15.4.23

Estufas

 


Estufas Reais de Laeken, Jardim de Inverno, Bruxelas, 1873.
Arquitecto: Alphonse Balat («mestre» de Victor Horta).

[Mais informação sobre as Estufas aqui.]


Daqui.
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Batemos no fundo

 



Se não perceberem o vídeo, eu também não explico. Leiam e vejam ISTO.
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«Ce n’est qu’un début?»

 

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Derrubar o Governo mesmo que isso signifique estuporar a democracia (I

 


1. Este é um artigo que escrevo por alguma coisa parecida com o dever. Preferia não o fazer. Exactamente porque vivemos na ecologia tóxica em que vivemos, é fácil fazê-lo dizer aquilo que ele não diz. Mas vale a pena correr esse risco.

2. Não se indignem com a palavra estuporar. É sólido português e nem sequer é um plebeísmo, só caiu em desuso porque hoje falamos com cada vez menos palavras, ficando com isso cada vez mais pobres. Mas é mesmo o que eu quero dizer com a exacta palavra. Vivemos hoje um momento em que para obter ganhos políticos contra o Governo se cria um ambiente tóxico de radicalização em que vale tudo desde que daí possa vir prejuízo para o actual Governo socialista de António Costa. O efeito principal não será sobre os governos, que vão e vêm, será sobre a democracia. É ela que, pelo caminho, está a ser estuporada pelo “vale tudo” actual e pela incompreensão de que há hoje um efeito de ampliação com mecanismos de desgaste no interior das democracias que são novos. Fazer o que está a ser feito é hoje muito mais perigoso do que no passado.

3. É fácil insinuar que o que me preocupa é a sorte do Governo e que isso é situacionista. Não é verdade. Não me esqueço de que o Governo é um governo medíocre, com raras excepções, porque há excepções. Muito do que hoje facilita a corrosão da democracia deve-se ao Governo e às suas asneiras, que nem sequer percebe o mal que está a fazer e a permitir que se faça. É este segundo aspecto que me interessa, o do “permitir que se faça”, porque hoje o situacionismo é participar e alimentar neste ar tóxico em que estamos envolvidos. O Governo e a sua sobrevivência são o menor problema.

4. Dito isto, também não esqueço um aspecto fundamental da democracia que é a forte legitimação de um governo que tem uma maioria absoluta. Enquanto não houver eleições que mudem o peso relativo político dos partidos e dêem a outros a legitimidade do poder, não são as sondagens que são critério, nem sequer a nuvem de “casos e casinhos”, desde que a justiça funcione para os “casos”, a liberdade de escrutínio para os “casinhos”, e não haja perturbação no funcionamento das instituições, como não há. Os apelos à dissolução da Assembleia e ao derrube do Governo são mais um elemento da radicalização. Não há comparação possível entre as “trapalhadas” de um governo com escassa legitimidade política, ainda por cima herdada, e as de um governo com uma sólida maioria parlamentar, com uma oposição frágil e dividida. Se houvesse dissolução da Assembleia na actual situação, não teria qualquer precedente válido. Deste ponto de vista, o Presidente tem actuado correctamente.

5. O problema é que, com o objectivo de se derrubar o Governo a todo o custo, está a estragar-se a democracia. É um truísmo perigoso achar que a democracia aguenta tudo. Não estamos a falar do dever do escrutínio nem de análise, que é sempre bem-vinda, estamos a falar de campanhas políticas e politizadas usando a comunicação social. A comunicação social teve uma enorme viragem à direita que começou durante o Governo Passos-Portas-troika e se radicalizou com a maioria absoluta do PS. Onde antes a esquerda tinha a hegemonia, hoje o dinamismo político encontra-se à direita que ocupa a parte de leão, por exemplo, do comentário político na televisão, na rádio e nos jornais. O efeito de repetição e a saturação de temas, motivos e, acima de tudo, alvos são hoje definidos à direita, mas esse é apenas o pano de fundo de um processo que tem outra dimensão e, acima de tudo, outros métodos. São esses métodos que estão a estuporar a democracia criando uma elevada toxicidade na acção política.

6. O pretexto parte muitas vezes de “casos” reais, mas que são inseridos num fluxo que não é nem informativo, nem comunicacional, mas politicamente instrumental. O clima é persecutório. Deixou de haver a presunção da inocência, e os desmentidos, mesmo quando revelam mentiras e manipulações grosseiras, ou quando significam a conclusão judicial pelo arquivamento por falta de provas ou a absolvição, raramente são noticiados ou são remetidos para um fundo de página. Há alvos a abater, que uma vez abatidos passam a mira para outros alvos. Há técnicas de saturação que misturam coisas sérias com trivialidades, porque o que conta é criar uma ecologia tóxica, e não a relevância do que se “denuncia”. Tudo é, aliás, tratado do mesmo modo, porque resulta tratá-lo do mesmo modo. O que conta é a repetição, o estilo e o tom.

7. Toda uma panóplia de técnicas de manipulação, duplos critérios, sanha persecutória, sugestões de ilegalidade quando não existem ilegalidades, interpretações ad terrorem, ataques contra as pessoas e seus familiares, mecanismos em círculo vicioso – ou falou de mais e não devia ter falado, ou falou de menos e devia falar mais, ou não falou e devia ter falado, ou falou mas não disse nada, ou está silencioso porque tem culpa – e o arsenal clássico da sugestão da falsidade e da omissão da verdade. E não é só o que se diz, é também o que se cala, omite ou minimiza. E é o tempo da fala – falou hoje mas devia falar ontem, falou ontem mas devia ser hoje, foi com aquele pretexto mas devia ser com outro, etc. –, é um labirinto sem saída. No meio disto tudo há críticas com razão? Certamente que há, mas a duplicidade de critérios, o andar para trás e para a frente, tem uma única constante: o alvo. E a escolha e o modo de tratamento do alvo são puramente políticos.

