13.3.21

Jean Ferrat morreu num 13 de Março



 

Jean Ferrat foi um dos grandes franceses da canção e já passaram onze anos desde que se foi embora, em 13 de Março de 2010. Depois de Léo Ferré, Georges Brassens, Jacques Brel e alguns outros.

Representante típico de gerações de intérpretes politicamente comprometidos, para sempre ligado a Nuit et Brouillard e a tantos outros títulos, o eterno compagnon de route do Partido Comunista Francês, que não hesitou em denunciar a invasão de Praga em 1968.




Duas recordações, que ficarão para sempre.




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Carta aberta de Mamadou Ba ao primeiro ministro

 

«Há dias, quando o primeiro-ministro (PM), em entrevista a este jornal, se pronunciou sobre o avanço do populismo fascista e pretensas “guerras culturais em torno do racismo ou da memória histórica”, demonstrou até onde podem ir o seu taticismo político e a simplificação do debate sobre a questão racial e sua relação com o passado colonial. Escolheu rematar com uma lamentável equiparação (e personalização) entre forças neofascistas e o movimento antirracista: “nem André Ventura nem Mamadou Ba representam aquilo que é o sentimento da generalidade do país. Felizmente.” E daí prossegue para a estafada ladainha lusotropicalista, convocando acriticamente a dita miscigenação, o diálogo intercultural, etc.»

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Marine Le Pen, Presidente da França em 2022?

 


«Falta quase um ano para as eleições presidenciais francesas – primeira volta a 8 de Abril de 2022. Mas a campanha já começou. O debate em curso resume-se numa pergunta: pode Marine Le Pen ser eleita Presidente da França? Não é provável, mas é possível, dizem as sondagens e os politólogos. Emmanuel Macron continua favorito mas só venceria Le Pen, na segunda volta, por uma curta margem: 52-48% ou 53-47%. Em 2017, Macron somou 66% na segunda volta.

No dia 27 de Fevereiro, o diário Libération fez soar o alarme: acabou a “frente republicana”. Muitos eleitores de esquerda e de direita detestam Macron e dispõem-se a escolher a abstenção ou votar Le Pen. O director, Dov Alfon, escreveu no editorial: “A frase ‘o fascismo não passará’, tão querida à esquerda, poderá perder a sua força em 2022. Um grande número de eleitores recusará votar Macron para barrar o caminho a Le Pen.” Em suma: “Nem Macron, nem Le Pen.”

Segundo a sondagem Harris Interactive (8 de Março), 24% dos eleitores do Insubmissos (extrema-esquerda), de Jean-Luc Mélenchon, 5% dos ecologistas e 21% dos eleitores de Os Republicanos (direita tradicional) optariam pelo voto Le Pen no segundo turno. Mas a maior ameaça a Macron seria a abstenção: 52% dos eleitores de Mélenchon, 42% dos socialistas da presidente de Paris, Anne Hidalgo, 44% dos ecologistas e 41% da direita...

Dias depois do inquérito do Libération, cinco politólogos e economistas, conotados com a esquerda, assinaram um artigo no site Telos: “Macron=Le Pen… a sério?” (Alain Bergounioux, Elie Cohen, Gérard Grunberg, Bernard Manin e Jean-Louis Missika). Argumentam que a crença de que Macron derrotará infalivelmente Le Pen encerra uma armadilha que, desde já, deve ser desmontada. Serão os eleitores dos outros candidatos a decidir quem será eleito na segunda volta. “Marine Le Pen arrisca-se a ser eleita Presidente da República em 2022, não por causa do seu programa, da amplidão dos seus apoios ou dos seus esforços de ‘desdiabolização’, mas por uma série de flutuações na opinião, fruto de uma aversão a Macron, que alimenta a rejeição da tradicional disciplina da ‘frente republicana’ na segunda volta.”

São muitas as acusações, entre elas uma suposta tentação autoritária. “O paradoxo é que os defensores das liberdades públicas que se afastam de Macron, por ele ter reforçado o aparelho repressivo, encaram, sem tremer, confiar esse mesmo aparelho a Marine Le Pen.” Note-se que a actual cota de popularidade do PR até é boa: 48% dos franceses dizem confiar nele (Harris Interactive, 26 Fevereiro).

