9.4.23

A quantos mais golpes autoinfligidos resiste o PS?

 


«A curva descendente do Governo já começou há muito. Quando, na entrevista ao PÚBLICO e à RTP, o Presidente da República usa aquela expressão de “maioria requentada” foi um abrir de portas para aquilo que, na mesma entrevista, fez questão de frisar: continua a ter o poder de dissolução do Parlamento e pode usá-lo sem explicações. Jorge Sampaio arrumou com o governo Santana Lopes apenas com um substantivo plural sem qualquer adjectivo a acompanhar: “Episódios.” Se um dos poderes é a tal “bomba atómica” em que não precisa de se justificar, a demissão do primeiro-ministro já obriga a invocar o “irregular funcionamento das instituições”. Se o que andamos a saber esta semana sobre a TAP não nos remete para o “irregular funcionamento das instituições”, o que mais vai ser preciso?

Esta semana, é muito provável que o Chega tenha aumentado mais uns pontos nas sondagens. É um caminho em proporção inversa ao valor da TAP, que o Estado vai alienar por tuta e meia com certeza, depois do festival de desvalorização da companhia a que assistimos em directo. Tudo isto configura uma enorme derrota do PS no seu todo e do primeiro-ministro – não é só de Pedro Nuno Santos, porque não era primeiro-ministro (embora, como no caso do despacho sobre a localização do aeroporto, tivesse às vezes vontade de agir como tal).

Muito do que se soube por estes dias aumentou exponencialmente a fractura entre o “nós” e “eles” de que a extrema-direita se sabe alimentar tão bem, muito mais eficazmente do que os partidos à esquerda do PS. “Nós” são os que vivemos com uma média salarial miserável em tempos de alta inflação, “eles” os que tratam a coisa pública como se fosse um móvel lá de casa. Este descer até às catacumbas da indignidade ficou bem expresso quando a CEO da TAP afirmou que o ex-secretário de Estado das Infra-Estruturas Hugo Mendes ajudou a escrever a resposta ao esclarecimento… que os ministros das Infra-Estruturas e das Finanças pediram à administração da TAP, por causa da indemnização de 500 mil euros à ex-administradora Alexandra Reis, de que, alegadamente, não tinham conhecimento. E viemos a saber mais tarde que pelo menos um deles sabia. Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar – como escrevia Sophia.

É verdade que a CEO podia ter negado a mudança de voo do Presidente da República pedida pela agência de viagens sem perguntar nada ao Governo. A ideia de que a CEO não dá um passo sem perguntar uma ninharia à tutela é razoavelmente ridícula – Christine Widener não foi escolhida com tanta pompa e circunstância e um concurso internacional para ter de depender quase acriticamente da tutela em questões menores. Para isso, bastava um “boy” do PS. A resposta de Hugo Mendes é a resposta aceitável no “boy” do PS que ele é, mas inaceitável na relação entre Estado e empresa pública – desvia-se a rota de um avião para contentar o Presidente da República porque se ele se aborrece pode ser “o nosso pior pesadelo”? Isto não é um país a sério. O Governo admite que a posição do Presidente da República sobre a TAP – relativamente à qual seria o “maior aliado” – depende de ser ou não favorecido nos seus interesses pessoais pela empresa pública. Batemos no fundo.

É um facto que Marcelo e Costa apareceram naquela cena da República Dominicana a fazer as pazes, com o Presidente a esbugalhar-se para explicar quantos elogios contém a expressão “maioria requentada” e António Costa a explicar ao povo que a relação de afecto entre os dois até está cada vez melhor – a tal "progressiva amizade". Mas mesmo para um Presidente dos afectos, isto não é uma questão de afectos. É a coisa pública que está aqui em causa e alguém anda com uma vontade doida de fazer disparar a votação no Chega. Cada novo dia no pântano não está certamente a favorecer o PS.

P.S.: João Galamba precisou de quase dois dias para dizer que a CEO da TAP tinha participado na reunião do Governo com os deputados do PS, na véspera da audiência, porque a própria fez questão disso. A CEO da TAP já tinha dito antes na Assembleia que a ideia foi do Ministério das Infra-Estruturas. Quem fala verdade? Há uma expressão de antigamente que, devido à nova relação desenvolvida entre humanos e animais, talvez já seja delicado usar. É a seguinte: "Estamos entregues aos bichos."»

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