20.5.23

Jarras

 


Jarra «Escargot» (Caracol), em vidro vermelho claro e fosco, cerca de 1920.
René Lalique.


Daqui.
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Aviso à população

 


Para todos os que juram que já nem ligam a TV, sobretudo há alguns dias por causa do Galambagate, tenho uma boa notícia: ainda não liguei hoje a minha, mas tenho a certeza de que já terá começado um fim de semana inteirinho de Futebolgate. O país não vos esquece e agradece-vos - e comam chocolates!
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É legal, mas é roubo

 

«Uma das marcas mais profundas das sociedades em que vivemos, incluindo as "democracias liberais", é o facto de a apropriação ilegítima de riqueza e de bens de diverso tipo ser incomensuravelmente maior nas suas expressões "legais", que no enquadramento reconhecido como crime. Atitudes políticas de tolerância perante esta constatação, desde logo em períodos de duros sacrifícios para os cidadãos, são intoleráveis. Todavia é o que vem acontecendo. A banca nacional (a que opera no país) teve, no primeiro trimestre deste ano, 955 milhões de euros de resultados (lucro). O povo português está a ser literalmente roubado. Devemos afirmá-lo sem rodeios para se tentar estimular algumas consciências.»

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Onde andam os adultos?

 


«A enorme desvantagem de passar uns dias num país civilizado e voltar a Portugal é perceber que, entre nós, é sempre possível fazer pior. Que os episódios e as personagens que tendem a envergonhar-nos são capazes de nos arrastar ainda mais para o lodaçal, que a nossa estupefação é tremendamente elástica e que o decoro e a probidade republicanas são conceitos que morrem com a mesma facilidade com que se desfaz o nó de uma gravata ministerial.

O intragável rol de versões, acusações e descrições produzidas pelo chamado "caso Galamba" entranhou-se na vida pública e política como uma praga bíblica, relegando tudo o resto para uma fastidiosa nota de rodapé. Ora, o país não se resume ao computador apreendido do assessor, à chefe de gabinete que chamou os serviços secretos, nem muito menos ao ministro que envolveu colegas do Governo, e sobretudo o primeiro-ministro, numa trapalhada de que será incapaz de sair, por mais vidas que lhe outorguem. Continuamos sequestrados por esta gente equívoca, aburguesada e infantil. Não somos convocados para discutir o essencial, o desenvolvimento económico, o emprego, a brutal crise social, a educação e as oportunidades de um país que vive refastelado à sombra do turismo, a galinha dos ovos de ouro que brilha, impante, malgrado as pancadas que recebe como agradecimento.

Enquanto João Galamba era espezinhado no Parlamento, António Costa vibrava no concerto dos Coldplay. E no meio desta sucessão de nadas que usa a nossa lamúria como banda sonora até o presidente da República revelou um desnecessário desacerto, ao criar suspense sobre uma declaração acerca do tema, a qual foi entretanto cancelada, mas que depois acabou por acontecer. E o que disse afinal Marcelo? Que está atento mas que não tem nada a acrescentar. Onde andam os adultos que tanta falta nos fazem?»

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19.5.23

Portas

 


«Porta de girassol e relógio», Praga, 1900.
Arquitectos: Osvald Polivka e Vaclav Haver.


Daqui.
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Habitação

 


AR, 18.05.2023
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Ontem à noite - CPI ou Coldplay?

 



Eu aqui a cabecear a ouvir Galamba na AR, enquanto António Costa saltitava em Coimbra durante o espectáculo dos Coldplay. Isto não se inventa, é um espelho – embora não saiba exactamente de quê.
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Deus é grande, mas o tamanho não importa

 