Esquerda e direita

O problema de fundo está relacionado com o enfraquecimento da clivagem esquerda-direita, que não desapareceu, mas deixou de ser o factor “natural” dos alinhamentos políticos. Segundo um recente inquérito do IFOP, mais de dois terços dos franceses consideram que “a oposição entre esquerda e direita está ultrapassada”, enquanto 28% pensam que ela “faz ainda sentido, mas deixou de ser determinante”.

Escreve Grunberg, num outro texto, que “o eixo esquerda-direita já não absorve a diversidade das sensibilidades culturais, societais e identitárias”. É por ser fraca e dividida, que a esquerda é incapaz de chegar a acordo sobre uma candidatura única ou sobre a opção na segunda volta. “A sua identidade é posta em causa pelas novas clivagens que não se encaixam no eixo esquerda-direita. Estas novas clivagens fragmentam o seu eleitorado tradicional e constroem uma nova configuração política. E as diversas componentes da esquerda não compreendem esta nova configuração e nem são capazes de a ela se adaptar. Ora, é ela que vai estruturar as presidenciais de 2022”.

Em 2017, Macron impôs uma clivagem entre partidários da “França aberta” e da “França fechada”, entre progressistas e populistas, mundialistas e nacionalistas. Para isso, serviu-se dos temas condutores do discurso de Marine Le Pen. Esta tem flutuado nas suas posições. Depois do “namoro” com Putin e Trump, depois da sedução pelo “Brexit”, está a ensaiar uma viragem à moda de Salvini: passar de eurocéptica a eurófila, de forma a anular uma das linhas de ataque de Macron.

Mas também este terá de elaborar uma nova mensagem, porque os tempos mudaram. “A sucessão de crises durante o quinquénio contribuiu para esvaziar o macronismo da sua substância”, diz Françoise Fressoz, analista do Monde. A conquista de 2017 assentava na afirmação da fé europeia, numa ideia de progresso fundada na emancipação individual e numa profunda renovação da vida política. Deste contrato apenas subsiste a fé na Europa. O resto foi varrido pelos ‘coletes amarelos’ e, depois, pela crise epidémica que levou à doutrina do ‘custe o que custar’. (…) A sociedade francesa aparece, ao mesmo tempo, esfarelada e desencorajada.”

As sondagens para a primeira volta colocam Macron e Le Pen a par, na casa dos 25% (em 2017, respectivamente 24 e 21,5%). O candidato republicano mais cotado será Xavier Bertrand, com 12 a 15%, seguindo-se Mélenchon com 11, a socialista Anne Hidalgo e o ecologista Yannick Jadot, ambos na casa dos 6/7%. Os Republicanos continuam a perder terreno. A esquerda está fragmentada. Le Pen tem um eleitorado fidelizado. Com que futuro?

Até agora, Marine Le Pen tem sofrido o efeito do “tecto de vidro”, uma barreira invisível que não consegue ultrapassar. Isto significava que ela e o seu partido não tinham vocação de governo, sendo essencialmente uma força de protesto. No entanto, algo pode estar a mudar. Em 2018, apenas 40% dos franceses admitiam que ela pudesse um dia chegar ao poder. Em 2020, esse número subiu para 56%. No entanto, hoje, 64% dos franceses excluem em absoluto dar o seu voto a Le Pen.

Continua a funcionar o “tecto de vidro”? Provavelmente sim. O que poderá diferenciar as presidenciais de 2022 é o facto de Marine Le Pen poder vencer por uma catastrófica “conjugação dos astros”: da volatilidade dos eleitores de esquerda e direita a inesperadas “emoções políticas”. Alguém imagina o efeito de uma vitória da extrema-direita em França?»

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12.3.21

Não há plano que resista

 

Expresso, 12.03.2021

E nem falo dos 80+, mas cito o que disse um amigo incluído no grupo de 50-79 com maior risco: «E, já agora, se posso perguntar, quando chega a vez das pessoas doentes, não as que PODEM adoecer, mas as que já o estão, embora não com COVID, pelo menos por enquanto (mas para quem a COVID representa um risco máximo)? Aquelas que vinham logo a seguir aos utentes dos lares e ao pessoal de saúde?»
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12.03.1959 – O dia em que o «Golpe da Sé» falhou

 


Estava prevista para a madrugada de 12 de Março de 1959 uma revolta contra o salazarismo, com o país ainda agitado pelo malogro das eleições presidenciais do ano anterior, às quais concorrera Humberto Delgado. Tratou-se do falhado «Golpe da Sé», assim denominado porque era na catedral de Lisboa que os participantes se reuniam, contando com a cumplicidade do padre João Perestrelo de Vasconcelos.