8. A politização panfletária de quase toda a comunicação social tem efeitos perversos no próprio funcionamento da democracia, gerando um ambiente de permanente excitação, em que predomina o pathos e perde o logos

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14.4.23

A prova dos factos

 

HOJE, 14.04 21:00 RTP 1

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Simone de Beauvoir morreu num 14 de Abril

 


Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir morreu em 14 de Abril de 1986, com 78 anos. Ela que disse um dia que «a vida não é uma coisa que se tenha, mas sim algo que passa».

Tudo já foi escrito sobre esta escritora, intelectual, activista política e feminista, mas vale talvez a pena recordar o papel decisivo de uma das suas obras – Le Deuxième Sexe –, publicada em 1949. Esteve longe de ser um manifesto militante ou arauto de movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde, já que as mentalidades não estavam preparadas para a problemática da libertação da mulher tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.

As reacções não se fizeram esperar, tanto à esquerda (onde o problema da mulher estava fora de todas as listas de prioridades), como, naturalmente, à direita. François Mauriac escreveu: «Nous avons littérairement atteint les limites de l’abject», Albert Camus acusou Beauvoir de «déshonorer le mâle français».

Para a compreensão e a consagração da obra foi decisivo o sucesso nos Estados Unidos, onde foi publicada em 1953. O movimento feminista, em que Betty Friedman e Kate Millet eram já referências, estava aí suficientemente avançado para a receber. Efeito boomerang: Le Deuxième Sexe «regressou» à Europa no fim da década de 50, com um outro estatuto, quase bíblico, e teve a partir de então uma longa época de glória.

Simone de Beauvoir nunca provocou grandes empatias e foi sempre objecto de discussões sem fim sobre a sua importância relativa quando comparada com a de Sartre. Mas, goste-se ou não, estava no centro do Olimpo que Paris era então – quando, no Café de Flore, toda a gente vivia envolta em fumo e Juliette Greco cantava «Il n’y a plus d’après».


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Estatuária e vergonha alheia

 


Dinis Ribeiro, o artista que já esculpira António Guterres em Vizela, dá-nos agora este Afonso Henriques com 14 anos que se exibe para já em Coimbra, mas cujo destino é Zamora. Porquê? Porque foi em Zamora que ele foi armado cavaleiro em 1125.

Que divirta por lá os espanhóis, não sem vergonha alheia nossa. Aparentemente, é este o novo grande escultor «do regime.».

Um excelente país no pretérito imperfeito

 


JOÃO FAZENDA

«É azar. O primeiro-ministro não soube do e-mail que Hugo Mendes enviou à CEO da TAP a sugerir que a companhia mudasse um voo para satisfazer a conveniência do Presidente da República. Se tivesse sabido da iniciativa do ex-secretário de Estado, diz-nos agora António Costa, “demitia-o na hora”. Vejam como são as coisas. Eduardo Cabrita arrastou-se no cargo até sair pelo seu próprio pé, muito contrariado, e Miguel Alves também não teve outra alternativa senão demitir-se, depois de saber que estava acusado de prevaricação. Quando, finalmente, António Costa acha que há razões fortes para demitir um membro do Governo, ele já se demitiu há três meses. Costa nunca é firme no presente, mas teria sido no passado, se soubesse o que sabe hoje.

A situação do Presidente é parecida. Marcelo considera que o Governo não é bom, mas acha a oposição ainda pior, e além disso receia que a conjuntura nacional e internacional seja complicada. Percebe-se que, noutras circunstâncias, dissolvia o Governo, mas neste momento não. Ou seja, reunidas as condições certas, o primeiro-ministro demitia o secretário de Estado e o Presidente dissolvia o Governo. Talvez Portugal tivesse uma hipótese de melhorar no passado, mas agora não. Esta mania de vivermos no presente está a prejudicar o país. Se a nossa vida decorresse no pretérito imperfeito, curiosamente, seria mais perfeita. Costa demitia e Marcelo dissolvia. No presente, nem um demite nem o outro dissolve.

Ainda bem, acho eu. Se calhar sou o único, mas tenho pena que Hugo Mendes se tenha demitido. Quando os jornais noticiaram a indemnização de €500 mil a Alexandra Reis, o ministério das Infra-Estruturas emitiu um despacho a pedir à TAP informações sobre o acordo de cessação de funções. Ora, de acordo com o que a comissão parlamentar de inquérito apurou, nesse mesmo dia o secretário de Estado das Infra-Estruturas ajudou a redigir as respostas às perguntas que o seu ministério tinha feito. Isto não é apenas revelador de voluntarismo e capacidade de trabalho. É uma demonstração de eficácia rara em Portugal. Quem poderia conceber melhores respostas do que a entidade que fez as perguntas? Quando quem pergunta e quem responde é a mesma pessoa, temos a certeza de que a resposta vai satisfazer todas as inquietações da pergunta. O esclarecimento cabal de todas as questões talvez passe por aqui: Hugo Mendes, tendo saúde para isso, ocupava todos os cargos do Estado. Interrogava o Governo e respondia à oposição, reivindicava junto dos ministérios e estabelecia acordos com os sindicatos, fazia perguntas aos administradores de empresas públicas e esclarecia a tutela. Muitos cargos, um só titular; inúmeras funções, um só salário; várias cadeiras, um só rabo. Por mim, era assim que se fazia. Infelizmente — lá está — no pretérito imperfeito.»