«Quando a lei da eutanásia foi aprovada pelo Parlamento português, o Papa disse que estava “muito triste porque, no país onde apareceu a Virgem” tinha sido promulgada “uma lei para matar”. Não é todos os dias que o chefe de Estado de um país estrangeiro critica as leis aprovadas no nosso. Sem querer ser chauvinista, julgo que o argumento de Francisco I é frágil. De facto, em 1917, tendo coisas importantes para comunicar à Humanidade, Nossa Senhora escolheu fazê-lo no concelho de Ourém. Maria tinha à sua disposição o planeta inteiro — e poderia ter aparecido em qualquer lado uma vez que, sendo mãe de quem é, ninguém lhe impediria a entrada. Não deve haver cunha mais poderosa do que essa. Mais especificamente, Nossa Senhora poderia ter aparecido no Vaticano, onde tem inúmeros domicílios — uns mais espaçosos, como a Basílica de São Pedro, outros mais acolhedores, como a Capela Sistina, mas todos deslumbrantes. No entanto, a Virgem optou por uma árvore na Serra de Aire. Essa atitude devia fazer Francisco pensar. Se nos empenhamos a construir os mais sumptuosos aposentos para a nossa mãe e, quando ela vem de visita, troca o nosso tecto pintado por Miguel Ângelo por um céu enevoado da Beira Litoral, parece-me inevitável ponderarmos se tomámos as decisões certas.

Em relação à eutanásia, é importante notar que Francisco não é exactamente contra o acto de proporcionar a morte a alguém. Opõe-se a que seja proporcionada por um profissional de saúde, após pedido expresso do paciente, para alívio do sofrimento causado por uma doença incurável. Mas tolera que a morte seja proporcionada por Deus, normalmente contra a vontade do defunto, e de um modo que pode ser bastante doloroso. É crítico da lei portuguesa, mas não tem objecções a essa lei divina. Creio que o problema de Francisco não é propriamente a lei, mas o legislador.

É preciso reconhecer que alguns argumentos do Papa fazem sentido. Por exemplo, a ideia de que a eutanásia é contra a vontade de Deus. Acredito que seja, embora a vontade de Deus seja difícil de interpretar. Após o tsunami que em 2004 fez mais de 200 mil mortos no sudeste asiático, deu à costa um bebé, ileso, boiando em cima de um colchão. Na altura, várias pessoas concluíram que se estava perante um milagre. Deus era simultaneamente responsável pelo salvamento de um e inocente da morte de 200 mil. Deus tem excelente imprensa. Mas, sendo certo que o Todo-Poderoso é contra a eutanásia, não é menos verdade que também parece ser contra uma vida longa. Deus é a favor da vida, mas com moderação. Criou-nos com uma esperança média de vida bastante baixa. Nós é que a fomos alargando, muito provavelmente contra a Sua vontade. De facto, quando se morria por volta dos 40 anos, havia muito menos necessidade da eutanásia.»

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18.5.23

Centros de mesa

 


Centro de mesa, Museu de Artes Aplicadas de Budapeste, 1890.
Escultor e joalheiro: Jules Paul Brateau.

[Mais informação.]


Daqui.
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Chegámos a pensar que éramos maiores do que somos

 

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Em castelhano tem mais salero

 


(El País, 17.05.2023 - reservado a assinantes)
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Galamba não deu dois socos em Frederico, mas esmurra Costa até ao KO

 


«Estamos perante um grave problema de regime e de Estado de direito. A audição de Frederico Pinheiro na Comissão de Inquérito à TAP mostra um governo num frenesim selvagem, que manda o SIS telefonar a um cidadão à noite – que, até horas antes, era um “leal servidor” do Estado – e o SIS, invocando “ordens de cima”, pede-lhe o computador de trabalho, para isto ir “a bem”. Não há precedentes de um episódio destes nos anais da política nacional em democracia.

Quem assistiu esta quarta-feira à corajosa audição de Frederico Pinheiro, o ex-adjunto monstrificado nos últimos dias como “agressor de mulheres”, “doido”, “passado” e “ladrão” – pelas altas instâncias do Estado, incluindo o primeiro-ministro –, fica com uma ideia de que podemos, de facto, estar entregues a um grupo de pessoas que tomou o poder e usa-o sem freio.

Em qualquer governo do passado, esta situação levaria à demissão do ministro das Infra-Estruturas, como recomendou o Presidente da República. Misteriosamente, por razões fúteis, António Costa preferiu manter o ministro que ameaçou o adjunto “com dois socos”. Um dos mistérios da política será por que diabo o primeiro-ministro resolveu fechar-se numa espécie de ringue de boxe com João Galamba e pôr-se a jeito de todos os murros e destruição institucional que o ainda ministro é capaz de fazer, até deixar Costa KO. A menos que seja mesmo desejo de Costa ficar KO em Portugal para poder retirar-se e preparar uma carreira europeia – não há mais nenhuma lógica que explique a sua união de facto com essa arma de (auto)destruição maciça que é João Galamba.

