«Os defensores oficiosos do primeiro-ministro apenas referem como atenuante a "coragem" das medidas, atributo comum a todos os governos nas suas primícias orçamentais. Porque a principal característica deste orçamento é o facto de ele ser o primeiro deste governo que assim já prepara o último. Desde tempos imemoriais que as legislaturas se iniciam pelo exercício da ferocidade do primeiro-ministro para terminarem pelo descontrolo das contas públicas. Não é só fatalismo, também é táctica política, e da pior. (…)
O ministro da Economia, um mal-amado do sistema, acrescentou à meia hora diária no mundo fabril a caça laboriosa aos feriados, concordatários ou civis, tanto faz. Num país de turismo interno em época baixa, ele quer encostar às boxes quer o Carnaval quer a Sexta-feira Santa. Alguns membros da Igreja Católica, desde que não paguem mais impostos, estão disponíveis para dar um jeitinho no dia da Imaculada Conceição. Para a troca lá se vai o primeiro de Dezembro ou o 5 de Outubro, se não for o 25 de Abril ou o primeiro de Maio. Tudo muito rudimentar. (…)
Um orçamento com pés maioritários para andar mas sem cabeça.»
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«Por que é que o Governo não lança o debate sobre os benefícios para o sistema económico e financeiro do regresso de formas de trabalho escravo? Com o ritmo despudorado com que o poder político está a queimar etapas na persecução do objectivo de baixar o nível das populações europeias, por que não avançar mais rápido ainda e discutir a possibilidade do uso de formas de trabalho não remunerado? Se estão convencidos de que têm força suficiente para fazer regredir a história e o objectivo é retirar os direitos dos trabalhadores e o nível de vida atingido na Europa com o pacto social que adveio à Segunda Guerra Mundial, então por que não avançam ainda mais rápido?»
São José Almeida, Queimar etapas, Público 22/10/2011 (sem link)
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«Manuela Ferreira Leite gosta de brincar com a democracia. Está-lhe na massa do sangue, que se há-de fazer? Sai-lhe é o humor sempre para o mesmo lado: suspender direitos e pôr as liberdades entre parênteses. É humor da velha escola sul-americana, está bem de ver.
Num rasgo de fino recorte, sugeriu há meses que se suspendesse a democracia por uns tempos para assim ser possível pôr em prática uma série de políticas de excepção. (…)
Há dias, a Dra. Ferreira Leite quis brincar outra vez. Desta vez com o Governo. E vai de lhe propor que “durante dois, três anos a educação não seja gratuita, sendo paga por quem pode; durante dois, três anos a saúde não seja gratuita, sendo paga por quem pode". E se o Governo gostou da proposta de brincadeira! É que se há ministros com vontade e com jeito para brincar à destruição dos serviços públicos são Nuno Crato e Paulo Macedo. E assim sempre conseguem que o Ministro Álvaro – que fez, há semanas atrás, humor deste tipo nos transportes – não se fique a rir.»
José Manuel Pureza,
Humores
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