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13.4.23

Jarras

 


Jarra em vidro camafeu, cerca de 1890.
Thomas Webb & Filhos.


Daqui.
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Eduardo Galeano

 


Oito anos sem ele.
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Lá se foi uma fatia do passado de muitos nós

 


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Boaventura, ainda

 


Em 2018, a argentina mapuche e ativista Moira Ivana Millán contou, num programa de rádio, um caso de assédio de BSS a que terá sido sujeita em 2010. Ontem, foi publicado no Youtube este vídeo com um resumo da situação.

O depoimento na rádio, longo e com âmbito mais geral, pode ser ouvido aqui.


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Boaventura: em nome dos nossos valores, não!

 


«Que me recorde, nunca escrevi sobre denúncias pessoalizadas de assédio que não tivessem chegado à Justiça. Não é pudor, é função. Faço comentário político e nele, o que me interessa, são as questões difíceis e interessantes que movimentos como o #MeToo levantam. Sobre isso fui escrevendo bastante, expondo as minhas esperanças e receios. Esperança num movimento emancipatório que terá efeitos estruturais na mais antiga das relações de opressão. Receios, pelo risco que significa para conquistas fundamentais, como a do direito a um julgamento justo, à defesa e à presunção de inocência. “A vítima tem sempre razão” é um argumento que nunca me conquistou porque não pode conquistar quem acredite no Estado de Direito. O estatuto de vítima não é prévio.

Num volume coletivo da prestigiada editora académica Routledge, “Sexual Misconduct in Academia”, uma portuguesa, uma belga e uma norte-americana, que têm em comum a passagem pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, publicaram um capítulo que, não identificando a instituição ou os alegados assediadores (tratados como “The Star Professor” e “The Apprentice”), tornaram facílimo chegar aos seus nomes.

Podem levantar-se dúvidas quanto ao “anonimato frágil” que permitiu chegar tão facilmente aos visados sem as consequências judiciais de os nomear (estes vão avançar com queixas por difamação), à mistura de casos vividos pelas próprias com a reprodução de “rede de murmúrios”, à pouca clareza da natureza dos vários assédios e abusos ou a tudo isto ser feito a coberto de um artigo académico. Quanto ao último ponto, corresponde a uma cultura que torna as fronteiras entre a ciência e a experiência pessoal difusas, o que mais não é do que honestidade intelectual. Em antropologia, isso faz-se de forma intencional e pensada, aliás. Tudo aqui está numa fronteira que levanta questões éticas e jurídicas complicadas. Seja como for, é impossível ignorar.

A Academia é um espaço especialmente propenso ao abuso de poder. Pela sua organização fortemente hierarquizada, pela importância do domínio intelectual e funcional do “mestre”, pela crescente precariedade dos investigadores e porque a fratura geracional e de poder tende a coincidir com a de género, graças à chegada tardia, mas significativa, das mulheres a um mundo que era dominado por homens.

Há quem tente compreender o fenómeno dizendo que há uma pedagogia a fazer. Que há coisas que, para uma determinada geração, não passavam por assédio e hoje são vistas como tal. Posso ser sensível a isso e até acho que, no meio de tudo, se tem de ir explicando como os limites mudaram (e ainda bem). Mas não sejamos ingénuos. Nem me parece que seja nessa fronteira que as acusações a Boaventura Sousa Santos se fazem, nem me parece que, em geral, o abuso de poder seja assim tão difícil de identificar por pessoas inteligentes e informadas. Não é por acaso que acontece de cima para baixo e nunca de baixo para cima – é a consciência do privilégio que permite ao chefe ou ao “mestre” avanços que o subordinado ou o “aprendiz” nunca se atreveriam a tentar.

Os lugares de que não ouvimos falar são obviamente os piores. Aqueles onde a opressão é ainda mais profunda: as empresas, onde a democracia nem sequer se aproxima da porta e o assédio é muitas vezes bem menos dissimulado, porque a situação de quem o sofre é muito mais precária. E quanto menos qualificadas e mais vulneráveis são as vítimas, mais violento é o abuso. Essas não têm plataforma. Mas que outras a tenham e abram o caminho para uma autêntica revolução de costumes.

Basta passear pelas redes sociais e pelos jornais de direita para perceber que a identidade de um dos visados (Boaventura Sousa Santos) e a inclinação política do centro de investigação tornou este episódio muito interessante mesmo para os que, em todos os outros momentos, mostram desprezo pelo #MeToo. Usam a mesma estratégia que recentemente critiquei aos que instrumentalizaram a proximidade de André Ventura a um padre suspeito de abusos para atingir o líder da extrema-direita: discordam dos métodos e da agenda, mas fazem um intervalo oportunista nas suas convicções.

Até agora, a reação do CES tem sido boa. O seu comunicado distingue-se da reação do principal visado: “Sendo as diversas formas de desigualdade, violência e abuso (moral e sexual) problemas transversais às organizações, o CES não se coloca fora desta discussão importante nem se demite da responsabilidade que tem na promoção efetiva de um ambiente de trabalho científico mais igualitário e livre de todas as formas de assédio.” Para investigar o caso, anunciou a criação de uma comissão independente composta por dois elementos externos com competências reconhecidas no tratamento de processo análogos, um dos quais presidirá, e pela Provedora do CES (também externa).

Ao contrário do que se pensa, há muitas subculturas no CES e, segundo julgo saber, a atual direção até é bastante autónoma da figura historicamente tutelar que ajudou a fundar a instituição. Saberão que os efeitos de uma reação menos do que exemplar não serão os mesmos que se sentiram perante o comportamento vergonhoso da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a quem ninguém, apesar de manifestações de alunas, parece querer cobrar nada.