Um grande grupo de militares, cuja figura principal era o capitão Almeida Santos, mas onde apareciam nomes como Varela Gomes e Vasco Gonçalves, e de civis sobretudo católicos liderados por Manuel Serra, propunha-se realizar um verdadeiro golpe de Estado, tendo previsto o controle de meios de comunicação, transportes, fornecimento de electricidade, etc., etc.

Tudo fracassou devido a fugas de informação e foram detidas mais de 40 pessoas, incluindo o padre Perestrelo e Manuel Serra. Dos detidos, distribuídos pelas prisões de Caxias, Aljube, Trafaria e Elvas, cerca de metade foi julgada. Dois evadiram-se de Elvas e um deles, o capitão Almeida Santos, foi assassinado – episódio que deu origem ao romance de José Cardoso Pires, A Balada da Praia dos Cães. Quanto a Manuel Serra, a páginas tantas hospitalizado no Curry Cabral, conseguiu fugir, vestido de padre, e seguiu directamente para a embaixada de Cuba em Lisboa onde pediu asilo político. Alguns meses mais tarde, utilizando outro estratagema (cortou rapidamente a barba e o cabelo), fugiu de novo, dessa vez para a Embaixada do Brasil, já que o seu objectivo era juntar-se a Humberto Delgado naquele país, o que veio a acontecer.
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A política Nem-Nem

 


«Numa entrevista ao PÚBLICO, publicada no dia 4 de Março, António Costa teve o seu momento Nem-Nem amplamente citado e comentado. Foi quando disse: “Nem André Ventura nem Mamadou Ba representam aquilo que é o sentimento da generalidade do país”. O Nem-Nem é, aqui, a marca linguística da ponderação. “Ponderar”, do latim ponderare, significa “pesar”. É o que faz o nosso primeiro-ministro, numa operação de retórica balanceada, isto é, ponderada: coloca pesos e contra-pesos nos dois pratos e, com a exactidão do fiel da balança, arbitra sobre o que ele entende ser o maléfico equilíbrio dos extremos. Em nome do “sentimento da generalidade do país”, procede a uma dupla exclusão. É esse o gesto justo, isto é, ponderado, de um grande equilibrista Nem-Nem.

O seu a seu dono: devo esta categoria a Roland Barthes, que numa das “mitologias”, define uma crítica “Ni-Ni” como uma “doutrina” que encerra sempre um juízo moral e revela um “traço pequeno-burguês”. Escusado é dizer que tal designação, “pequeno-burguês”, já só a encontramos no baú das velharias. Sempre que a desenterramos, enchemo-nos de pó, mas ao mesmo tempo experimentamos uma satisfação que deve ser semelhante ao espanto dos arqueólogos.

Em vez de “pequeno-burguês”, que evoca ideias e figuras que já não fazem parte do mundo em que vivemos, por muito que gostássemos de restaurar ao menos o traço semântico do tédio que lhe estava associado, podemos talvez dizer “homem médio”. Sai Roland Barthes, entra Pasolini. Só muito parcialmente, porque não é exactamente o homem médio execrado por Pasolini que podemos reconhecer no Nem-Nem de António Costa. Colocando-se no centro de gravidade da nação, o primeiro-ministro sentiu-se no poder de resumir todas as forças vivas do corpo nacional (“o sentimento da generalidade do país”), tal como o centro de gravidade é capaz de concentrar num ponto todos os pesos diferentes. Este homem de pesos e medidas que indicam o grande equilíbrio Nem-Nem não é uma figura da mitologia pequeno-burguesa (demasiado anacrónica), mas também seria exagerado vê-lo como um agente do apocalipse, à maneira daquelas visões tremendas que Pasolini tinha da sua época e do papel central que nela desempenhava o “homem médio”. Não, se quisermos perceber o homem médio de feição costiana, o homem que, medindo o peso de uma embaraçosa dicotomia opta pela moral do terceiro e diz que aí reside o centro de gravidade do país, devemos remontar a uma teoria do homem médio, tal como ela foi formulada por um matemático, especialista de estatística, astrónomo e sociólogo, o belga Lambert Adolphe Quételet (1796-1784; Quételet ficaria fora do meu alcance, e não pretendo exibir uma erudição que não tenho, se não o tivesse encontrado referido no livro de um matemático e ensaísta francês, Vivre et penser comme des porcs, que tinha horror à mediania e à conformidade, chamado Gilles Châtelet). Para Quételet, homem da estatística e não das balanças, há uma excelência da média enquanto tal, seja ela da ordem do Bom ou do Belo. Na formulação de António Costa, a média diz-se de outra maneira; é o “sentimento geral do país”.