Como é que um homem que trabalhou em três governos de António Costa é sequestrado no Ministério das Infra-Estruturas, impedido de levar o computador de serviço e tem de chamar a PSP para o libertar? E porque é que as quatro assessoras do ministério que se queixaram de terem sido agredidas pelo ex-adjunto não aproveitaram a presença da polícia para apresentarem queixa? Pelos vistos, segundo a audição da chefe de gabinete, não perceberam que a polícia estava no ministério.

Depois, há o telemóvel que lhe foi atribuído em serviço – “não era dele”, logo podia ser “revistado” e as mensagens apagadas. A chefe de gabinete disse na noite desta quarta-feira: “Sou eu que pago as facturas.” Não, dra., somos nós todos. A frase é um programa revelador dos socos que João Galamba e os seus colaboradores estão a dar no regime.

Aparentemente, o grande pecado de Frederico Pinheiro foi não aceitar mentir, caso fosse chamado à comissão parlamentar de inquérito. João Galamba já tinha mentido e tencionava continuar a mentir.

Já tinha mentido, quando tinha dito que a CEO da TAP tinha participado na reunião preparatória com os deputados do PS, de 17 de Janeiro, por sua iniciativa – quando já se tinha percebido que afinal tinha havido uma reunião na véspera, em que o próprio Galamba desafiou a ex-CEO da TAP a participar.

Se uma situação destas se passasse com Pedro Santana Lopes ou Pedro Passos Coelho, o regime vinha abaixo. Têm muitos elementos da sociedade civil portuguesa dois pesos e duas medidas? É provável que sim. O sequestro, as agressões, a chamada do SIS, o contacto intimidatório do agente do SIS perante o homem a quem o Governo confiou dossiers importantes desde 2017, não é revelador do regular funcionamento das instituições. Se o bom senso abandonou António Costa para se amarrar a toda esta situação espúria, é porque alguma coisa não anda bem. Ou, como diz o socialista Sérgio Sousa Pinto, Costa quer mesmo eleições já.»

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17.5.23

Jarrras

 


Jarra de louva-a-deus, cerca de 1880.
Émile Gallé.


Daqui.
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Seca

 


«Ainda não há consciência de que estamos num país cada vez mais parecido com o Norte de África. De ano para ano, os efeitos da seca vão-nos aproximando dos nossos vizinhos do lado de lá do Mediterrâneo.

A consciência do problema vem crescendo, mas pouco ou nada se tem feito para inverter ou desacelerar uma situação que se agrava rapidamente, com picos que batem recordes históricos e colocam o país e múltiplos setores produtivos em situações inéditas e desesperadas. (…)

Pedro Sánchez injetou 1,3 mil milhões de euros junto dos agricultores, não só para atenuar os efeitos económicos da seca, mas também na ajuda direta à contratação de seguro agrícola contra a seca, medidas fiscais mais favoráveis e uma flexibilização dos mecanismos da Política Agrícola Comum. (…) Espanha vem implementando políticas de modernização da irrigação há mais de duas décadas, com progressos significativos, que nos têm prejudicado na água que (não) chega do outro lado de lá da fronteira. Com uma indústria agrícola forte, os nossos vizinhos preparam-se para continuar a sugar a água e um dia não vai chegar para todos. Planos para a inverter a situação? Não conheço.»

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17.05.2013 – O dia em que morreu um carrasco: Jorge Videla

 


Foi há dez anos que morreu Jorge Videla que governou a Argentina entre 1976 e 1983 e que foi responsável por mais de 30.000 mortos ou desaparecidos. Condenado em 2010 a prisão perpétua, viu a sua pena aumentada em mais 50 anos, em Julho de 2012, por ter dirigido uma rede que roubava bebés de prisioneiros políticos.