Porque a cultura é outra, é outra a exigência e serão outras as consequências. Um dos fatores apontados, no artigo, para a ausência de queixas e consequências é que “o centro é o Professor Estrela e se o Professor Estrela cai... a instituição cai com ele.” Uma fonte citada pelo artigo (indispensável) de Fernanda Câncio diz: “O CES é mais do que isto, mais do que o ‘Professor Estrela’ e o seu ‘Aprendiz’”. Se assim é, este é o momento para o provarem.

Comecei por dizer que não me recordo de ter escrito sobre pessoas concretas. Nem pensava romper essa regra. Não tenho dúvidas que parte da pessoalização mediática se deve ao posicionamento político de Sousa Santos. E ao prestígio internacional que tantas vezes, por mera conveniência política, lhe foi negado. Mas isso é inevitável. Também somos julgados pela nossa incoerência. Aliás, esse é um dos elementos centrais do artigo: “o fosso entre a teoria e a prática”.

As posições ideológicas de Boaventura Sousa Santos e de Bruno Sena Martins (conheço e tenho proximidade política com os dois e, com o último, até partilhei um blogue há uns anos) são mesmo o que me leva a escrever sobre o tema. Ou melhor: a utilização, nas respostas que deram ao “Diário de Notícias”, das suas convicções políticas para se defenderem de acusações que não são políticas.

Quanto a Sena Martins, parece-me que usar a cartada da etnia, por ser chamado “aprendiz”, é uma fuga do essencial. Mas a reação que incomoda é mesmo a de Boaventura. Primeiro, “não resiste” a tentar desacreditar uma das autoras. Socorrendo-me da sua linguagem, diria que sabe bem a "linha abissal" que o separa daquela que, como subalterna, chama “insolente”. Exercício que repetiu numa longa carta aos alunos, tentando destruir a reputação da autora. Depois, tenta puxar a esquerda para o seu lado: “O objetivo é lançar lama sobre quem se distingue e luta por um mundo melhor. O neoliberalismo está a roubar a alma da solidariedade e da coesão social e criar subjetividades que canalizam os seus ressentimentos para acusações de que sabem não poder haver contraditório eficaz.” E queixa-se de “cancelamento”.

Surgiram, no 40º aniversário do CES, em 2018, vários grafitis: “Fora Boaventura. Todas sabemos.” foi o menos agressivo. Isso até foi determinante para o encontro destas três autoras. Apesar das suspeitas sobre ele parecerem mais generalizadas do que este artigo, Boaventura Sousa Santos é tão inocente como qualquer outro e assim tenho tratado todos os casos (incluindo os dos padres suspeitos de abusos, que apenas têm de ser suspensos por causa da idade das suas potenciais vítimas). Boaventura tem direito à sua defesa e estarei tão atento a ela como às acusações. Não tenho sobre este tipo de casos uma posição diferente da que tenho sobre outros. Não sou um justiceiro. Até porque, em tempos recentes, vi alguns inocentes serem crucificados e, no fim, ninguém lhes foi pedir desculpa.

Mas a defesa de Boaventura é de Boaventura. Só sua. Se usa as causas emancipatórias da esquerda e o neoliberalismo (e até a resistência a uma substituição perversa do anticapitalismo por lutas identitárias) para se defender de uma acusação de abuso, usa todos os que estão nesses combates em sua defesa, tentado fazer de nós seus reféns. E aí, desculpem-me, tenho de dizer: em nosso nome, não! Pelo menos não em meu nome. Até porque não há qualquer indício, por mais leve que seja, de uma motivação política para a acusação que lhe é feita. Se existe, é em sentido inverso: a vontade de construir um pensamento verdadeiramente “pós-abissal”. Como Boaventura defende há tantos anos.»

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12.4.23

Rosáceas

 


Rosácea na fachada da Sagrada Família, Barcelona.
Antoni Gaudí.


Daqui.
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O caso do CES

 



O artigo das «acusadoras» que pode ser baixado a partir deste link.
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Montserrat Caballé

 


Seriam 90.
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Estamos em remodelação permanente por ajuste de contas

 


«O país está esquisito. Ou, pelo menos, olha com estranheza para o espetáculo de leviandade que lhe tem sido destapado a propósito da TAP, em que é difícil perceber o que é mais mesquinho, se a alegação de que é sempre assim e será para todo o sempre, se a falta de profissionalismo e a displicência com que se tratam questões importantes, desde uma indemnização de meio milhão até à contratação de secretários de Estado, se o uso e abuso da maioria absoluta.

Como isto vai do menor ao maior, desde as mensagens até às decisões, fica a dúvida sobre se há algum tino em quem nos governa – e essa suspeição degrada mais a vida pública do que as divergências de opinião sobre políticas. O Governo está a colocar-se na situação em que parece querer deixar de ser levado a sério e, se quem incensa o primeiro-ministro não é capaz de lhe dizer isso, convém que o saiba.

De facto, vistos um a um, cada um dos episódios é fácil de perceber. Os governantes, desde o primeiro ao último e com o exemplo a vir de cima, criaram um hábito de comunicação frenética por whatsapp, entre si e com outros, o que, além da desvantagem de, no dia em que um se zanga, ser tudo publicado, indica que não conversam com o cuidado necessário sobre o que decidem, o que é bem mais estranho. Comportarem-se como adolescentes ansiosos contribui para uma memificação da conversa dentro do Governo e mostra que faltam adultos na sala.

