«Quando a lei da eutanásia foi aprovada pelo Parlamento português, o Papa disse que estava “muito triste porque, no país onde apareceu a Virgem” tinha sido promulgada “uma lei para matar”. Não é todos os dias que o chefe de Estado de um país estrangeiro critica as leis aprovadas no nosso. Sem querer ser chauvinista, julgo que o argumento de Francisco I é frágil. De facto, em 1917, tendo coisas importantes para comunicar à Humanidade, Nossa Senhora escolheu fazê-lo no concelho de Ourém. Maria tinha à sua disposição o planeta inteiro — e poderia ter aparecido em qualquer lado uma vez que, sendo mãe de quem é, ninguém lhe impediria a entrada. Não deve haver cunha mais poderosa do que essa. Mais especificamente, Nossa Senhora poderia ter aparecido no Vaticano, onde tem inúmeros domicílios — uns mais espaçosos, como a Basílica de São Pedro, outros mais acolhedores, como a Capela Sistina, mas todos deslumbrantes. No entanto, a Virgem optou por uma árvore na Serra de Aire. Essa atitude devia fazer Francisco pensar. Se nos empenhamos a construir os mais sumptuosos aposentos para a nossa mãe e, quando ela vem de visita, troca o nosso tecto pintado por Miguel Ângelo por um céu enevoado da Beira Litoral, parece-me inevitável ponderarmos se tomámos as decisões certas.
Em relação à eutanásia, é importante notar que Francisco não é exactamente contra o acto de proporcionar a morte a alguém. Opõe-se a que seja proporcionada por um profissional de saúde, após pedido expresso do paciente, para alívio do sofrimento causado por uma doença incurável. Mas tolera que a morte seja proporcionada por Deus, normalmente contra a vontade do defunto, e de um modo que pode ser bastante doloroso. É crítico da lei portuguesa, mas não tem objecções a essa lei divina. Creio que o problema de Francisco não é propriamente a lei, mas o legislador.
É preciso reconhecer que alguns argumentos do Papa fazem sentido. Por exemplo, a ideia de que a eutanásia é contra a vontade de Deus. Acredito que seja, embora a vontade de Deus seja difícil de interpretar. Após o tsunami que em 2004 fez mais de 200 mil mortos no sudeste asiático, deu à costa um bebé, ileso, boiando em cima de um colchão. Na altura, várias pessoas concluíram que se estava perante um milagre. Deus era simultaneamente responsável pelo salvamento de um e inocente da morte de 200 mil. Deus tem excelente imprensa. Mas, sendo certo que o Todo-Poderoso é contra a eutanásia, não é menos verdade que também parece ser contra uma vida longa. Deus é a favor da vida, mas com moderação. Criou-nos com uma esperança média de vida bastante baixa. Nós é que a fomos alargando, muito provavelmente contra a Sua vontade. De facto, quando se morria por volta dos 40 anos, havia muito menos necessidade da eutanásia.»
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