«Marques Mendes discutiu na SIC a frase de António Costa no debate da moção de censura: "Os votos do PS e do BE ainda não formam uma maioria neste Parlamento". O contexto permite perceber que o primeiro-ministro respondia a um tema colocado pelo Bloco sobre o qual não dava por certo que houvesse maioria no parlamento. Nenhuma novidade, isso já aconteceu com a intervenção pública nas terras sem dono, rejeitada por uma confluência entre o PCP e a direita. Não era portanto uma afirmação sobre o futuro mas sobre dificuldades do presente. Foi no entanto o bastante para suscitar emoção. Será que o PCP se vai por de fora? Será que o Bloco corre para o governo? Nem um nem outro, lamento desiludir os entusiastas.
A especulação sobre esse futuro hipotético foi agravada pelos resultados municipais e por alguma manifestação de instabilidade que se lhe seguiu. Muitos concluíram aliás que os resultados da esquerda nas autárquicas eram o preço de não estar no governo. Daniel Oliveira tem defendido esse ponto de vista, para convencer os partidos de esquerda a mudarem de estratégia: “O PCP suporta um governo que está a tomar as medidas que tiram votos aos comunistas. Não porque as pessoas estejam descontentes, mas porque estão satisfeitas. PCP e BE ficaram de fora de governo para não serem responsabilizados pelas suas derrotas. Não estão a ser responsabilizados pelas suas vitórias.”
É a mesma opinião de Tiago Mota Saraiva, militante do PCP: “Este parece-me ser o resultado natural da solução governativa. Apesar de PCP, PEV e BE – no parlamento - reivindicarem para si alguns avanços, o facto de não terem pastas governativas com que possam construir políticas coloca-os numa posição débil. O PS capitaliza os sucessos do governo.”
Há dois problemas com esta narrativa. O primeiro é a realidade dos factos: as contas eleitorais não confirmam essa história de perdas. Já com o novo governo, o Bloco teve sucesso nas presidenciais e nas regionais dos Açores, e agora uma subida nas eleições autárquicas (em Lisboa foi o partido de esquerda que mais subiu, mudando o mapa municipal). O PCP caiu nas presidenciais mas, nas autárquicas, subiu em Lisboa, mesmo perdendo noutros concelhos. Manteve no país uma votação notável, aliás superior ao seu resultado legislativo. Ora, se sobe nuns concelhos e desce noutros, não se pode inferir que o acordo com o governo enfraquece o partido, terá que existir alguma razão local para os resultados, os melhores e os piores.
O segundo problema é que participar num governo não é o mesmo que ir a um jantar de gala. São precisos acordos mais profundos e resistentes do que os actuais. Por isso, se o PCP e o Bloco tivessem feito parte deste governo, o resultado era instabilidade: tê-lo-iam abandonado quando da operação Banif, dois meses depois de tomarem posse. E essa seria a pior das alternativas. Sugiro então que é melhor dar tempo ao tempo, na política há mar e mar, há ir e voltar.
Para mais, a actual maioria é de facto excepcional porque a situação que lhe deu origem foi excepcional: o que os juntou foi afastar a direita. Nas próximas legislativas, a haver novo acordo de convergência, ele terá de responder já não à emergência da salvação do país depois da troika, mas antes a um projecto económico e social para o longo prazo em que sejam enfrentadas a ganância dos mercados e as dificuldades europeias. Ora, para isso, será necessário mobilizar todas as forças disponíveis: essa política de que Portugal precisa não pode abdicar do contributo do Bloco e do PCP. Instigar um jogo de um contra o outro seria um tiro no pé. Então, se uma maioria absoluta levaria o PS para a sua velha política, no caso de isso não acontecer e a haver uma negociação, a exclusão de algum dos partidos de esquerda inviabilizaria uma política forte. Se essa for a música, a valsa de 2019 dança-se mesmo a três.»
Francisco Louçã
(Público de 01.11.2017, sem link)
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