostrou várias vezes, não é boa ideia subestimar Rui Rio.»

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Duas pandemias?

 


«No dia em que a Europa interditou os voos de e para Maputo, Moçambique tinha registado cinco novos casos de infecção, zero internamentos e zero mortes por covid-19. Nos restantes países da África Austral a situação era semelhante. Em contrapartida, a maioria dos países europeus enfrentava uma dramática onda de novas infecções.

Cientistas sul-africanos foram capazes de detectar e sequenciar uma nova variante do SARS-CoV-2. No mesmo instante, divulgaram de forma transparente a sua descoberta. Ao invés de um aplauso, o país foi castigado. Junto com a África do Sul, os países vizinhos foram igualmente penalizados. Em vez de se oferecer para trabalhar juntos com os africanos, os governos europeus viraram costas e fecharam-se sobre os seus próprios assuntos.

Não se fecham fronteiras, fecham-se pessoas. Fecham-se economias, sociedades, caminhos para o progresso. A penalização a que agora somos sujeitos vai agravar o terrível empobrecimento que os cidadãos destes países estão sendo sujeitos devido ao isolamento imposto pela pandemia.

Mais uma vez, a ciência ficou refém da política. Uma vez mais, o medo toldou a razão. Uma vez mais, o egoísmo prevaleceu. A falta de solidariedade já estava presente (e aceite com naturalidade) na chocante desigualdade na distribuição das vacinas. Enquanto, a Europa discute a quarta e quinta dose, a grande maioria dos africanos não beneficiou de uma simples dose. Países africanos, como o Botswana, que pagaram pelas vacinas verificaram, com espanto, que essas vacinas foram desviadas para as nações mais ricas.

O continente europeu que se proclama o berço da ciência esqueceu-se dos mais básicos princípios científicos. Sem se ter prova da origem geográfica desta variante e sem nenhuma prova da sua verdadeira gravidade, os governos europeus impuseram restrições imediatas na circulação de pessoas. Os governos fizeram o mais fácil e o menos eficaz: ergueram muros para criar uma falsa ilusão de protecção. Era previsível que novas variantes surgissem dentro e fora dos muros erguidos pela Europa. Só que não há dentro nem fora. Os vírus sofrem mutações sem distinção geográfica. Pode haver dois sentimentos de justiça. Mas não há duas pandemias.

Os países africanos foram uma vez mais discriminados. As implicações económicas e sociais destas recentes medidas são fáceis de imaginar. Mas a África Austral está longe, demasiado longe. Já não se trata apenas de falta de solidariedade. Trata-se de agir contra a ciência e contra a humanidade.»

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28.11.21

Uma maldadezinha. Ou não

 

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Entreajuda

 

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Parece que estou a ver

 


«Tenho ali uma fotografia dela: estamos a cara uma da outra.” Maria ainda se lembra da avó. Era a chefe da família. Numa altura em que as crianças abandonavam a escola para irem trabalhar, a senhora fez questão de que os filhos estudassem. “Naquele tempo, no Montijo, era muito raro.” Os quatro filhos e o pai andavam todos sob a sua batuta. Tinha muito pouca instrução, mas “falava e escrevia muito bem e sabia que a educação era uma coisa importante”. A neta está na sala de sua casa, encostada ao cadeirão. Já não é a mulher que foi aos 40 anos. O cabelo está grisalho, apanhado na nuca. Na testa, a ruga não consegue mascarar a ansiedade. “Eu quando era nova, era muito autoritária. Saio à minha avó. Agora já não sou.”

“Ainda me lembro dos cartuchos de amendoins que ela me dava sempre. Eram uns cartuchos pequeninos. Parece que estou a ver o armário onde ela os guardava.” Diz “Parece que estou a ver” e, olhando-me, já não me olha. Vê o armário de cozinha — vejo-o pelos seus olhos. Armário de duas portas tapadas com duas cortinas. Parece que os vemos. Os amendoins que a avó descascou, sobre a bancada. A sertã em que os torra. O cheiro de amendoim torrado, espalhado na cozinha. Os cartuchos de papel manteiga azul enrolados pelas mãos enrugadas da senhora.

“Andavam todos muito engomados, o marido e os filhos, enchapelados. À saída de casa, a mãe punha-os em fila e dava 25 tostões a cada um. 25 tostões era uma fortuna. Eles lá iam com o dinheiro. Mas não era para gastar. Era só para não fazerem má figura, no caso de ser preciso. Ao fim do dia, quando chegavam a casa, ela recolhia os 25 tostões que lhes tinha dado à saída. Era uma senhora assim. Não queria que os homens da casa passassem por desgraçados.” Vejo-os aos cinco, que não conheci nenhum. Engomados e cheirosos de manhã. Estafados do trabalho, à chegada, a devolverem os 25 tostões, que a senhora guarda num saquinho de veludo debaixo da almofada.

Procuro pela senhora em Maria, que não sei quem procuro. Talvez esteja no preceito com que trata da casa e dos seus. Talvez no desejo de não fazer má figura. Fico de ver uma fotografia da avó de Maria, mas ela não a encontra, e não confirmo a parecença. Mas parece que conversa comigo pela tarde, parece que a estou a ver, parece falar pela boca da neta, fosse ela, a ausente, quem finge distrair-se com memórias, no abismo do resultado próximo de exames médicos. Os dias mais belos são aqueles que passam mais despercebidos, entre os domingos e as terças-feiras, horas que parecemos estar a viver, mas nunca vimos. Sentada junto a Maria, estou perante um país que acabou, e do qual apenas sobrámos nós.»

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