[Excerto]
«Volvidas décadas de avisos de cientistas, ativistas pelo clima, discursos políticos e apelos de personalidades diversas, continuamos sem ser capazes de responder à situação de emergência climática em que nos encontramos.
As discussões continuam centradas na (fundamental, mas não suficiente) transição energética e na ideia de dissociação (decoupling) do crescimento económico da exploração de recursos naturais finitos.
Embora a via do decoupling pareça atrativa, na verdade esta peca por continuar a insistir no crescimento económico como condição necessária para o conforto e bem-estar das populações, e por perpetuar esta ilusão de que é possível mudar continuando na mesma. Ou seja, defende-se, e bem, que é necessário estancar a exploração dos recursos naturais, mas continua-se a aspirar a um “crescimento sustentado”, evitando-se confrontar o sistema económico vigente que pretende serem possíveis níveis de crescimento infinitos num planeta finito.
Ao invés de se falar no decoupling do crescimento económico da exploração de recursos naturais, é imprescindível discutir-se o decoupling do bem-estar económico e social das populações do crescimento económico.
Em vez de nos focarmos unicamente em encontrar soluções (mais) verdes para continuar a produzir e a consumir este mundo e o outro, devíamos estar já muito mais focados em discutir como e em quê reduzir produção e consumo.
Em lugar de discussões em torno de como continuar a aumentar produção e consumo sem causar mais dano ao ambiente, importa isso sim questionar a necessidade dos aumentos de produção e consumo em si mesmos. Para quê insistir no aumento de produção se hoje 1/3 dos bens alimentares produzidos não chegam a alimentar ninguém, se 30% da produção de roupa em todo o mundo é descartada sem chegar a ser vendida, se um carro passa mais de 90% da sua vida útil parado? E do lado do consumo, não estamos cansados de saber que, na generalidade dos países do hemisfério Norte, comemos em demasia, compramos e descartamos roupa a uma velocidade incomportável, deslocamo-nos em excesso e trocamos de equipamentos tecnológicos com demasiada frequência?
À semelhança do guloso que espera um medicamento que lhe permita ingerir calorias sem aumentar de peso, somos viciados em consumo que esperam um milagre tecnológico que nos permita não abdicar do vício. Estamos unicamente preocupados com a transição entre tecnologias, e pouco focados em mudar estilos de vida. O ponto não devia estar em trocar o carro a gasóleo pelo elétrico, o plástico por papel ou a roupa de poliéster pela de algodão orgânico. Qualquer solução que a tecnologia traga terá impactos ambientais, pelo que o ponto fulcral tem de estar em menos deslocações (e muito menos deslocações em transporte individual), menos embalagens, menos roupa, etc, etc. Esta discussão é tão mais urgente se pensarmos que há milhões de indivíduos que ainda precisam de aumentar consumo para terem uma vida digna e confortável.
Qualquer aluno de economia aprende, nas primeiras aulas, que o grande desafio desta ciência social é procurar a utilização eficiente de recursos escassos para fazer face a necessidades ilimitadas. Que os recursos são escassos julgo que poucos terão ainda dúvidas, mas temos de começar a questionar-nos se serão mesmo as necessidades ilimitadas ou são ilimitadamente fabricadas pelo marketing, pressão social e aspirações de status.»
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