Será preciso que alguém explique que é a conversa que permite ouvir e mudar de opinião, ajustar e corrigir, encontrar convergências e soluções, ao passo que um fluxo de mensagens paralisa as opiniões, cristaliza as atitudes e radicaliza as contraposições, ou é simplesmente uma transmissão de ordens? Uma democracia de redes sociais é uma impossibilidade e, para o que aqui interessa, um governo que se governa a si próprio por mensagens é sempre uma crise anunciada. E, quando um governante partilha com uma gestora o seu estado de espírito sobre o Presidente e a engrenagem da relação institucional e da manobra política, bateu-se no fundo do poço.

Ora, se o Governo pensava que, ao despedir a CEO da TAP, isto não vinha tudo a público, seria falta de noção. A explicação para ter corrido esse risco é, pelo contrário, que o Governo queria que isto acontecesse, para assim continuar uma vingança pessoal contra o anterior ministro das Infraestruturas. Ou seja, o Governo responde à crise de confiança fazendo uma remodelação retrospetiva e cultivando os ajustes de contas que o secretário-geral vai fazendo contra os seus.

Ninguém se dará conta de que isto é precisamente a razão da desconfiança? Jorrar promessas e palavras sobre os problemas, a mais cansativa das formas de não os resolver, tem um custo ao fim de pouco tempo. O número de pessoas sem médico de família é o maior de sempre, mas está quase resolvido, se fossem levadas a sério as palavras do ministro – e serão? Os reformados e pensionistas tiveram “o maior aumento de sempre” e afinal estão a perder poder de compra – e acreditaram naquele Pai Natal? O preço da habitação nas nossas grandes cidades é o maior do sul da Europa – e alguém espera que as medidas anunciadas tenham algum efeito?

Ora, se no meio de tudo isto, o que parece ocupar o Governo é a justificação de que os problemas são culpa de quem foi escolhido para os ministérios ou as secretarias de Estado, não se aperceberá o primeiro-ministro de que se condena a si próprio? É indigna a sua tirada contra um secretário de Estado que já se demitiu ao assumir a responsabilidade de um erro grave. Se a autoridade do chefe do Governo se afirma garantindo que foi incapaz na escolha dos seus membros, espera mesmo encontrar nessa bravata a sua salvação?

Pior para a TAP, pois sabemos o que os privatisadores fizeram no verão passado, embora a nova venda corra para uma negócio que se fará ainda antes de haver conclusões políticas ou judiciais sobre a alegada perda de 444 milhões numa compra de aviões que o anterior proprietário teria manobrado, ao que nos contou este mesmo jornal. E pior para o Governo, que anuncia o castigo dos seus por via de remodelações já realizadas, evitando assim a remodelação que nunca quis fazer. Assim continuará, esperando ganhar credibilidade com o argumento de que é incapaz de constituir uma equipa que confie em si própria?»

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A TAP e o Estado

 

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11.4.23

Arandelas

 


Candeeiro de parede (ou arandela) Arte Nova para vela e iluminação de piano, França, 1900.

Daqui.
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Contra Regra (7)

 


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11.04.1964 – A cooperativa PRAGMA – Uma bela história

 


Se é totalmente incorrecto fazer coincidir o início da oposição dos católicos ao salazarismo com a década de 60, não há dúvida que foi nela que se deu a verdadeira explosão de actividades daquela oposição. Dois factores contribuíram decisivamente para que isto acontecesse: dentro da Igreja, as perspectivas de abertura criadas pelo Concílio Vaticano II e o conservantismo da Igreja portuguesa; na sociedade em geral, a ausência de liberdades elementares e a manutenção da guerra colonial, com todas as insuportáveis consequências que arrastou. Ao invocarem a sua condição de católicos em iniciativas cada vez mais radicais, aqueles que o fizeram atingiram um dos pilares ideológicos mais fortes do regime e este foi acusando o toque.

É certo que se tratou de uma oposição que manteve sempre uma certa informalidade organizativa. Concretizou-se em iniciativas e instituições, mais ou menos ligadas entre si através dos seus membros, mas, em parte propositadamente, sem uma estruturação sólida e definida. Daí derivaram fraquezas e forças e, definitivamente, características específicas.

A Pragma foi uma dessas instituições – com uma importância e projecção ainda relativamente desconhecidas. Foi fundada por um grupo de católicos, em 11 de Abril de 1964, como uma «Cooperativa de Difusão Cultural e Acção Comunitária». Porquê uma cooperativa? Porque foi a forma de tirar o partido possível de uma lacuna legislativa: as cooperativas não tinham sido abrangidas pelas limitações impostas ao direito de associação e, por essa razão, nem os seus estatutos eram sujeitos a aprovação legal, nem a eleição dos seus dirigentes a ratificação pelas entidades governamentais. Forçando uma porta entreaberta por um lapso do poder, os fundadores da Pragma puseram mais uma peça no puzzle da oposição ao regime – cuidadosa e imaginativamente.

Desde o seu núcleo inicial, a Pragma não se restringiu ao universo «intelectual» e incluiu também sócios provenientes do meio operário, nomeadamente dirigentes e militantes das organizações operárias da Acção Católica. Os horizontes abriram-se rapidamente e muitos dos seus futuros membros nem sequer seriam católicos. Aliás, a Pragma acabou por funcionar também como uma espécie de plataforma aglutinadora de elementos da esquerda não-PC que, por não estarem integrados em qualquer estrutura organizativa, nela identificaram um espaço de debate e de encontro (foi o caso, por exemplo, de muitos activistas das lutas estudantis de 1962).

Subjacente a este novo projecto estava, obviamente, um posicionamento de oposição ao regime como um todo, à falta de liberdades, à guerra de África. Pretendeu-se explorar mais uma janela legal de oportunidades, complementar outras iniciativas, criar possibilidades para acções concretas e úteis, aumentar a consciência política e social de um número cada vez maior de pessoas.