O pequeno-burguês entediante e modesto de Roland Barthes é um estereótipo de certas representações políticas e sociológicas de uma época que já não é a nossa; e o homem médio cretino e responsável pelo fim do mundo (ou, pelo menos, do fim de um mundo) de Pasolini também já não corresponde ao imaginário actual dos fins. Por isso, temos de ver no homem médio de Costa, um ideal implícito no seu expediente retórico do Nem-Nem, uma outra espécie de homem médio, muito mais próximo da concepção estatística de um “sentimento” nacional. O homem médio em que Costa se revê e que lhe inspira a operação retórica do Nem-Nem fornece um ponto de apoio para buscar o consenso conservador, para eliminar qualquer posição crítica radical (e é preciso acrescentar que radical não é mesmo que extremo, apesar de encontrarmos hoje, em muitos discursos, essa equivalência), para deixar que o pragmatismo siga o seu curso, sem obstáculos. E assim nos vamos todos entediando, com o Nem-Nem de políticos fatigados e ponderosos, realizando a grande missão de equilibristas.»

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11.3.21

11.03.1975 - O início do PREC

 


Nesse décimo primeiro dia de Março de 75, pelas 11:45, o RAL 1 (mais tarde conhecido por RALIS), foi bombardeado por aviões da Base Aérea nº 3 e cercado por paraquedistas de Tancos, na concretização de uma tentativa de golpe de Estado, liderada por António de Spínola.

Continuar a ler AQUI um post com o resumo dos acontecimentos (texto e vídeos).
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A luta pelo centro ainda vai deixar arrependidos

 


«Só os fantasistas duvidavam de que era uma vitória escrita nas estrelas. Por isso, sem surpresa, os analistas sublinham (e festejam) o sucesso do primeiro mandato presidencial e a facilidade da sua simples campanha em janeiro, como a prova do êxito de uma estratégia, conquistar o centro. Marcelo representa essa visão, que gere com pinças e a que chama “cooperação estratégica” com o Governo, apesar de o primeiro-ministro só usar relutantemente a expressão.

Ela constitui uma prisão para ambos, exactamente como pretendem: o centro, para um e outro, é essa ponte institucional que serve de referência para a coisa política. E é neste sítio que se reconhecem, o centro, seja inclinado para a esquerda seja para a direita, é em todo o caso o único espaço em que entendem o poder de decisão e a bússola das regras da União Europeia, mas é também o único lugar em que imaginam a sociedade. É, portanto, o confinamento central que desejam e que disputam, de modo elegantemente florentino, porque nessa praça só pode haver uma estátua, mas já se viu quem vai ganhar: agora o primeiro-ministro, que governa beneficiando do apoio permanente e das virtudes pedagógicas do presidente, mas, no fim destes dias, será Marcelo o vencedor, dado que ele estará quando Costa rumar para o seu cargo europeu. O tempo que vai passando cansa o governo e preserva o presidente. Qualquer que seja a transição, mais cedo ou mais tarde, é Marcelo quem a vai gerir.