Por ocasião da sua morte, num artigo intitulado «Nem Freud imaginou isto», Simone Duarte resumiu bem o drama de algumas destas crianças: «É este o legado do general Videla. Uma geração que desapareceu. Outra que ficou sem saber quem era. E está até hoje a tentar descobrir».

No seu livro «Los hijos de los días», Eduardo Galeano cita o que Jorge Videla explicou vinte anos mais tarde, em 1996:
«No, no se podía fusilar. Pongamos un número, pongamos cinco mil. La sociedad argentina no se hubiera bancado los fusilamientos: ayer dos en Buenos Aires, hoy seis en Córdoba, mañana cuatro en Rosario, y así hasta cinco mil... No, no se podía. ¿Y dar a conocer dónde están los restos? Pero, ¿qué es lo que podemos señalar? ¿En el mar, en el Río de la Plata, en el Riachuelo? Se pensó, en su momento, dar a conocer las listas. Pero luego se planteó: si se dan por muertos, enseguida vienen las preguntas, que no se pueden responder: quién mató, cuándo, dónde, cómo...»
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E se cada cidadão fosse um banco?

 


«Quando as notícias são más, o castigo ao cidadão é quase imediato. Se houver recessão económica, perde o emprego e o salário. Se houver inflação, perde rendimento, porque o mesmo número de notas compra menos bens e serviços.

Se subirem as taxas de juro, paga mais pelo empréstimo que fez ao banco para pagar a casa. Se houver subida do preço do barril de petróleo, o litro de gasolina ou gasóleo aumenta de imediato. Se houver uma crise de dívida pública, aumentam-lhe os impostos ou congelam-lhe a pensão.

A velocidade não é a mesma quando as notícias são boas. Tudo anda muito devagar. E nunca chega para cobrir as perdas acumuladas nas más notícias. Quando o crescimento regressa, o novo emprego tem pior salário que o anterior. Quando a inflação começa a abrandar, os preços não voltam ao nível anterior. Quando as taxas de juro descem, já se pagaram milhares de euros a mais, que ninguém devolve. Se o preço do petróleo desce, o litro de gasolina ou gasóleo pouco mexe, porque entram em campo os custos de refinação, de transportes, ou de seja o que for. E quando acaba a crise de dívida pública, talvez se descongelem as pensões, mas, reduzir o IRS na mesma proporção do que se aumentou, isso não, que é preciso acautelar as contas públicas.

Quando, finalmente, depois de muito tempo com boas notícias, se adivinha poderá haver, finalmente, benefício para o cidadão, bate à porta outra crise, sempre com os mesmos efeitos das anteriores, seja a origem um vírus, a ganância do sistema financeiro, o desgoverno dos atores políticos, a globalização, a chuva em excesso ou a seca, ou outra razão qualquer, que sempre se arranja uma.

É uma pena que cada cidadão não se possa transformar num banco. Nos tempos difíceis, se fosse à falência, lá estaria o Estado para pagar aos credores (ainda que à custa dos outros cidadãos). Se o custo do dinheiro ficasse demasiado alto, teria o Banco Central Europeu para o financiar a taxa zero. E, quando chegassem os tempos de bonança, era lucro certo. Não acredita? Se os 954 milhões de euros de lucro dos seis maiores bancos, nos primeiros três meses deste ano, fossem distribuídos por dez milhões de cidadãos, dava 95 euros a cada um. Já depois das despesas familiares estarem todas pagas.»

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16.5.23

Que será feito da vaca voadora de António Costa?

 

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16.05.1974. Posse do 1º Governo Provisório

 


Há 49 anos, tomou posse o 1º Governo Provisório  que iria durar apenas dois meses. Na sequência do pedido de demissão de Palma Carlos, foi formado o 2º Governo Provisório, presidido por Vasco Gonçalves.
 



Quem era o quê:

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JMJ já tem selo - Lá vamos, cantando e rindo (2)

 


A ler:
Vaticano lançou mesmo um selo comemorativo da JMJ com o Padrão dos Descobrimentos?





N.B. - Há quem tenha reparado: o único ajoelhado é negro.
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TAP: mais uma semana de alto risco

 


«Justificadamente, correm rios e rios de tinta desde que, a 28 de Abril, foi conhecido o caso que opõe o responsável pelas Infra-Estruturas, João Galamba, ao seu ex-adjunto Frederico Pinheiro, que o ministro havia exonerado dois dias antes.