Mais detalhes aqui.
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Um crime contra a TAP

 


«Não me vou pôr a discutir se foi Christine Ourmières-Widener que decidiu demitir e indemnizar Alexandra Reis. É certo que esse processo resultou de uma exigência sua, que ouviu advogados em quem decidiu confiar e que teve autorização ministerial. Nem a responsabilidade política e formal é sua (só o acionista pode despedir administradores), nem, como quis vender, se limitou a acatar decisões de outros num processo que foi ela e apenas ela que desencadeou.

Nada do que a CEO da TAP disse na comissão parlamentar de inquérito, acompanhada pelos seus advogados, pode ser ouvido sem ter em conta que prepara o processo judicial que vai pôr ao Estado por um despedimento anunciado na televisão como sendo por "justa causa" e que muito provavelmente foi ilegal. Caso o Estado seja lesado no pagamento de uma indemnização, veremos se isso marcará o destino de Fernando Medina. Sendo que, ao contrário da indemnização a Alexandra Reis, nem por um segundo se pode defender que esta decisão foi tomada para criar condições de coesão na gestão da TAP. Foi tomada para o ministro das Finanças se salvar a si mesmo, afastando o rosto que sobrava de uma polémica política que, como se viu, nem por isso iria arrefecer.

É à luz da litigância entre o Estado e Christine Ourmières-Widener que devemos olhar para a divulgação da inaudita troca de mails entre a CEO e o ex-secretário de Estado sobre o voo do Presidente da República. Porque raio uma CEO de uma companhia aérea pergunta a um secretário de Estado o que fazer a um voo quando, ainda por cima, sabe e deixa por escrito a resposta que deveria dar à agência de viagens? Porque raio Hugo Mendes lhe dá aquela inacreditável e desabrida resposta? Ou porque é que, mais tarde, Hugo Mendes colabora na resposta que a administração da TAP dá ao seu próprio Ministério sobre a indemnização de Alexandra Reis? De onde veio esta proximidade e confusão de papéis?

Basta rever a absurda polémica sobre a frota de carros da TAP e como, em três tempos, o ministério foi obrigado a responder politicamente por uma decisão de mera gestão interna da empresa, para perceber de onde vem esta promiscuidade entre política e gestão. A politização de todos os pormenores de gestão da empresa foi alimentada pela comunicação social e pela oposição (que agora a lamentam) e ninguém, na TAP e no ministério, teve coragem para a travar. Pelo contrário, banalizaram-na, na vã tentativa de se protegerem.

Mas aquilo a que assistimos desde a mudança no ministério ou, para ser mais rigoroso, desde que Fernando Medina tomou conta da pasta, nada tem a ver com a tentativa de defender a TAP do cerco político que lhe foi montado. A secundarização dos interesses da TAP fica evidente com o despedimento absurdo e provavelmente ilegal de quem apresentou bons resultados. A tragédia da TAP foi ter-se transformado numa questão partidária para quem a privatizou e para quem, dentro do PS, está concentrado na luta pela sucessão de António Costa.

O que o Governo e a oposição estão a fazer à TAP, empresa onde metemos mais de três mil milhões para ser (como foi) salva, é um crime. Não se trata de contestar o justificado escrutínio à TAP, em que nos deveríamos concentrar em decisões políticas como privatização e nacionalização e em atos de gestão que possam ter lesado o Estado ou a companhia, como as compras dos Airbus, o aluguer de aviões à Azul ou a indemnização a Alexandra Reis, para pegar em exemplos das gestões pública e privada. Andarmos, à boleia da lavagem de roupa suja entre duas administradoras, a ler mails ou ouvir insinuações sobre decisões que nem sequer foram tomadas e que, por isso, não causaram qualquer dano a seja quem for, é causar, agora sim, dano a uma empresa do Estado. Como parece acontecer sempre, perdeu-se o foco.

Se se aplicasse este tipo de escrutínio à Caixa Geral de Depósitos, onde por acaso até se deram várias indemnizações semelhantes à recebida por Alexandra Reis, o banco público ficaria em risco. Qualquer empresa, pública ou privada, dificilmente resistiria. Felizmente a CGD tem como CEO um ex-ministro de Pedro Passos Coelho, o que a tira do radar político. Não é o interesse público que preocupa líderes partidários, ministros, jornalistas e comentadores. Basta ver como, a partir do momento em que deixou de ser politicamente interessante, Alexandra Reis passou de besta a bestial.

O que está em causa é o que sempre esteve: para os responsáveis pela desastrosa privatização, a gestão pública da TAP não podia correr bem. E se correu bem nos resultados, o critério mais objetivo de avaliação, tem de ser uma catástrofe no resto. Uma administração em que egos se confrontaram, um Governo em lutas internas pela sucessão no PS, um ministro conhecido pelo seu imprudente voluntarismo, um primeiro-ministro conhecido por preferir empurrar tudo com a barriga e muitos disparates no meio chegaram para apertar o cerco.

Mais ou menos graves, os episódios não nos devem fazer perder a visão panorâmica do que se passou com a TAP. A companhia foi privatizada por uma decisão, essa sim, estritamente ideológica, sem qualquer racional associado, por um governo que sabia que se ia embora. Esse governo decidiu vender a TAP a quem nem dinheiro seu lá pretendia pôr. Na semana passada, Pires de Lima, que também foi responsável pela ruinosa privatização dos CTT, foi capaz de dizer que é “altamente improvável" que tenhamos sido "enganados no processo da compra de aviões” airbus, quando David Neeleman comprou o cão com o pelo do cão. Se a TAP fosse o que realmente interessa, isto seria tema. E seria tema o que soubemos sobre o rasto de pré-reformas, consultadorias e salários milionários que a administração privada deixou para ajudar mais um pouco às dificuldades que levaram à inevitabilidade da renacionalização.

