«Uma boa conversa pode ser tão importante quanto a comida, a bebida, o exercício ou o amor. É uma das grandes necessidades humanas. À minha volta, aqueles que estão confinados em família, queixam-se da obrigatoriedade da proximidade extrema e permanente a que se encontram sujeitos. Alguns dos que estão sozinhos dizem que até os lábios secam. Podem passar-se dias em que não falam com ninguém, para além das momentâneas comunicações digitais. Outros argumentam que mantém a sanidade tendo conversas imaginárias consigo próprios.
Há um provérbio de inspiração árabe que aconselha a não falar, se o que vai ser dito não for mais bonito que o silêncio. É uma noção algo romântica porque existem silêncios que podem funcionar como autênticos socos, conseguindo ser tão ou mais agressivos do que as palavras. A nossa realidade é a linguagem, mas a nossa realidade são também as emboscadas dessa linguagem. Principalmente quando o espaço público respira conflitualidade como acontece no presente.
Vivemos um tempo onde impera a experiência emocional individual e a capacidade de escutar se perdeu. A Internet por vezes consegue ser um espaço comunicativo de acção comum, mas tende a desintegrar-se em espaços expositivos do eu. Há sede de atenção e afirmação. Há quem tenha prazer em provocar discórdia, seja impenetrável à crítica, como se concordar com o outro fosse perturbador. Muitas vezes não se quer debater, apenas sentenciar. Identificam-se fragilidades alheias, mas não se retribui, de forma produtiva, com nenhuma ideia ou desafio como alternativa. Ainda assim não vale a pena fugir-se do conflito, até porque ao fazê-lo procuram-se apenas refúgios de semelhança. E assim privamo-nos de entender, negociar e experimentar, pondo-nos em contacto com a nossa diferença e dos outros, como é inevitável que aconteça. Sem nos expormos às tensões, maior será a dificuldade em alcançar formas de coabitação, seja entre países, cidades, bairros ou em relações a dois.
Por norma diz-se que para resolver discórdias o melhor é separar os juízos das reacções emocionais. É difícil. A informação emocional tende a ser mais veloz do que a cortical. A impulsividade vai à frente da racionalidade. Como os choques tendem a emergir quando alguém nos põe em causa ou aos nossos interesses, por norma vêm acompanhados de emoções de animosidade. E a beligerância e a irascibilidade não são boa companhia para emitir veredictos. Quando estamos zangados as possibilidades de serem pronunciadas sentenças terríveis, das quais muitas vezes depois nos arrependemos, aumentam exponencialmente.
Justificamos essas acções com o que se sentia naquele instante, mas esquece-se o óbvio. No calor de um episódio virulento, o que se pensa não é o mesmo que se sente. A diferença é imensa. Em alvoroço não há a faculdade de estabelecer equilíbrio. Todos conhecemos o poder tranquilizador ou incendiário das palavras, tal como sabemos que as mesmas coisas podem ser ditas de muitas maneiras, causando efeitos diferentes. Pode-se ser crítico e construtivo ao mesmo tempo, sem danificar a auto-estima de ninguém. Nessas alturas de tensão mais vale respirar fundo, ou seja, dar tempo aos canais da racionalidade para alcançar os circuitos emocionais para os abrandar. O sentimento é subjugado pelo momento, acorrentado ao escrutínio do aqui e agora, e em cenários de antagonismo oferece resumos amplificados da situação. Daí a distinção crucial entre dizer o que se sente e dizer o que se pensa.
Da mesma forma é preciso auscultar as abertas para falar, escutar e estar calado. O silêncio pode ser conclusão, espera, cumplicidade, questionamento ou menosprezo. Existe uma multiplicidade discursiva em que se decide não dizer uma única palavra. Mas a grande questão é saber quando nos refugiamos nas palavras ou no silêncio que a vida nos oferece. A inteligência discursiva, ou o início de uma bela conversa, deve ser isso. Escolher as palavras ou os silêncios que cada momento exige.»
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