Foram os detalhes sobre a bizarra situação que ocorreu na noite de 26 de Abril, quando Frederico Pinheiro se deslocou ao ministério para recuperar o seu computador, que primeiro ocuparam as atenções. Em seguida, perante a confusão e as acusações, discutiram-se as condições para o ministro continuar em funções e, após a não-aceitação da sua demissão, a marcante confrontação entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, que até hoje marca a actualidade política. E, desde as primeiras horas, a questão da recuperação do computador e de uma possível, e grave, instrumentalização do SIS por parte do Governo foi outra das fontes de controvérsia.

No meio disto tudo, estranhamente, o ponto inicial de impacto entre João Galamba e Frederico Pinheiro, aquilo que a comprovar-se seria o mais grave da actuação do ministro, foi quase esquecido no meio das polémicas. Só que esta semana, com audições na comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP, o assunto deverá voltar ao seu esplendor.

O que está na raiz de todo este caso é, na versão do ex-adjunto, a vontade do ministro de esconder as notas sobre uma reunião preparatória antes da ida da CEO da TAP à Comissão de Economia, a 18 de Janeiro. Para o ministro, o que se passou foi que o adjunto primeiro não disse que tinha notas, e depois tardou a enviá-las. A seu favor, o ministro tem o facto de as notas terem sido mesmo enviadas à CPI e, segundo afirmou, várias testemunhas podem confirmar a sua versão. Falta saber o que Frederico Pinheiro pode ainda revelar para sustentar a sua versão.

António Costa, quando anunciou a sua decisão de manter João Galamba, assumiu a dimensão do problema, mas descartou a questão, ao afirmar que “havia acusação grave de que o ministro não queria colaborar com a comissão de inquérito à TAP”, mas que não via indícios disso. Mesmo que o primeiro-ministro considere, como afirmou ontem, que a CPI da TAP está a extravasar o âmbito para que foi constituída, é pouco provável que os deputados não aproveitem a oportunidade para tentar esmiuçar a raiz do problema. Será, no final, mais uma ocasião para medir a arriscada decisão de António Costa se “acorrentar” a João Galamba.»

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JMJ já tem selo - Lá vamos, cantando e rindo

 


Não, não é a brincar, é mesmo o selo do Vaticano para comemorar as JMJ. É provável que se tenham inspirado no livro da 3ª classe do Estado Novo.
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15.5.23

Candeeiros

 


Candeeiro geométrico de vidro com chumbo e bronze, cerca de 1910.
Tiffany Studios.


Daqui.
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Saldanha Sanches

 


Morreu já fez ontem 13 anos.

Vale a pena ler uma longa entrevista dada em 2008, em conjunto com Maria José Morgado, a Anabela Mota Ribeiro.
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Começa a ser tarde, sim

 

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Tabaco: um Estado solidário e regulador não é um Estado tutor

 


«Acho muito bem que a lei proteja quem não quer ser fumador passivo, proibindo o consumo onde outros sejam obrigados a fumar contra a sua vontade. Compreendo que isso se estenda a lugares fechados onde haja trabalhadores, apesar de esperar que o Estado tenha igual empenho na prevenção de outros danos desnecessários graças a más condições de trabalho em tantas atividades. Compreendo limitações em alguns lugares ao ar livre em que as pessoas tenham de estar próximas.

Mas a lei deve servir para defender das escolhas de outros quem não quer fumar, não para defender das suas próprias escolhas quem quer fumar. Em nome de quê se proíbe de fumar ao ar livre em espaços em que o distanciamento existe? Porquê à frente de faculdades e edifícios públicos? É simbólico? Porque não se pode fumar à porta de restaurantes e bares? Para torturar os fumadores? Porque raio se proíbe a venda em cafés e restaurantes? Para obrigar o fumador a não fumar por não conseguir comprar? Para impor a fumadores a abstinência forçada?