Depois de uma falsa nacionalização, a TAP foi realmente nacionalizada quando ficou evidente que o acionista privado não tencionava pôr lá um cêntimo seu. Era isso ou a falência. Foi uma decisão pragmática. E a verdade é que, anos antes do que era previsível, a TAP tem melhores margens de rentabilidade do que as companhias que a querem comprar. Provou-se que a TAP era viável e isso é insuportável para quem não se importa de ver mais uma grande empresa nacional ir para o buraco para manter o seu ponto. Estranhamente, os resultados da TAP parecem ser o que menos interessa à oposição e ao Governo, que até fez tudo para não lhes dar grande relevo público.

Podemos contestar a forma como se salvou a TAP, com cortes nos salários e no pessoal, seguindo o exemplo de muitas outras companhias. Mas não podemos exigir, como temos exigido, uma gestão que tem os objetivos de um privado, mas com os critérios que aplicamos ao público. Essa é a quadratura do círculo em que andamos a trabalhar. O que foi pedido é que se salvasse a TAP para, do meu ponto de vista, se salvar o hub em Portugal. O primeiro objetivo foi atingido. Depois, puniram-se todos os responsáveis por isso, fossem gestores ou políticos. É caso de estudo.

Todos, da oposição ao primeiro-ministro, se têm dedicado há meses a desvalorizar a TAP para ganhos políticos. Depois de ver toda a vida da empresa devassada para lá do que é razoável ou relevante, só um maluco aceitaria gerir aquela empresa. Depois do despedimento por justa causa de quem conseguiu excelentes resultados nem um maluco aceitaria. O que foi feito a uma TAP que, ao contrário do que aconteceu com administração privada, foi gerida com resultados satisfatórios, é a exibição de um propósito: fazer da impossibilidade de uma gestão pública eficaz de qualquer empresa um dogma, independentemente dos resultados. É uma sabotagem política. Que, como sempre, contou com a desastrada ajuda do PS.»

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10.4.23

Janelas

 


Janela da Casa Manuel Felip, Barcelona, 1901.
Arquitecto: Telmo Fernandez i Janot.


Daqui.
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Sebastião da Gama

 


Chegaria hoje aos 99.
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Sinto-me gozada, sinto-me gozada, sinto-me gozada

 


Cidadãos já podem dar ideias sobre novo aeroporto de Lisboa

«“Vamos ter um mapa, interactivo, onde as pessoas vão pôr lá o aviãozinho [no local que consideram ser adequado para o novo aeroporto]”, afirmou a a coordenadora da comissão técnica independente para o novo aeroporto da região de Lisboa. “Vamos acolher todas as propostas que recebermos”, destacou. Esse mapa, no entanto, ainda não está disponível no site agora lançado.»
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A barcaça da desumanidade

 


«É uma espécie de contentor gigante, três andares, 222 quartos, capacidade para albergar mais de 500 pessoas. Pessoas especiais pelo estigma. São migrantes, sem papéis. Conseguiram atingir a fronteira do Reino Unido, em fuga da guerra ou da fome, à procura de vida melhor. Muitos arriscaram a vida em embarcações precárias, a soldo de redes de tráfico de pessoas. O sonho vai sucumbir, contudo, nesta prisão flutuante, estratégia encontrada pelas autoridades britânicas para reter a entrada no país dos sem papéis.

Esse país da velha democracia - com um primeiro-ministro descendente de imigrantes originários da Índia, onde a pobreza grassa - aplica das mais duras políticas contra a imigração. Fora da União Europeia, sem os condicionalismos impostos pelos 27 para o acolhimento de estrangeiros, e à revelia de todos as leis que protegem os direitos humanos, a cada dia, de Londres, surgem verdadeiras desumanidades. Os argumentos usados pelo Governo inglês encaixam na perfeição nas teses extremistas dos que veem nos migrantes uma ameaça, embora reclamem por falta de mão de obra no país. Sunak não recua, sabe que na hora de votar os britânicos não vão esquecer a pressão que as cidades do Sul da ilha estão a sentir perante a chegada de estrangeiros de fora da União Europeia. Diz o primeiro-ministro inglês não ser possível gastar quase sete milhões de euros por dia para albergar em hotéis imigrantes ilegais.

O argumento colhe, como é evidente. A alternativa para os impedir de pôr o pé em terra de sua majestade é encarcerá-los numa barcaça flutuante, por tempo indeterminado. É certo, o Reino Unido vive um problema sério - mesmo assim, bem longe da pressão sentida na Grécia ou em Itália.

Para governar é preciso ganhar votos, nem que para isso seja necessário reter pessoas numa prisão flutuante, para depois as meter num avião com destino a um campo perdido no Ruanda.»

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9.4.23

Marcelo atrasou-se



 

E ficou sem fotografia.
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09.04.1974 – A última acção armada antes da democracia

 


Os principais alvos das organizações de luta armada, que surgiram em Portugal durante o marcelismo, enquadravam-se no protesto contra a guerra colonial.

Foi o caso com a acção de sabotagem ao navio Niassa, no dia 9 de Abril, no Cais de Alcântara em Lisboa, no momento em que ia partir para Bissau com um contingente de soldados. Tratou-se de uma iniciativa das Brigadas Revolucionárias (BR) que avisaram a PSP do porto de Lisboa uma hora e quinze minutos antes, para que o navio fosse evacuado.