A bem dizer, muitos dos outros protagonistas imitam esta estratégia da disputa do centro, cada um à sua escala: Costa, na sua recusa feroz de qualquer ajustamento estrutural nas leis laborais ou na capacidade dos serviços públicos, para assim manter a ligação às associações empresariais e a interesses financeiros na saúde; Rio, na combinação, tantas vezes menosprezada mas hábil, entre o apoio ao governo em primeira instância, no aeroporto, nas grandes questões económicas, como na dispensa de debates parlamentares a um primeiro-ministro impaciente com essas democratices, e um discurso com picos de contraste para mobilizar a sua base; e até Jerónimo de Sousa, como se viu na campanha presidencial, que colou o seu candidato ao governo e suscitou encómios entusiasmados por parte dos setores mais à direita do PS, uma aproximação que nenhum arroubo doutrinário pode esconder. O problema é que esta corrida para o centro só tem uma expressão possível: o poder do poder. Ela é um círculo vicioso. Exclui alternativas, não tanto porque não sejam possíveis, mas porque propõem unicamente a fisiologia continuista. Quanto mais incerteza, no mundo em que já se lamenta a saída de Merkel, se teme a eleição francesa, se espera o abismo do fim da política expansionista do BCE e se descobre que Biden tem como prioridade reafirmar a liderança de Washington, tanto mais estreito fica esse caminho do centro, mas mais desejável se torna para os seus cultores. Na dúvida, a sua resposta é que nada será como dantes, a única mudança desta vez é que tudo deve ficar na mesma.

Esta estratégia é um engano e pode ser um engano pesado. Precisamente porque há mais do que dúvidas no nosso horizonte, há também certezas: a fragmentação social, a hipercomunicação em modo de fanatismo e que reduz a política ao tribalismo, a emergência do autoritarismo social para suportar uma economia em que os vencedores são os donos de rendas e, portanto, a deslocação da direita para os proteger. Os estragos que estas mutações provocaram em poucos anos são tão visíveis que surpreende que o comodismo do centro possa fingir ignorá-los: Trump entrou pelas nossas casas adentro e há quem pretenda que basta contar as pratas e sacudir os tapetes para que tudo seja esquecido, sem reparar que ele não saiu da sala. Um terço da direita vai mesmo ser a extrema-direita, são precisas milícias para o programa de privatizar os hospitais ou a segurança social, ou para uma taxa única que baixe os impostos para os milionários.

Há por isso um argumento razoável para propor uma estratégia alternativa, a da polarização com alianças à esquerda, apostando que uma maioria popular e eleitoral apoiará medidas que mudem o dia a dia das pessoas, em vez de esperar alívio pelas pontes ao centro, como o têm feito o primeiro-ministro e o presidente. O enunciado desta política tem, no entanto, uma dificuldade: está a falar outra linguagem, não tem tradução para a que tem predominado. São incomunicáveis, uma garante o vínculo institucional que promete segurança pela afirmação dos protagonistas do poder, outra quer criar a força de propostas que criem segurança na vida da população. Uma é pose, outra deverá ser programa de ação. Uma triunfou sempre, mas foi o seu êxito que abriu o campo ao crescimento das direitas liberais mais autoritárias, outra ainda espera o seu tempo e é o tempo que testará a sua coerência, que lhe falta demonstrar.

Ainda vai haver arrependidos da busca do centro como o Santo Graal, se bem que não saibamos se a estratégia alternativa de polarização à esquerda será suportada pela coerência de propostas, pela visibilidade de soluções, pelo apoio popular e pela decisão de protagonistas. Era melhor que fosse, sem ela a alternância garantirá que ao centro se sucede uma nova direita, seria então a vez do rancor.»

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Poupança

 


Se a roda do carro é mais barata do que a multa…
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10.3.21

Esperança

 


Em português até seria mais interessante porque só temos um verbo para «esperar».
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10.03.1920 – Boris Vian

 


Boris Vian faria hoje 101 anos e morreu antes de chegar aos 40. Escritor, engenheiro mecânico, inventor, poeta, cantor e trompetista, também anarquista, teve uma vida acidentada e ficou sobretudo conhecido pelos livros de poemas e alguns dos seus onze romances, como L’écume des jours e L’automne à Pékin.

Especialmente célebre ficou também uma canção – Le déserteur – , que foi durante muitos anos uma espécie de hino para todos os que recusavam participar em guerras, incluindo muitos portugueses. Lançada durante a guerra da Indochina, foi grande o seu impacto e acabou mesmo por ser proibida por antipatriotismo, na rádio francesa, pouco depois do início do conflito na Argélia.

Nunca esquecerei quando Le déserteur cumpriu a função da mais improvável das marchas nupciais, no casamento de um amigo, em Bruxelas, no fim dos anos 60.


(Serge Reggiani : Dormeur du Val , de Arthur Rimbaud, e Le déserteur de Boris Vian.)