Respondendo à deputada Isabel Moreira, que recordou que fumar é um ato lícito e que restrições só podem ser introduzidas na lei pelo Estado para proteção de terceiros, o ministro da Saúde disse que “está em causa apenas a contenção do fumo do tabaco nos espaços onde esse fumo acaba por prejudicar as pessoas que se encontram à volta". Isto é falso. É falso em algumas das restrições, mas, acima de tudo, é falso na latitude da proibição de venda de uma droga e livre para maiores de idade. Que direitos de terceiros se querem proteger quando se proíbe a venda em praticamente todo o lado para lá de tabacarias, gares e aeroportos, condenando terras pequenas à total proibição de venda de cigarros?

Uma coisa é proteger a saúde das pessoas, outra é proteger as pessoas das suas escolhas. Mas, na verdade, tem tudo a ver com o ar dos tempos. À medida que o Estado vai abandonando as suas funções sociais para proteger os cidadãos da pobreza e as suas funções regulatórias para proteger os cidadãos do abuso e da exploração, mais se dedica a proteger as pessoas delas próprias.

O álcool é legal e, em Portugal, a pressão social para o consumir é enorme – sei, porque praticamente não bebo. É o mesmo Estado do puritanismo antitabágico que vende sem qualquer limite, através da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, raspadinhas a velhos dependentes, contribuindo, apesar de todos os avisos feitos por estudiosos, para a destruição da vida financeira de famílias geralmente mais pobres e vulneráveis. Mas em relação ao tabaco parece não haver limites para o papel que o Estado se atribui a si mesmo.

Diz o governo que o objetivo é chegar a 2040 com uma geração sem tabaco. Todos conhecemos esta conversa redentora em relação à droga. Há décadas que se sonha com um mundo sem droga e, à conta disso, criou-se uma cultura proibicionista que alimentou a criminalidade, reforçou as pulsões securitárias do Estado (quase sempre contra as comunidades mais pobres), consumiram-se recursos inimagináveis e o resultado não é animador.

Fumei mais de dois maços diários, desde os 16 anos, quase durante três décadas. Deixei de fumar há oito anos. Acho que foi das decisões mais difíceis de manter na minha vida. Que papel teve o Estado na decisão de deixar de fumar? Não foram seguramente as insuportáveis campanhas puritanas. Talvez as consultas gratuitas de cessão tabágica na Unidade de Saúde Familiar que me serve tenha sido a mais relevante. E aquela que, como cidadão e contribuinte, espero do Estado.

Como o tabaco não é uma droga que afete o discernimento a ponto de tornar o fumador incapaz de ter vontade própria, ele deve ser tratado como um adulto capaz de tomar decisões livres sobre si mesmo. Aquilo de que precisamos é de um Estado solidário e regulador, que não deixe ninguém para trás e proteja os direitos de todos. Não precisamos de um Estado tutor. Por mim, que abandonei quase todos os vícios, não quero viver num mundo higienizado, sem vícios e sem drogas. Quero viver num mundo de adultos livres para fazerem as suas escolhas.»

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14.5.23

Biombos

 


Biombo «Rainha das Flores», com três painéis de teca e seda dourada. 1902.
Carel Wirtz.

Daqui.
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14.05.1958 - Humberto Delgado no Porto

 


«Povo do Porto, a resposta está dada com esta manifestação. Façam eleições livres e venceremos!» Foi com estas palavras que Humberto Delgado se dirigiu à multidão que o aclamou em frente à sede da sua candidatura, na Praça Carlos Alberto, no Porto, em 14 de Maio de 1958. A fotografia passou a funcionar quase como uma espécie de ícone de uma campanha extraordinária que abalou fortemente a ditadura de Salazar.




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JMJ – Costa, o Peregrino

 


Irá confessar-se ao Parque do Perdão?
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Malefícios do tabaco

 

«O Estado é bastante tolerante com muitos vícios e muito hipócrita face a vários deles. O exemplo mais flagrante é o álcool que também “mata”, estropia, destrói, associa-se a comportamentos disruptivos violentos e atira muita gente para uma vida miserável, para si e para os seus. Mas como “beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses”, frase que hoje teria certamente uma restrição exponencial na quantidade de portugueses que “comem” do vinho, só que são muito mais poderosos do que o “milhão” dos anos do Estado Novo, pouco se faz.

