Resisto dificilmente a uma
«pequena provocação», sobretudo se é feita num blogue que aprecio. Os outros interpelados não se acusam e vejo na Caixa de Comentários que o autor do
post está à espera de ver o que eu escrevo para voltar a pronunciar-se. Responsabilidade redobrada, portanto, para quem já tinha decidido não contribuir mais para a verdadeira e desproporcionada avalanche de textos opinativos sobre Maio 68.
O que está em causa é responder à pergunta
«O que é que o Maio de 68 fez de importante e duradouro para a esquerda?»
Muito ou muito pouco, nada para alguns – conforme as perspectivas, as esquerdas e também as vivências colectivas, pessoais e, porque não, afectivas.
Não vou repetir que não se pode isolar Paris 68 de tudo o resto que aconteceu, antes e depois, um pouco por todo o mundo. Já está dito. Nem discutir se houve revolução ou só revolta, se os mais importantes foram os estudantes ou os operários. Sinceramente, também não sei se os efeitos chegaram aos aborígenes da Austrália ou aos habitantes da ilha da Páscoa e, por hoje, deixo a França para os franceses.
Aquilo de que estou convencida é que, em Portugal, para uma certa esquerda (que, para simplificar, caracterizaria como não estando à época enquadrada em partidos ou movimentos marxistas-leninistas, PC e outros), 1968 teve uma influência decisiva que veio para ficar – e que ficou, pelo menos até ao fim do PREC. Confesso que só nos últimos dias consolidei a formulação desta minha opinião, razão pela qual nem a quero defender muito categoricamente. Mas passo a explicar.
A claustrofobia em que se vivia em Portugal, sem as liberdades mínimas e com sete anos de guerra colonial, era terreno propício para que a contestação de todos os poderes se instalasse, a nível da oposição ao regime – e à Igreja – e no plano dos costumes.
Luta pela liberdade e luta por todas as liberdades passaram a ser uma e mesma realidade. Claro que tudo acontecia apenas a nível de elites em (poucos) centros urbanos – mas eram elites francófonas e francófilas, para quem Paris já era, e passou a ser ainda mais, o que de mais parecido havia com o paraíso na terra. Em palavras mais simples, estou a dizer, sim, que foi a faceta contestatária e libertária do Maio de 68 que influenciou esta esquerda não muito «ideológica», que marcou a sua maneira de agir através de todo o período marcelista e que a fez atravessar o 25 de Abril e viver o PREC com uma certa insensatez utópica. Felizmente, digo eu, sem qualquer nostalgia ou saudosismo (*).
Isto foi importante e foi duradoiro, passou em parte para as gerações que se seguiram e continua a reflectir-se, para muitos, num certo modo de estar na vida e na política. Se responde, minimamente, à pergunta que foi posta, não sei... Mas que venham os comentários.
Tivesse eu trinta e tal anos, como julgo ser o caso do Zèd e de alguns
bloggers do Peão que até conheço pessoalmente, e esta prosa seria radicalmente diferente. Garantidamente.
E, a partir de hoje, de Maio 68, nesta casa, só bonecos e sons. Espero que, também, garantidamente...
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(*) A propósito da vivência do Maio de 68 nas diferentes esquerdas, leia-se o que Rui Bebiano escreveu em
Espartanos e hedonistas.