Mais:





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Uma questão de ponto de vista

 

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Costa determinou o segundo mandato de Marcelo, oferecendo-lhe todo o poder sobre o Governo

 


«Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse para o seu segundo mandato. Definiu as suas prioridades. Mas vivemos um tempo de tal incerteza que as suas prioridades não podem ser determinadas por ele. Não sabemos quanto tempo durará esta pandemia e até onde nos levará a crise sanitária. Não sabemos, por isso mesmo, a profundidade do impacto social, económico e até político da crise. Nem sequer sabemos que Europa sairá desta pandemia. Serão as prioridades que determinarão Marcelo, não o oposto.

Há, no entanto, condições prévias que já definem e continuarão a definir o comportamento do Presidente da República. E foram quase todas determinadas por decisões táticas de António Costa. A maior condicionante política ao comportamento de Marcelo numa crise de dimensões e duração incerta é a desproporção de força entre o Governo e o Presidente.

Quando António Costa optou por não ter uma solução de maioria parlamentar, não negociando com o Bloco de Esquerda essa possibilidade (bem aliviado deve estar o BE, neste momento), com a desculpa esfarrapada de que essa solução teria de incluir um PCP que recusava acordos escritos, pensou que teria quatro anos de prosperidade económica e folga orçamental. Que poderia gerir alianças de geometria variável e chantagens em cada crise. Se há coisa que um político deve saber é que a previsão é uma arte estranha ao seu ofício. A importância de estar prevenido para o pior é a única certeza que pode ter. Hoje, no meio de uma crise pandémica, Costa depende da continuação da crise da direita para sobreviver.

Estando numa situação de fragilidade política, António Costa decidiu apoiar informalmente a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Mário Soares foi reeleito com 70% no mandado de um governo de maioria absoluta do PSD. Por isso, o Cavaco deu-se ao luxo de apoiar a sua reeleição. Soares nada podia fazer, a não ser dar alento, como deu, a uma esquerda há seis anos na oposição. Costa deu-se ao luxo de apoiar informalmente a reeleição de um Presidente de direita quando governa em minoria.

Julgava estar, com este apoio, a comprar um escudo. A não ser que seja o único político português que acredita na lealdade de Marcelo (Marcelo não acredita na de Costa, seguramente), saberá que esse escudo durará enquanto a direita não se reorganizar e enquanto interessar ao Presidente manter Costa em São Bento. E, mesmo até lá, será um escudo pesado. É evidente que Marcelo venceria as eleições sem o apoio de Costa. Até é provável que o vencesse à primeira, com menos votos da esquerda e mais da direita. Mas dificilmente teria a votação que teve. O que quer dizer que dificilmente teria a força que tem.

Quer a larguíssima votação que deu ao Presidente um poder reforçado, quer a fragilidade da solução governativa resultam de decisões de Costa. E têm origem no mesmo problema: um olhar que é sempre de curto ou médio prazo.

Enquanto a direita não conseguir arrumar a sua casa, não é provável que Marcelo tenha choques com o Governo. E não é provável, porque não precisa de o fazer. Perante uma crise pandémica, social e económica, com um governo minoritário e que tenderá a desgastar-se depois da fase pandémica, o Presidente tem 60% dos votos para redefinir os seus poderes. E já o começou a fazer.

Quando Marcelo anuncia datas e critérios para o desconfinamento, que são poderes executivos, até pode estar a ajudar o Governo, preparando o caminho para uma solução faseada e muito cautelosa. Mas está a alargar a sua influência, como não acontecia desde o tempo de Ramalho Eanes, quando eram outros os poderes. Fá-lo em proteção de um governo frágil, fá-lo-á para limitar todas as escolhas desse governo frágil, quando isso for do seu interesse. Quando Costa fez todas as opções táticas que o tornaram totalmente dependente do Presidente da República, definiu o que será o segundo mandato de Marcelo. O seu protetor poderá vir a ser o seu carrasco.

Nota: não tenho qualquer razão para acreditar na desculpa sem conteúdo dada pelo gabinete de Cavaco Silva para não ter ido à sessão de cumprimentos do seu sucessor. Foi mais uma de muitas demonstrações de desrespeito e deselegância institucional, comuns no ex-Presidente. Mas não deixei de me divertir com a afirmação, dias antes, de que vivemos numa “democracia amordaçada”. Para quem se lembra como as cargas policiais eram a forma banal de lidar com manifestações, fosse de polícias, de estudantes ou de utentes da ponte sobre Tejo, ouvir isto de Cavaco Silva é hilariante.»