Ou, pior ainda, o jogo, que sob directo patrocínio do Estado tem crescido exponencialmente. Nas tabacarias a que a venda do tabaco está hoje praticamente confinada é o jogo que é dominante, e é só observar para perceber que é um vício dos mais pobres que compram compulsivamente “raspadinhas” e outras coisas do mesmo género com nomes bizarros. Por aí adiante.»

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Um plano de formação para o Governo

 


«Sendo agora seguro (?) que este Governo vai continuar em São Bento, ainda que sob vigilância reforçada de Belém – seja lá isso o que for –, e que no Ministério das Infra-Estruturas tudo continua como dantes, com excepção de um adjunto, proponho-me aqui fazer algumas recomendações a António Costa.

Perguntará o leitor: quem sou eu para dar lições ao líder político nacional mais experiente e bem-sucedido da última década? Poderia responder que qualquer pessoa bem-formada e educada já teria alguma coisa a dizer. Não para António Costa, a quem não faltou a melhor educação. Já quanto a vários dos seus ministros e outros membros do aparelho governativo, creio que apenas boa educação já faria diferença.

Alguns problemas poderiam evitar-se na escolha dos ministros e restante pessoal dos gabinetes. Não estando ao nosso alcance, uma vez que os que existem são um pressuposto, é preciso trabalhar com aqueles que temos.

É na qualidade de recém-chegada à área da formação no universo das empresas e das instituições que me proponho dar ajuda. Pergunto se tem o Governo um plano de formação quadrienal para a legislatura, a executar em planos anuais. Se não tem, devia. Um plano de formação abrangente, destinado a todos os membros dos gabinetes.

Poderão objectar-me que estas equipas já estão sujeitas aos mais exigentes ritmos de trabalho, com agendas impossíveis de cumprir em horário normal de expediente. Como hão-de ainda ter tempo para formação? Não me parece argumento.

Já tivemos governantes que aproveitaram a passagem pelo executivo para melhorar a sua formação por conta própria – em especial concluir licenciaturas e mestrados e até prosseguir doutoramentos. Se deu para compatibilizar Governo e universidade, também há-de haver tempo para formação in house.

Aconselho dar prioridade às temáticas de liderança, gestão de pessoas, gestão de equipas, resolução de conflitos. Também parece haver alguma necessidade de desenvolvimento comportamental, em especial de gestão interna de estados emocionais, para evitar casos de passagem ao acto. Como é sabido, líderes tóxicos, por muitas boas que sejam as suas qualidades, têm um efeito destrutivo nas organizações.

Também se recomenda formação nas ferramentas de Tecnologias de Informação, dos sistemas utilizados às regras comportamentais na utilização, com vista a melhorar a performance, promover a saúde e evitar histórias rocambolescas.

Há empresas que desligam o Facebook aos trabalhadores. Os ministros também deveriam ter períodos obrigatórios de pausa do WhatsApp. Desde logo quando participam em actos públicos ou quando estão a despachar. As aplicações de mensagens instantâneas favorecem a impulsividade, não a ponderação. Como devia saber qualquer aspirante a chefe (não tóxico), é melhor respirar fundo e deixar passar algum tempo antes de dar uma má resposta. Decidir depressa é qualidade indispensável a um líder, mas que não seja tão depressa como metaforicamente propôs o Chico Buarque.

Não faltam entidades às quais recorrer para dar corpo ao Plano de Formação do Governo. Desde consultoras de recursos humanos às escolas de gestão executiva, existe no país oferta de alto nível.

O executivo não olha a custos na hora de contratar os melhores para a coordenação política, comunicação estratégica e pareceres jurídicos. Não será difícil encontrar uma rubrica para formação de pessoas, como, aliás, a lei obriga as empresas. Por maior que seja o investimento, passará em qualquer análise custo-benefício.

É realmente necessário que este Governo se concentre nos enormes trabalhos em curso, naquilo que os cidadãos esperam dele – que gira a coisa pública – em vez de se perder na gestão dos conflitos entre equipas, chefes, aspirantes a chefes, estrelas, invejosos e incompetentes, que sempre os há em todo o lado. Pode deixar para a oposição o trabalho de fazer oposição.

Voltando ao Chico, é um bom conselho, ainda por cima de graça.»

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