Ler informação mais detalhada neste post do ano passado.
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Balança desequilibrada

 


«A popularidade da ‘geringonça’ poderia ter sido aproveitada para reformas como a da habitação. Mas, apesar da devolução de rendimentos e direitos, que resultou num dos poucos momentos em que o salário aumentou o seu peso no PIB, houve desinvestimento público e adiou-se quase tudo o que não fossem ganhos conjunturais. Agora, com um Governo impopular de que o resto da esquerda quer distância, até o que é popular é difícil de vender.

Este ambiente, a que a crise inflacionista não é alheia, foi preparado por Costa. Quando não viu o momento histórico de que foi obreiro como uma oportunidade igualmente histórica para grandes reformas de esquerda, mas apenas como forma de chegar e ficar no poder. Quando aproveitou o seu desfecho para esmagar os seus aliados, deixando um vazio que o PS nunca ocupará. E quando, não satisfeito com isso, tenta asfixiar a ala esquerda do seu próprio partido. Como resultado, o debate mediático inclinou-se de tal forma para a direita que faz lembrar o PREC, mas em sentido inverso. Como numa balança, se tiramos os pesos de um lado o “centro” não cresce, apenas se desloca para o lado oposto.»

Daniel Oliveira
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A quantos mais golpes autoinfligidos resiste o PS?

 


«A curva descendente do Governo já começou há muito. Quando, na entrevista ao PÚBLICO e à RTP, o Presidente da República usa aquela expressão de “maioria requentada” foi um abrir de portas para aquilo que, na mesma entrevista, fez questão de frisar: continua a ter o poder de dissolução do Parlamento e pode usá-lo sem explicações. Jorge Sampaio arrumou com o governo Santana Lopes apenas com um substantivo plural sem qualquer adjectivo a acompanhar: “Episódios.” Se um dos poderes é a tal “bomba atómica” em que não precisa de se justificar, a demissão do primeiro-ministro já obriga a invocar o “irregular funcionamento das instituições”. Se o que andamos a saber esta semana sobre a TAP não nos remete para o “irregular funcionamento das instituições”, o que mais vai ser preciso?

Esta semana, é muito provável que o Chega tenha aumentado mais uns pontos nas sondagens. É um caminho em proporção inversa ao valor da TAP, que o Estado vai alienar por tuta e meia com certeza, depois do festival de desvalorização da companhia a que assistimos em directo. Tudo isto configura uma enorme derrota do PS no seu todo e do primeiro-ministro – não é só de Pedro Nuno Santos, porque não era primeiro-ministro (embora, como no caso do despacho sobre a localização do aeroporto, tivesse às vezes vontade de agir como tal).

Muito do que se soube por estes dias aumentou exponencialmente a fractura entre o “nós” e “eles” de que a extrema-direita se sabe alimentar tão bem, muito mais eficazmente do que os partidos à esquerda do PS. “Nós” são os que vivemos com uma média salarial miserável em tempos de alta inflação, “eles” os que tratam a coisa pública como se fosse um móvel lá de casa. Este descer até às catacumbas da indignidade ficou bem expresso quando a CEO da TAP afirmou que o ex-secretário de Estado das Infra-Estruturas Hugo Mendes ajudou a escrever a resposta ao esclarecimento… que os ministros das Infra-Estruturas e das Finanças pediram à administração da TAP, por causa da indemnização de 500 mil euros à ex-administradora Alexandra Reis, de que, alegadamente, não tinham conhecimento. E viemos a saber mais tarde que pelo menos um deles sabia. Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar – como escrevia Sophia.

É verdade que a CEO podia ter negado a mudança de voo do Presidente da República pedida pela agência de viagens sem perguntar nada ao Governo. A ideia de que a CEO não dá um passo sem perguntar uma ninharia à tutela é razoavelmente ridícula – Christine Widener não foi escolhida com tanta pompa e circunstância e um concurso internacional para ter de depender quase acriticamente da tutela em questões menores. Para isso, bastava um “boy” do PS. A resposta de Hugo Mendes é a resposta aceitável no “boy” do PS que ele é, mas inaceitável na relação entre Estado e empresa pública – desvia-se a rota de um avião para contentar o Presidente da República porque se ele se aborrece pode ser “o nosso pior pesadelo”? Isto não é um país a sério. O Governo admite que a posição do Presidente da República sobre a TAP – relativamente à qual seria o “maior aliado” – depende de ser ou não favorecido nos seus interesses pessoais pela empresa pública. Batemos no fundo.

É um facto que Marcelo e Costa apareceram naquela cena da República Dominicana a fazer as pazes, com o Presidente a esbugalhar-se para explicar quantos elogios contém a expressão “maioria requentada” e António Costa a explicar ao povo que a relação de afecto entre os dois até está cada vez melhor – a tal "progressiva amizade". Mas mesmo para um Presidente dos afectos, isto não é uma questão de afectos. É a coisa pública que está aqui em causa e alguém anda com uma vontade doida de fazer disparar a votação no Chega. Cada novo dia no pântano não está certamente a favorecer o PS.

P.S.: João Galamba precisou de quase dois dias para dizer que a CEO da TAP tinha participado na reunião do Governo com os deputados do PS, na véspera da audiência, porque a própria fez questão disso. A CEO da TAP já tinha dito antes na Assembleia que a ideia foi do Ministério das Infra-Estruturas. Quem fala verdade? Há uma expressão de antigamente que, devido à nova relação desenvolvida entre humanos e animais, talvez já seja delicado usar. É a seguinte: "Estamos entregues aos bichos."»

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