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9.3.21

Eu bem digo que isto anda confuso!



 

Camilo Lourenço quer que eu compre uma liquidificadora, Joana Carneiro anda de cabelos ao vento a esforçar-se para me vender 5G via Vodafone e Marcelo está no Norte em cerimónias religiosas no dia em que toma posse como PR de uma República laica. Tirem-me deste filme!
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Desconfinamento?

 

@André Ruivo

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Não mostrem isto ao PAN

 



«Nos Estados Unidos, há santuários de animais que disponibilizam abraços de vacas para quem sente falta de afecto. Sessões custam 75 dólares (cerca de 63 euros).» « Abraçar vacas também é popular nos Países Baixos.»

#eunãoqueroumavacacáemcasa
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Pandemia económica

 


«O mercado laboral está a sofrer um sério revés desde o início do ano. Os dados indicam que, depois da evolução relativamente favorável em 2020, a taxa de desemprego em Portugal está a destoar pela negativa no conjunto dos países da Zona Euro no arranque de 2021, tendo mesmo sofrido o agravamento mais acentuado em janeiro entre todos os países da região.

Segundo o Eurostat, a taxa de desemprego em Portugal avançou de 6,8% em dezembro para 7,2% em janeiro. Apesar desta deterioração, Portugal conseguiu uma evolução muito mais favorável na taxa de desemprego no conjunto do ano passado. Claro está que esta situação está "mascarada" por um desemprego subestimado, devido aos apoios concedidos às empresas e trabalhadores. A verdade é que, perante os números mais recentes, o mercado laboral mostra sintomas de que estes apoios podem ser altamente insuficientes, receando-se uma escalada enorme do desemprego quando voltarmos à nova normalidade. A terceira vaga da pandemia atingiu-nos muito mais do que a segunda e isso terá consequências enormes na recuperação económica. As restrições à mobilidade, a bem da saúde dos portugueses, tiveram um efeito perverso e um duro golpe no tecido produtivo. Após um ano de resistência, o sofrimento das empresas e famílias mais expostas está a ser levado ao extremo. Cada vez são mais as lojas, hotéis e restaurantes que terão muitas dificuldades em voltar a abrir as portas.

Perante este cenário, fica claro que o Governo deve intensificar os apoios, não só para defender os postos de trabalho, mas também para estimular o consumo interno. Para isso, há que dar um forte apoio ao setor privado - como está a ser feito pelo resto da Europa -, mesmo para empresas em falência devido à pandemia. É que, perante esta situação, o risco aumenta em empresas exauridas, com pouca força para retomar a atividade. Logo agora que alguma luz no horizonte se aproxima com a dissipação da terceira vaga e o avanço da vacinação.»

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8.3.21

O drama dos aeroportos

 


Se não resolverem o problema da localização de aeroportos, poderemos sempre viajar em caravanas como esta.
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Sempre neste dia

 

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Portugal e direito a voto das mulheres

 


Quanto a direito ao voto feminino, em Portugal foi assim:

Tudo começou com o decreto 19.692, de 5 de Maio de 1931. Mas com excepções, como a de Carolina Beatriz Ângelo (na foto) que foi a primeira mulher portuguesa a exercer o direito de voto (nas constituintes de 28.05.1911), concedido por sentença judicial, após exigência da condição de chefe de família, dada a sua viuvez.


Em 1933 e em 1946 foram levantadas algumas restrições, mas só quase no fim de 1968, já durante o marcelismo, é que acabaram por ser removidas quaisquer discriminações para a eleição de deputados à Assembleia Nacional. (Depois do 25 de Abril, o direito universal de voto passou a aplicar-se também às eleições presidenciais e autárquicas.)


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7.3.21

Pedro Nuno Santos e o PS

 


Eu sei que o texto é reservado a assinantes e é muito longo. Deixo aqui um dos últimos parágrafos:

«Pedro Nuno Santos acabaria a palestra aos jovens socialistas com mais uma crítica à ala centrista do PS: "Ouvimos os estrategas da nossa área política a dizer que é no centro que se ganham eleições. Não nego isso. O erro no raciocínio é a conclusão: alguns pensam que para ganhar o centro temos de ceder no nosso programa, da esquerda para a direita. Mas o centro ganha-se mostrando a esse eleitorado que a nossa resposta é a que melhor responde aos anseios e desafios. O centro ganha-se à esquerda.
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Já alguém o mandou hoje para a terra dele?



 

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O que se sente e o que se pensa

 


«Uma boa conversa pode ser tão importante quanto a comida, a bebida, o exercício ou o amor. É uma das grandes necessidades humanas. À minha volta, aqueles que estão confinados em família, queixam-se da obrigatoriedade da proximidade extrema e permanente a que se encontram sujeitos. Alguns dos que estão sozinhos dizem que até os lábios secam. Podem passar-se dias em que não falam com ninguém, para além das momentâneas comunicações digitais. Outros argumentam que mantém a sanidade tendo conversas imaginárias consigo próprios.

Há um provérbio de inspiração árabe que aconselha a não falar, se o que vai ser dito não for mais bonito que o silêncio. É uma noção algo romântica porque existem silêncios que podem funcionar como autênticos socos, conseguindo ser tão ou mais agressivos do que as palavras. A nossa realidade é a linguagem, mas a nossa realidade são também as emboscadas dessa linguagem. Principalmente quando o espaço público respira conflitualidade como acontece no presente.

Vivemos um tempo onde impera a experiência emocional individual e a capacidade de escutar se perdeu. A Internet por vezes consegue ser um espaço comunicativo de acção comum, mas tende a desintegrar-se em espaços expositivos do eu. Há sede de atenção e afirmação. Há quem tenha prazer em provocar discórdia, seja impenetrável à crítica, como se concordar com o outro fosse perturbador. Muitas vezes não se quer debater, apenas sentenciar. Identificam-se fragilidades alheias, mas não se retribui, de forma produtiva, com nenhuma ideia ou desafio como alternativa. Ainda assim não vale a pena fugir-se do conflito, até porque ao fazê-lo procuram-se apenas refúgios de semelhança. E assim privamo-nos de entender, negociar e experimentar, pondo-nos em contacto com a nossa diferença e dos outros, como é inevitável que aconteça. Sem nos expormos às tensões, maior será a dificuldade em alcançar formas de coabitação, seja entre países, cidades, bairros ou em relações a dois.

Por norma diz-se que para resolver discórdias o melhor é separar os juízos das reacções emocionais. É difícil. A informação emocional tende a ser mais veloz do que a cortical. A impulsividade vai à frente da racionalidade. Como os choques tendem a emergir quando alguém nos põe em causa ou aos nossos interesses, por norma vêm acompanhados de emoções de animosidade. E a beligerância e a irascibilidade não são boa companhia para emitir veredictos. Quando estamos zangados as possibilidades de serem pronunciadas sentenças terríveis, das quais muitas vezes depois nos arrependemos, aumentam exponencialmente.

Justificamos essas acções com o que se sentia naquele instante, mas esquece-se o óbvio. No calor de um episódio virulento, o que se pensa não é o mesmo que se sente. A diferença é imensa. Em alvoroço não há a faculdade de estabelecer equilíbrio. Todos conhecemos o poder tranquilizador ou incendiário das palavras, tal como sabemos que as mesmas coisas podem ser ditas de muitas maneiras, causando efeitos diferentes. Pode-se ser crítico e construtivo ao mesmo tempo, sem danificar a auto-estima de ninguém. Nessas alturas de tensão mais vale respirar fundo, ou seja, dar tempo aos canais da racionalidade para alcançar os circuitos emocionais para os abrandar. O sentimento é subjugado pelo momento, acorrentado ao escrutínio do aqui e agora, e em cenários de antagonismo oferece resumos amplificados da situação. Daí a distinção crucial entre dizer o que se sente e dizer o que se pensa.

Da mesma forma é preciso auscultar as abertas para falar, escutar e estar calado. O silêncio pode ser conclusão, espera, cumplicidade, questionamento ou menosprezo. Existe uma multiplicidade discursiva em que se decide não dizer uma única palavra. Mas a grande questão é saber quando nos refugiamos nas palavras ou no silêncio que a vida nos oferece. A inteligência discursiva, ou o início de uma bela conversa, deve ser isso. Escolher as palavras ou os silêncios que cada momento exige.»

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